Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2216/16.9T8VCT.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A pendência de acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, na primeira ou segunda instâncias, sem que se possa saber se irá ser interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos dos arts. 185.º, n.º 2 e 186.º do Código de Processo do Trabalho, não justifica que se decrete a suspensão da instância noutra acção em que a questão seja discutida, com fundamento no n.º 1 do art. 272.º do Código de Processo Civil, atendendo ainda ao que se dispõe na parte final do seu n.º 2.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

A. C. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra VIGILÂNCIA E PREVENÇÃO ELECTRÓNICA, S.A., pedindo, além do mais, que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e a Ré condenada a pagar ao Autor a indemnização de antiguidade e as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença.
Alegou, além do mais, o seguinte:

« Em 11/04/2016 a Ré enviou ao Autor a carta que se junta sob o doc. nº 4, a comunicar a transmissão do seu contrato de trabalho para a “SG – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda.”, carta com o seguinte teor:
(…)
No dia 01/06/2016 o Autor apresentou-se ao trabalho, no local habitual – Instituto Politécnico ….
Porém, foi-lhe comunicado pelo legal representante da “SG - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda.” que não era trabalhador dessa empresa, não aceitando, assim, a sua prestação laboral.
Conforme se verifica da comunicação efectuada pela Ré ao Autor, não ocorreu qualquer transmissão da titularidade da empresa ou estabelecimento ou parte da empresa ou estabelecimento por parte da Ré.
O que sucedeu foi que a Ré perdeu o cliente Instituto Politécnico de … para quem prestava serviços de segurança e vigilância e onde o Autor exercia as suas funções de vigilante ao serviço da Ré.
10º Assim, não houve transmissão da titularidade da empresa ou estabelecimento ou parte da empresa ou estabelecimento, com a consequente transmissão da posição do empregador no contrato de trabalho do Autor, nos termos do art. 285º CT.
11º Aliás, a clausula 13ª, nº 2 do CCT aplicável às relações laborais entre Autor e Ré, conforme clausula 7ª do contrato de trabalho – doc. 1 – CCT entre a AES e o STAD, publicado no BTE nº 17/2011 com PE no BTE 19/2012 – estabelece que “Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador”.
12º Assim, a comunicação de transmissão do estabelecimento e contrato individual de trabalho por parte Ré para o dia 31/05/2016, configura um despedimento, o qual, por não ter sido precedido do respectivo procedimento para qualquer tipo de despedimento, tem de ser considerado e judicialmente declarado, como despedimento ilícito.»
A Ré apresentou contestação, pedindo a sua absolvição, além do mais, do pedido acima indicado, alegando, além do mais, o seguinte:
«16. A Ré nunca, como ao que parece se pretende, despediu, ou teve intenção de despedir o A. ou qualquer dos restantes trabalhadores.
17. Antes, e repete-se, informou o A. e os restantes trabalhadores que os seus contratos individuais de trabalho se transmitiram para a nova adjudicatária dos serviços.
18. Da mesma forma que informou a nova adjudicatária do mesmo (cfr cópia da carta enviada à SG – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda que se junta, Documento nº 1)
19. Transmissão que, ao contrário do que vem alegado na PI não é afastada pelo Instrumento de Regulamentação Colectiva aplicável ao sector.
20. No caso o Contrato Colectivo do Trabalho outorgado pelas AES, AESIRF, FETESE, SITESE, SINDELTECO, SINDCES/UGT e SINDEL. (publicado no BTE nº 32 de 29 de Agosto de 2014), aplicável a todo o sector por força da Portaria 95/2015 de 27 de Março.
Isto porque,
21. Corre termos, sob o número 6999/14.2T8LSB, na Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Central – 1ª Secção do Trabalho – J2 acção especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho que, visando precisamente aquele IRCT e outro, peticionou o seguinte:
(…)
23. Tal acção procedeu em primeira instância, vindo o Tribunal a decidir:
Em face do exposto, decide-se julgar a presente acção procedente e, em onsequência:
a) Declarar nulas as cláusulas 9ª n.º 2 do Contrato Colectivo entre a AES, AESIRF, FETESE, SITESE, SINDELTECO, SINDCES/UGT e SINDEL, publicado no BTE n.º 32 de 29 de Agosto de 2014 e 13ª n.º 2 do Contrato Colectivo entre a AES, AESIRF, STAD, FECTRANS e FECPCES, publicado no BTE n.º 17 de 8 de Maio de 2011;
b) Fixar interpretação das cláusulas 9ª n.º 1 do Contrato Colectivo entre a AES, AESIRF, FETESE, SITESE, SINDELTECO, SINDCES/UGT e SINDEL, publicado no BTE n.º 32 de 29 de Agosto de 2014 e 13ª n.º 1 do Contrato Colectivo entre a AES, AESIRF, STAD, FECTRANS e FECPCES, publicado no BTE n.º 17 de 8 de Maio de 2011 no sentido de que a «transmissão» de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento contemplada no n.º 1 da cláusula 9º do CCT FETESE e do n.º 1º da cláusula 13º do CCT STAD implica a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade.
24. É certo que a decisão que se transcreveu não transitou ainda em julgado, tendo sido objecto de recurso interposto pela A.E.S..
25. Parece-nos porém que não é de esperar que o Tribunal da Relação de Lisboa venha a alterar a decisão, face a orientação jurisprudencial que tem vindo a seguir.»
O Autor apresentou resposta em que, além do mais, requereu a intervenção principal provocada passiva de SG – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda., o que foi deferido.

Tendo os autos prosseguido, veio a ser proferido despacho nos seguintes termos:

«Constata-se agora que a decisão da presente causa está essencialmente dependente de se saber se é ou não nula a cláusula 13ª, n.º 2, do CCT entre a AES, STAD, FECTRANS e FECPES (BTE, n.º 17, de 8/5/2011).
Na realidade, se esta cláusula não estiver ferida de nulidade, então a defesa apresentada pela R. " VIGILÂNCIA E PREVENÇÃO ELECTRÓNICA, S.A." perde grande parte da sua validade, pois que ali se dispõe claramente que "não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador" - sendo que é essencialmente o contrário o que pretende esta R.
Ora encontra-se a correr termos o processo n.º 6999/14.2T8SLB - processo especial de anulação da referida cláusula -, sendo que a decisão a proferir nesse processo tem o efeito previsto no artigo 186º do C. P. Trabalho.
Significa isto que aquele processo configura uma causa prejudicial nos termos e para os efeitos previstos no artigo 272º, n.º 1, do C. P. Civil.
Assim, nos termos expostos, determina-se a suspensão da instância nestes autos até ser proferida decisão, com trânsito em julgado, no citado processo 6999/14.2T8SLB.
As partes deverão, logo que tal decisão transite em julgado, dar conhecimento desse facto a este tribunal.
Notifique.
Dou sem efeito a data de julgamento.
DN.»

O Autor, inconformado, veio interpor recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. O despacho de suspensão de instância proferido a quo, assentou na mera informação prestada pela Ré VIGILÂNCIA E PREVENÇÃO ELECTRÓNICA, S.A., de existência de pendência de acção de anulação e interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho do IRCT, aplicável ao contrato de trabalho dos autos, no Tribunal da Comarca de Lisboa.
2. Resulta da mesma fonte que a decisão da acção avocada terá sido objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
3. Não consta dos autos qualquer certidão judicial bastante para formar a convicção da decisão proferida.
4. Na sequência de tal informação, o despacho a quo enquadrou o art. 186.º do CPT.
5. Tal disposição preceitua o valor ampliado de revista em processo civil do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
6. Desconhece-se se tal acção virá a ser objecto de acórdão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme obriga o art. 186.º do CPT.
7. Os acórdãos proferidos pelas Relações sobre a matéria de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho não relevam para a suspensão dos presentes autos por não constituir causa prejudicial nos termos e para os efeitos do art. 272.º, n.º 1, do C.P.C..
8. Além da aplicação de tais cláusulas, encontra-se submetido ao presente pleito a configuração do conceito de transmissão de estabelecimento, pela existência ou não de manutenção de unidade económica.
9. Que antecede a aplicabilidade das ditas cláusulas.
10. Os presentes autos deverão obter a sua marcha processual normal, sendo objecto de julgamento e decisão.
11. O despacho a quo violou, por errada interpretação e aplicação o art. 183.º, 186.º do CPT e 272.º, n.º 1 do CPC.
12. Ora, a decisão de suspensão de instância deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.»
Não foi apresentada resposta ao recurso do Autor.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente nos autos com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a da admissibilidade de suspensão da instância por prejudicialidade decorrente da pendência de acção de anulação e interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do Relatório supra.

