Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1845/16.5T8BRG.G1
Relator: VERA MARIA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Não aceitando a trabalhadora o despedimento por extinção do posto de trabalho e querendo impugná-lo ainda que por antecipação, como sucedeu no caso em apreço, deveria ter procedido à devolução da compensação imediatamente após o seu recebimento, ou do seu conhecimento ou em prazo muito curto, sob pena de cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art. 366.º, do CT.
II - Outra interpretação não pode ser dada ao citado n.º 5, do artigo 366.º, do CT a não ser a de que o trabalhador, querendo ilidir a presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, terá de entregar ou colocar à disposição do empregador a compensação pecuniária que recebeu. Só, assim, poderá impugnar o despedimento de que foi alvo.
III - A aceitação do despedimento por força do recebimento da compensação extingue o direito do trabalhador de impugnar o despedimento e constitui excepção peremptória, da qual resulta a absolvição do pedido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: AA…
APELADO: BB…, LDA,
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

I – RELATÓRIO

AA…, residente na Rua Padre Giesteira, lote…, 4740-283 Esposende, intentou a presente acção, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora BB…, LDA. com sede na Av. Dr. Assunção Vasconcelos Chaves, lote …, 4710-000 Braga, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98º-C do CPT e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento
Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado fundamentador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.
A entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento alegando, em síntese, os factos motivadores da extinção do posto de trabalho e deduziu a excepção peremptória de aceitação do despedimento pela trabalhadora, dizendo que tendo entregue à trabalhadora a compensação pelo despedimento e não tendo esta até ao termo do prazo para impugnação do despedimento colocado tal quantia à sua disposição, aceitou o despedimento, não podendo como tal ser impugnado de acordo com o previsto no artigo 366º n.º 5 do CT.
Conclui peticionando a improcedência da acção e a procedência da excepção peremptória, com a sua consequente absolvição.
A trabalhadora contestou e reconveio alega, em síntese, a invalidade e irregularidade do despedimento de que foi alvo, pugna pela reintegração e alega ainda ter sofrido danos não patrimoniais em consequência do despedimento de que foi alvo, danos esses merecedores de reparação.
Termina pedindo:
- a improcedência do pedido formulado pelo empregador, declarando-se ilícito, com as legais consequências, o despedimento de que foi alvo;
- a procedência da reconvenção com a consequentemente reintegração no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade, sem perda de quaisquer direitos ou regalias, salvo se, em substituição da reintegração, a reconvinte até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, preferir optar pelo recebimento de uma indemnização, a fixar pelo tribunal entre 15 a 45 dias de retribuição base, de valor não inferior a 3 meses, indemnização essa que, tomada por retribuição o valor correspondente a 30 dias e a retribuição de 2.000,00€, atinge a soma de 6.000,00€ (seis mil euros);
- a condenação do empregador a pagar-lhe todas as retribuições que esta deixou de auferir e que, normalmente, auferiria, desde a data do ilícito despedimento até trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento as quais, computadas meramente para efeitos de cálculo desde Junho de 2016 até novembro de 2016, sem prejuízo de todas as demais vincendas, bem como férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, perfazem o valor ilíquido de € 10.000,00 (catorze mil euros).
- a condenação do empregador a pagar-lhe o subsídio de férias referente ao ano de 2016, no montante de 2.000,00€ e a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais por si sofridos.
- a condenação do empregador no pagamento de custas e juros legais computados à taxa de 4% ao ano, desde a data de citação até integral e efetivo pagamento.
O empregador veio responder concluindo pela sua absolvição da instância e subsidiariamente pela sua absolvição do pedido.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido saneador sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento que foi invocada pela ré e, em consequência, absolvo-a do pedido.
Fixo à causa o valor de € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros).
Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.”
Inconformada com o decidido apelou a Trabalhadora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. (…)
2 . A A. não concorda com a douta decisão que conheceu a excepção peremptória de aceitação do despedimento, já que, em 20 de abril de 2016, muito antes de a R. transferir qualquer quantia para a conta da A., se havia oposto ao seu despedimento e que o considerava ilícito.
3. Também a R. não cumpriu o preceituado, pois que não colocou à disposição da A. o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos créditos exigíveis por cessação do contrato de trabalho, pelo que desrespeitou o preceituado no artigo 371º n.º 3 e 4 do Cód. do Trabalho.
4. Também a A. não aceita que se possa presumir que esta aceitou o despedimento por extinção o posto de trabalho, pelo facto de lhe ter sido transferida a quantia de €2.775,13, em 13 de Junho de 2016, pois
5. Já, em 20 de Abril de 2016, a A., ao intentar a presente acção, declarou expressamente que não aceitava o despedimento e o considerava ilícito, pelo que não seria de aceitar a presunção constante do artigo 366º n.º 4 do Cód. do Trabalho.
6. Ou seja, a declaração da A. de não aceitação do despedimento é anterior e não posterior ao ter-lhe sido transferida a quantia atrás referida.
7. Por outro lado, tendo sido efetuada uma transferência para a conta da A., não tinha esta como se opor, pois caso lhe fosse entregue qualquer quantia (em cheque ou numerário) a título de compensação pelo despedimento, jamais a A. a aceitaria.
8. Assim, andou mal o tribunal a quo quando declarou que o comportamento da A. faria presumir a aceitação do despedimento.
9. Acresce ainda que a quantia transferida para a conta da A. nem sequer é suficiente para pagamento de todos os seus créditos vencidos e exigíveis por força do despedimento – falta ainda a quantia de 707,97€ - conforme acima se demonstrou.
10. A A. também não estava obrigada a devolver qualquer quantia à R., já que a quantia que lhe foi transferida era para pagar créditos vencidos (e nem para isso era suficiente).
11. Acresce finalmente e sem admitir que a A. tenha recebido qualquer quantia a título de compensação pelo despedimento, mas caso isso tivesse acontecido (que se não admite nem aceita) nunca os 800,00€ seriam suficiente para tal, já que a A. teria direito a 1.000,00€, pois como a R. muito bem sabe (consta dos recibos de pagamento) o salário daquela era de €2.500,00 por mês.
12. Assim, caso o Tribunal a quo tivesse em atenção todos os elementos e factos constantes do processo e não tivesse atendido exclusivamente ao que foi trazido aos autos pela R. não teria dado como provado a exceção peremptória de aceitação de despedimento.
13. Encontram-se violados, entre outros, os preceitos constantes do art.º 371º n.º 3 e 4; do artº 366.º n.º 4 e 5, art.º 372.º do Cód. do Trabalho.”
Termina pedindo a procedência do recurso, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal a quo, para prosseguimento dos mesmos com a sua ulterior tramitação processual.
A entidade empregadora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Foi admitido o recurso interposto pela Trabalhadora na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, tendo sido os autos remetidos a esta Relação.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Ajunto foi emitido parecer no sentido da improcedência da apelação.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação apurar da verificação da excepção da aceitação do despedimento pela Autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
- A Ré procedeu ao pagamento por transferência bancária à Autora da quantia de €2.775,13.
- A autora reconhece expressamente que esta quantia incluía o valor de €800,00 a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, que não devolveu à Ré.
Acrescem ainda os seguintes factos que resultam dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados:
- O contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré teve o seu início em 3 de Junho de 2015.
- A retribuição base auferida pela Autora era de €2.000,00, acrescida de subsídio de refeição de €5,12/dia e de prémio de produtividade no valor de €500,00.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da aceitação do despedimento pela Autora
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto da excepção peremptória de aceitação do despedimento ter sido julgada procedente, já que muito antes de lhe ter sido transferida a quantia de €2.775,13, pela Ré , havia intentado a presente acção, declarando expressamente não aceitar o despedimento por o considerar de ilícito, não sendo de aceitar a presunção constante do artigo 366º n.º 4 do CT e sendo ainda certo que tal quantia não se revelava de suficiente para o pagamento de todos os seus créditos vencidos e exigíveis por força do despedimento.
Apreciando:
Uma das causas de cessação do contrato de trabalho é precisamente o despedimento por extinção do posto de trabalho (alínea e), do artigo 340.º, do C.T.).
Estabelece o disposto no n.º 1 do artigo 367.º do CT que
considera-se despedimento por extinção do posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.
Para que o despedimento por extinção do posto de trabalho seja lícito é necessário, para além do mais, que o empregador coloque à «disposição do trabalhador despedido», até ao termo do prazo do aviso prévio, a compensação, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, nos termos previstos nos artigos 366º e 368.º, nº 5, ambos do Código do Trabalho, nos termos que decorrem expressamente da alínea d), do artigo 384.º, do mesmo Código.
Este direito do trabalhador em caso de despedimento por extinção de posto de trabalho mostra-se consagrado pelo art. 372º do CT, que manda aplicar a esta modalidade de despedimento parte das regras que regulam o despedimento colectivo.
A exigência da disponibilização da compensação até ao termo do prazo do aviso prévio, como pressuposto da licitude do despedimento, visa garantir ao trabalhador o recebimento por esta forma da indemnização pela cessação da relação de trabalho por motivos lícitos por parte do empregador.
Contudo a disponibilização do valor da compensação exigida, não deve ser confundida com a aceitação da mesma pelo trabalhador, prevista no artigo 366.º, n.º 5 do CT, como base da presunção de aceitação do despedimento.
Importa fazer uma breve resenha histórica destes preceitos para melhor se compreender a presunção da aceitação do despedimento, já que a mesma remonta à Lei de Cessação do Contrato de Trabalho (LCCT), aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que previa, uma presunção inilidível no seu art. 23.º, n.º 3, que estabelecia o seguinte: «o recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o presente artigo vale como aceitação do despedimento». Estava assim associada a compensação a aceitação do despedimento, daí resultando a impossibilidade legal de o trabalhador requerer quer a suspensão do seu despedimento, quer a sua impugnação.
Esta solução legal foi eliminada pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, que alterou a LCCT, regime jurídico este que, por sua vez, foi revogado com a entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, em 1 de Dezembro de 2003 - cfr. art. 3.º, n.º 1, da referida lei.
O Código do Trabalho de 2003 veio a consignar no seu artigo 401.º a compensação devida ao trabalhador, cujo contrato cessasse em virtude de despedimento colectivo, estabelecendo a presunção no seu n.º 4, alargando-a expressamente ao despedimento por extinção do posto de trabalho, nos termos que constam do art. 404º do CT de 2003, consignando-se a título presuntivo o seguinte:
“Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo”
Trata-se de uma presunção ilidível, de natureza iuris tantum, por admitir que o trabalhador demonstre que a aceitação da compensação devida pelo despedimento não significa a aceitação do mesmo, seguindo-se, nesta matéria, a regra geral do art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.
Daqui resulta que ficando demonstrado o recebimento da compensação pelo trabalhador, operava a presunção legal de aceitação do despedimento, a qual poderia ser ilidida, não ficando precludida a possibilidade de impugnação do despedimento, mas ficando por esclarecer a forma como o trabalhador afastaria a presunção.
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, foi mantida a presunção, na versão original, consagrada no n.º 4 do art. 366.º, estabelecendo-se que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a compensação prevista neste artigo.
Norma que introduziu uma exigência, conforme resulta da comparação entre a presente redacção do art. 366º, nº 4, com a anterior do art. 404º, nº 4, do CT/2003, porquanto a presunção só determina a aceitação do despedimento com o recebimento pelo trabalhador da totalidade da compensação.
O legislador ao consagrar esta presunção veio também estabelecer a forma como esta pode ser ilidida, ao estabelecer o n.º 5 do citado artigo 366º.º do CT, que a presunção «pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida».
Esta solução é a que vigora na actual redacção do art. 366.º, nºs 4 e 5), do Código do Trabalho, depois das alterações promovidas pela Lei n.º 23/2012, de 23 de Junho e pela Lei n.º 69/2013, de 30/08.
Daqui resulta que a lei não se basta com qualquer tomada de posição por parte do trabalhador no sentido da não-aceitação do despedimento, designadamente com a impugnação do despedimento, a presunção da aceitação do despedimento para ser ilidida, exige a devolução ou a colocação na disposição do empregador da totalidade do montante da compensação recebida.
Como se refere no Acórdão do STJ de 17/03/2016, proferido no Proc. n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1 (relatora Ana Luísa Geraldes) a propósito do artigo 366º n.ºs 4 e 5 do CT “decorre desta norma de forma clara e inequívoca que a ilisão da presunção de aceitação do despedimento exige a devolução ou a colocação à disposição da entidade empregadora do montante da compensação recebida.
Ou seja, a lei já não se basta com quaisquer tomadas de posição no sentido da não-aceitação pelo trabalhador do despedimento ou com a mera impugnação do despedimento por este.
Impõe ao trabalhador um comportamento activo, de facere, e não omissivo. De expressão e manifestação de uma vontade, concretizada pela devolução ou não aceitação dessa compensação, acompanhada, para esse efeito, de comportamentos compatíveis e reveladores dessa vontade.
Igual entendimento mostra-se vertido no Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 09/12/2010, onde se decidiu nos seguintes termos:
(…)
“VI - O legislador revela-se particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda pretenda questionar o despedimento de que foi alvo, pois a versão original da LCCT e o Código de Trabalho de 2009 inviabilizam, na prática, qualquer reacção do trabalhador que conserve em seu poder a compensação recebida.
(…)
Deve, por isso, o trabalhador demonstrar/provar que, pela via da entrega, devolução ou reposição – ou por qualquer forma – colocou à disposição do empregador também a totalidade da compensação pecuniária recebida.
Por conseguinte, subjacente aos normativos citados está o princípio de que a aceitação da compensação ou a conservação desta é incompatível com a rejeição do despedimento.”
Por fim resulta do disposto no artigo 366.º n.º 1 e 4 do Código do Trabalho aplicável por força do disposto no artigo 372º do CT que o trabalhador despedido por extinção do seu posto de trabalho tem direito a receber uma compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a totalidade da compensação.
A este propósito fez-se constar da decisão recorrida o seguinte:
No caso dos autos, entendemos que assiste razão à ré. A ré procedeu ao pagamento por transferência bancária da quantia de € 2.775,13 (cfr. fls. 156). A autora reconhece expressamente que esta quantia incluía o valor de € 800,00 a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, o que fez na contestação, na sequência do despacho de aperfeiçoamento que foi proferido (cfr. fls. 189). Tendo sido pago o valor de € 800,00 a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, a autora estava obrigada à sua devolução. Foi precisamente isto que o legislador pretendeu com a introdução da presunção prevista no art. 366º nº4 e 5 do Cód. do Trabalho.
A autora sustenta que não devolveu o valor de € 800,00 porque a compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho não foi calculada correctamente pela ré e procedeu à compensação com os créditos laborais de que era titular, os quais também não foram calculados correctamente. Porém, estas questões não são susceptíveis de permitir o afastamento da presunção prevista no art. 366º nº4 e 5 do Cód. do Trabalho. Desta presunção resulta que o trabalhador está obrigado a entregar ou por, por qualquer forma, à disposição do empregador a quantia que foi paga a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho. Quaisquer questões relacionadas com o cálculo da compensação ou dos créditos laborais de que o trabalhador é titular devem ser discutidas posteriormente no âmbito da impugnação judicial do despedimento.
(…)
Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento que foi invocada pela ré e, em consequência, absolvo-a do pedido.”
Vejamos se assiste razão à recorrente
De acordo com os factos provados, a Ré transferiu para a Autora um montante pecuniário, o qual incluía o valor da compensação, que esta aceitou, fazendo seu, já que não o devolveu ao empregador e não se diga, pelo facto de ter sido tal pagamento efectuado por transferência bancária não tinha como se opor, pois bastaria devolver tal quantia à Ré, e caso esta não aceitasse a devolução, poderia e deveria ter-se desonerado da sua obrigação, por qualquer uma das formas previstas na lei para o efeito.
Neste sentido refere Bernardo Lobo Xavier, “O despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa”, verbo, Lisboa 2000, pág. 542 “Também nada veda que o trabalhador proceda a transferência bancária para a conta bancária do empregador de onde, durante a pendência do contrato, foram sempre transferidas para a sua própria conta, a retribuição por aquele devida. Da mesma forma poderá o trabalhador consignar em depósito a compensação, cfr. artigo 1024.º e segs. do Código do Processo Civil”
Mas tal não sucedeu no caso em apreço, nem foi alegado qualquer facto no sentido de comprovar que a Autora tivesse sido impedida de o fazer, designadamente por necessidades financeiras ou por recusa da Ré. Ao invés a Recorrente, por considerar que não estava obrigada a devolver a quantia recebida não a devolveu, tal como resulta da sua alegação, preencheu-se assim o facto integrativo da presunção de aceitação do despedimento, uma vez que a presunção de aceitação se forma com o acto de recebimento, não estando assim ilidida a dita presunção.
Não basta que o trabalhador instaure a acção de impugnação de despedimento alegando que não aceita o despedimento, muito menos que instaure tal acção sem que o despedimento se tenha consumado, o que só por si se traduziria na rejeição da presente acção (inexistência de decisão do despedimento à data em que foi instaurada), mas tal não sucedeu, pelo que consumado o despedimento, para que ficasse patente que não o aceitava impunha-se que não aceitasse o pagamento da compensação e que a colocasse na disponibilidade do empregador. Não é suficiente impugnar o despedimento, pois há que demonstrar os factos que atestem a discordância e demonstrar que a aceitação do recebimento da compensação não pode ser qualificada como como uma aceitação presumida daquele, já que a presunção uma vez constituída não será fácil de ilidir.
A partir do preenchimento da presunção, tinha a Autora o ónus de demonstrar que o recebimento não implicava a aceitação do despedimento, ou seja, tinha de afastar o efeito probatório daquele facto decorrente da presunção em causa.
Em face da omissão da Autora de qualquer comportamento contemporâneo ou imediatamente a seguir ao recebimento da compensação, que pudesse ser interpretado como discordante da aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, decorrente da presunção estabelecida com tal recebimento, teremos de concluir que não logrou demonstrar ter afastado, com o aludido recebimento, a presunção de aceitação do mencionado despedimento.
Acresce ainda dizer que decorre do regime vigente que querendo o trabalhador ilidir a presunção de aceitação do despedimento terá de pôr à disposição do empregador a compensação que deste recebeu, em regra até à data da interposição da respetiva ação judicial, mas encontrando esta já pendente deveria ter procedido à devolução da compensação de imediato ou num curto espaço de tempo, pois sobre si recaía o ónus de provar a não aceitação.
O citado artigo 366º n.º 5 do CT tem sido alvo de várias críticas, já que de alguma forma ignora as dificuldades que o trabalhador que pretende impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho, enfrenta ao pretender por à disposição do empregador a compensação que recebeu, designadamente quando se depara com uma situação de desemprego.
Como refere Leal Amado, “Contrato de Trabalho”, 4ª edição, Coimbra Editora, pág.389 e 390, a propósito do artigo 366.º, do C.T., “o que o n.º 5 parece querer dizer é que, para ilidir a presunção, o trabalhador terá de devolver a totalidade da compensação ao empregador e, além disso, arranjar maneira de persuadir o tribunal de que, ao recebê-la, não aceitou o respectivo despedimento. Prova esta, julga-se, bastante difícil de fazer. E qual o sentido útil a atribuir àquela presunção de aceitação do despedimento? Não vislumbro outro que não seja o de impedir o trabalhador de impugnar judicialmente o despedimento. Se o trabalhador receber a compensação, isso significa, segundo o CT, que ele aceita o despedimento. E, se ele aceita o despedimento, então não poderá, mais tarde, contestá-lo em tribunal – a proibição de venire contra factum proprium a tanto obstaria. Ou seja, parece poder depreender-se que, ao menos em via de princípio, se a colocação da ”compensação de antiguidade” à disposição do trabalhador despedido constitui um requisito indispensável, uma condição necessária para a licitude do despedimento, o recebimento de tal compensação pelo trabalhador perfila-se como condição suficiente para a respectiva licitude, como que sanando quaisquer vícios, procedimentais ou substanciais, de que este enferme” -sublinhado nosso.
Assim, mesmo que se viesse a provar que a compensação devida à trabalhadora/recorrente era de valor inferior à devida e porque a mesma ainda assim a aceitou, o vício de que poderia padecer e até determinar a ilicitude do seu despedimento teria de considerar-se de sanado, pois tal vício de forma alguma seria de considerar de ostentivo ou facilmente perceptível por qualquer interessado, já que atento o valor da retribuição base auferida, mensalmente pela Autora de €2.000,00 conjugado com a sua antiguidade correspondente a um ano sempre seria de considerar que o valor liquidado a este título pelo empregador (€800,00), como o correspondente ao da totalidade da compensação assim calculado €2.000,00: 30= €66,66 x 12 =€800,00.
Na verdade, afigura-se-nos que outra interpretação não pode ser dada ao citado n.º 5, do artigo 366.º, do C.T. a não ser a de que o trabalhador, querendo ilidir a presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, terá de entregar ou colocar à disposição do empregador a compensação pecuniária que recebeu. Só, assim, poderá impugnar o despedimento de que foi alvo.
Como afirma Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2ª edição, pág. 849 e segs. “não se admite depois de 2009 que o trabalhador guarde a compensação e simultaneamente impugne o despedimento. Como dissemos, a solução só aparentemente é justa, já que mesmo que se verifique que o empregador teve razão no despedimento, ainda assim sempre terá de pagar a compensação devida, cuja retenção funciona como injusta pressão relativamente ao despedido”.
Neste sentido se refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/04/2010, (relator Ferreira da Costa), publicado in www.dgsi.pt e no qual se sumariou o seguinte escreveu: “I – Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento por extinção do posto de trabalho quando recebe a compensação prevista no Art. 401.º do CT de 2003, como dispõe o n.º 4, ex vi do disposto no sue Art.º 404.º.
II – Tendo o empregador transferido para a conta bancária do trabalhador tal compensação e tendo este junto ao processo o respectivo recibo, sem ter adoptado qualquer atitude entre a data do recebimento e a da propositura da acção, tal recebimento faz presumir a aceitação da licitude do despedimento.
III – Tal aceitação constitui facto impeditivo da ilicitude do despedimento, integrando uma excepção peremptória pelo que, provada aquela, deve o empregador ser absolvido do pedido.”
É também neste mesmo sentido, que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça se tem pronunciado, designadamente no acórdão de 03/04/2013, proc. n.º 1777/08.0TTPRT.P1.S1, onde se sumariou o seguinte:
1Transferido pela entidade empregadora o valor da compensação a que se refere o artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003 para a conta bancária de trabalhador abrangido por despedimento colectivo, presume-se a aceitação do despedimento, nos termos do n.º 4 desse dispositivo, se o trabalhador não praticar actos que revelem a intenção de não receber aquele quantitativo;
2 – Não tem a virtualidade de afastar a presunção decorrente daquele dispositivo a mera comunicação feita ao empregador, antes da transferência dos montantes da compensação em causa, da não aceitação do despedimento e da intenção de o impugnar, ainda que esta comunicação seja seguida da impugnação judicial efectiva do despedimento, pois deveria também ter providenciado pela devolução do quantitativo recebido”.
Em suma, não tendo a trabalhadora, posto à disposição do empregador a compensação que recebeu por força do despedimento por extinção do posto de trabalho, consideramos que os autos continham todos os elementos que permitiam proferir decisão sobre o seu mérito não existindo qualquer fundamento legal para o seu prosseguimento, uma vez que por força do recebimento da compensação aceitou o despedimento, deixando assim de existir motivo para continuar a pretender impugnar tal decisão, nos termos constantes do respectivo articulado.
Urge concluir que, não aceitando o despedimento e querendo impugná-lo ainda que por antecipação, como sucedeu no caso em apreço, a trabalhadora deveria recusar o recebimento da compensação ou proceder à devolução da mesma imediatamente após o seu recebimento, ou do seu conhecimento ou em prazo muito curto, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art. 366.º, do CT – sublinhado nosso.
Ao contrário do que afirma a recorrente, mesmo que os factos que alega respeitantes quer à insuficiência do montante que lhe foi liquidado a título de compensação, quer referentes ao destino que deu a tal montante, quer à compensação que de sua iniciativa pretendeu fazer com tal montante, viessem a ser julgados provados, são tudo factos que não possuem a virtualidade de impedir a procedência da exceção nos termos consignados na decisão recorrida, sendo certo que os mesmos não constituem qualquer justificação legal para a não entrega da compensação ao empregador.
Na verdade, o comportamento da Autora - consistente no recebimento da compensação e na sua não entrega ao empregador, “em simultâneo”, tal como o preceituado no art. 366º, nº 5, do CT – consubstancia a manifestação de uma vontade a que a lei atribui o valor por nós já acima referido: o de aceitação do despedimento.
Improcedem, assim, as conclusões do Recorrente sob os nºs 1 a 13 da apelação.

V- DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, em conformidade, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da Autora, sem prejuízo do apoio judiciário, caso lhe tenha sido atribuído.
Notifique.
Guimarães, 1 de Junho de 2016


Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Eduardo Azevedo

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I - Não aceitando a trabalhadora o despedimento por extinção do posto de trabalho e querendo impugná-lo ainda que por antecipação, como sucedeu no caso em apreço, deveria ter procedido à devolução da compensação imediatamente após o seu recebimento, ou do seu conhecimento ou em prazo muito curto, sob pena de cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art. 366.º, do CT.
II - Outra interpretação não pode ser dada ao citado n.º 5, do artigo 366.º, do CT a não ser a de que o trabalhador, querendo ilidir a presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, terá de entregar ou colocar à disposição do empregador a compensação pecuniária que recebeu. Só, assim, poderá impugnar o despedimento de que foi alvo.
III - A aceitação do despedimento por força do recebimento da compensação extingue o direito do trabalhador de impugnar o despedimento e constitui excepção peremptória, da qual resulta a absolvição do pedido.
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Vera Sottomayor