Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
190/16.0T8BCL.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CONTRATOS FORMAIS
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. Na análise crítica das declarações de parte deve ponderar-se o interesse direto que a parte tem no caso, sem prejuízo deste interesse não poder de imediato fazer concluir pela inveracidade do afirmado, desde que favorável ao declarante.

2. Na interpretação dos contratos formais mais do que o entendimento subjetivo do declaratário há que recorrer ao sentido que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia da declaração (sentido objetivo para o declaratário).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autores e apelantes:

PAULA (…) e marido JOSÉ (…), residentes na Rua do …, casa …, freguesia de …, Barcelos,

Ré e apelada:

ANA (…), residente na Rua da …, nº …, freguesia de …, Barcelos, pedindo que se condene a Ré a pagar-lhes a quantia de € 11 107,91, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 2 484,55, e dos vincendos, até integral pagamento.

Autos de: apelação em ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

I - RELATÓRIO

Seguindo-se de perto os relatórios já efetuados nos autos, na parte em que não necessitam de ser alterados face à atual fase processual e questões que ora se levantam, relatam-se os principais acontecimentos ocorridos no processo.

Os Autores, na petição inicial, pediram a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia global de €11.107,91, acrescida de juros vencidos no montante de €2.484,55 e de juros vincendos até efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que em 27 de Julho de 2010, outorgaram escritura de doação, nos termos da qual a Ré lhes doou um prédio misto, com reserva de usufruto para a doadora e com a obrigação de os donatários a tratarem e acompanharem na saúde e na doença; na sequência da escritura, a Autora passou a viver na casa usufruída pela Ré, fazendo a limpeza e as compras, prestando àquela todos os cuidados, acompanhando-a ao médico e levando-a a passear; por essa altura, e por indicações do advogado da Ré, foi aberta uma conta bancária conjunta da Autora e da Ré, para aquela ir pagando as despesas da casa e quaisquer outras que a Ré determinasse; em Setembro de 2010, a Ré solicitou ao Autor que lhe emprestasse a quantia de 2.000,00€, com vista ao pagamento de um imposto de selo, tendo este, aceitando tal pedido, depositado essa quantia na conta bancária acima aludida; em Outubro de 2010, a Ré recebeu a notificação fiscal para pagamento do imposto de selo em causa, no valor de € 9 107,91, a pagar até final do ano, dispondo, nessa altura, a dita conta bancária apenas de saldo € 3 219,02; a solicitação da Ré, a Autora pediu emprestado a Adelaide o valor do imposto de selo a pagar, depositando tal montante na mesma conta; em 23 de Novembro de 2010, a Autora emitiu a favor do IGCP um cheque, no valor de € 9 107,91, para pagamento do dito imposto de selo; em 25 de Novembro de 2010, a Ré impediu a Autora de continuar a residir na habitação; nesse mesmo dia, a Autora solicitou, mas não obteve, a devolução dos valores de € 2000.00 e € 9 107,91.

Contestou a Ré, impugnando a totalidade da matéria de facto da petição inicial, com exceção da celebração da referida escritura de doação; a quantia de € 2000,00 diz respeito ao subsídio por morte, no montante de € 2 500,00, que a Ré recebeu da Segurança Social, através de vale, e que o Autor se prontificou a depositar na conta bancária titulada por Autora e Ré, apropriando-­se, todavia, do remanescente de € 500,00; o depósito, no valor de 9 107,91 € deveu-se à ocultação da inexistência de saldo na conta, provocada pelos variados levantamento a que haviam procedido.

Deduziu reconvenção, alegando que, apesar das obrigações contraídas e exaradas na doação, os Autores deixaram de lhe prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições e se apropriaram de valores em dinheiro existentes em contas suas e de objetos em ouro e valores que encontraram na sua casa; especifica que os Autores para pagamento de despesas próprias e sem o seu consentimento, despenderam o valor global de € 32 371,06 , proveniente conta bancária; as obrigações assumidas pelos AA. na doação correspondiam à prestação de serviços através de trabalhos pessoais ou de terceiros, em valor nunca inferior ao do salário mínimo nacional; desde 25/11/2010, tem acumulado danos de montante não inferior a € 31 500,00, a que acrescerão os vincendos, até que cesse o incumprimento dos AA.; por força das obrigações assumidas na doação, os AA. têm obrigação de pagar as despesas de saúde, designadamente as já suportadas por si, no valor de € 863,56, bem como as respeitantes à habitabilidade do imóvel, designadamente as dos consumos e alugueres de contadores da Eletricidade, no valor de € 4 001,07; o seu estado de saúde foi agravado pelo descrito comportamento dos AA., provocando-lhe humilhação, ansiedade, nervosismo e preocupações, danos para cuja compensação reclama o pagamento de € 9 450,00; detém, nesta data, em vista do exposto, um crédito sobre os AA. de € 78 185,69, a que haverá que deduzir, por efeito de compensação, o valor indicado na petição de € 9 107,91; conclui, pedindo (i) que a ação seja julgada não provada e improcedente, sendo absolvida do pedido e (ii) que a reconvenção seja julgada provada e procedente, sendo os AA. condenados a pagar-lhe a quantia de € 78 185,69 ou, deduzido por compensação o valor de € 9 107,91, a quantia de € 69 077,78, acrescida de juros de mora, bem como as demais quantias que se vencerem, a partir desta data e até que cesse o incumprimento dos AA., a liquidar em execução de sentença.

Replicaram os AA., impugnando a totalidade dos factos constantes da contestação e da reconvenção.

Aduziram ainda que tais factos já foram alegados e discutidos na ação ordinária n.º 461/13.8TBBCL, do Tribunal da Comarca de Braga e no processo crime n.º 372/11.1TABCL, do então Juízo Criminal do Tribunal de Barcelos; concluíram, pedindo que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos factos já discutidos e julgados na ação ordinária anterior e que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos novos factos invocados pela Ré, uma vez que os mesmos derivam e estão diretamente relacionados com aqueles outros.

Após julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, com a condenação dos Autores a pagar à Ré a quantia de € 31 500,00, devida até ao momento da apresentação da reconvenção, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, a contar da notificação da reconvenção e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia mensal de € 500,00 a partir dessa data e até que cesse o incumprimento dos AA. Mais condenou os AA. a pagar à Ré a quantia por esta gasta a título de despesas de saúde, desde 25 de Novembro de 2010 e até que cesse o incumprimento dos AA., cujo montante se relegou para liquidação.

Assinalou-se na sentença, quanto aos factos enquadrados nos temas de prova 3 a 7, que «os mesmos foram considerados não provados [no anterior processo 461/13.8TBBCL e como tal (. . .) não se formou a força de caso impeditiva dos mesmos serem novamente discutidos».

Apelaram os AA., dissentindo da sentença da 1a instância quanto à não verificação da autoridade do caso julgado, à fixação da matéria de facto e à interpretação da cláusula modal da doação.

O acórdão proferido por esta Relação, em síntese, considerou que não se formou a autoridade do caso julgado, atenta a diversidade de pedidos em ambas as ações e que este não se estende ao conjunto de factos como provados e não provados em sentença anterior; manteve a factualidade provada e concluiu que era necessária a ampliação da matéria de facto de forma a abranger o invocado nos artigos 8°, 9° e 18° da contestação para interpretar o conteúdo da cláusula modal, remetendo o processo à 1ª instância.

Deste acórdão foi interposta revista pelos Autores, defendendo que sem ofensa da autoridade do caso julgado não era possível voltar a apreciar e decidir de forma diferente os factos relativos à “apropriação de objetos de ouro", "abandono da casa da recorrida" e "dependência da recorrida do apoio da família" nas quais a recorrida fundamenta o pedido reconvencional da presente ação, porquanto estas foram já apreciadas na ação anterior nº 461/13.8TBBCL, que considerou toda essa factualidade "não provada". . Mais apontou que havia que conhecer questão da exigência do cumprimento dos encargos previstos na doação como pressuposto para o pagamento de uma eventual indemnização à recorrida.

Admitido o recurso, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que anulouo acórdão recorrido, enquanto no mesmo foram dados como provados pontos da matéria de facto com violação do caso julgado formado sobre a sentença anteriormente proferida no Proc. 461/13.8TBBCL, nos termos definidos no presente acórdão, devendo o processo voltar à Relação para, nessa parte, à luz da apontada vinculação, e no que entendido for por consequente, ser reapreciada a decisão, pelos mesmos juízes, sendo possível.”