4. Fundamentação de direito

O Recorrente vem, no essencial, sustentar que, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, não tem fundamento a declaração de suspensão da instância nos termos dos arts. 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 186.º do Código de Processo do Trabalho.
Estabelece o art. 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado, acrescentando o n.º 2 que, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Por seu turno, dispõe o Código de Processo do Trabalho, na parte que interessa:
SECÇÃO VI
Acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho
Artigo 183.º
Requisitos da petição
1 - Nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, deve o autor, na petição, identificar todas as entidades outorgantes e expor os fundamentos da sua pretensão.
2 - Com a petição é junta cópia do Boletim do Trabalho e Emprego onde esteja publicada a convenção colectiva e oferecida a prova pertinente.
(…)
Artigo 185.º
Forma, valor do processo e efeitos do recurso
1 - As acções a que se referem os artigos anteriores seguem, depois dos articulados, os termos do processo comum, com exclusão da audiência preliminar e da tentativa de conciliação.
2 - Da decisão final cabe sempre recurso de revista até ao Supremo Tribunal de Justiça.
3 - O recurso da decisão de mérito tem efeito suspensivo.
Artigo 186.º
Valor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões a que se refere o artigo 183.º tem o valor ampliado da revista em processo civil e é publicado na 1.ª série-A do jornal oficial e no Boletim do Trabalho e Emprego.
Posto isto, analisemos a decisão recorrida que decretou a suspensão da instância.
Em 1.º lugar, constata-se que tal decisão assentou na informação prestada pela Ré VIGILÂNCIA E PREVENÇÃO ELECTRÓNICA, S.A., de que está pendente acção de anulação e interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho aplicável ao caso dos autos, mais precisamente a invocada pelo Autor para fundamentar a não verificação de transmissão de estabelecimento e a inerente ocorrência de despedimento ilícito, sendo junta mera cópia da sentença que terá julgado a mesma procedente; quanto a ter sido interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, assentou igualmente em mera informação daquela Ré.
Por outro lado, ainda que tenha sido interposto tal recurso de apelação, e que, nos termos do citado art. 185.º, n.º 2, seja sempre admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tal não implica que este seja obrigatoriamente interposto.
Ora, nos termos do também citado art. 186.º, só o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho tem o valor ampliado da revista em processo civil, o mesmo não sucedendo com as decisões de primeira e segunda instâncias.
Assim, a mera pendência de acção de tal natureza na primeira ou segunda instâncias, sem que se possa saber se irá ser interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, não justifica que se decrete a suspensão da instância nos termos do n. 1 do art. 272.º do Código de Processo Civil, atendendo ainda ao que se dispõe na parte final do seu n.º 2.
Em face do exposto, procede o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Guimarães, 19 de Outubro de 2017

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)

Sumário (elaborado pela Relatora):

A pendência de acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, na primeira ou segunda instâncias, sem que se possa saber se irá ser interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos dos arts. 185.º, n.º 2 e 186.º do Código de Processo do Trabalho, não justifica que se decrete a suspensão da instância noutra acção em que a questão seja discutida, com fundamento no n.º 1 do art. 272.º do Código de Processo Civil, atendendo ainda ao que se dispõe na parte final do seu n.º 2.

(Alda Martins)