Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
318/22.1T8PTL.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: PROVA
PROCESSO ADMINISTRATIVO
DOCUMENTO
PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Tendo as provas por função a demonstração da realidade dos factos, a prova por documentos destina-se à prova de factos que consubstanciam os fundamentos da acção ou da defesa, i.e., à prova dos factos essenciais, factos instrumentais e concretizadores.
II – As decisões finais proferidas pelo Ministério Público no âmbito dos denominados processos administrativos ou dossiers de acompanhamento, organizados por aquela magistratura por determinação hierárquica, no sentido de instaurar ou não acção judicial não integram o conceito de documento previsto no art. 362º do C.C..
III – As mesmas também não consubstanciam pareceres que possam ser juntos a um processo judicial uma vez que a posição do autor ou réu Estado, representado pelo M.P., deve ser plasmada no processo nos termos da lei processual civil, designadamente na petição inicial ou nas alegações orais.
IV – Sendo as mesmas meras “decisões internas” inexiste fundamento legal para que o Ministério Público preste esclarecimentos acerca desta sua actividade
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Ministério Público, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 1 a) do E.M.P. e art. 1379º nº 2 do C.C. instaurou a presente acção com processo comum contra AA e outros pedindo a declaração de nulidade da “Partilha de Herança” outorgada em 18/04/2019 por violação do art. 1376º nº 1 do C.C. com a comunicação ao Cartório Notarial, Conservatória do Registo Predial e Serviço de Finanças ....
Alega, em síntese, que os réus decidiram todos dividir entre si e destacar duas partes do prédio de cultivo inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...29º para integrar e aumentar a área de dois prédios urbanos contíguos. Mais refere que nesse acordo este prédio consta como tendo a área de 8.109 m2, mas da matriz resulta que tem a área de 9.400 m2.
O referido fraccionamento não é permitido.
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Os réus contestaram dizendo que a divisão visou ampliar o logradouro, rectificando as estremas dos prédios propriedade de BB e CC, o que é permitido por lei.
Referem, além do mais, que em 1989 correu termos processo de inventário com o nº ...5... por morte da mãe dos irmãos DD, aqui réus, e, nessa altura, o prédio aqui em discussão foi adjudicado na proporção de ¼ para o EE, ¼ para FF, ¼ para AA e ¼ para o pai dos réus (e, entretanto, para a herança do mesmo) e não obstante a adjudicação ter ocorrido desta forma os réus acordaram entre si a divisão física do prédio conforme formalizada na escritura de partilha, a qual se manteve até ao presente,
Terminam pedindo a improcedência da acção.

Mais requereram:
“Que seja oficiado o município ..., para informar se a operação de divisão levada a cabo pelos RR consubstancia uma operação de loteamento.
Mais se requer que o Município informe qual a classificação do prédio em discussão nos autos, nomeadamente se o mesmo se encontra total ou parcialmente em zona de construção.
Por crermos relevante à boa decisão da causa, requer-se que seja extraída certidão da decisão de arquivamento datada de 14.01.2021, nos autos 835/19...., que correram termos na procuradoria do Juízo Central Cível ....”
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Foi proferido despacho que fixou o valor da acção, foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.

Foram admitidos os requerimentos probatórios sendo que na parte referente à prova documental se lê:
“Admito a junção dos documentos apresentados.
Quanto ao pretendido pelos Reus, por não ter sido alegada qualquer dificuldade na obtenção dos elementos cuja obtenção se requer ao Tribunal, vai o mesmo indeferido – art. 7º, n.º 4 do CPC”
Mais foi designada a data de 25/10/2022 para julgamento.
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Os réus, em 21/10/2022, apresentaram requerimento onde se lê o seguinte:

“(…) vêm na sequência do indeferimento dos pedidos apresentados na contestação, nomeadamente da certidão da decisão administrativa, juntar cópia de tal decisão, sendo que a mesma é do conhecimento da Senhora Magistrada do Ministério Público e informar os autos que foi solicitada a informação referida na contestação, ao Município, que ainda não foi disponibilizada, na sequência também do indeferimento do pedido por parte dos Réus, para que se oficiasse o Município para o efeito.”
Com o mesmo juntaram parecer referente ao Proc. nº 835/19.... subscrito em 14/01/2021 por Magistrado do M.P. a exercer funções na Procuradoria do Juízo Central Cível ... que conclui que esses autos deviam ser arquivados.
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O M.P. pronunciou-se em 23/10/2022 opondo-se à referida junção dizendo que, por um lado, a mesma é extemporânea e, por outro, é totalmente impertinente para a instrução da causa tendo em atenção o thema decidendum que ficou definido no despacho saneador. Mais refere que não se verificam as situações excepcionais prevista no nº 3 do art. 423º do C.P.C..
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Na data designada para julgamento os réus requereram, além do mais, “nos termos dos art.º 426º e 436º do CPC, por considerarem os réus que se trata de matéria essencial à boa decisão da causa que seja oficiado à Câmara Municipal ... para a junção aos autos de parecer acerca do peticionado na contestação nomeadamente para informar se a operação levada a cabo pelos réus consubstancia uma operação de loteamento e a classificação do prédio em discussão nos presentes autos, se se encontra ou não em total ou parcial zona de construção, renovando assim o requerido na contestação, apesar de ter sido anteriormente indeferido. Tendo os réus por si requerido tal informação junto do município, no entanto, atendendo à demora previsível na obtenção dos elementos por parte dos réus diretamente junto da Câmara Municipal ..., pugnou pelo deferimento do ora requerido.”
O M.P. pronunciou-se dizendo: “(…) tendo já sido proferido douto despacho, considera já ter sido esgotado o poder jurisdicional, pelo que promoveu o seu indeferimento.”

O tribunal proferiu o seguinte despacho:

“(…) Uma vez que há uma posição antagónica do Ministério Público quanto à matéria em discussão nesta acção, dá-se a palavra ao Ministério Público para esclarecer se houve decisão de reabertura do Processo Administrativo e se o mesmo foi comunicado às partes bem como à Autoridade Tributária.”
Concedida a palavra à Magistrada do Ministério esta esclareceu que houve decisão de reabertura do Processo Administrativo que se traduziu na petição inicial que foi apresentada nestes autos por ordem hierárquica.

Após foi proferido novo despacho:
“Uma vez que dos autos não consta qualquer decisão de reabertura do processo administrativo, proferida após a decisão de arquivamento junta, solicite ao Coordenador do Ministério Público junto desta comarca para esclarecer se existiu, efectivamente, decisão de reabertura do procedimento ou, ao invés, duplicação de procedimentos administrativos, a fim de se descortinar da verificação de um “caso decidido”.
Quanto à decisão de arquivamento que foi junto aos autos, atendendo a que a mesma versa sobre a questão que é aqui objeto do estudo e uma vez que entendemos que terá interesse para a decisão da causa, admite-se a sua junção aos autos e tendo sido justificada a sua apresentação tardia não se condena os réus em multa. (…)”
A seguir passou-se a ouvir o réu EE em declarações de parte e a ouvir as testemunhas.
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Não se conformando com esta decisão veio o Ministério Público dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1) Em sede de douto despacho saneador, proferido em 04.07.2022 (referência ...51), além do mais, foi designado o dia 25.10.2022, para audiência de julgamento.
2) Surpreendentemente, em 21.10.2022, (referência ...52), os Réus demandam, através de requerimento autónomo, a “junção de cópia da decisão administrativa”, que data de 14.01.2021.
3) Notificado deste trâmite, o Ministério Público opôs-se à sobredita junção de documentos, porquanto, no caso, a requerida junção não foi feita dentro do limite temporal traçado no artigo 423.º, n.º 2, primeira parte do Código de Processo Civil; e representa um caso de total impertinência para a instrução da causa tendo presente o thema decidendum que ficou definido no douto despacho saneador.
4) O desentranhamento de requerimento com os fundamentos apontados constitui incidente, tributável, nos termos previstos no artigo 531.º do Código de Processo Civil em conjugação com o disposto nos artigos 7.º, n.º 8 e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, requerendo-se a condenação da requerente no pagamento de cinco unidades de conta.
5) Em sede de audiência de julgamento, em 25.10.2022, o douto Tribunal a quo decidiu admitir “o parecer junto”; não condenar em custas; e ainda, sem que tivesse sido requerido por nenhuma das partes, solicitar ao Exmo. Coordenador do Ministério Público da Comarca esclarecimento acerca da posição antagónica do Ministério Público quanto à acção.
6) Ora, o presente recurso tem por OBJECTO o decidir se pela junção, em 25.10.2022, já em audiência de julgamento, de documento datado de 14.01.2021, pedido pelos Réus para juntar apenas em 21.10.2022 (quatro dias antes do julgamento, não obstante datar de 14.01.2021), sem condenação em custas e, sem que nenhuma parte tenha assim solicitado, solicitar-se esclarecimento sobre facto correspondente não alegado, nem fundamento da ação ou da defesa.
7) Em primeiro lugar, importa, desde já, destacar a alegação de que a diligência probatória em causa, admitidas de uma forma oficiosa pelo douto Tribunal Recorrido, extravasa o objecto do processo.
8) É que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, a questão fáctica que impôs que o tribunal recorrido tivesse admitido a junção da prova documental e ordenado as aludidas diligências probatórias no âmbito do princípio do inquisitório, não é uma questão de conhecimento oficioso do Tribunal.
9) Na verdade, é pacífico que, independentemente da alegação das partes, o douto Tribunal recorrido tem poderes oficiosos, mas não discricionários, pois que tem aquela actividade de contender com a matéria controvertida, ora seja, a (in)validade do negócio jurídico celebrado pelos Réus que tal como peticionado configurará um fracionamento ilegal, atenta a violação do disposto no artigo 1376º, nº 1 do Código Civil.
10) Portanto, o documento cuja junção pelos Réus foi requerida e, aliás por estes, apelidada de “decisão administrativa”, não é um parecer, porquanto não foi pedido por ninguém, nem sequer a estrutura formal adequada para tanto possui; nem foi subscrito por Advogado, Professor ou Técnico. Trata-se de uma posição assumida pelo Ministério Público, numa fase inicial, que foi comunicada aos agora Réus a título tão só informativo, mas não foi definitivo e não criou qualquer direito ou sequer legitima expectativa na esfera jurídica daqueles (agora Réus), uma vez que foi sucedido pela apresentação da petição inicial, em 16.03.2022, que fixou inalteravelmente, a posição do Ministério Público.
11) O documento em causa, mandado juntar com a nossa oposição, não é nenhuma declaração negocial ou judicial, e muito menos um parecer sobre a questão aqui controversa, sendo a sua junção extemporânea.
12) Finalmente, salvo o devido respeito pela opinião contrária, a prova ordenada incide sobre factos que ao Juiz não era licito conhecer. Nem a diligência admitida e ordenada oficiosamente pelo tribunal recorrido, com alcance, não obstante, muito diverso do pedido dos Réus, com invocação do princípio inquisitório, não eram necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
13) Com efeito, no caso em apreço nos autos, foi no exercício da competência civil que o Ministério Público apresentou a petição inicial que abre estes autos. Assim, esta intervenção processual desenvolveu-se no contexto do tribunal, inserida nesse órgão de soberania, sem o mínimo vestígio relacional com qualquer actividade administrativa, enquadrando-se claramente no âmbito do tribunal.
14) Ora, com vista ao escrutínio dos elementos que lhe permitirão ou não desencadear uma intervenção judicial, o Magistrado do Ministério Público tem, necessariamente, de os recolher e agrupar de forma minimamente ordenada. Para o efeito, terá de constituir uma compilação daquilo que recolheu pois só a final poderá proceder a uma sua avaliação criteriosa, optando pela acção ou pelo arquivamento. Na hipótese de avançar, como neste caso, essa compilação ordenada, esse dossier, constituirá o suporte de acompanhamento da acção, onde continuará a juntar tudo o que recolher posteriormente, bem assim como
as peças processuais que for produzindo e aquelas outras que o tribunal for emitindo. Trata-se, portanto, de um conjunto de peças próprias do Ministério Público, que não está subordinada ao regime jurídico instituído pelo Código Processo Civil, pois que, não é um processo judicial civil (artigo 163.º do Código Processo Civil). O Procurador-Geral da República, no uso da competência conferida pela lei (art.º 10, n.° 2, b), da LOMP, a Lei n.º 47/86, de 15.10, então em vigor, a que corresponde o actual art.º 12 do EMP, e do art.º 9, n° 1, do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República), emitiu a Circular n° 12/1979 onde instituiu a obrigatoriedade organização de processos, para os referidos efeitos, a que chamou de administrativos. Processos administrativos que não se inserem em qualquer procedimento administrativo, não constituindo "a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação de vontade da Administração Pública ou à sua execução" (n.º 1 do mesmo artigo) – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.02.2009, disponível inhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/063cdbf1301c1161802575700032655f?OpenDocument&ExpandSection=1
15) Em suma, conclui-se, pois, que a douta ordem judicial proferida em 25.10.2022, para admitir a junção da prova documental e para solicitar informações ao Ministério Público Coordenação, não requerida pela parte/Réus, contida no despacho recorrido, não cumpre os requisitos enunciados no artigo 411.º do Código Processo Civil, definindo-se como diligência probatória eventualmente desnecessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto a factos que o douto Tribunal não pode conhecer.

§ NORMAS VIOLADAS.
Artigos 411.º, 423.º, 426.º e 531.º todos do Código de Processo Civil e artigos 7.º, n.º 8 e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Pugna pela revogação e substituíção por outro que determine a não junção do documento requerido pelos réus, em 21/10/2022 e não prestação de nenhuma outra justificação porquanto não existe contradição na actuação do Ministério Público quando deu entrada da presente petição inicial nos termos do artigo 411º do Código de Processo Civil.
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O M.P. mediante requerimento de 06/11/2022 juntou aos autos cópia do despacho que em 17/05/2021 foi proferido no processo administrativo nº ...9... que foi enviado aos aqui réus e à Autoridade Tributária.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Saber se é admissível a junção aos autos do “parecer” datado de 14/01/2021 subscrito pelo Magistrado do Ministério Público no âmbito do denominado processo administrativo nº ...9...;
B) E se é admissível o pedido de esclarecimento referente ao meu mesmo processo administrativo.
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II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
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Antes de mais, importa não perder de vista que nestes autos a questão de mérito é saber se o fracionamento dos prédios resultante da escritura de partilha de herança outorgada em 18/04/2019 é ou não conforme à lei.

Vejamos.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. – art. 341º do C.C..
O direito à prova resulta da garantia dada ao cidadão de participar no processo, de poder influenciar o conteúdo da decisão. O mesmo decorre do direito constitucional a um processo equitativo (art. 20º nº 4 da C.R.P.).
O acima referido direito à prova significa que as partes conflituantes têm o direito a utilizar a prova em seu benefício e como fundamento das suas pretensões ou defesas. Têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o direito à contraprova.
Contudo, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência ou ilimitado.
Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto – art. 362º do C.C..
“O documento, portanto, na sua acepção mais ampla, é qualquer objecto, de autoria humana, destinado a fazer as vezes de uma pessoa, coisa ou facto, mas, na sua acepção mais restrita, é um escrito, normalmente em papel (mas actualmente cada vez mais também em suporte magnético e electrónico, como no passado, já o fora em pedra e em papiros …) que representa factos (prescindimos, para efeitos de exposição, da reprodução ou representação de pessoas e de coisas…)” - Ac. do S.T.J. de 19/09/2013 (Fernando Bento), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem.
Assim, a prova por documentos é um meio de prova de factos que consubstanciam os fundamentos da acção ou da defesa (art. 410º, 412º a contrario do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem), i.e., os factos essenciais, factos instrumentais e concretizadores (art. 5º nº 1, 2 a) e b)).
Um dos limites que a lei impõe a este meio de prova respeita ao momento da sua apresentação, o que é regulado no art.º 423º.
A propósito deste preceito lê-se no Ac. da R.L. de 25/9/2018 (Rijo Ferreira), in www.dgsi.pt: “O art.º 423º do C.P.C. regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório”.
A regra é a sua apresentação com o articulado respectivo conforme dispõe o art. 423º nº 1 (p.i. – art. 552º nº 6, contestação – art. 572º d) ou articulado superveniente – art. 558º nº 5).
O autor pode ainda apresentar documentos com a alteração do requerimento probatório na réplica ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (art. 552º nº 6). Idêntico direito tem o réu no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica em caso de reconvenção (art. 572º d))
Esta alteração do requerimento probatório é ainda admissível na audiência prévia, designada por iniciativa do tribunal (art. 591º) ou por uma das partes pretender reclamar dos despachos previstos nas al. b) a d) do nº 2 do art. 593º (art. 598º nº 1). Caso a audiência prévia seja dispensada e proferido ou dispensado o despacho previsto no art. 596º nos termos do art. 597º, nada impede que o tribunal, ao abrigo da adequação formal (art. 547º do C.P.C.), convide as partes a, querendo, alterarem o requerimento probatório, fixando o prazo de 10 dias para o efeito.
Fora destes momentos e excepcionalmente a junção de documentos terá que obedecer ao disposto no nº 2 e 3 do art. 423º. Assim,
- pode ser feita até 20 dias antes da data em que se realize efectivamente a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes (justo impedimento) e
- até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento (a apreciar segundo critérios objectivos e de acordo com padrões normais de diligência nos termos do art. 487º do C.C.) ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (o grau de necessidade não tem que ser significativo; não é necessário que o documento seja o único meio de prova; a ocorrência posterior deve estar relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo – citado Ac. da R.L. de 25/09/2018).
Outra restrição ao direito à prova documental prende-se com a sua pertinência e necessidade.
Nos termos do art. 443º nº 1 Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no art. 427º, o juiz (…) verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este no pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Da letra deste preceito parece resultar que o mesmo está pensado apenas para os documentos que não são apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, contudo entendemos que nada impede que seja aplicado neste último caso.
A propósito do art. 543º nº 1 do C.P.C. anterior à Revisão, mas cujo texto coincide com o actual 443º nº 1, lê-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/03/2009 (Pereira Rodrigues):
I. Consideram-se impertinentes os documentos que, por sua natureza, não possam ter qualquer influência na decisão da causa, ou por dizerem respeito a factos que lhe sejam estranhos, ou por representarem factos irrelevantes para a decisão, ou ainda por o seu conteúdo ser de tal modo inócuo que dele nada possa resultar.
II. Consideram-se desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, nada sejam susceptíveis de acrescentar no bom desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostrem devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constem do elenco a apurar na discussão da causa, ou ainda por os autos já se mostrarem instruídos por documentos de igual ou superior relevo (por ex. juntar a fotocópia do original já nos autos).
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Por fim, importa considerar que o princípio do inquisitório e a procura da verdade material a que se alude no art. 411º não pode ser invocado para permitir a junção aos autos de documento susceptível de fazer prova de factos cujo ónus de alegação e prova incumbe à parte quando esta não procedeu atempadamente à sua junção, sob pena de beneficiar uma parte em detrimento de outra.

Neste sentido vide, entre outros, Ac. desta Relação de 20/03/2018 (João Diogo Rodrigues), da R.C. de 06/06/2017 (Arlindo Oliveira) e da R.P. de 18/02/2016 (Pedro Martins), este in www.outrosacordaostrp.com.
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Revertendo ao caso em apreço, desde logo, verificamos que a decisão proferida em 14/01/2021 pelo Magistrado do Ministério Público a exercer funções na Procuradoria do Juízo Central Cível ... no âmbito do denominado processo administrativo nº ...9... não integra o conceito de documento supra referido e previsto no art. 362º do C.C..
O referido escrito, de modo algum, reproduz ou representa factos, antes consubstancia uma valoração de factos ou, melhor, uma tomada de posição do magistrado em questão em face da participação remetida pelas Finanças ..., em que conclui pela ausência de fundamento que justifique a instauração de acção judicial com vista à declaração de nulidade da escritura de Partilha de Herança outorgada em 18/04/2019. Acresce que esta tomada de posição foi consignada, não num processo judicial, mas num denominado “processo administrativo” ou “dossier de acompanhamento” criado na referida Procuradoria.
Ora, ao Ministério Público compete, além do mais, representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar (art. 219º nº 1 da C.R.P.) e os seus agentes são magistrados hierarquicamente subordinados tendo como órgão superior a Procuradoria-Geral da República (nº 4, 220º nº 1).

Em 11/05/1979 o Procurador-Geral da República emitiu a Circular nº 12/79 que contém as directivas a respeitar pelos magistrados do M.P. no que concerne à organização de processos administrativos sendo que nesta se lê designadamente o seguinte:

“a) O agente do Ministério Público que for solicitado para propor, contestar ou de qualquer modo acompanhar uma acção judicial, ou decidir nesse sentido, instaurará um processo administrativo destinado a recolher e a conservar os elementos indispensáveis a tomar posição quanto ao problema suscitado e a facilitar a orientação hierárquica que se torne necessária; (…)
h) O processo administrativo não está sujeito a formalidades especiais, devendo, porém, ser ordenado com simplicidade e em correspondência com as necessidades e exigências do caso concreto, designadamente a limitação de prazos para o Ministério Público actuar;
i) Realizadas as diligências tidas por necessárias, com a celeridade indispensável à sua ultimação no mais curto prazo, o processo é remetido, para apreciação, com o despacho final e o projecto de peça processual que careça de ser elaborada, ao imediato superior hierárquico, salvo quando este tenha dispensado a remessa; (…)
l) O Procurador da República submeterá à apreciação do Procurador-Geral da República adjunto no respectivo distrito judicial, com o seu parecer, os processos administrativos, que tenha recebido nos termos da alínea i), referentes a casos de excepcional gravidade, complexidade ou melindre ou que lhe suscitem dúvidas;
m) Quando da apreciação do processo pelo superior hierárquico resultem instruções que impliquem a reapreciação de elementos recolhidos ou a recolher, proceder-se-á conforme o disposto na alínea i), logo que o magistrado instrutor para tanto esteja habilitado." (sublinhado nosso)
Como se lê no Ac. do S.T.A. de 25/02/2009 (Rui Botelho), “(…) com vista ao escrutínio dos elementos que lhe permitirão ou não desencadear uma intervenção judicial, o Magistrado do MP tem, necessariamente, de os recolher e agrupar de forma minimamente ordenada, passando a escrito aqueles que lhe chegarem por via oral (…). Para o efeito, terá de constituir uma compilação daquilo que recolheu pois só a final poderá proceder a uma sua avaliação criteriosa, optando pela acção ou pelo arquivamento. Na hipótese de avançar, essa compilação ordenada, esse dossier, constituirá o suporte de acompanhamento da acção, onde continuará a juntar tudo o que recolher posteriormente, bem assim como as peças processuais que for produzindo e aquelas outras que o tribunal for emitindo. Trata-se, portanto, de um conjunto de peças próprias do MP, para seu uso pessoal, para apreciação da hierarquia sempre que necessário e para controlo das inspecções a que o Magistrado é submetido. É um dossier interno em tudo semelhante àqueles que a generalidade dos causídicos organizarão no seu relacionamento com os tribunais. Nada mais. A organização desses processos (…) não está subordinada ao regime jurídico instituído pelo CPA, nem sequer ao regime do CPC. Na verdade, como não é um processo judicial civil (art.º 167 do CPC), também não é público (…)”.
No mesmo sentido vide Ac. da R.L. de 10/10/2012 (Maria João Romba).
Assim, as decisões proferidas nestes dossiers, designadamente no sentido de instaurar acção judicial ou de não instaurar com o consequente arquivamento dos mesmos, são decisões internas do Ministério Público que, ainda que possam ter consequências nos visados, não produzem elas mesmas efeitos na sua esfera jurídica, pois não lhes criam direitos ou deveres que possam ser coercivamente impostos.
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Ainda que se tratasse de um documento a junção sempre seria intempestiva porquanto a mesma ocorreu a 4 dias da data da realização do julgamento e nada foi alegado no sentido de não ter sido possível oferecê-lo num momento anterior. Acresce que o mesmo também seria impertinente, porque inócuo, e desnecessário.
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O mesmo escrito também não consubstancia um parecer que possa ser junto a um processo judicial uma vez que a posição do autor Estado, representado pelo M.P., pode e deve ser transmitida ao presente processo nos termos da lei processual civil, designadamente na petição inicial ou nas alegações orais. Acresce que o art. 426º apenas prevê a junção de pareceres de advogados, professores ou técnicos.
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Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, impõe-se revogar a decisão que admitiu a junção aos autos do mencionado “parecer” que ser substituída por outra que não o admita com a consequente condenação dos requerentes em custas pelo incidente anómalo que deram causa nos termos dos art. 527º, nº 1 e art. 7º, nº 4 e 8 do R.C.P. fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs (entendemos não ser da aplicar a taxa sancionatória excepcional prevista no art. 531º uma vez que, não obstante a manifesta improcedência do peticionado, do requerimento em causa não se retira falta de prudência ou diligência por parte dos requerentes ou um comportamento censurável).
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No que diz respeito ao pedido de esclarecimentos ao Coordenador do M.P. da Comarca, reafirmando-se que as tomadas de posição acerca da instauração de acção judicial, ainda que contraditórias entre si (o que é admissível e normal atento o facto do Ministério Público ser uma magistratura hierarquizada) e ainda que notificadas aos visados, são meras “decisões internas” daquele corpo que não criam direitos ou deveres, conclui-se pela inexistência de fundamento legal para que este dê justificações acerca da sua actividade impondo-se igualmente a revogação da decisão nessa parte.
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As custas da apelação são da responsabilidade dos apelados face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e decidem não admitir a junção aos autos da decisão proferida em 14/01/2021 pelo Magistrado do Ministério Público a exercer funções na Procuradoria do Juízo Central Cível ... no âmbito do denominado processo administrativo nº ...9..., ordenar o seu desentranhamento e condenar os requerentes em custas pelo incidente anómalo que deram causa fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs
Custas pelos apelados.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
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Guimarães, 12/01/2023

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues