Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1827/15.4T9BRG-A.G1
Relator: CLARISSE GONÇALVES
Descritores: CONDENAÇÃO EM PENA DE MULTA
ARGUIDO PRIMÁRIO
NÃO TRANSCRIÇÃO NO CRC
ARTºS 13º E 10º NºS 5 E 6 DA LEI Nº 37/2015 DE 5 DE MAIO.
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A possibilidade de não transcrição de condenação no certificado de registo criminal requerida pelos arguidos, ou por qualquer particular, destina-se a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode acarretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.

II) No caso dos autos, face ao quadro circunstancial apurado, designadamente tendo presente a ausência de passado criminal, o que significa que os arguidos não possuem um passado demonstrativo de uma reincidência criminosa, de uma reincidência para o crime, sendo certo que da decisão condenatória (em pena de multa) nada decorre que possa induzir perigo da prática de novos crimes, justifica-se o deferimento da requerida não transcrição da condenação dos arguidos recorrentes nos respectivos certificados de registo criminal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

- 1. No presente processo com o nº 1827/15.4T9BRG-A, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pelo Juízo Local Criminal de Vila Verde, foi, por despacho datado de 19 de Outubro de 2017, indeferida a requerida não transcrição da condenação imposta aos arguidos António e José nos respectivos certificados de registo criminal, por se entender “que não estão verificados os pressupostos necessários à não transcrição da condenação nos termos do artº 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio” (fls. 12).

Consta desse despacho (transcrição):

“António e José requereram a não transcrição da sentença proferida no certificado de registo criminal.
O Ministério Público deduziu oposição ao requerido.

Nos termos do artº 13º nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio:

- 1. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artº 152º, no artº 152º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharem o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º.
O facto de os arguidos serem accionistas, declarando contudo parcos rendimentos, consignando-se ainda que já beneficiaram de uma suspensão provisória do processo por um crime de abuso de confiança fiscal e têm ainda outros processos pendentes traz preocupações acrescidas, desabonando a sua idoneidade. Entendemos assim que há perigo de praticar outros crimes.
Pelo exposto, entende-se que não estão verificados os pressupostos necessários à não transcrição da condenação nos termos do artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, indeferindo-se a requerida não transcrição.
Notifique.”

- 2. Não se conformando com esta decisão, os arguidos António e José interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“- 1. Decorre do disposto no art.º 13.º n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio – Lei da Identificação Criminal que a aplicação de uma pena de prisão até 1 (um) ano ou a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, como é o caso, possibilita a não transcrição da respetiva sentença no certificado de registo criminal, se os Arguidos não tiverem sofrido condenações anteriores por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes.
- 2. Para aplicação da referida norma são, assim, necessários dois requisitos cumulativos, sendo certo que, no presente caso, dúvidas não subsistem que que o primeiro requisito se encontra preenchido, uma vez que os Recorrentes foram condenados a penas individuais de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros) e de € 12,00 (doze euros).
- 3. Nenhum dos Arguidos tem antecedentes criminais, sendo certo que ambos os Recorrentes no exercício das suas atividades profissionais necessitam de apresentar múltiplas vezes os seus registos criminais junto de Entidades Administrativas, pelo que para que os mesmos possam continuar a exercer as suas funções mostra-se imprescindível a não transcrição da sentença em mérito.
- 4. Com a transcrição da sentença em causa os Recorrentes ficam gravemente prejudicados no exercício das suas atividades profissionais colocando-se em risco a sua continuidade e assim a sua sobrevivência.
- 5. Os problemas sociais e económicos dos Recorrentes tenderão a agravar-se com as possíveis situações de desemprego que podem desencadear-se por força das transcrições da sentença, dada a estagnação da área da construção civil.
- 6. Impedir que os Recorrentes refaçam as suas vidas significa, tão só, agravar a situação económica da sociedade de construção civil “JM & FILHOS, SA” onde ambos são acionistas, dos seus trabalhadores, bem como a situação económica dos dois agregados familiares.
- 7. Em questão está uma sentença condenatória de pequena criminalidade, ligada à não entrega atempada do IVA pela sociedade de construção civil “JM & FILHOS, SA”, referente ao quarto trimestre de 2013 e cujo valor do imposto em causa encontra-se totalmente pago, inexistindo qualquer prejuízo económico para o Estado.
- 8. A não entrega atempada do imposto de IVA ficou a dever-se à forte crise e conjuntura económica que assolou o País inteiro e não à má gestão dos Recorridos.
- 9. Não pode o tribunal a quo asseverar que a não entrega do imposto em causa, no período que era devido, deve-se única e simplesmente à alegada conduta dolosa dos Recorrentes e que por causa dessa única condenação a idoneidade destes últimos fica totalmente desabonada.
- 10. No caso concreto, atendendo que os Recorridos são pessoa socialmente inseridas, trabalhadoras e o facto de da sua conduta não ter resultado nenhum prejuízo patrimonial para o Estado u qualquer lesão para o bem público, não existe nenhuma necessidade imperiosa de prevenção especial, nenhum perigo de futuras repetições criminosas, nenhuma causa que justifique o indeferimento do requerido, até porque um dos princípios basilares do nosso Estado de Direito prende-se com o princípio do «in dubio pro reo».
- 11. O princípio «in dubio pro reo» pode ser analisado sob dois prismas: o âmbito subjetivo, por um lado; o âmbito objetivo por outro.
- 12. Não descurando a existência de factos históricos, também não se pode fechar totalmente os olhos à personalidade dos Recorrentes e aos seus contextos familiares e sociais, punindo-os ad eternum e fazendo juízos de prognose desfavoráveis de factos que ainda nem sequer se sucederam, como por exemplo as alegadas condenações em processos que ainda se encontram pendentes.
- 13. Os Arguidos, com a aplicação das penas não privativas de liberdade, perderam já o ânimo, o orgulho e o preenchimento intelectual e emocional, sentindo-se extremamente envergonhados, tendo em conta que sempre foram tidos pela sociedade como homens sinceros, honestos, educados e justos, no fundo, exemplos a seguir.
- 14. O juízo de prognose deverá, assim, ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, isto é, a culpa diminuta dos Recorrentes, as exigências de prevenção e - as suas atitudes perante os factos pelos quais foram condenados.
- 15. O principio do «in dubio pro reo» constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
- 16. A transcrição da sentença dos autos não só impede, infundadamente, o direito de liberdade de escolha de profissão, como ainda o de acesso ao emprego, constitucionalmente consagrados - cfr. arts 47.° n.º 1 e art.º 58.° da CRP.
- 17. Não se pode admitir que estes direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados possam ser cerceados pelos motivos alegados no despacho em crise, pela infundada perigosidade dos condenados.
- 18. Indeferir a requerida não transcrição da sentença no registo criminal dos Arguidos/recorrentes implica só e unicamente impedir que os Recorrentes refaçam as suas vidas e que aufiram rendimentos que lhes permitam sustentar-se a si e às suas famílias.
- 19. Nesta medida, deveria o Tribunal a quo deferir o pedido dos Arguidos/recorrentes e ao não decidir assim a decisão de que ora se recorre efectuou uma incorrecta valoração do disposto no n.º 1 do artigo 13º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio e viola flagrantemente o disposto nos artigos 32º, 47º e 58º todos da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE,

deve o despacho em crise ser revogado no sentido de ser deferida a não transcrição da sentença dos autos nos certificados de registo criminal, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 13.º n.º 1 da Lei 37/2015, de 05 de maio – Lei da Identificação Criminal, fazendo Vossas Excelências inteira e sã J U S T I Ç A !” (fls. 9 a 11).

- 3. Por despacho proferido a 4 de Dezembro de 2017, o recurso foi admitido, “com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, tudo nos termos dos artº 399º, 400º “a contrario”, 401º nº 1 b), 406º, 407º nº 2 b), 408º “a contrario”, 411º, nº 1 a) e 414º do Código de Processo Penal.”

- 4. A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso (fls. 2 a 4), oferecendo-se-lhe dizer, em sede de conclusões, o seguinte (transcrição):

“1.ª) Para a não transcrição da condenação no respetivo certificado de registo criminal e sem prejuízo dos crimes a que se reporta o n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5/5, a lei exige a verificação de três pressupostos:

a) - o arguido ter sido condenado em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
b) - o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) - das circunstâncias que acompanharam o crime não se induzir o perigo de prática de novos crimes.

2.ª) No entendimento do Ministério Público, não se encontra preenchido o terceiro pressuposto de que a lei faz depender a não transcrição, já que na situação em análise se induz o perigo de prática de novos crimes pelos recorrentes.

3.ª) Efetivamente, resulta da sentença que os recorrentes mantêm-se como sócios/acionistas de outras empresas, para além da sociedade “JM & Filhos, S.A.”.

4.ª) Por outro lado, decorre de fls. 458 a 461 que os arguidos têm, pelo menos, outro processo pendente por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

5.ª) A tudo acresce que ambos já beneficiaram de uma suspensão provisória do processo, no âmbito do Processo n.º 24/14.0 IDBRG (fls. 445 e 446).

6.ª) Da conjugação de tais fatores induz-se a existência de um perigo real de prática de novos crimes por parte dos recorrentes.

7.ª) Nestas circunstâncias, bem andou o Tribunal ao indeferir a sua pretensão de não transcrição da sentença nos respetivos certificados do registo criminal.

Termos em que deverá essa Veneranda Relação negar provimento ao recurso
interposto pelos arguidos, assim se fazendo JUSTIÇA.”

- 5. Por despacho de fls. 31, proferido a 15 de Março de 2018, o Tribunal a quo sustentou a decisão recorrida (ao abrigo do disposto no artº 414º nº 4 do Código de Processo Penal) e determinou a subida dos autos a este “Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.”

- 6. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que “deve ser concedido provimento ao recurso interposto pelos arguidos, fazendo-se dessa forma a habitual Justiça.” (fls. 47).

- 7. Cumprido que foi o estatuído no nº 2 do artº 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

- 8. Efectuado exame preliminar, proferido o competente despacho e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Como resulta das transcritas conclusões, a questão que se nos coloca é a de saber se deve, ou não, ser revogado o despacho que indeferiu a requerida não transcrição no certificado de registo criminal de cada um dos arguidos da condenação de que foram alvo.

Apreciemos:

O arguido António, foi condenado numa pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, com referência aos artºs 19º a 26º, 28º e 40º do CIVA.
E o arguido José, foi condenado numa pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 12,00 (doze euros), pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, com referência aos artºs 19º a 26º, 28º e 40º do CIVA.
Por requerimento, cada um dos arguidos solicitou a não transcrição da referida condenação no certificado de registo criminal.

Alegou o arguido António que no exercício da sua actividade de arquitectura necessita muitas vezes de apresentar o seu registo criminal junto de entidades administrativas, pelo que para que possa continuar a exercer as suas funções mostra-se imprescindível a não transcrição da sentença.

Aduz que é primário, está inserido profissionalmente e que se mostra arrependido da prática do crime pelo qual veio a ser condenado.
Por fim realça que “a inscrição da sentença no seu registo criminal poderá prejudicar gravemente a sua actividade profissional.”

O arguido José, referiu que é engenheiro civil e accionista de duas empresas de construção civil, que é primário, que se mostra arrependido e envergonhado, e salienta que “atendendo à conjuntura socioeconómica actual, a inscrição da sentença no seu registo criminal, poderá prejudicar gravemente a sua actividade profissional.”

Estes requerimentos foram objecto de despacho que veio a indeferir o pretendido pelos arguidos.

E é deste despacho que ambos recorrem.

Tal despacho baseia-se no facto de “os arguidos serem accionistas, declarando contudo parcos rendimentos,” terem já beneficiado “de uma suspensão provisória do processo por um crime de abuso de confiança fiscal” e terem “ainda outros processos pendentes” o que “traz preocupações acrescidas, desabonando a sua idoneidade.” Finaliza a Mtmª Juíza por entender que “há perigo de praticar outros crimes.”

Os arguidos recorrem e reforças os argumentos já aduzidos nos requerimentos em que formularam tal pedido.
A Exmª Procuradora Adjunta do tribunal recorrido pugna pela manutenção da decisão proferida e objecto deste recurso.
A Exmª Procurador-Geral Adjunta emite parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso interposto pelos arguidos.

Dispõe o artº 13º, nº 1 da Lei 37/2015 de 5 de Maio (norma semelhante ao artº 17º, nº 1 da anterior Lei nº 57/98, de 18 de Agosto) que “sem prejuízo do disposto na Lei 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artº 152º e 152º-A e no capítulo V do título 1 do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º”.

Para a não transcrição da condenação no respectivo certificado de registo criminal, a que aludem os nºs 5 e 6 do artº 10º da Lei nº 37/2015, sem prejuízo dos crimes a que se reporta o nº 1 do artº 13º, exige-se a verificação de dois pressupostos:

Um pressuposto formal - o arguido ter sido condenado em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;

E, um pressuposto material – o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes.

No caso que nos ocupa verificado está o pressuposto formal. Cada um dos arguidos foi condenado numa pena de 100 (cem) dias de multa.
E também se encontra verificado, desde logo, parte do pressuposto material já que os dois arguidos são primários, portanto não registam qualquer condenação no seu certificado de registo criminal, não tendo, evidentemente, “sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza”.
A questão que se coloca é a de aquilatar se das circunstâncias que acompanharam o crime se se pode ou não induzir o perigo da prática de novos crimes.

Consta da matéria de facto dada como provada na sentença proferida que:

“Os arguidos José e António, e outro, são administradores da sociedade “JM & Filhos, S.A.”, com sede no lugar …, há mais de três anos.

A referida sociedade, com nº de contribuinte …, tem como objecto social a construção de edifícios para venda, compra e venda de imóveis e investimentos turísticos e encontra-se registada em IRC na atividade de construção de edifícios residenciais e não residenciais, nos serviços de finanças, estando enquadrada para efeitos de Imposto Sobre Valor Acrescentado (IVA), no regime normal, de periodicidade trimestral.

Pelo menos desde 2013 e, nomeadamente, no quarto trimestre desse ano, a gerência da sociedade esteve a cargo dos dois arguidos, José e António e de um outro administrador, que agiam conjuntamente.

Competia aos arguidos referidos e ao outro, na qualidade de administradores da sociedade, contratar serviços de prestadores de serviços e de trabalhadores, efectuar pagamentos da empresa, tratar com fornecedores e clientes, com bancos, emitir e assinar cheques, actividades que exerciam indistintamente.
Eram, pois, os arguidos e o mencionado terceiro administrador que tomavam as decisões de gestão inerentes à sociedade “JM & Filhos, S.A.”.

No exercício da referida actividade, no quarto trimestre de 2013, a sociedade “JM & Filhos, S.A.”, por intermédio dos dois arguidos e do terceiro administrador, realizou operações tributárias de vendas de bens/prestações de serviços, nas quais foi liquidado IVA aos seus clientes no valor de 98.537,37 euros. Deduzido o imposto de que era credora, por si suportado em compras efectuadas no período em causa e/ou regularizações de IVA a seu favor, no valor de 48.005,39 euros, a “JM & Filhos, S.A.” procedeu a apuramento de IVA, ficando obrigada a entregar à Administração Fiscal o imposto exigível a tal título, no valor de 50.531,98 euros (cinquenta mil quinhentos e trinta e um euros e noventa e oito cêntimos).

Porém, apesar de terem enviado a respectiva declaração periódica referida no art.º 41º, do CIVA, a “JM & Filhos, S.A.” e os arguidos António e José não entregaram simultaneamente com a mesma nos cofres do Estado a quantia indicada na tabela seguinte, na data a que estavam obrigados, nos termos da lei, em 17/2/2014, nem nos 90 dias subsequentes a tal data, não obstante a terem recebido na totalidade.

Período a que respeita a infração Montante da prestação tributária em falta Data limite de pagamento Percentagem de IVA recebido 4º trimestre de 2013 50.531,98€ 17/02/2014 100%.

A “JM & Filhos, S.A.” e os arguidos António e José foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 105º, nº 4, al.ª b), do RGIT, respetivamente a 8/4/2015, fls. 181 e 10/2/2015, fls.134 e 135, sem que no prazo de 30 dias tivessem efetuado o pagamento da prestação tributária de IVA em falta acima indicada.

A referida sociedade encontrava-se sujeita a um plano de pagamento em 24 prestações mensais da referida importância, acrescida de juros, tendo já cumprido essas prestações.

Ao agirem nos termos descritos os arguidos António e José atuaram em representação e em nome e interesse da “JM & Filhos, S.A.”, bem como no seu próprio interesse.

Ambos os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que ao não entregarem à Administração Fiscal o valor da prestação tributária em causa, por si efectivamente cobrado nas transacções e prestações de serviços que efectuaram no período acima descrito, apoderando-se, do mesmo, obtinham um aumento ilegítimo do seu património em detrimento do da Fazenda Nacional.
Bem sabiam os arguidos que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente.

Os arguidos não têm antecedentes criminais.

António reside só em casa da mulher, possui um gabinete de arquitetura auferindo cerca de € 650,00 mensais. Para além do seu gabinete de arquitetura, é sócio de uma empresa que explora um parque de estacionamento e acionista de uma sociedade de construção civil. Paga cerca de € 350,00 mensais de prestação para aquisição de um imóvel da sua mulher. Possui um motociclo e um veículo com mais de 20 anos. Conduz habitualmente um veículo de marca Mercedes 280D de 2005 e um veículo de marca Rover com mais de 15 anos.

José reside em casa própria pagando uma prestação mensal de cerca de € 800,000, com a mulher e a sogra, o casal tem uma filha estudante a seu cargo. É acionista em duas empresas de construção civil e como vogal no conselho de administração de outra sociedade aufere mensalmente cerca de € 280,00 mensais. Conduz habitualmente um veículo de marca Toyota de 2005 e outro de marca Hyundai de 2007. É sustentado pela sua mulher, diretora pedagógica num colégio privado e pela sua sogra, esta reformada, e tem ajuda financeira da mãe e das irmãs.

Os arguidos têm uma licenciatura.”

Consta ainda da sentença, na “Dosimetria da pena” que “os arguidos procederam ao pagamento do imposto liquidado” o que releva em seu beneficio, para além “da sua inserção familiar e social e a confissão dos factos.”

Sendo estes os factos assentes cremos não poder extrair a conclusão, sem mais, de que há perigo do cometimento de novos crimes.

Consta dos autos que os arguidos são primários e sendo-o, significa que não possuiem um passado demonstrativo de uma reincidência criminosa, de uma tendência para o crime.

Da decisão condenatória nada decorre que possa induzir perigo da prática de novos crimes, nomeadamente da mesma natureza.

Além de que, na citada decisão, o tribunal a quo optou pela pena de multa como sanção adequada para o crime –“ adequada e suficiente para satisfazer as finalidades da punição”.

Referindo que “atendendo à preferência legal pela pena de multa e à ausência de especiais necessidades de ressocialização, não se assume, como absolutamente indispensável aplicar uma pena privativa da liberdade aos arguidos, configurando-se ainda a pena pecuniária como apta a lograr as finalidades que subjazem à sua aplicação.” (fls. 29).

Ora, foi considerado inexistirem especiais necessidades de ressocialização dos arguidos, entendendo-se como apta, a lograr as finalidades da punição, a aplicação de pena de multa a cada um deles.

O facto de existirem processos pendentes, por factos ocorridos na mesma data, que os dos presentes autos e os arguidos continuarem a exercer as mesmas funções, não significa, como bem salienta a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que se possa concluir que vão continuar a praticar novos factos delituosos, na medida em que quanto aos processos pendentes eles já ocorreram há muito, não havendo qualquer certeza, pelo menos, por ora, que se traduzam em condenações e constituam a prática de novos factos.

Só de realçar que a possibilidade de não transcrição da condenação no certificado de registo criminal requerida pelos arguidos, ou por qualquer particular, destina-se a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode acarretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.

Tudo ponderado, e, uma vez que se mostram reunidos os pressupostos legais, o despacho recorrido é revogado, autorizando-se nos termos requeridos e dentro do âmbito elencado nas previsões dos artºs 13º e 10º nºs 5 e 6 da Lei nº 37/2015 de 5 de Maio, a não transcrição da condenação nos respectivos certificados de registo criminal.

III – DISPOSITIVO

Face aos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso interposto pelos arguidos, António e José, procedente nos termos e com o alcance aludidos.
Sem custas.
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(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias – artº 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 18 de Junho de 2018,

(Clarisse Gonçalves)
(Nazaré Saraiva)