São as seguintes as conclusões apresentas pelos apelantes:

1.Na ação anterior nº 461/13.8TBBCL resultaram "não provados" os factos nos quais a recorrida fundamenta o pedido reconvencional da presente ação, não podendo, por isso, o tribunal "a quo" voltar a apreciar e decidir de forma diferente tais factos - cf fls. 78v. a 79v. (artº 580º do CPC).
2. Formou-se, pois, a autoridade do caso julgado quanto aos factos dos pontos 10º a 15º, 19º, 20º, 43º a 45º e 52º a 58º da contestação, não podendo o tribunal "a quo" basear a sentença num suposto "incumprimento das condições da doação pelos recorrentes, "apropriação de objectos de ouro ", "abandono da casa da recorrida" e "dependência da recorrida do apoio da família " - Vd. N° 2 do artº 580º do CPC e fls. 189v. da sentença.
3. Face à autoridade do caso julgado, os pontos 27º a 30º, dados como provados não podiam ser novamente apreciados, nem, pois, incluídos nos temas de prova, devendo, por isso, ser eliminados.
4.Dos depoimentos dos recorrentes resulta que o relógio em ouro que a Recorrente em sua posse, foi-lhe oferecido pelo falecido irmão da Ré e, quanto às argolas em ouro, não foi feita qualquer prova nesta ação, devendo, por isso, o ponto 27 ter a seguinte redação: "A Autora tem na sua posse um relógio em ouro, com corrente, que lhe foi oferecido pelo irmão da Ré. " - cf concretas passagens dos depoimentos dos Recorrentes, transcritas a fls. 16 a 18 destas alegações.
5.Dos depoimentos dos Recorrentes e da testemunha Maria (…) , resulta que os Recorrentes, a partir de 25.11.2010, não mais voltaram à casa da Recorrida porque esta os pôs de lá para fora, impedindo-os de lhe prestarem cuidados, devendo, por isso, o ponto 28 ter a seguinte redação: "Desde a data referida em 6. que os autores não voltaram a casa da Ré porque esta os pôs de lá para fora, dizendo que a partir de então seria o irmão a cuidar dela. " - cf concretas passagens dos depoimentos dos Recorrentes e da testemunha Maria (…), transcritos a fls. 16 a 20 destas alegações e doe. de fls. 160 a 163.
6.Dos depoimentos da Recorrente e da testemunha José (…) resulta que a Recorrida aufere uma reforma mensal de € 316,00 e que tem proventos com a venda de animais e ovos, devendo, por isso, o ponto 29 ter a seguinte redação: "O bem doado é o único património imobiliário da Ré, sendo os valores no Banco uma reserva para sua velhice, vivendo a Ré da sua reforma mensal de € 316,00 e da venda de animais e ovos. " - cf. concretas passagens do depoimento da Recorrente a fls. 17 destas alegações e da testemunha a fls. 20 e 21.
7.Do depoimento do Recorrente e da testemunha Maria (…) resulta que a doação foi decidida pelo falecido irmão da Recorrida e que esta apenas quis cumprir a vontade dele, devendo, por isso, o ponto 30 ter a seguinte redação: "A Ré é pessoa de idade, solteira, doente, carente de assistência, o que era do conhecimento dos Autores. " ¬cf. concretas passagens dos depoimentos do Recorrente a fls. 18 e da testemunha Maria a fls. 19 destas alegações.
8.Do depoimento do Recorrente e do doe. de fls. 11 resulta que aquele procedeu ao depósito de € 2 000,00, na conta da Recorrida no Banco … que esta lhe pediu emprestado para pagar o imposto de selo por óbito do irmão, devendo, por isso, o ponto 12 ter a seguinte redação: "Na data referida no número anterior o Autor procedeu ao depósito na conta referida em 9. da quantia de € 2 000,00, que emprestou à Ré para pagamento do imposto de selo por óbito do irmão. " - cf transcrição das passagens da gravação de fls. 26 destas alegações e doe. de fls. 11.
9.Da conjugação dos depoimentos dos Recorrentes, da testemunha Adelaide (…) e dos doe. de fls. 12, 134, 138 e 161 resulta que foi a própria Recorrente que emprestou à Recorrida o valor de € 9 107,91, ainda que para o efeito o tenha pedido emprestado a Adelaide (…), devendo, por isso, o ponto 14 ter a seguinte redação: "A Autora emprestou à Ré a quantia de € 9 107,91, para esta pagar o imposto de selo devido, quantia essa que por sua vez lhe foi emprestada por Adelaide (…). " - cf. transcrição das passagens da gravação dos depoimentos dos Recorrentes (e da testemunha Adelaide (…) de fls. 25 a 27 destas alegações e doe. referidos.)
10. O teor da cláusula modal da doação não permite a interpretação de que sobre os Recorrentes recai a obrigação de custear todas as despesas da Recorrida, mas apenas de a tratar e acompanhar na saúde e na doença, prestando-lhe os cuidados necessários a esse fim, tanto mais que a Recorrida reservou o usufruto - vd. artº 236º e 237º do CC do sumário do Ac. TRP de 08.07.2010, proc. nº 4590/06.6TBMAIPl, 3a Seção. www.dgsi.pte artº 1439º e 1472º Cc:
11. Não ficou provado qualquer facto demonstrativo de um dano para a Recorrida por efeito da saída dos Recorrentes da casa, nem a existência de um nexo de causalidade adequada, imprescindíveis para a obrigação de indemnizar - vd. artº 562º e 563º CC, Ac. STJ de 30.10.1996, proc. 96B115, www.dgsi.pt sentença de fls. 82v. e artº 2011º Cc.
12. Os Recorrentes não podiam ser condenados no pagamento de uma indemnização, sem que, previamente, a Recorrida lhes exigisse o cumprimento dos encargos previstos na doação e estes se recusassem - vd. artº 965º CC e parte final (Daqui resulta …) e Ac. TRL de 10.05.2016, proc. nº 3363/13.4TGTVD.Ll-l.
13. Em conformidade com as razões expostas deve conceder-se provimento à apelação, revogando-se a Douta sentença proferida e, em consequência: reconhecer a autoridade do caso julgado impeditiva de nova apreciação dos pontos 10º a 15º, 19º, 20º, 43º a 45º e 52º a 58º da Contestação; eliminar-se os pontos 3 a 7 dos temas da prova e, por tal efeito, os pontos 27 a 30 dos factos provados; subsidiariamente, alterar-se a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 27 a 30 e 12 e 14; revogar-se a condenação dos Recorrentes no pagamento da indemnização e condenar-se a Recorrida a pagar aos Recorrentes os valores de € 2 000,00 e € 9 107,91, acrescidos de juros de mora desde 25.11.201.

A Recorrida apresentou resposta, com as seguintes conclusões:

A. Os Autores pretendiam que fosse dado por provado que tinham mutuado à Ré as quantias de 2.000,00 e 9.107,91 €.
B. Ora, da douta sentença, numa apreciação criteriosa e adequada da prova, concluiu-se que "da conjugação das declarações prestadas pelos Autores, com os referidos documentos e declarações da testemunha não pode o tribunal concluir que foram os Autores que emprestaram à Ré a referida quantia de 9 107,91 €" e relativamente à quantia de 2.000,00 e e seu depósito "apenas os Autores se pronunciaram pois que as testemunhas ouvidas em julgamento nada sabiam de concreto relativamente a tal matéria. "
C. Aliás, como se refere na douta sentença, este depósito de 2.000,00 e foi efetuado ''passados poucos dias da apresentação a pagamento do cheque de 4.091,86 (fls. 42 v.), respeitante ao imposto devido pelos Autores pela doação efetuada pela Ré. "
D. Ou seja, os Autores, para pagarem o imposto de que eram devedores, por efeito da doação, emitiram, sem autorização da Ré, um cheque sacado sobre a conta desta, que, assim, ficou descapitalizada e, por isso, e para ocultarem o saldo da mesma, tiveram que fazer um apressado depósito daqueles 2.000 €, mas obviamente sem que tal lhes tenha sido autorizado.
E. E o mesmo se diga quanto à outra quantia porquanto os Autores, em menos de seis meses fizeram "voar "cerca de 32.000 e que pertenciam à Ré e existentes na conta do Banco ..., de que esta era titular, pois que todos os movimentos eram efetuados só pelos Autores.
F. Não podem pretender os Apelantes a alteração da matéria de facto provada ou não provada com base somente ou sobretudo no depoimento ou declarações deles mesmos, se desacompanhados, como é o caso, de qualquer outra prova documental inatacável ou de depoimentos de testemunhas.
G.Ora, os depoimentos das testemunhas nada trouxeram em abono da tese dos Autores e dos documentos não se extraem as conclusões pretendidas pelos Apelantes.
H. A exceção de caso julgado foi suscitada pelos Autores na sua Réplica e nos termos ali alegados, pugnando pela não admissibilidade da reconvenção, embora admitindo que havia factos já alegados na ação anterior e factos novos articulados na contestação/reconvenção.
I. Foi, em 11.07.2016 proferida douta decisão que julgou improcedente a exceção ou autoridade do caso julgado invocado pelos Autores.
J. Admitida a reconvenção, nenhuma outra exceção foi invocada pelos Autores naquela sua Réplica, pelo que bem andou o Tribunal em fixar os temas da prova.
K. Ora, os Autores vieram agora renovar na Apelação a questão já decidida, sem nada acrescentar.
L. Aliás, se fossem eliminados os temas da prova pretendidos (3 a 7 dos temas de prova) isso corresponderia à eliminação da reconvenção admitida e à revogação da decisão já proferida.
M Nenhum dos factos dados por provados na ação cível citada está posto em causa nestes autos, pelo que não existe risco de qualquer contradição ou produção de decisão contraditória.
N. Ora, o que os Autores pretendem agora é extrapolar para uma conclusão inadmissível, ou seja de que se terá provado o contrário do que não foi dado por provado, o que é manifestamente contrário ao direito e ás normas adjetivas.
O. Finalmente, a doação em causa, com respeito pelo disposto nos artº 940º e 963º do C. Civil, estipula, com o acordo das partes, condições e encargos que oneram os Autores/donatários.
P. Por tudo o que fica dito, deverá improceder a pretensão dos Autores, de eliminação dos temas 3 a 7 dos temas da prova, sendo a decisão de mérito e a ação julgada de acordo com a prova que foi produzida, não havendo, por isso, fundamento ou lugar à alteração da matéria de facto dada por provada quanto aos pontos 27 a 30, 12 e 14.

II - Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - Artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face às conclusões do recurso e ao douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que já decidiu a questão da violação do caso julgado, concluindo que este opera na situação sub iudice, são as seguintes as questões que importa resolver:

1-- proceder à eliminação dos factos atendidos na sentença e no acórdão deste Tribunal, em cumprimento do determinado no acórdão proferido nestes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça;
2--apreciar a impugnação da matéria de facto quanto aos factos que não foram eliminados;
3--verificar se ocorreu ou não incumprimento das obrigações previstas na cláusula modal pelos Recorrentes, o que passa por interpretar essa cláusula;
4--verificada alguma obrigação que não tenha sido cumprida, da consequência da mora da Ré e da falta de interpelação para o cumprimento.

III- Fundamentação de Facto

Elenca-se infra a matéria de facto provada e não provada nos termos em que se mostra decidida na sentença e no acórdão proferido nesta relação, anulado. Neste elenco todos os factos que virão a ser alterado como resultado da expurgação dos factos que violarão o caso julgado formado pela sentença proferida no processo 461/13.8TBBCL, ordenada pela Supremo Tribunal de Justiça ou como resultado da decisão da impugnação da matéria de facto provada serão apresentados em letra reduzida, apondo-se a negrito a redação definitiva da matéria de facto provada, de forma a facilitar, num só capítulo, o conhecimento da matéria de facto que foi atendida.

Factos provados:

1.No dia 27 de … de 2010, no Cartório Notarial de … a cargo do Notário Jorge (…), sito na Rua …, da cidade de Barcelos, realizou-se uma escritura de doação, que ficou exarada a folhas três a folhas quatro verso do livro de notas para escrituras diversas número (..), em que foram outorgantes a Ré, como primeira outorgante e doadora, e os Autores, como segundos outorgantes e donatários.
2.Na escritura de doação referida no número anterior a Ré declarou ser a única herdeira de António (…) e nessa qualidade fazer doação aos segundos outorgantes do prédio misto "casa de habitação de rés-do-chão e andar, dependência e coberto ao nascente e junto terreno de cultura e ramada, com a área de 22.700 m2, situado na Rua da …, nº (…) lugar da …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º (…),
3.Os Autores, segundos outorgantes e donatários declararam na escritura de doação referida no número anterior que aceitavam a doação nos termos exarados.
4.À data da escritura de doação a Autora residia com a Ré no prédio objeto da doação, fazendo a limpeza da casa, lavando as roupas e confecionando as refeições, bem como fazendo as compras para casa, acompanhando a Ré ao médico e comprando os medicamentos que eram prescritos.
5.A Autora acompanhava ainda a Ré em passeios e convívios.
6.Em 25 de novembro de 2010, a Autora saiu da casa, deixando de viver com a Ré. Nos termos infra explanados este ponto da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação: “ Em 25 de novembro de 2010, a Autora saiu da casa, deixou de viver com a Ré, e desde então os Autores não mais lá voltaram, porque esta os mandou sair, dizendo que a partir de então seria o irmão a cuidar dela."
7.A Ré instaurou ação de processo comum contra os aqui Autores, a qual correu termos na 1 a Secção Cível da Instância Central de Braga com o nº 461/13.8TBBCL, a qual foi julgada totalmente improcedente por sentença proferida em 24/04/2015, confirmada por Acórdão da Relação de Guimarães de 19/11/2015, conforme consta da certidão de fls. 77 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8.Na ação referida no número anterior a Ré peticionava fosse decretada resolução da doação por si efetuada a favor dos Autores ou, em alternativa, a sua revogação, e ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Réus e posteriores.
9.Quando a Autora passou a viver com a Ré esta abriu uma conta no Banco ... de Barcelos, com o nº (…), titulada pela Ré e pela Autora. Nos termos infra explanados este ponto da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:A Ré abriu uma conta no Banco ... de Barcelos, com o nº (…), titulada pela Ré e pela Autora”.
10.No final de outubro de 2010, a Ré recebeu uma notificação da direção geral dos impostos para pagamento do imposto de selo relativo à herança por óbito de sue falecido irmão António (…), de quem era herdeira, no montante de €9.107,91, a pagar até 31/12/2010.
11.No dia 14/10/2010 a conta referida em 9) apresentava o saldo de €1.978,78.
12.Na data referida no número anterior o Autor procedeu ao depósito na conta referida em 9) da quantia de €2.000,00.
13.Em 29/10/2010 a conta referida em 9) apresentava o saldo de €3.219,02.
14.A Autora, em nome da Ré, pediu a José (…), filho de Adelaide (…), a quantia de €9.1 07,91 tendo em conta o valor do imposto de selo a pagar.
15.José (…) emitiu o cheque nº 5828162691, sacado sobre o Banco ..., datado de 22/11/2010 e no montante de €9.107,91, que a Autora depositou na conta referida em 9) em 23/11/2010.
16.A Autora emitiu o cheque nº 2696937183, sacado sobre a conta referida em 9), datado de 23/11/2010 e no montante de € 9.l07,91 para pagamento do referido imposto de selo, o qual foi apresentado a pagamento no dia 26/11/2010.
17.Por força do referido em 9), a Autora Paula ficou na posse de cheques, tendo poderes para proceder à sua emissão, e de cartão multibanco da conta em causa e efectuou levantamentos e pagamentos para despesas suas, despesas com alimentação sua, do seu agregado familiar e da Ré e outras despesas não concretamente apuradas. Nos termos infra explanados, este ponto da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação: “Por força do referido em 9), a Autora Paula ficou na posse de cheques, tendo poderes para proceder à sua emissão, e de cartão multibanco da conta em causa”
18.Em 06/07/2010, a Autora procedeu ao levantamento da conta identificada em 9), ao balcão do Banco ..., da quantia de €1.000,00.
19.De 06/07/2010 a 25/11/2010 a Autora efetuou sucessivos levantamentos em dinheiro com utilização do cartão multibando no total de €2.600,00.
20.Para pagamento de honorários ao Dr. Afonso (…), Advogado da Ré e de seu falecido irmão António (…), a Autora, em 26/07/2010, emitiu e sacou, da conta identificada em 9), o cheque n° 0793153366 no montante de €20.000,00.
21.A Autora emitiu sobre a conta identificada em 9) os cheques número 25931533464,3493153363 e 4393153362, todos datados de 27/07/2010 e no montante respetivamente de €250,00, €250,00 e €325,00.
22.A Autora emitiu sobre a conta identificada em 9) os cheques número 9593153367, 8693153368 e 7793153369, datados de 30/07/2010, 31/07/2010 e 17/08/2010 e no montante, respetivamente, de €700,00, €500,00 e €650,00.
23.Para pagamento do imposto devido com a doação referida em 1) a Autora emitiu e sacou da conta identificada em 9) o cheque n° 6893153370, datado de 01/10/2010, apresentado a pagamento em 06/10/2010 e no montante de €4.091,86.
24.De 27/07/2010 a 25/11/2010 a Autora efetuou diversos pagamentos com o cartão multibanco, sacando esses valores da conta identificada em 9) no valor total de €1.504,20.
25.A conta identificada em 9) apresentava em 29 de junho de 2010 o saldo de €.5000,00, em 20 julho de 2010 o saldo de €30.358,52 e em 25 de novembro de 2010 o saldo de €11. 220,26 o qual incluía o valor de €9.107,91 do cheque referido em 15).
26.A Ré procedeu à transferência para a conta identificada em 9) de valores da conta à ordem pertencente à Ré existente na Caixa …, no total de €32.000,00, através do depósito de €5.000,00 em 29/06/2010, do depósito de €5.000,00 em 07/07/2010 e do depósito de €22.000,00 em 20/07/2010.
27.A Autora tem na sua posse um relógio em ouro com corrente que pertenceram ao falecido irmão da Ré e umas argolas em ouro que pertenciam à Ré. (este ponto é eliminado, nos termos infra explanados)
28.Desde a data referida em 6) que os Autores não voltaram a casa da Ré e não lhe prestaram qualquer apoio ou assistência. (este ponto é eliminado, nos termos infra explanados)
29.O bem doado é o único património imobiliário da Ré, sendo os valores no banco uma reserva para a sua velhice, pois que a Ré vive da sua reforma mensal de pequeno montante. (este ponto é eliminado, nos termos infra explanados)
30.A Autora é pessoa de idade, solteira, depende do apoio da família, sendo pessoa doente e carente de assistência, o que era e é do conhecimento dos Autores e foi isso mesmo que motivou a realização da doação. (este ponto é eliminado, nos termos infra explanados)
31.Após o referido em 6), a Ré socorreu-se do apoio de familiares. (este ponto é eliminado, nos termos infra explanados)
32.A Ré é, e era à data da escritura de doação, pessoa doente, sofrendo de diabetes e fibrilação auricular, tomando medicações contínuas e específicas, e exigindo acompanhamento médico e idas ao Hospital e médicos, unidades de saúde e farmácias. Nos termos infra explanados este ponto da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação: “A Ré é pessoa doente, sofrendo de diabetes e fibrilação auricular, tomando medicações contínuas e específicas, e exigindo acompanhamento médico e idas ao Hospital e médicos, unidades de saúde e farmácias.”
33.A Ré suportou o pagamento de despesas de saúde desde 2010 até à apresentação da contestação em montante não concretamente apurado.
34.A Ré suportou o pagamento de despesas dos consumos e alugueres de contador da Eletricidade do edifício doado desde 2010 até à apresentação da contestação em montante não concretamente apurado.
*
Factos provados ora aditados:

Cumpre, a fim de se efetuar o apuramento dos factos provados ora apontados que contradigam o caso julgado do processo referido nos pontos 7 e 8 da matéria de facto, aditar à matéria de facto a indicação dos factos provados e não provados ali assentes. Acresce que para se analisar o incumprimento de obrigações estipuladas na doação, há que aditar a parte do teor da respetiva escritura onde consta a cláusula modal em discussão nestes autos.

Estes factos aditados encontram-se demonstrados por documentos autênticos (a sentença e a escritura publica de doação), pelo que podem ser aditadas ao abrigo do artigo 607º nº 4, ex. vi artigo 663º nº 2, ambos do Código de Processo Civil:

35.
Na sentença proferida no processo 461/13.8TBBCL, referida em .6 e .7, relatou-se: “Alegou, para tal, que declarou doar aos Réus, com reserva de usufruto, um prédio de que era proprietária, tendo, porém, condicionado a mesma ao cumprimento de determinadas obrigações essenciais, nomeadamente a acompanhá-la na saúde e na doença, fornecendo os donatários os meios necessários para tal, de zelar pela sepultura que possui e de mandarem fazer o seu funeral e celebrar missas pela sua alma.
Porém, após a outorga da escritura, os Réus apropriaram-se de avultadas quantias em dinheiro e vários objectos em ouro pertencentes à Autora e que se encontravam no interior da casa, começaram a fechar à chave o portão e a porta de casa com a intenção de impedir a entrada de visitas e de a privarem da sua liberdade e deixaram de prestar à Autora os cuidados a que se tinham obrigado, não tendo fornecido os meios para tal e suportado os respectivos encargos. Ao invés, fizeram levantamentos de importâncias superiores a € 30.000,00 de uma conta da Autora em proveito próprio, contra a vontade da mesma, assim demonstrando a sua infidelidade e ingratidão”

36.
Na sentença proferida no processo 461/13.8TBBCL foi fixada a seguinte matéria de facto provada e não provada:

“II - Discutida a causa mostram-se provados os seguintes factos:

1. Por escritura de doação outorgada no dia 27 de … de 2010, no Cartório Notarial de Barcelos a cargo do Notário Jorge (…), sito na Rua …, n.o…, da cidade de Barcelos, que ficou exarada a folhas três a folhas quatro verso' do livro de notas para escrituras diversas número …, a Autora declarou ser dona e possuidora do prédio misto melhor identificado nessa escritura, ou seja, "casa de habitação de rés-do-chão e andar, dependência e coberto ao nascente e junto terreno de cultura e ramada, com a área de 22,700 m2, situado na Rua da …, nº …, lugar da …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n, ° …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na matriz predial rústica sob o artigo …", prédio esse que adquirira por herança de António …, conforme escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 21.05.2010, exarada a folhas … e seguinte do livro de notas para escrituras diversas n.º …, daquele mesmo Cartório e declarou doar aos segundos outorgantes, aqui Réus o referido prédio.
2. Mais declarou a Autora fazia a doação com reserva de usufruto para si e com a obrigação de os donatários (aqui Réus) a tratarem e acompanharem na saúde e na doença, fornecendo os donatários os meios necessários para tal, de zelar pela sepultura que possui no Cemitério Paroquial da Freguesia de … e de mandarem fazer o seu funeral, conforme o uso e costume da freguesia e com missa de corpo presente e ainda de mandarem celebrar por sua alma uma missa mensal, bem como a do seu aniversário.
3. Os Réus, ali segundos outorgantes e donatários declararam expressamente que aceitavam a doação nos termos e condições exarados.
4. A Autora nasceu em ... e é solteira.
*
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a discussão da causa, nomeadamente os seguintes:

a) Sem a estipulação das obrigações referidas em 2° dos factos provados, a Autora não teria outorgado essa mesma escritura em benefício dos Réus.
b) Logo após a realização da escritura, os Réus deixaram de prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições, agindo de forma deliberada, consciente e bem sabendo que incumpriam as condições da doação.
c) Os Réus, que tinham passado a frequentar a casa da Autora desde Maio de 2010/ agiram de forma premeditada e planeada, de modo a apropriarem-se, como se apropriaram, de quantias em dinheiro da Autora e que se encontravam na sua casa guardados para as suas necessidades correntes.
d) Apropriaram-se de vários objectos em ouro pertencentes à Autora, designadamente uma corrente em ouro com medalha e um relógio, bem como duas argolas e um cordão de ouro.
e) Confrontados com esta situação somente devolveram o cordão em ouro que tinham na sua posse.
f) Após passarem a residir com a queixosa, os Réus começaram a fechar à chave quer o portão, quer a porta da casa, com a intenção de impedir a entrada de visitas, inclusive de familiares, tudo para dificultar o conhecimento dos factos atrás referidos e a falta de prestação de cuidados à Autora.
g) A Autora passou a estar privada da sua liberdade, pois que deixou de poder sair de casa quando queria, permanecendo horas ou dias fechada e incomunicável, tudo por acção dos Réus, sem contacto com familiares e amigos.
h) Agindo de forma concertada, até ao dia 25 de Novembro de 2011, os Réus, depois de convencerem a Autora a abrir uma conta no Banco ... - Barcelos e para ali transferirem quantias avultadas, também convenceram a Autora a que a Ré mulher passasse a figurar como segunda titular da conta e com poderes para emitir cheques, bem como movimentar dinheiro através de cartão multibanco que requereram fosse emitido em nome da Ré Paula,
l) Na posse desses cheques e cartão a Ré Paula, em acordo com o outro Réu, com quem é casada no regime de comunhão de adquiridos, efectuaram levantamentos, pagamentos e aplicações em proveito próprio, bem sabendo que não tinham autorização da Autora para ta\.
j) Actuaram ainda com o propósito de enriquecer o seu património à custa do património da Autora, que, assim, viu a conta do Banco ... praticamente esvaziada, fazendo seus ou usando em proveito próprio dinheiro ou meios de pagamento superiores a 30.000,00 €.
k) Na verdade;' os Réus emitiram cheques, a sacar sobre aquela conta da Autora, a favor de terceiros ou com montantes que levantaram, sem qualquer justificação ou autorização da Autora, recusando a sua restituição até hoje ou a prestação de contas,
1) Tendo os Réus, por vergonha e descobertos nos seus propósitos censuráveis, abandonado a casa da Autora, não mais ali voltando, não mais a contactando, nem lhe prestando qualquer apoio ou assistência, votando-a ao mais completo esquecimento e abandono.
m) O bem doado é o património da Autora de que depende para viver e para a sua subsistência, pois que vive exclusivamente da sua reforma mensal de pequeno montante.
n) A Autora depende do apoio da família, sendo pessoa doente e carente de assistência, o que era e é do perfeito conhecimento dos Réus e motivou a realização da doação, vendo a Autora defraudadas pelos Réus todas as suas intenções
o) Apesar disso os Réus não se abstiveram dos seus censuráveis comportamentos, que, aliás, foram motivados pela tentativa de explorar em proveito próprio o estado de necessidade da Autora, que acabaram 'por abandonar completamente, situação que permanece de forma reiterada e ccntinuadamente até hoje.”
37
Na escritura referida em 7 ficou ainda a Autor fez ainda constar que a doação era feita com reserva de usufruto para si e com “a obrigação de os donatários a tratarem e acompanharem na saúde e na doença, fornecendo os donatários os meios necessários para tal, de zelar pela sepultura que possui no Cemitério Paroquial da Freguesia de … e de mandarem fazer o seu funeral, conforme o uso e costume da freguesia e com missa de corpo presente e ainda de mandarem celebrar por sua alma uma missa mensal, bem como a do seu aniversário”.

Factos não provados:

a) Que a Ré solicitou ao Autor o empréstimo da quantia referida em 12) dos factos provados tendo em vista o pagamento do imposto de selo referido em 10).
b) Que os Autores emprestaram à Ré a quantia de €9.1 07,91 em novembro de 2010.
c) Que no dia 25/11/2010 a Autora solicitou à Ré a restituição da quantia de €2.000, 00 referida em 12) dos factos provados e da quantia de €9.l07,91 referida em 14) dos factos provados.
d). Que, logo após a outorga da escritura, os Autores começaram a ter manifestações impróprias, dando sinais de que queriam deixar de cumprir, de forma voluntária e reiterada, as obrigações e condições da doação.
e) Que os Autores agiram de forma premeditada e planeada, de modo a apropriarem-se de bens e valores da Ré.
f) Que os Autores se apropriaram de quantias em dinheiro que eram da Ré e que se encontravam na sua casa guardadas para as suas necessidades correntes.
g) Que os Autores se apropriaram de objectos em ouro da Ré de valor não inferior a €5.000,00.
h). Que, após passarem a residir com a Ré, os Autores começaram a fechar à chave quer o portão, quer a porta da casa, com a intenção de impedir a entrada de visitas, inclusive de familiares, tudo para dificultar o conhecimento dos factos referidos em 6) e 7) e a falta de prestação de cuidados à Ré.
i). Que, por acção dos Autores, a Ré permanecia horas ou dias incomunicável sem contacto com familiares e amigos.
j). Que o referido em 17) ocorreu bem sabendo a Autora que não tinha autorização da Ré para tal.
k) Que a quantia de €2.000,00 referida em 12) dos factos provados respeita a parte do subsídio por morte que a Ré recebeu da segurança social.
1) Que os Autores de comum acordo procederam se apropriaram da quantia de €500,00 do subsídio por morte que a Ré recebeu da segurança social.
m) Que os Autores desde sempre actuaram com o propósito de enriquecer o seu património à custa do património da Ré.
n) Que os Autores, pouco tempo após a realização da escritura e até 25/11/2016, deixaram de prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições à Ré.
o) Que os Autores abandonaram a casa da Ré por vergonha e por terem sido descobertos nos seus propósitos censuráveis.
p). Que o referido em 17) dos factos provados ocorreu na execução de um plano acordado pelos Autores no sentido de se apropriarem de valores ou bens da Ré, apesar de bem saberem que nisso esta não consentia.
q). Que o cheque referido em 20) dos factos provados fosse para pagamento de serviços de advogado contratados pelos Autores.
r). Que os cheques identificados em 21) dos factos provados se destinaram ao pagamento das despesas de doação e das duas testemunhas presentes.
s). Que os cheques identificados em 22) dos factos provados se destinaram a pagamento de despesas próprias dos Autores.
t). Que após o referido em 6) dos factos provados a Ré teve que contratar serviços de terceiros.
u) Que a Ré teve que compensar materialmente os familiares de quem se socorreu após o referido em 6) dos factos provados.
v) Que a Ré vive em constante ansiedade, pensando que os familiares a podem abandonar e que não tem meios para ir para um lar ou obter de terceiros qualquer assistência.
w). Que o estado de saúde da Ré foi agravado pelo comportamento dos Autores e que tudo vem provocando à Ré humilhação, ansiedade, nervosismo, preocupações e dificuldade de entendimento e capacidade de determinar a sua vida.

IV – Fundamentação de Direito

1- Dos factos a retirar da matéria de facto provada em obediência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos.

Cumpre, nos termos decididos no acórdão que ora se visa pôr em prática, alterar-se “a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, na parte em que fora de modo diverso decidido no Proc. 461/13.8TBBCL, por ter incorrido em violação do caso julgado formado sobre a decisão anteriormente proferida”, nos termos definidos naquele acórdão.

Só se consegue efetuar tal expurgação atentando na matéria de facto provada naquela sentença que estará em desacordo com a matéria de facto provada que foi dada como assente nestes autos, envolvida na causa de pedir, tal como determinou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Isto posto, vejamos o que da matéria de facto provada na sentença e no acórdão anulado põe em causa o sentenciado nesse processo de forma a violar o caso julgado.

Os pontos 1 a 3 da matéria de facto provada da sentença destes autos limitam-se a fixar a escritura de doação. Os pontos 4 e 5 também não contendem com aquela sentença, relatando aspetos anteriores a qualquer imputado incumprimento do acordado entre as partes.

O ponto 6 da matéria de facto provada é parcialmente aceite por ambas as partes, quanto à saída da casa onde a Ré habita por parte dos Autores, embora divirjam quanto às razões e forma como tal ocorreu: enquanto a Ré lhe chamou um abandono por parte dos Autores, estes afirmam que tal se deveu à ordem dada pela Ré, que os expulsou. Deve, pois manter-se, sem prejuízo de se deixar a sua redação final para quando se apreciar a impugnação do teor do ponto 28 da matéria de facto provada, na parte em que os Recorrentes pedem o aditamento à matéria de facto dessa justificação para a sua saída de casa.

Os pontos 7 e 8 são mero relato do ocorrido nos autos com o nº 461/13.8TBBCL, tal como acontece com os aditados pontos 35 e 36.

O ponto 9 apenas contraria a alínea h) da matéria de facto não provada desses autos na medida em que relaciona a abertura da conta no Banco ... com a mudança da Autora para a casa doada, pelo que há que expurgar tal menção.

Os pontos 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 em nada contendem com a sentença do processo 461/13.8TBBCL, dizendo apenas respeito a matéria documental. O mesmo ocorre com os pontos 18 a 26.

Quanto ao ponto 17 da matéria de facto provada, a imputação à Autora de levantamentos para despesas suas vai frontalmente contra a matéria de facto não provada da sentença 461/13.8TBBCL, pelo que há que expurgar tal menção- cf o ponto i desses factos não provados.

Também o ponto 27 relativo ao relógio está em desacordo com a alínea d) da matéria de facto não provada que negou a prova da apropriação desse objeto.

O mesmo acontece com o abandono da casa da Ré (em 2010), relatado no ponto 28, face à falta de prova do abandono referida na alínea l) da matéria de facto não provada da sentença do processo que fundou a exceção aqui em apreço, ao ponto 29, face à alínea m) da matéria de facto não provada daquela sentença, e ponto 30, em confronto com a alínea n).

Também no processo 461/13.8TBBCL se deu como não provado que a Ré é pessoa doente e carente de assistência (alínea n)), pelo que há que dar como não provado, nos termos determinados pelo Supremo Tribunal de Justiça, o ponto 32 da matéria de facto provada onde se refere que a Ré era pessoa doente, sem prejuízo de tal não ser incompatível com o seu atual padecimento e falta de saúde, pelo que há que retirar a menção à data da escritura de doação do ponto 32, nesta parte incompatível.

De resto, visto que no processo 461/13.8TBBCL se não discutiram despesas de saúde, nem alugueres e consumos de bens e serviços fornecidos pela Eletricidade, mantêm-se os pontos 33 e 34.

2- Modificabilidade da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas

a). Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto

Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.

É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.

É patente que a falta da imediação de que padece o tribunal de recurso limita, por natureza, o acesso a uma mais profunda apreciação da convicção com que são proferidas as declarações dos intervenientes processuais (veja-se que a comunicação humana não é apenas verbal, exigindo a sua correta interpretação que as palavras e inflexões da voz sejam contextualizados com os gestos, a postura corporal, os olhares, todos estes demais elementos, consistentes na comunicação não verbal e tantas vezes afastadas da possibilidade de controlo do declarante e por isso mais fidedignas).

No entanto, como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt ) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC).

A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”

Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.

A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.

A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto.

“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014, no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1.

A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova testemunhal e a fragilidade deste meio de prova.

Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).

b). Quanto ao valor das declarações de parte

Temos por certo que as declarações de parte, pelo menos nos casos em que a prova possa ser efetuada por outros meios e não tenha uma natureza pessoal, em regra, não deve ser suficiente para, desacompanhada de outros elementos que sustentem a sua veracidade, sustentar a verificação de factos.

Segue-se, assim, uma postura mais tradicional quanto a este meio de prova, sem prejuízo de se ter também como certo que estas declarações, desde que não incluam confissão, são livremente valoráveis. Mas na sua análise crítica deve ponderar-se o interesse direto que a parte tem no caso, sem prejuízo deste interesse não poder de imediato fazer concluir pela inveracidade do afirmado, desde que favorável ao declarante.

Há, aliás, factos que quase só por este meio de demonstram, como os de natureza estritamente doméstica e pessoal, outros do foro privado e íntimo que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta, mas na experiência dos tribunais constata-se com frequência que o interesse do declarante exige ao julgador que encontre outros elementos que sustentem a veracidade das afirmações da parte, por ser comummente percecionável a sua postura emotiva e parcial. Assim, como regra, sem outros elementos que sustentem estas declarações, torna-se difícil encontrar o grau de certeza que permite a prova de um facto.

Com efeito, fora de qualquer situação de especial dificuldade probatória, mormente pela inexistência de outros elementos demostrativos face à natureza do facto, e sem quaisquer elementos secundários que permitam ao tribunal estribar-se em elementos objetivos, mais desinteressados ou regras evidente das experiência comum, permitir que, sem mais, o tribunal formasse a sua convicção nas simples declarações das partes, implicaria, quase, o desvirtuar da regra do ónus da prova, contentando-se o tribunal com a mera alegação dos factos, desta feita presencial.

Não obstante, se existirem outros meios probatórios ou elementos que permitam alcançar a sinceridade do que é declarado pela parte, entende-se que nada obsta a que as suas declarações sejam valoradas e, após análise prudente e crítica, somada aos demais elementos probatórios carreados para os autos, permitindo-se que o seu conjunto aconselhe a convicção quanto a tal evento, mesmo que nenhum, sozinho, permitisse alcançar o grau de certeza ou probabilidade necessária para a prova do facto.

Considera-se ainda que há que ser aberta exceção para casos especiais em que a natureza do facto aconselha que se seja mais parco na exigência de outros elementos para a sua prova, para além das declarações da parte, mas esta sempre criteriosamente analisadas e sujeitas a raciocínio crítico.

c). Isto posto, vejamos se os elementos probatórios produzidos são suficiente para a pretendida alteração da matéria de facto provada.

Apurados os factos que têm que ser afastados da matéria de facto provada na sequência da decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça que concluiu pela oposição aos mesmos ao caso julgado operado no processo 461/13.8TBBCL, os quais incluem os factos relatados em 27 a 30, cumpre efetuar a análise da impugnação dos factos descritos em 12 e 14, recorrendo-nos para tanto à análise efetuada na anterior decisão desta relação proferida nestes autos, não posta em causa pelo citado acórdão, que seguimos de muitíssimo perto, por com ela concordarmos.

Importa também apreciar o aditamento proposto pelos Recorrentes ao ponto 28. da matéria de facto provada, quanto à justificação para a sua saída de casa da Ré.

Quanto ao ponto 12:

Se se pode dar como provado que "Na data referida no número anterior o Autor procedeu ao depósito na conta referida em 9. da quantia de € 2 000,00, que emprestou à Ré para pagamento do imposto de selo por óbito do irmão."

Resulta do documento de fls. 11 que o Autor depositou € 2 000,00 na conta bancária titulada por Autora e Ré. No entanto, nenhuma das testemunhas ouvidas demonstrou ter qualquer conhecimento deste empréstimo. Apenas os Autores afirmaram nos autos (por escrito e verbalmente) que este depósito foi efetuado na sequência de um empréstimo efetuado por si à Ré.

Ora, nos termos supra expressos, entende-se que, sem que existam elementos externos que apontem no mesmo sentido sobre esta matéria, de natureza patrimonial e sem que se vejam especiais dificuldades que impedissem a sua demonstração, que as declarações de parte, não concedem, desgarradas de outros elementos, a necessária segurança ao tribunal para considerar provada a versão trazida aos autos pelos Recorrentes.

Quanto ao ponto 14:

como se explica no acórdão desta Relação: “os Apelantes expõem que, da conjugação dos seus depoimentos, da testemunha Adelaide … e dos documentos de fls. 12, 134, 138 e 161 resulta que foi a própria Recorrente que emprestou à Recorrida o valor de € 9 107,91, ainda que para o efeito o tenha pedido emprestado a Adelaide ….

Entendem que, por isso, o ponto 14 deverá passar a ter a seguinte redação: "A Autora emprestou à Ré a quantia de € 9 107,91, para esta pagar o imposto de selo devido, quantia essa que por sua vez lhe foi emprestada por Adelaide …."
É verdade resultar dos documentos juntos aos autos que foi feito um depósito do valor indicado na conta bancária da Ré e da Autora e que a aqui Autora emitiu posteriormente, em 23/11/2010, um cheque nesse indicado valor de € 9 107,91 a favor de "IGCP".

No entanto, somente os Recorrentes apresentaram a tese de que tal depósito se tratou de um empréstimo destes à Ré, sendo que a testemunha referida - Adelaide … - apenas se limitou a declarar que teve conhecimento que a Autora pediu emprestado ao seu filho (entretanto falecido) a quantia de cerca de € 9 000,00 (dizendo expressamente que a conversa foi com o seu filho e que ela apenas sabe o que aquele lhe contou).

Por outro lado, a testemunha José … (irmão da Ré) relatou que, após a saída dos Autores da casa da Ré, acompanhou esta ao Banco e que a mesma ficou perplexa ao descobrir que a conta bancária em referência nestes autos estava praticamente sem saldo disponível. Esta mesma testemunha declarou, por outro lado, que foi falar com o filho da testemunha Adelaide … e que o mesmo lhe declarou que a Paula lhe pediu dinheiro emprestado para colocar na conta bancária da Ré "porque a conta estava a descoberto" (sic). Também a testemunha José … (sobrinho da Ré e filho da testemunha acima referida) declarou que, acompanhando a tia e o seu pai na deslocação ao Banco, verificou que a Ré ficou "desesperada" (sic) ao tomar conhecimento de que "não tinha dinheiro" (sic). Acresce referir que os extractos bancários juntos aos autos confirmam que, na data de pagamento do referido Imposto de Selo, a conta não tinha saldo suficiente para efectuar tal pagamento, e que, em 26/11/2010, a mesma conta bancária tinha um saldo positivo de € 2 112,35.

Assim sendo, é manifesto que os Autores não produziram nos autos prova cabal no sentido da tese do mútuo da indicada quantia e, por outro lado, que os elementos documentais juntos aos autos, conjugados com os depoimentos das testemunhas acima referidas, conferem até mais consistência à tese da Ré, no sentido de que o depósito desta quantia foi feito apenas para possibilitar o pagamento do Imposto devido e para mascarar a falta de saldo positivo suficiente na conta bancária. “

Quanto a esta matéria não releva a carta enviada pela Autora à Ré em de 28 de dezembro de 2010, onde se refere este empréstimo, porquanto quanto a esta questão apenas contém a apresentação de factos, na perspetiva da Autora e a exigência do pagamento, sendo que tais descrições da realidade, efetuadas a posteriori, são prestadas pela própria, interessada. São, pois, insuficientes para a demonstração do facto. (Como se verá infra, a propósito do ponto 28 da matéria de facto provada, questão diversa ocorre na parte da carta em que a própria Autor se oferece para prestar a obrigação, demonstrando interesse nesse cumprimento e assumindo uma obrigação).

Como acima se referiu, concorda-se integralmente com a apreciação efetuada por este tribunal quanto a esta matéria, pelo que se mantêm estes factos nos termos em que foram definidos na 1ª instância.

Quanto ao ponto 28:

Pretendem os Recorrentes que se demonstrou que a partir de 25.11.2010, não mais voltaram à casa da Recorrida porque esta os pôs de lá para fora, impedindo-os de lhe prestarem cuidados. Fundam-se, para tanto, além das declarações e depoimentos prestados nos autos, na carta de 28 de dezembro de 2010, enviada pela Recorrente à recorrida, com aviso de receção, junta aos autos, aí referindo, então, entre o mais, o seguinte: “(...). Sucede que, surpreendentemente, no dia 25.11.2010, o irmão de V. Exa., José …, e o filho dele, António, com a complacência de V. Exa. e na presença dos Srs. advogados (Dr. Afonso … e ora. Sandra) mandou-me sair da casa dizendo repetidamente "o assunto tem que ficar arrumado, tens que ir embora, não quero que durmas mais aqui". Confrontei V. Exa. com estes dizeres tendo V. Exa. referido que "tu vais para tua casa, fazer a tua vida, estás mais à vontade, eu durante o dia estou sozinha aqui e à noite o meu irmão vem aqui dormir comigo". Face a esta posição de V. Exa. vi-me obrigada a sair da casa. E também a não poder entrar aí mais para cumprir a obrigação que ficou estabelecida doação de tratar V. Exa. na saúde e na doença. Porém e para evitar quaisquer dúvidas futuras a este respeito, notifico agora deste mo V. Exa. de que estou na disposição de cumprir exatamente essa obrigação, devendo ser-me assegurado o acesso livre à casa e à pessoa de V. Exa. Aguardo que V. Exa. me informe sobre esse acesso sem qualquer constrangimento, restrições ou pressão de quem quer que seja, a fim de eu poder cumprir a minha obrigação que ficou na escritura de doação. ( ... )"

Ouvida a prova verifica-se que também a testemunha Maria … referiu que a Autora lhe contou que tinha sido expulsa da casa da Ré, mas que outras testemunhas apresentaram o ocorrido com diferentes contornos: os irmãos e sobrinhos da Ré, José A. … e José … afirmaram que na sua presença e da Ré o advogado desta afirmou à Autora que aquela havia perdido a confiança nela, tendo a Ré afirmado que o seu irmão José R. lhe ia passar a fazer mais companhia. Asseguraram que, foi nesse momento, sem que tivesse sido expulsa da residência, que a Autora se negou a continuar naquela e retirou os seus bens. Aquelas testemunhas acrescentaram que o Advogado presente disse inclusivamente à Autora para "não decidir de cabeça quente".

Não só esta versão vai contra o senso comum (dificilmente se entende, no âmbito deste tipo de relações obrigacionais, em que está em causa a prestação de cuidados relacionados com a saúde e bem estar do credor, mais a mais com coabitação, exigindo, pois, que este delegue, pelo menos em parte, no devedor, os cuidados de alguns dos seus mais pessoais e relevantes interesses, relacionados com o seu corpo, como a alimentação, higiene e medicação, com partilha de situações ligadas à privacidade, que este afirme ao prestador de serviços que já não confia nele, e que, simultaneamente, lhe mantenha a porta franqueada para continuar a habitar na sua casa e se submeta aos cuidados pessoais que aquele lhe prestará), como vai contra elementos probatórios escritos junto da data dos factos, que os contradizem. É certo que a missiva foi elaborada pela própria Autora e que não foi recebida pela Ré, mas tem ínsita uma vontade de cumprir a obrigação, incompatível com o abandono que a Ré pretende fazer valer e que sustenta a tese dos Recorrentes.

Termos em que se entende que os Autores lograram demonstrar o facto que pretendem que seja aditado, o que se inserirá no local próprio – o ponto 6. da matéria de facto provada, embora os Réus o pretendam dispor por referência ao ponto 28 da matéria de facto provada.

Assim, o ponto 6 passe a ter a seguinte redação: “Em 25 de novembro de 2010, a Autora saiu da casa, deixou de viver com a Ré, e desde então os Autores não mais lá voltaram, porque esta os mandou sair, dizendo que a partir de então seria o irmão a cuidar dela."

3- se os Autores incumpriram as obrigações decorrentes da cláusula modal da doação

Vejamos, antes de mais, apenas os factos que agora se mostram provados e que se relacionam com as obrigações que foram dadas como incumpridas.

A obrigação em causa foi reduzida a escrito na escritura de doação (com reserva de usufruto para a doadora, ora Ré) de que os Recorrentes foram beneficiários, nos termos que se reproduziram, e se sintetizam na parte que aqui releva: “com a obrigação de os donatários a [à doadora] tratarem e acompanharem na saúde e na doença, fornecendo os donatários os meios para tal, de zelar pela sepultura …”.

Da matéria de facto provada, extraídas que foram as referências aos levantamentos da conta bancária provida pela Autora, efetuados pela Ré, de montantes para pagamento de despesas da Autora e do seu agregado familiar, à posse de bens em ouro da propriedade da Ré, resulta que os Autores deixaram de prestar os cuidados pessoais à Autora na sua residência, porque lá mais não voltaram desde que esta os mandou sair e que não suportaram as despesas de saúde da Ré, nem as despesas dos consumos e alugueres de contador.

Há, pois, que verificar se estas omissões constituem violações das obrigações modais estipuladas na escritura de doação, fundamentadoras da obrigação de indemnizar, posta em causa pelos apelantes e apurada na sentença em recurso.

a) Da obrigação imposta aos Recorrentes na cláusula modal da escritura de doação

Repristina-se do acórdão prolatado por esta Relação, nestes mesmos autos, na parte que tem o nosso acordo e que aqui convém, a fundamentação jurídica necessária para a apreciação desta questão: “Como se sabe, a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente (cf. art." 940. ° do C.Civil).

Tal como resulta do disposto no art.° 963. °, n." 1, do C.Civil, a doação pode ser onerada com encargos. Trata-se de doação modal ou com cláusula modal, a qual se traduz na imposição ao beneficiário de uma liberalidade do dever de adoptar uma certa conduta ou de cumprir certos encargos.

Cita-se, neste sentido, a decisão da Relação do Porto de 08/07/2010, (proferida no Processo n.º 4549/05.6TBMALP e disponível em www.dgsi.pt) tendo como Relator Pinto de Almeida: "A doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações no interesse do doador ou de terceiro, ou mesmo, no seu próprio interesse. A obrigação ou o dever contraído pelo donatário não representa uma contraprestação, e muito menos o correspectivo ou equivalente, da atribuição patrimonial que lhe é feita - mas um simples ónus, restrição ou limitação dela."

Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n°. 7/97, de 25/02/1997, uniformizou jurisprudência no sentido de a cláusula modal a que se refere o artigo 963. ° do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património" (in D.R., I Série-A, n°. 83, de 9/04/1997, págs. 1598 - 1602).

No caso dos autos, é manifesto que resultou para os donatários um vínculo que onera a doação, tendo ficado a doadora titular do direito de crédito correspondente.

Ou seja, estamos perante uma doação modal, sendo - em abstracto ¬conferido à Ré o direito de, por aplicação do disposto no art." 965. ° do C.Civil e em caso de incumprimento, exigir dos donatários, e por qualquer dos meios legais, o cumprimento dos encargos assumidos.

Prosseguindo, e como se refere acima, os Recorrentes alegam que o teor da cláusula modal da doação não permite a interpretação de que sobre os Recorrentes recai a obrigação de custear todas as despesas da Recorrida.

É inquestionável que a doação é um negócio formal, motivo pelo qual na sua interpretação tem de ter-se em conta o preceituado no art. 238. °, n.º 1, do C.Civil.

Nos negócios formais, a teoria ela impressão do destinatário (cf. artigo 236. ° do C.Civil) sofre uma limitação, no sentido de que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, como decorrência do carácter solene do negócio.

Recorrendo aos ensinamentos ele Luís Carvalho Fernandes (' Teoria Geral do Direito Civil, VoI. II, Pág. 344.), no âmbito da interpretação são elementos essenciais a recorrer na fixação do sentido das declarações "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos".

A este propósito também se mostra muito sintético e esclarecedor o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2012, no processo nº 14/06.7 TBCMG. G1. S1: “As regras constantes dos artºs. 236.º a 238.º do CC constitui directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).III - Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real.

Há, pois, que verificar se do texto da escritura de doação resultam claras as obrigações que impendem sobre os Recorrentes e quais, ou se o seu texto é ambíguo, o que nos obrigará a recorrer a outros elementos para o descortinar.

Vejamos, à lupa, o seu teor, na parte que nos importa: os donatários obrigaram-se a tratar e acompanhar a Ré na saúde e na doença, fornecendo os meios para tal. A expressão que nestes autos causa dúvidas quanto ao âmbito da obrigação assumida consiste na menção ao “fornecimento dos meios para tal”. Esta expressão diz nitidamente respeito ao tratamento e acompanhamento da Ré na saúde e na doença.

É claro para ambas as partes, aliás na sequência do que vinha ocorrendo, que a menção ao tratamento utilizado nesta cláusula não consiste na prestação de serviços de saúde, mas ao sentido genérico de “prestar cuidados”, “ocupar-se”, “zelar pelo bem-estar”. A obrigação de acompanhamento e tratamento na saúde e na doença referida na cláusula abrange, como ambas as partes acordam, a confecção das refeições, a limpeza da casa e efetuar as compras da casa, o tratamento das roupas, o acompanhamento da ré a consultas médicas e levá-la a passear.

Assim, entende-se que carece de fundamento textual considerar-se que a obrigação que os Autores assumiram de tratar e acompanhar a Ré, prestando os meios para tal, possa abranger mais do que o estritamente necessário para a prestação dessa atenção e trabalhos. Não pode estender-se até ao sustento da Ré na saúde e na doença.

Não tem cabimento que, querendo as partes estipular a obrigação de prestar alimentos, pela sua importância em termos económicos e pessoais, não lhe dessem o relevo inerente ao seu peso, mas a escondessem numa expressão ambígua, referente à prestação de meios necessários à prestação de determinados trabalhos: ao cuidar e acompanhar a Ré (sem mencionar o seu sustento).

A estipulação de uma obrigação de alimentos é muito relevante, quer para o credor, que funda a sua subsistência na mesma, pelo que, pela sua importância para o seu futuro, qualquer declarante razoável, se quiser constituir tamanha obrigação, di-lo-á expressamente.

E não é expetável que um declaratário normal, na leitura da cláusula em causa, pudesse prever que nela estava incluída uma obrigação de prestar alimentos, a qual sempre seria muito encapotada.

Enfim, escapa à letra da cláusula, lida por qualquer pessoa razoável colocada na posição, quer do seu autor, quer do seu recetor, e mesmo se lida objetivamente, a possibilidade de abranger mais do que a obrigação de prestar alguns meios necessários para a prestação de trabalhos de acompanhamento e de prestação de cuidados no tratamento da casa, da alimentação, da higiene, do vestuário, e similares.

A leitura da cláusula, de forma cuidada, não permite que se inclua na mesma, a par da estipulação da obrigação de acompanhar e a ajudar na saúde e na doença, com a realização dos trabalhos inerentes à prestação dos cuidados pessoais que esta necessitasse, também uma obrigação de prestar alimentos durante toda a sua vida, com o pagamento das despesas, entre outras, com a medicação, vestuário e consumos energéticos. Implicará, sim, que se obrigaram a fornecer os meios que lhes permitisse tal acompanhamento, como as suas próprias deslocações ou outras despesas que o seu acompanhamento obrigasse, não o sustento da donatária.

E só assim se compreende que a Ré tivesse provisionado a conta que abriu e na qual incluiu como cotitular a Autora; se era esta que a devia sustentar, qual o sentido desse provisionamento?

De todo o exposto resulta que se entende que não se pode considerar que o fornecimento dos meios para o acompanhamento da Ré implicaria que os Autores tinham a obrigação de pagar as quantias peticionadas pela Ré e objeto da condenação relativas ao valor das despesas de saúde e ainda o custo com a alimentação da Ré e o gasto em eletricidade, pelo que não há que os condenar nesses pagamentos, procedendo nesta parte a apelação, revogando a sentença nessa parte.

Cumpre, ainda, averiguar se os Autores estão obrigados a indemnizar pela falta de prestação dos serviços a que efetivamente se obrigaram: o tratamento ou acompanhamento da Ré, cozinhando, limpando a casa, tratando da roupa. Atenta a alteração da matéria de facto provada verifica-se que a não prestação desses serviços não é imputável aos Autores, mas à própria Ré, que em 25 de novembro de 2010, os mandou sair de casa, dizendo que a partir de então seria o irmão a cuidar dela, impedindo, em consequência, a prestação de tais cuidados.

E certo que, em regra, “A mora do credor, traduzida na recusa de recebimento da prestação efectivamente devida, oferecida pelo devedor, não acarreta a extinção da obrigação correspondente, desencadeando apenas as consequências previstas nos artigos 814º a 816º do CC, designadamente o não vencimento de juros (artigo 814º, nº 2 do CC)”, como com tão profundo poder de síntese se explanou no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra , de 04/24/2012, no processo 1207/09.0TBVIS.C1 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).

Ou, como tão bem se resume no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 01/14/2014, no processo 511/11.2TBPVL.G1.S1: “O regime jurídico da mora do credor está previsto no art. 813º do Código Civil. Há mora do credor quando este recusa, ou não presta ao devedor, a colaboração necessária ao cumprimento (nº1) – havendo ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão (nº2).Enquanto para haver mora do devedor a lei exige que haja culpa sua – art. 804º, nº2, do Código Civil – já não assim quanto à mora do credor (mora credendi), definida no art.813º – “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”

O art. 816º define os efeitos da mora do credor: Obrigação de indemnizar; atenuação da responsabilidade do devedor (não tem que pagar juros de mora); inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa. A mora do credor extingue-se quando, ainda que tardiamente, prestar a colaboração que recusara para o cumprimento. Tal como acontecia com o devedor em caso de mora, também a mora do credor tem efeitos, sendo eles a obrigação de indemnizar (art. 816º do Código Civil), a atenuação da responsabilidade do devedor (art. 798º) e a inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art.º 815º do Código Civil) …

Assim, caso se extinga, por outra razão, a obrigação durante a mora do credor, por facto não imputável ao dolo do devedor, não cabe já a este qualquer dever de indemnizar por qualquer prejuízo sofrido pelo credor com essa extinção.

Importa, tão só, verificar se neste caso a obrigação de acompanhamento no período que decorreu entre 25 de Novembro de 2010 e o 63º mês que se lhe seguiu, objeto da condenação efetuada na sentença, se extinguiu com o mero decurso do tempo (visto que, como se viu a mora do credor não tem por efeito automático a extinção da obrigação).

A obrigação aqui em causa comporta especialidades. A mesma é indissociável da pessoa da Ré e da passagem do tempo: não foi estipulada a obrigação de prestação de determinado período de companhia ou de prestação de cuidados durante determinado tempo, mas uma obrigação de acompanhamento contínuo da Ré, que se vence e extingue a cada momento da vida da Ré. A prestação em causa é duradoura; a obrigação de acompanhamento de uma pessoa vence-se e extingue-se com o decurso do tempo, não podendo, após, ser senão prestado uma compensação pelo não cumprimento daquela obrigação. Não está em causa a prestação de alimentos, mas de acompanhamento durante aquele período, indissociável da passagem do tempo.

Exemplifiquemos: a obrigação de acompanhar e tratar a Autora no dia seguinte ao referido no ponto 6 da matéria de facto provada venceu-se nesse mesmo dia e, findo o mesmo, extinguiu-se, por não ser possível já prestar tal acompanhamentos e cuidados devidos nesse dia. Não está em causa, nesta obrigação, a prestação de uma refeição ou a prestação de determinadas horas de companhia, mas a sua prestação naquele dia, pelo que com a simples passagem do tempo torna impossível o cumprimento da obrigação.

Ora, visto que foi a Ré que deu lugar à impossibilidade de cumprimento pelos Autores dessa obrigação, sendo-lhe a ela imputável a impossibilidade de cumprimento, não cabe nos termos do citado artigo 815º nº 1 do Código Civil, aos Autores, devedores, a obrigação de a indemnizar pelos prejuízos, despesas ou custos que teve ou terá tido com a perda dessa prestação. Aliás, como bem salientam os Autores, enquanto a Ré não se oferecer a receber a obrigação que negou aceitar, encontra-se em mora.

Mesmo que assim se não entendesse, certo é que a Ré não demonstrou ter tido quaisquer prejuízos ou custos com a omissão de prestação dos serviços por parte dos Autores, por se não demonstrar qualquer compensação a familiares ou terceiros pela prestação desse tipo de serviços, pelo que nenhum dano haveria, então, a suportar.

Improcede a reconvenção.

Quanto à ação, falhando a matéria de facto provada que a sustentasse, não se provando a celebração dos mútuos em que os Autores se fundam, também não pode ter provimento.

V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência revogar a sentença na parte em que julgou a reconvenção parcialmente procedente e em consequência mantém-se a absolvição da Ré dos pedidos formulados nos presentes autos pelos Autores e julga-se a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo-se os Autores do pedido reconvencional.
Custas da ação pelos Autores e custas da reconvenção e da apelação pela Ré.
*
Guimarães, 21 de fevereiro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes