Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1478/19.4T8BCL-C.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
RECONVENÇÃO
PEDIDO DE ALIMENTOS
ATRIBUIÇÃO DO USO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – Em princípio, em acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, não é admissível a dedução de reconvenção por parte do réu (pedindo que se decrete o divórcio), quando este manifesta igualmente a vontade de o obter.
II – Tal já será admissível se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor, para o que terá de invocar factualidade que possa ser fundamento de uma acção de responsabilidade civil a intentar nos tribunais comuns.
III. Em acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o réu pode na reconvenção, deduzir pedido de alimentos contra o autor, bem como a fixação de um regime quanto às matérias referidas no n.º 7 do artigo 931.º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

J. M., veio interpor acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, no Juízo de Família e Menores de Barcelos - Juiz 1, Comarca de Braga, contra A. C., invocando a separação de facto do casal, e peticionando que seja decretado o divórcio entre autor e ré, determinando-se que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação de facto, ocorrida no mês de Novembro de 2017, nos termos do art. 1789º nº 2 do Código Civil.
Frustrada a tentativa de conciliação, foi a ré notificada para contestar a acção.

A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, nos seguintes termos:

“ deverá a presente reconvenção ser julgada procedente, devendo ser decretado o divórcio entre a aqui Ré e o Autor, com efeitos retroactivos, tanto pessoais como patrimoniais, à data da cessação da co-habitação, entre ambos que deve ser fixada, pelo menos em Novembro de 2017, e em consequência:
a) Ser atribuído à Ré a título provisório a utilização da casa morada de família;
b) Ser atribuído à Ré a título definitivo a utilização da casa morada de família;
c) Condenar-se o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos a título provisório à Ré, no valor mensal de pelo menos 150, 00 € (cento e cinquenta euros),
d) Condenar-se o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos a título definitivo à Ré, no valor mensal de pelo menos 150, 00 € (cento e cinquenta euros),
e) Condenar-se o Autor a pagar à Ré o montante de 5 000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização dos danos não patrimoniais resultantes da dissolução do casamento.”
Replicou o autor, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

Foi proferido a 20/11/2019 o seguinte despacho (no que aos autos interessa):
Da Reconvenção
Na sua contestação, a Ré deduziu reconvenção contra o Autor, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, “com efeitos retroativos, tanto pessoais como patrimoniais, à data da cessação da coabitação, entre ambos que deve ser fixada, pelo menos, em Novembro de 2017”.
Mais requereu a condenação do Autor numa indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a dissolução do casamento, no valor de 5.000€, que lhe seja atribuída a utilização da casa de morada de família, tanto a título provisório, como definitivo, e que o A. Seja condenado a pagar-lhe, tanto a título provisório, como definitivo, a quantia mensal de 150€ a título de alimentos.
O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida pela Ré.
Vejamos então, em primeiro lugar, se a reconvenção é admissível.
Como é sabido, a Lei nº 61/2008, de 31.10, alterou o CC, tendo vindo consagrar, a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” – art.º 1773º do C. Civil -, ou seja, o chamado “divórcio sem culpa”.
Assim, foi alterada, designadamente, a redação dos art.os 1773º e 1775º.
Da citada Lei nº 61/2008 resulta que são três as modalidades de divórcio: o divórcio por mútuo consentimento requerido na conservatória do registo civil; o divórcio por mútuo consentimento requerido no Tribunal e o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges.
Na primeira modalidade, os cônjuges não só estão de acordo em divorciar-se, como existe acordo quanto aos designados “acordos complementares” a que alude o art.º 1775º e que são: o acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, caso não esteja já regulada; o acordo sobre o destino da casa de morada de família se os cônjuges a tiverem; o acordo quanto à prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e o acordo sobre a relação dos bens comuns, no caso de os cônjuges optarem, desde logo, por procederem à partilha dos bens comuns.
Na segunda modalidade de divórcio, as partes apenas estão de acordo quanto ao divórcio, não existindo acordo quanto aos “acordos complementares” acima referidos.
Na terceira modalidade de divórcio, não existe, pura e simplesmente, consenso quanto ao divórcio.
Como analisa António José Fialho - in “Divórcio”, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, págs. 64-65-, “ (…) face ao atual quadro legal do divórcio sem consentimento - expurgada a discussão da culpa - parece não fazer sentido a dedução de reconvenção por parte do réu na medida em que, se este manifesta igualmente a vontade em obter o divórcio, estão criadas as condições para a conversão do divórcio em mútuo consentimento já que, mesmo na ausência de consenso quanto às consequências do divórcio, o tribunal sempre teria que fixar tais questões (artigo 1778.º-A do Código Civil).
Não obstante, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil).”
Isto posto e vertendo ao caso em sujeito, tendo a Ré manifestado a pretensão de que seja fixada uma data de separação idêntica àquela que foi indicada pelo A., não vislumbramos utilidade na apreciação da reconvenção, no que concretamente se refere ao corpo do pedido (“devendo ser decretado o divórcio entre a aqui Ré e o Autor, com efeitos retroactivos, tantos pessoais como patrimoniais, à data da cessação da co-habitação entre ambos, que deve ser fixada, pelo menos em Novembro de 2017”).
Temos, pois, por inadmissível, nessa parte, o pedido reconvencional.
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Do pedido de fixação de alimentos e de utilização da casa de morada de família (a título provisório e definitivo):

Na contestação/reconvenção, a R. vem, ademais, pedir que lhe seja atribuída a utilização da casa de morada de família, a título provisório e definitivo, e que sejam lhe sejam fixados alimentos, a título provisório e definitivo.
Vejamos.
Nos termos 931º, n.º 7 do CPC, “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”.
“O art. 931º, nº 7, do CPC consagra tão só uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como preliminar ou incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, habitação e vestuário do cônjuge carecido.” – Acórdão da Rel. de Évora de 12.10.2017, em www.dgsi.pt.
“I - O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º].” – Acórdão da Rel. do Porto de 15.06.2015, também em www.dgsi.pt.
A lei faz depender de critérios de oportunidade e conveniência a fixação, em sede de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do regime, necessariamente provisório, seja quanto a alimentos entre cônjuges, seja quanto ao destino da casa de morada de família. Está, portanto, afastada, no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com carácter tendencialmente definitivo quanto a esses aspetos.
Por outro lado, não basta a inexistência de acordo quanto a tais matérias, entre outras, pois que foi justamente a inexistência de acordo que determinou o prosseguimento do processo de divórcio, depois da tentativa de conciliação.
Aqui chegados, e tendo em atenção a natureza de “providência cautelar, de carácter especialíssimo” que assumem as decisões a tomar nos termos do disposto no art.º 931º, n.º 7 do CPC, exige-se a alegação de factos de onde se conclua pela conveniência da fixação do regime provisório. Essa alegação há de passar necessariamente, pela urgência do decretamento das medidas requeridas; urgência que torne inconveniente que se aguarde pelo desfecho do processo de divórcio e que, em sede própria, sejam definitivamente fixadas as matérias relativas a alimentos entre cônjuges ou a utilização da casa de morada de família, que é o que está em causa nos presentes autos.
No caso concreto, não vem alegada qualquer urgência. Os factos alegados pela R. para requerer o decretamento das referidas providências são aqueles que alegaria – e alega (cfr. os art.os 47º, 48º e 66º) – para o seu decretamento, a título definitivo, nenhuma razão sendo invocada de onde resulte a necessidade e/ou conveniência do seu decretamento, com caráter provisório. Pelo exposto, considerando não estarem reunidos os requisitos a que se reporta o art.º 931º, n.º 7 do CPC, não temos por admissíveis os pedidos de fixação de alimentos, bem como de atribuição da casa de morada de família formulados pela R., a título provisório.
O mesmo se diga quanto aos mesmos pedidos, formulados a título definitivo, por ademais, se basearem em factos jurídicos que extravasam os fundamentos, seja da ação, seja da defesa, não estando reunidos os requisitos de admissibilidade da reconvenção previstos no art.º 266º, n.º 2 do CPC.”
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“Assim, formulam-se as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido a fls… pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, de acordo com o qual:
a) Não foi admitido o pedido reconvencional de divórcio deduzido pela Ré/Reconvinte;
b) Não foram admitidos os pedidos reconvencionais de atribuição provisória da casa morada de família e fixação provisória de alimentos; e
c) Não foi, ainda, admitido o pedido reconvencional de alimentos a título definitivo.
Tendo, em sequência disso julgado “improcedente e inadmissível a reconvenção”. – (Cfr. com despacho recorrido).
2) Não pode, todavia, e salvo o devido respeito, a apelante conformar-se com a decisão proferida pelo tribunal a quo, insurgindo-se contra os pontos supra identificados.
3) Quanto ao pedido reconvencional de divórcio deduzido pela Ré/Reconvinte), fundamenta o Tribunal a quo a sua decisão no seguinte: “Como analisa António José Fialho - in “Divórcio”, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, págs. 64-65-, “ (…) face ao atual quadro legal do divórcio sem consentimento - expurgada a discussão da culpa - parece não fazer sentido a dedução de reconvenção por parte do réu na medida em que, se este manifesta igualmente a vontade em obter o divórcio, estão criadas as condições para a conversão do divórcio em mútuo consentimento já que, mesmo na ausência de consenso quanto às consequências do divórcio, o tribunal sempre teria que fixar tais questões (artigo 1778.º-A do Código Civil).
Não obstante, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil).”
Isto posto e vertendo ao caso em sujeito, tendo a Ré manifestado a pretensão de que seja fixada uma data de separação idêntica àquela que foi indicada pelo A., não vislumbramos utilidade na apreciação da reconvenção, no que concretamente se refere ao corpo do pedido (“devendo ser decretado o divórcio entre a aqui Ré e o Autor, com efeitos retroactivos, tantos pessoais como patrimoniais, à data da cessação da co-habitação entre ambos, que deve ser fixada, pelo menos em Novembro de 2017”).
Temos, pois, por inadmissível, nessa parte, o pedido reconvencional.” – (Cfr. com decisão recorrida).
4) Salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, cremos que não assiste razão ao tribunal recorrido. Isto porque, face ao atual quadro legal do divórcio sem consentimento - expurgada a discussão da culpa - parece não fazer sentido a dedução de reconvenção por parte do réu na medida em que, se este manifesta igualmente a vontade em obter o divórcio, estão criadas as condições para a conversão do divórcio em mútuo consentimento já que, mesmo na ausência de consenso quanto às consequências do divórcio, o tribunal sempre teria que fixar tais questões (artigo 1778.º-A do Código Civil).
5) Conforme muito bem refere o despacho recorrido, “Contudo, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: - a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil)”
6) O que sucede in casu. O réu tem interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil). Tanto, tem interesse, que em sede reconvencional deduziu já pedido indemnizatório contra o Autor, que naturalmente, em face da nova legislação não foi admitido.
7) Quanto à atribuição provisória da casa morada de família e fixação provisória de alimentos), entendeu o tribunal a quo, quanto à atribuição provisória da casa morada de família e fixação provisória de alimentos, o que infra se transcreve:
“Nos termos 931º, n.º 7 do CPC, “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”.
“O artigo 931º, nº 7, do CPC consagra tão só uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como preliminar ou incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, habitação e vestuário do cônjuge carecido.” – Acórdão da Rel. de Évora de 12.10.2017, em www.dgsi.pt.
“I - O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – artigo 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do artigo 931.º].” – Acórdão da Rel. do Porto de 15.06.2015, também em www.dgsi.pt.
A lei faz depender de critérios de oportunidade e conveniência a fixação, em sede de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do regime, necessariamente provisório, seja quanto a alimentos entre cônjuges, seja quanto ao destino da casa de morada de família. Está, portanto, afastada, no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com carácter tendencialmente definitivo quanto a esses aspetos.
Por outro lado, não basta a inexistência de acordo quanto a tais matérias, entre outras, pois que foi justamente a inexistência de acordo que determinou o prosseguimento do processo de divórcio, depois da tentativa de conciliação.
Aqui chegados, e tendo em atenção a natureza de “providência cautelar, de carácter especialíssimo” que assumem as decisões a tomar nos termos do disposto no artigoº 931º, n.º 7 do CPC, exige-se a alegação de factos de onde se conclua pela conveniência da fixação do regime provisório. Essa alegação há de passar necessariamente, pela urgência do decretamento das medidas requeridas; urgência que torne inconveniente que se aguarde pelo desfecho do processo de divórcio e que, em sede própria, sejam definitivamente fixadas as matérias relativas a alimentos entre cônjuges ou a utilização da casa de morada de família, que é o que está em causa nos presentes autos.
No caso concreto, não vem alegada qualquer urgência. Os factos alegados pela R. para requerer o decretamento das referidas providências são aqueles que alegaria – e alega (cfr. os artigoos 47º, 48º e 66º) – para o seu decretamento, a título definitivo, nenhuma razão sendo invocada de onde resulte a necessidade e/ou conveniência do seu decretamento, com carácter provisório.
Pelo exposto, considerando não estarem reunidos os requisitos a que se reporta o artigoº 931º, n.º 7 do CPC, não temos por admissíveis os pedidos de fixação de alimentos, bem como de atribuição da casa de morada de família formulados pela R., a título provisório.” – (Negrito e sublinhado nosso).
8) O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – artigo 931, n.º 2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do artigo 931.º].
9) O referido incidente distingue-se do processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990.º do CPC, que não se caracteriza pela mesma provisoriedade, apesar da sua alterabilidade, prevista no n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil, própria dos processos desta natureza (artigo 988.º do CPC).
10) Apesar da apontada diferença de regimes processuais, nada impede a utilização, no incidente previsto no artigo 931.º do CPC, dos critérios enunciados no artigo 1793.º do Código Civil, que deverão presidir à escolha do cônjuge a quem deverá ser atribuída a casa de morada de família.
11) A casa de morada de família deverá ser atribuída em função das necessidades de cada um dos cônjuges, assumindo particular relevância o «interesse dos filhos», devendo privilegiar-se, na ausência de prova da situação patrimonial das partes, aquela a quem os filhos menores do casal se encontram confiados e com quem residem.
12) Salvo o devido e merecido respeito entende a Recorrente que para lançar mão dos procedimentos previstos no n.º 7 do artigo 931º do CPC não é necessário a alegação de factos que demonstrem a urgência do decretamento da medida cautelar.
13) O periculum in mora – literalmente, o “perigo [decorrente] da “demora” do processo principal – constitui um requisito geral para o decretamento de providências cautelares, sendo habitualmente descrito como o “fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável”(cfr. artigo 368.º, n.º 1, do CPC).
14) Nas palavras de Rui Pinto, “o tão usado e propalado periculum in mora não é senão a inadequação da tutela declarativa para lidar com um certo tipo de problema material e extraprocessual” e “as vantagens do funcionamento de uma providência cautelar valem e ocorrem por si mesmas, haja ou não haja mora processual”.
15) Não obstante, quanto à atribuição provisória do uso da casa de morada de família, importa notar que, embora o procedimento esteja previsto, formalmente, como dependente do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (ou seja, um processo de jurisdição contenciosa), a providência a decretar diz respeito à tutela de um direito regulado, em termos definitivos, num processo de jurisdição voluntária (artigo 990.º do CPC), aberto a critérios de oportunidade e conveniência (artigo 987.º do CPC).
16) Os mesmos interesses que concorrem na apreciação da decisão final – designadamente, a necessidade e os recursos de cada um, os interesses dos filhos – devem relevar para aferir da necessidade de tutela cautelar.”
17) Não parece, assim, mobilizável para a aplicação da norma uma ideia estrita de dano sério e irreparável. A tutela provisória deste direito há de encontrar o seu espaço, mais propriamente, na necessidade de compatibilização imediata daqueles interesses, em ordem a garantir a estabilidade familiar, a habitação condigna dos filhos e/ou assegurar uma solução de habitação viável ao cônjuge que dela careça, com uma imprescindível nota de necessidade atual. Neste sentido, já assim foi lapidarmente decidido em vários acórdãos: Acórdão n.º 2655/06-2 do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de Fevereiro de 2007, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 5 de Novembro de 2013, Acórdão nº 2204/16.5T8FAR.E1 do Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2018, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 26 de Maio de 2015.
18) Quanto aos alimentos a título definitivo, entendeu o tribunal a quo, quanto aos alimentos peticionados pela Ré/Reconvinte que, “A lei faz depender de critérios de oportunidade e conveniência a fixação, em sede de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do regime, necessariamente provisório, seja quanto a alimentos entre cônjuges, seja quanto ao destino da casa de morada de família. Está, portanto, afastada, no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com caráter tendencialmente definitivo quanto a esses aspetos.
Por outro lado, não basta a inexistência de acordo quanto a tais matérias, entre outras, pois que foi justamente a inexistência de acordo que determinou o prosseguimento do processo de divórcio, depois da tentativa de conciliação.” - (Cfr. com despacho recorrido).
19) Salvo o devido respeito não assiste qualquer razão ao Tribunal “a quo”.
20) Determina expressamente o artigo 555º, n.º 2 do Código de Processo Civil que, “Nos processos de divórcio ou de separação sem consentimento do outro cônjuge é admissível a dedução de pedido tendente à fixação do direito a alimentos.”
21) Aliás, pode ler-se nos cadernos disponibilizados pelo Centro de Estudos Judiciários, in “Divórcio”, que, “O réu pode deduzir pedido reconvencional, alegando factos que consubstanciem a rutura definitiva do casamento (artigos 266.º, n.º 2, alínea d), e 932.º, ambos do Código de Processo Civil), podendo ainda, na reconvenção, deduzir pedido de alimentos contra o autor, bem como a fixação de um regime quanto às matérias referidas no n.º 7 do artigo 931.º do citado diploma.”
22) Ao decidir, a decisão proferida violou nomeadamente, o disposto nos artigos 931º, n.º 7 e 555º, n.º 2, 266.º, n.º 2, alínea d), e 932.º, todos do Código de Processo Civil, 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil, pelo que, deve ser revogada nos pontos supra especificados e, consequentemente, anulado tudo o que vier a ser processado posteriormente.
Assim se espera, venerandos Desembargadores, por ser de Justiça.”.
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Não resulta dos autos que tenha havido contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se é admissível a dedução de pedido reconvencional, em processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pretendendo que seja decretado o divórcio; que seja atribuída provisoriamente a casa de morada de família; que sejam fixados provisoriamente alimentos, e que sejam fixados alimentos a título definitivo.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório acima.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de as apreciar.
Começa a apelante por insurgir-se contra a não admissão do pedido reconvencional de divórcio por si deduzido.
Invoca para tal que tem interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil). Tanto tem interesse, que em sede reconvencional deduziu já pedido indemnizatório contra o autor, que em face da nova legislação não foi admitido.
Vejamos.
Como se afirmou na decisão recorrida, diz-nos António José Fialho - in “Divórcio”, Centro de Estudos Judiciários, Julho de 2014, págs. 64-65-, que “ (…) face ao atual quadro legal do divórcio sem consentimento - expurgada a discussão da culpa - parece não fazer sentido a dedução de reconvenção por parte do réu na medida em que, se este manifesta igualmente a vontade em obter o divórcio, estão criadas as condições para a conversão do divórcio em mútuo consentimento já que, mesmo na ausência de consenso quanto às consequências do divórcio, o tribunal sempre teria que fixar tais questões (artigo 1778.º-A do Código Civil).
Não obstante, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil).”
Concordamos com tal análise.
Ora, no caso dos autos, temos que a ré requereu que fosse fixada uma data de separação idêntica àquela que foi indicada pelo autor. Assim, nesta medida, seria sempre de não admitir o pedido reconvencional.
Afirma agora a ré que tem interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil). E tal interesse pode entender-se que resulta do facto de ter em sede reconvencional deduzido pedido indemnizatório contra o autor (que em face da legislação não foi admitido). Nesta medida entende que deveria ter sido admitido o pedido reconvencional deduzido de decretamento do divórcio.
Não nos parece que tenha razão.
Com efeito, o nº 1, do artigo 1792º do Código Civil na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, prescreve que “o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.
Estabelece-se no nº 2, deste artigo que “o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea b) do artigo 1781º deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento; este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.
As alterações introduzidas no regime da reparação de danos causados a um cônjuge por outro cônjuge pela Lei nº 61/2008, tendo em conta que desapareceu o regime do divórcio sanção e que o divórcio pode agora ser obtido mesmo contra a vontade do outro cônjuge, sem a necessidade de alegação de violação de qualquer dever conjugal, o denominado divórcio sem consentimento que se traduz na concessão de um direito potestativo extintivo ao cônjuge interessado na extinção do vínculo conjugal, conduzem, a nosso ver, a que os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento apenas são compensáveis na hipótese prevista no nº 2, do artigo 1792º do Código Civil. (cfr. Ac. Relação do Porto de 26-09-2016, relator Carlos Gil, disponível in www.dgsi.pt).
Nos demais casos, considerando que a dissolução do casamento por divórcio corresponde ao exercício de um direito potestativo, na falta de previsão legal expressa a estatuir a obrigação de compensação desses danos com base em facto lícito, afigura-se-nos que tais danos não patrimoniais derivados da dissolução do casamento não serão compensáveis.
Quanto aos restantes danos, não patrimoniais e patrimoniais (que não os não patrimoniais derivados da dissolução do casamento), causados por um cônjuge ao outro são ressarcíveis, nos termos gerais da responsabilidade civil e mediante acção a intentar nos tribunais comuns.
Diz-nos Guilherme de Oliveira in Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora, Ano 7, nº 13, 2010, página 21 e especialmente a nota 23 na mesma página, que a remissão da ressarcibilidade destes danos para o regime geral da responsabilidade civil significa a sua sujeição às regras da responsabilidade aquiliana.
Tendo em linha de conta os considerandos acima deixados, verificamos que no caso dos autos, na sua contestação/reconvenção, não invoca a apelante qualquer facto ilícito que possa imputar ao apelado, e que possa ser fundamento de uma acção de responsabilidade civil a intentar nos tribunais comuns.
É que, os danos alegados pela apelante subsumem-se apenas a danos não patrimoniais derivados da dissolução do casamento, e já não resultantes de qualquer facto ilícito imputado ao apelado.
Com efeito, e em síntese, alega a ré/apelante que durante mais de 16 anos devotou ao casamento todo o seu empenho, vendo cair ingloriamente todo o sacrifício feito nos mais jovens anos da sua vida, sem que para tal situação tenha contribuído.
A ser assim, como se deixou já afirmando, considerando que a dissolução do casamento por divórcio corresponde ao exercício de um direito potestativo, na falta de previsão legal expressa a estatuir a obrigação de compensação desses danos com base em facto lícito, tais danos não patrimoniais derivados da dissolução do casamento não serão compensáveis.
E não sendo compensáveis tais danos, nenhum interesse tem a sua discussão nestes autos de divórcio, nomeadamente para que se constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor/apelado.
Improcede, pois, nesta vertente, a apelação.
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Mais se insurge a apelante por não ter sido admitido o pedido reconvencional na parte em que esta pedia a atribuição provisória da casa morada de família e a fixação provisória de alimentos.
Para tal invoca que para lançar mão dos procedimentos previstos no n.º 7 do artigo 931º do CPC não é necessário a alegação de factos que demonstrem a urgência do decretamento da medida cautelar.

Na decisão recorrida, e quanto a tal matéria escreveu-se o seguinte:

Nos termos 931º, n.º 7 do CPC, “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”.
“O artigo 931º, nº 7, do CPC consagra tão só uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como preliminar ou incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, habitação e vestuário do cônjuge carecido.” – Acórdão da Rel. de Évora de 12.10.2017, em www.dgsi.pt.
“I - O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – artigo 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do artigo 931.º].” – Acórdão da Rel. do Porto de 15.06.2015, também em www.dgsi.pt.
A lei faz depender de critérios de oportunidade e conveniência a fixação, em sede de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do regime, necessariamente provisório, seja quanto a alimentos entre cônjuges, seja quanto ao destino da casa de morada de família. Está, portanto, afastada, no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com carácter tendencialmente definitivo quanto a esses aspetos.
Por outro lado, não basta a inexistência de acordo quanto a tais matérias, entre outras, pois que foi justamente a inexistência de acordo que determinou o prosseguimento do processo de divórcio, depois da tentativa de conciliação.
Aqui chegados, e tendo em atenção a natureza de “providência cautelar, de carácter especialíssimo” que assumem as decisões a tomar nos termos do disposto no artigoº 931º, n.º 7 do CPC, exige-se a alegação de factos de onde se conclua pela conveniência da fixação do regime provisório. Essa alegação há de passar necessariamente, pela urgência do decretamento das medidas requeridas; urgência que torne inconveniente que se aguarde pelo desfecho do processo de divórcio e que, em sede própria, sejam definitivamente fixadas as matérias relativas a alimentos entre cônjuges ou a utilização da casa de morada de família, que é o que está em causa nos presentes autos.
No caso concreto, não vem alegada qualquer urgência. Os factos alegados pela R. para requerer o decretamento das referidas providências são aqueles que alegaria – e alega (cfr. os artigoos 47º, 48º e 66º) – para o seu decretamento, a título definitivo, nenhuma razão sendo invocada de onde resulte a necessidade e/ou conveniência do seu decretamento, com carácter provisório.
Pelo exposto, considerando não estarem reunidos os requisitos a que se reporta o artigoº 931º, n.º 7 do CPC, não temos por admissíveis os pedidos de fixação de alimentos, bem como de atribuição da casa de morada de família formulados pela R., a título provisório.”.
Vejamos.
Como bem refere a apelante, o periculum in mora – literalmente, o “perigo [decorrente] da “demora” do processo principal – constitui um requisito geral para o decretamento de providências cautelares, sendo habitualmente descrito como o “fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável”(cfr. artigo 368.º, n.º 1, do CPC).
Contudo, no que respeita à atribuição provisória do uso da casa de morada de família, há que ter em consideração que, pese embora o procedimento esteja previsto, formalmente, como dependente do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (ou seja, um processo de jurisdição contenciosa), a providência a decretar diz respeito à tutela de um direito regulado, em termos definitivos, num processo de jurisdição voluntária (artigo 990.º do CPC), aberto a critérios de oportunidade e conveniência (artigo 987.º do CPC).
Assim sendo, os mesmos interesses que concorrem na apreciação da decisão final – designadamente, a necessidade e os recursos de cada um, os interesses dos filhos – devem relevar para aferir da necessidade de tutela cautelar.
Nessa medida, não parece razoável para a aplicação da norma do art. 931º nº 7 do CPC, que seja exigível uma ideia estrita de dano sério e irreparável.
Entendemos pois que, a tutela provisória deste direito há-de encontrar o seu espaço, mais propriamente, na necessidade de compatibilização imediata daqueles interesses, em ordem a garantir a estabilidade familiar, a habitação condigna dos filhos e/ou assegurar uma solução de habitação viável ao cônjuge que dela careça, com uma imprescindível nota de necessidade actual (cfr. neste sentido, entre outros Acórdão da Relação de Évora, de 8 de Novembro de 2018, disponível in www.dgsi.pt).
Assim sendo, e considerando a factualidade alegada pela ré/apelante quanto a esta matéria (cfr. arts. 29º a 46º da contestação) bem como a posição assumida pelo autor na sua réplica (opondo-se a que seja atribuído provisoriamente o uso da casa de morada de família à ré), entendemos que importa compatibilizar, ainda que provisoriamente, e de forma imediata, os interesses acima assinalados.
Por outro lado, e já quanto ao pedido de fixação de alimentos provisórios, como se escreveu no Ac. da Relação do Porto de 18.02.2019 disponível in www.dgsi.pt: “Na ação de divórcio pode suceder, a requerimento da parte interessada ou por iniciativa do juiz que, nesse caso, terá que justificar qual a razão da conveniência dessa solução, seja enxertado um incidente em tudo semelhante ao procedimento cautelar de atribuição de alimentos provisórios.
Essa situação não estará, sequer, sujeita a formalidades especiais, a não ser o requerimento formal da parte, que deverá justificar a razão por que pretende alimentos e por que os requer provisoriamente (antes de instaurar a competente ação de alimentos) ou o despacho circunstanciado do juiz que explicite os motivos pelos quais se lhe afigura ser a situação económico-financeira da parte de molde a concitar uma imediata e provisória atribuição de alimentos.”
Escreve Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª edição pgs. 111 e 112), que aos “alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum convocar quando se abordam os procedimentos cautelares” e destaca que a medida jurisdicional em causa “é daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, enquanto noutro campo (em sede de acção principal) se faz a discussão serena e a apreciação segura e definitiva da matéria em litígio”, interessando assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos, funcionando os alimentos provisórios “como “primeiro socorro” prestado a quem, em função da idade, das condições físicas ou de circunstâncias de ordem económica ou familiar, se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial à condição humana”.
Está em causa, portanto, em sede de fixação provisória, ter em conta a satisfação das necessidades vitais e prementes do cônjuge requerente, acautelando-se a tutela de um interesse em situação de periculum in mora.
Em sede de causa de pedir, a ré/apelante invocou os factos alusivos à necessidade – como decorre, nomeadamente, dos arts. 49º a 59º e 64º da contestação –, bem como à possibilidade do requerido os prestar – art. 60º da contestação.
Quanto à similitude entre os factos aqui narrados e os enunciados para o pedido de alimentos definitivos, não pode surpreender essa constatação porquanto a matéria a apreciar é a mesma, ainda que com diferente amplitude e delimitação temporal.
Quanto à exigência de alegação de factualidade integradora do periculum in mora, bastamo-nos com a invocação de que a ré/apelante se encontra desempregada, e sem qualquer fonte de rendimento, o que desde logo afasta o raciocínio expendido na decisão, de que não foi alegado o periculum in mora.
Procede assim, nesta parte a apelação.
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Finalmente, insurge-se a apelante contra a não admissão do pedido reconvencional deduzido, no que à fixação de alimentos definitivos respeita.
Entendeu o Tribunal a quo, quanto a tal matéria, que está afastada no âmbito do processo de divórcio, a possibilidade de uma decisão com carácter tendencialmente definitivo quanto à fixação de alimentos definitivos.
Não nos parece que assim seja.
É que, resulta expressamente do disposto pelo art. 555º, n.º 2 do Código de Processo Civil que, “Nos processos de divórcio ou de separação sem consentimento do outro cônjuge é admissível a dedução de pedido tendente à fixação do direito a alimentos.”
Ora, se tal é possível na petição inicial do processo, nada obsta que que o mesmo pedido seja deduzido a título reconvencional, pois que sempre caberá na previsão do art. 266º nº 2 al. a) do CPC.
Tal entendimento é aliás o sufragado nos cadernos disponibilizados pelo Centro de Estudos Judiciários, in “Divórcio”, onde se afirma que: “O réu pode deduzir pedido reconvencional, alegando factos que consubstanciem a rutura definitiva do casamento (artigos 266.º, n.º 2, alínea d), e 932.º, ambos do Código de Processo Civil), podendo ainda, na reconvenção, deduzir pedido de alimentos contra o autor, bem como a fixação de um regime quanto às matérias referidas no n.º 7 do artigo 931.º do citado diploma.”
Assim, também nesta parte, procede a apelação.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:

a) revogar a decisão recorrida na parte referente à não admissão do pedido reconvencional no que se refere à atribuição provisória da casa morada de família; à fixação provisória de alimentos; e à fixação de alimentos a título definitivo; pedido esse que nessas partes se admite.
b) anular todos os actos subsequentes a essa decisão.
c) no restante, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação por apelante e apelado, na proporção de 1/6 e 5/6, respectivamente.
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Guimarães, 8 de Outubro de 2020

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)