Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2808/18.1T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: SIMULAÇÃO
VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
SUCESSORES DA FALECIDA SIMULADORA
COMEÇO/PRINCÍPIO DE PROVA ESCRITO DO ACORDO SIMULATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O acordo simulatório que conste de documento autêntico não pode ser provado por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo.

II- Sendo as AA sucessoras testamentárias da falecida simuladora, por direito de representação da sua mãe que repudiou a herança, elas ocupam o lugar da simuladora na invocação da simulação, pelo que não são consideradas terceiras para efeitos de arguição da simulação.

III- A proibição prevista no art.º 394.º do Código Civil não é absoluta e deve ceder (no entendimento da doutrina e da jurisprudência) no caso de existir um documento que constitua um começo ou princípio de prova da simulação, sendo nesse caso admissível prova testemunhal para auxiliar na interpretação desse documento.

IV- Não tem esse valor probatório a queixa-crime que a falecida simuladora apresentou contra os RR; esse documento apenas comprova que a falecida simuladora pretendeu reagir, ainda em vida, contra o alegado acordo simulado, denunciando os RR nas instâncias criminais, a quem imputava um alegado crime de burla.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas

M. F. e M. T., ambas melhor identificadas nos autos, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J. M., M. L., L. M. e F. M., pedindo que os mesmos fossem condenados:

O primeiro, segunda e quarto Réus:

a) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e os dois primeiros Réus, J. M. e M. L., outorgando estes em representação do Réu F. M., pelo facto de, à data, ser menor, cujo objeto foi o identificado no art.º 10.º da petição inicial;
b) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição da titularidade desse prédio a favor do quarto Réu, e ordenar-se o respetivo cancelamento na descrição .../2001218-..., da Conservatória do Registo Predial ...;
c) a restituir à herança de E. M. o prédio descrito no art.º 10.º da petição inicial;

A terceira Ré:

d) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e a terceira Ré, cujo objeto foi os prédios identificados nas alíneas a) a d) do art.º 12.º da petição inicial;
e) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição desses prédios a favor da terceira Ré e ordenar-se o respetivo cancelamento nas descrições 1626/20140505-A-..., 1623/20061218-..., 1624/20061218-... e 1625/20061218-..., da Conservatória do Registo Predial ...;
f) restituir à herança de E. M. os prédios descritos nas alíneas b) a d) do art.º 10.º da petição inicial;
g) restituir à herança de E. M. o prédio descrito no art.º 15.º da petição inicial;

O primeiro Réu:

h) a reconhecer a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda efetuada no dia 7 de março de 2008, no Cartório Notarial da notária M. S., entre a falecida E. M. e o primeiro Réu, cujo objeto foi a quota parte do prédio identificado no art.º 16.º da petição inicial;
i) em consequência, declarar-se nulo o registo da inscrição da titularidade de 1/9 desse prédio a favor do quarto Réu, e ordenar-se o respetivo cancelamento na descrição 1462/20040507-... na Conservatória do Registo Predial ...;
j) restituir à herança de E. M. a quota parte do prédio descrito no art.º 16.º da petição inicial.
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Alegam para tanto em síntese que são as únicas e universais herdeiras, por via testamentária, de M. E., sendo os dois primeiros Réus pais da terceira e quarto Réus.

Que por escritura pública de compra e venda efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, a referida M. E. declarou vender ao Réu F. M., e os pais daquele, em sua representação, porque menor, declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, um determinado prédio urbano, que identificam.

Que no mesmo dia, por escritura pública de compra e venda, a mesma M. E. declarou vender à Ré L. M., a qual, por sua vez, declarou comprar, pelo preço global de € 120.000,00, quatro prédios urbanos, que também identificam.

Que em 2 de maio de 2014, a Ré L. M. submeteu a propriedade horizontal o primeiro dos quatro prédios mencionados na última escritura pública, transformando-o em duas frações autónomas, e no dia 7 de setembro de 2014, vendeu uma delas, a fração B, a um terceiro, detendo atualmente a outra, a fração A.

Finalmente, no dia 7 de março de 2008, por escritura pública de compra e venda, a M. E. declarou vender e o Réu J. M. declarou comprar, pelo preço de € 80.000,00, 1/9 de um prédio rústico, que também identificam.

Que todos estes negócios em que interveio a falecida M. E. foram simulados, tendo sido realizados pelo facto de a mesma ter, à data, dívidas fiscais e para com outros credores, pretendendo com os negócios realizados salvaguardar o seu património, pondo-o a coberto de eventuais penhoras que sobre ele pudessem recair.

Sucedeu que, restituídas integralmente as quantias mutuadas e praticamente saldadas todas as dívidas, podendo ter novamente os bens em seu nome, a falecida M. E. diligenciou junto do Réu J. M. para que fossem feitas as escrituras de compra e venda em sentido inverso, o que foi negado pelo mesmo, sob o pretexto de os bens serem seus e dos filhos.

Pretendem assim as AA que seja declarada a nulidade dos negócios celebrados com fundamento em simulação.
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Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação, alegando em síntese que contrariamente ao alegado pelas Autoras, todos os negócios a que elas aludem na petição inicial foram reais, tendo a vendedora recebido pela venda dos mesmos o preço correspondente.
Concluem assim pela improcedência da ação.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Termos em que se decide julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver os Réus do pedido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram as AA interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente os pedidos formulados pelas AA recorrentes e que absolveu os RR recorridos dos pedidos, por entender que não estão verificados os elementos constitutivos da simulação relativos a todos os negócios jurídicos dos autos e que não foi feita prova da divergência intencional entre as declarações insertas nas escrituras públicas que titulam os negócios jurídicos impugnados e a vontade dos outorgantes, bem como que tais negócios tenham sido celebrados com o intuito de enganar terceiros.
2ª - O Tribunal a quo não considerou, conforme se lhe impunha, na formação da sua convicção, quanto à matéria de facto provada e não provada, na esteira da análise crítica e à luz das regras da experiência comum, conjugada com os documentos juntos aos autos e do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, a primordial questão em discussão nos autos, a verificação da simulação dos negócios jurídicos impugnados.
3ª - O Mm Juiz a quo considerou que, sendo a simulação a causa de pedir da ação e tratando-se de simulação de negócios jurídicos titulados em documentos autênticos, cumpre ter presente as regras de limitação da prova legalmente previstas na matéria.
4ª - Conclui que, da leitura conjugada dos nº 1 e 2 do art° 394 do CC, resulta que o acordo simulatório que conste de documento autêntico não pode ser provado por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo, Acrescentando que, vedada está, em função deste preceito, a prova do acordo simulatório por via testemunhal, vedada estará, também, por decorrência do disposto no art° 351° do CC, a prova por presunção judicial.
5ª - Salvo o devido respeito e melhor opinião contrária, as AA recorrentes apresentam-se como terceiras em relação ao conluio, por serem alheias ao acordo simulatório, sendo certo que a parte contrária nega a existência da simulação invocada, com pouca convicção, saliente-se.
6ª - A prova de que as AA. tinham conhecimento ou tiveram participação no conluio, na medida em que tal facto seria impeditivo do direito invocado, competia à parte contrária, os aqui RR recorridos. (art° 342, nº2 do CC)
7ª - Mesmo em documentos autênticos, com força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e contexto da declaração negocial. (art° 393°, nº 3 do CC)
8ª - É de admitir a prova por testemunhas para impugnação da veracidade das declarações do R. J. M., por si e em representação dos filhos, constantes das três escrituras de que pagou o preço e quis comprar os imóveis objeto das mesmas.
9ª - A força probatória do documento tem a ver com o conteúdo externo do documento e não o próprio teor intrínseco do negócio que ele documenta.-cfr. arte 371, nº 1 do CC
10ª - Daí ser jurisprudência pacífica que, a força probatória plena não se estende ao conteúdo das declarações dos outorgantes, sendo possível prova testemunhal sobre a matéria que aí se faz constar;
11ª - Ao contrário do que afirma o Mm Juiz a quo, as AA recorrentes terão que ser consideradas terceiras pois exercem um direito próprio. 12ª - Isto porque, conforme se alegou no artº 2° da petição inicial e provou documentalmente (dos. 1, 2 e 3), por testamento público outorgado no Primeiro Cartório Notarial de ..., no dia 3 de junho de 1993, M. E., solteira, maior, instituiu, para a hipótese de falecer sem herdeiros legitimários, como única e universal herdeira a sua sobrinha M. T..
13ª - A testadora veio a falecer no dia 6 de maio de 2015, na freguesia de ..., no estado de solteira, aos 86 anos de idade, sem descendentes ou ascendentes vivos.
14ª - Por escritura de Repúdio da Herança (doc 3) outorgada no dia 17 de julho de 2015, M. T., repudiou a herança, conforme alegado no art° 4° da p.i.
15ª - Foram assim as suas filhas, AA recorrentes habilitadas como herdeiras.
16ª - Todavia, se a mãe das AA. repudiou a herança, é como se esta nunca tivesse existido.
17ª - Os seus descendentes não podem representá-la, antes pelo contrário herdam um direito próprio, o direito de acrescer.
18ª - O repúdio da herança tem como efeito considerarem-se os repudiantes como não chamados à sucessão, tudo se passando como se não tivessem figurado no quadro dos sucessíveis e não havendo direito de representação (cfr. Ac. TRP de 21 de novembro de 1994, proferido no processo nº 9450541, relator Ribeiro de Almeida, DGSI)
19ª - Sendo terceiras, podem, nos termos do nº 3 do art° 394 do CC invocar e provar de forma testemunhal o acordo simulatório que conste de documento autêntico.
20ª - A douta sentença ora em recurso considerou que as AA. não são terceiras e, por, isso vedou-lhes a possibilidade de fazerem prova por via testemunhal.
21ª - Deve, por isso, o tribunal ad quem determinar que as AA recorrentes são terceiras e que exercem um direito próprio e, por isso, podem fazer prova da simulação por via testemunhal.
22ª -Violou, por isso, a douta sentença recorrida o nº 2 do art° 394° do CC.
23ª - Sendo terceiras, é ainda admissível a prova por presunção judicial, o que não sucedeu nos autos (cfr. 351 do CC)
24ª - A douta sentença, apesar de expressamente considerar que o depoimento do R. J. M. suscita algumas perplexidades, nomeadamente, que o pagamento de €330.000,00 num espaço de cerca de dois anos tenha sido feito sempre em numerário, a qual considerou mesmo que não é consentâneo com as regras da normalidade, mormente por razões de prova do cumprimento das obrigações e o pagamento em numerário de quantias de uma tal grandeza e "que a versão dos factos trazida pelo R. J. M. não prima, assim, pela clareza, facto esse agravado pela forma como o depoimento foi prestado, isto é, e no mínimo, com desconforto e nervosismo manifestos", mesmo assim, decidiu que estava vedado ao tribunal a prova por presunção judicial, o que na perspetiva das recorrentes se entende de admitir, violando assim igualmente a douta sentença o arte 351 do CC;
25° - Mesmo que o tribunal de recurso venha a decidir que as AA recorrentes não sejam consideradas terceiras, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, como muito bem escreve o Mmo Juiz a quo, citando Vaz Serra (in anotação do acórdão do STJ de 04.12.1973, in RLJ, 107, 1975, p.308 a 314) a proibição prevista no arte 394° do CC deveria ceder nas seguintes situações, concretamente quando exista um começo ou princípio de prova escrito.
26°- Mais acrescenta e bem, que no que diz respeito às situações em que haja um começo ou principio de prova escrita, sufragada de forma maioritária na doutrina, exemplificando-se essa constatação com a posição de Mota Pinto, para quem seria admissível a prova testemunhal com propósitos complementadores ou interpretativos daqueles documentos (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2005, p.477, nota 621)
27°- É ainda da lavra do Mm Juiz a quo a invocação de vasta jurisprudência (Ac. STJ de 07.02.2017, Ac. Do TRG de 16.06.2016, do TRP de 07.04.2016, do TRC de 08.05.2018, do TRL de 24.01.2019 e do TRE de 08.03.2018) que defende à adesão menos restritiva do preceito, desde que haja um documento que constitua princípio de prova, relativamente ao qual se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar o acordo simulatório.
28ª - Mais aduz o Mmo Sr Juiz que, estando, à partida vedada a prova do acordo simulatório por via testemunhal e por presunções, o recurso a tais meios de prova já será admissível se existir documento que torne verosímil a existência de acordo simulatório e com a finalidade de complementar ou interpretar o sentido de tal documento.
29°- Existe nos autos um documento, consubstanciado numa queixa crime que a falecida M. E. apresentou no dia 31 de dezembro de 2014 no DIAP de Guimarães contra os RR./recorridos, que correu termos sob o nº 17/15.0T9GMR na 2a Secção do DIAP de Guimarães e, veio a final, a ser arquivada.
30°- Este documento foi junto pelos RR./recorridos sob documentos nº 2 a 9 e por eles alegado nos art°s 5°a 8º da douta contestação.
31°- Assim, encontra-se nos autos a queixa crime, constituindo, em si, esse documento, face ao seu teor, um princípio de prova, o qual poderá ser complementado pelas vias testemunhal e presunção judicial.
32°-A queixa crime apresentada pela falecida M. E., e também por ela assinada diz, grosso modo, o seguinte, começando por elencar os imóveis, preços, intervenientes e datas da outorga das escrituras:
a) Que as quantias declaradas não foram efetivamente recebidas (artº 7);
b) Foram usados meios engenhosos e enganosos para induzir em erro a participante e levá-la a outorgar as escrituras supra identificadas, sem ter recebido qualquer valor do preço;
c) O primeiro participado chegou a prometer repor a situação e restituir os imóveis em causa, através dos instrumentos legais necessários, o que não fez. (artº 18)
33°- Ora esse princípio de prova existe e tem que ser considerado esse documento enquanto tal (queixa crime outorgada pela falecida), ao contrário do que afirma a sentença recorrida que não o considera, violando assim claramente o exposto no nº 2 do art° 394 do CC.
34°- Do documento em si, queixa crime, resultam três premissas, sendo a primeira que a falecida não recebeu qualquer valor do preço, a segunda que o R./recorrido J. M. prometeu repor a situação e restituir os imóveis em causa, através dos instrumentos legais necessários, o que não fez e a terceira que foram usados meios engenhosos e enganosos para induzir em erro a falecida e levá-la a outorgar as escrituras.
35°- Com base nesse documento (queixa crime assinada pela falecida simuladora) deveria a sentença recorrida tê-lo considerado um princípio de prova e, por isso, ter validado o depoimento complementar das testemunhas inquiridas e usado das presunções judiciais, o que não fez.
36°- Se assim o tribunal tivesse feito, com base na prova testemunhal e com uso de presunções judiciais nos termos do art° 351 do CC, podia aferir da consistência da invocada simulação absoluta das invocadas escrituras.
37°- A douta sentença recorrida deu como não provados os factos discriminados nas al. a) b) c) e d), todavia, se tivesse sido considerada a prova testemunhal e documental junta aos autos deveria tal matéria ser julgada provada.
38°- Dos depoimentos das testemunhas arroladas pelas AA. e das declarações de parte do R. J. M., foi feita prova no sentido de tais factos serem julgados provados, tendo havido erro de apreciação por parte do Mm Sr Juiz a quo ao ter julgado não admissível a prova testemunhal e prova por presunção. (declarações de J. M. 20181122121346 5575665-2870526) (testemunha M. G. 20181218153532-5575665-2870526) (testemunha T. S. 20181122153630-5575665-2870526) (testemunha S. 20181122163444 5575665-2870526) (testemunha R. 2018112214 5157-5575665-2870526)
39°- Dos depoimentos das testemunhas arroladas pelas AA. e das declarações de parte do R. J. M., foi feita prova no sentido de que:
a) Que a falecida E. M. e os Réus J. M. e M. L., agindo estes em representação do Réu F. M., porque então menor de idade, não tenham, apesar do declarado na escritura pública em 8, querido, respetivamente, vender e comprar o imóvel aí identificado.
b) Que a falecida E. M. e a Ré L. M. não tenham, apesar do declarado na escritura pública referida em 9 e 10, querido, respetivamente, vender e comprar os imóveis aí identificados;
c) Que a falecida M. E. e o Réu J. M. não tenham, apesar do declarado na escritura pública referida em 14, querido, respetivamente, vender e comprar o direito ali identificado;
d) Que os outorgantes nos negócios a que se alude em a) a c) tenham agido conluiados entre si, por forma a que a falecida M. E., tendo dívidas fiscais prestes a ser executadas pela AT, bem como outras dívidas a várias pessoas, não tendo meios para proceder ao respetivo pagamento, visse salvaguardado o seu património e se esquivasse a penhoras sobre os bens que o integravam nas ações e execuções de cuja instauração estava a ser ameaçada, agindo os outorgantes, por isso, com intuito de enganar terceiros.
40°- Deve, por isso, o tribunal de recurso dar essa matéria por provada.
41°- Deve ainda o tribunal de recurso, face à prova produzida, dar como verificado os três requisitos da simulação estatuídos no nº1 do art° 240° do CC, ou seja, que houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada, houve acordo simulatório e intuito de enganar terceiros.
42°- Em consequência deve declarar a nulidade dos negócios impugnados por simulação…”.
Pedem, a final, que seja revogada a sentença recorrida e julgada procedente a acção.
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Os recorridos vieram Responder às Alegações de recurso das Apelantes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se deve ser alterada a matéria de facto, de acordo com a pretensão das recorrentes;
- se perante a matéria de facto alterada, deverá ser alterada a decisão em conformidade, com a procedência da acção.
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Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:

“1.- Por testamento público outorgado no Primeiro Cartório Notarial de ..., no dia .. de .. de 1993, M. E., solteira, maior, instituiu, para a hipótese de falecer sem herdeiros legitimários, como única e universal herdeira, a sua sobrinha T. S. (documento de fls. 15).
2.- A testadora veio a falecer no dia 6 de maio de 2015, na freguesia de ..., no estado de solteira, aos 86 anos de idade, sem descendentes ou ascendentes vivos (documentos de fls. 13 e 14, 15 e 16).
3.- Por escritura de repúdio de herança, outorgada no dia 17 de julho de 2015, no Cartório Notarial do notário C. T., sito na Avenida de …, da freguesia de …, do concelho de Guimarães, depositada no livro de notas para escrituras duzentos e sessenta e cinco-A, exarada de fls. cento e trinta e quatro a fls. centro e trinta e quatro verso, T. S., na qualidade de única e universal herdeira, repudiou à herança aberta por óbito de sua tia, a testadora M. E. (documento de fls. 17).
4.- A repudiante T. S. declarou no mesmo instrumento que tinha descendentes, duas filhas, solteiras, maiores, a saber M. F. e M. T., as Autoras (documento de fls. 17).
5.- Efetivado o repúdio, por escritura de habilitação outorgada no mesmo dia 17 de julho de 2015, no Cartório Notarial do notário C. T., sito na Avenida de …, da freguesia de …, do concelho de Guimarães, arquivada no livro de notas para escrituras duzentos e sessenta e cinco-A, exarada de fls. cento e trinta e cinco a fls. cento e trinta e seis, foram habilitadas como herdeiras as Autoras (documento de fls. 13 e 14).
6.- A Autora M. F., filha da repudiante, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. E., habilitou-se como herdeira a si e a sua irmã M. T. (documento de fls. 13 e 14).
7.- O primeiro Réu J. M. e a segunda Ré M. L. são pais da terceira Ré L. M. e do quarto Réu F. M..
8.- Por escritura pública de compra e venda, efetuada no dia 24 de janeiro de 2007, no Cartório Notarial da notária M. S., a falecida E. M. declarou vender aos dois primeiros Réus, outorgando em representação do quarto Réu, à data menor, que, por sua vez, declararam comprar nessa qualidade, pelo preço de € 60.000,00, o prédio urbano composto de casa de cave e rés-do-chão, dependência e quintal, sito na Rua 24 de julho, da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ....º e inscrito na matriz sob o art.º 437.º (documento de fls. 18 e 19).
9.- No mesmo dia, no mesmo Cartório e perante a mesma notária, a falecida E. M. outorgou outra escritura pública de compra e venda, na mesma qualidade de vendedora, desta feita sendo compradora a 3.ª Ré, filha dos dois primeiros Réus e irmã do quarto Réu (documento de fls. 21 e 22).
10.- Nesta escritura, a M. E. declarou vender e a terceira Ré declarou comprar, pelo preço global de € 120.000,00, os seguintes quatro imóveis:

a) pelo preço de € 50.000,00, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, descrito na 1.ª CRP de … sob o n.º 1626.º e inscrito na matriz sob o art.º 887.º;
b) pelo preço de € 40.000,00, o prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º 1623.º e inscrito na matriz sob o art.º 692.º;
c) pelo preço de € 15.500,00, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º 1624.º e inscrito na matriz sob o art.º 693.º;
d) pelo preço de € 15.500,00, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º 1625.º e inscrito na matriz sob o art.º 694.º (documento de fls. 21 e 22).
11.- Em 2 de maio de 2014 a Ré L. M., através da apresentação 2130 de 2014/05/02, submeteu à propriedade horizontal o prédio discriminado em a) do facto n.º 10, vindo o prédio a ser transformado em duas frações, a A e a B (documento de fls. 23).
12.- No dia 7 de setembro de 2014, a Ré L. M. vendeu a P. L. a fração B, detendo atualmente apenas a fração A (documento de fls. 24 e 25).
13.- Tal fração, que corresponde a metade na permilagem do prédio identificado em a) do facto n.º 10, mercê da propriedade horizontal, está atualmente descrito na CRP de ... sob o n.º 1626.º-A e inscrito na matriz sob o art.º 2894 e corresponde a habitação no rés-do-chão do lado esquerdo e logradouro a nascente, sul, poente com a área de 673m2 (documento de fls. 24 e 25 e 26 e 27).
14.- No dia 7 de março de 2008, no mesmo Cartório, foi efetuada outra escritura pública, através da qual a M. E. declarou vender ao primeiro Réu J. M. que, por sua vez, declarou comprar, pelo preço de € 80.000,00, 1/9 do prédio rústico sito no lugar do Ribeiro, da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º 1462.º e inscrito na matriz sob o art.º 16 (documento de fls. 32)”.

E foram dados como não provados os seguintes:

“a.- Que a falecida E. M. e os Réus J. M. e M. L., agindo estes em representação do Réu F. M., porque então menor de idade, não tenham, apesar do declarado na escritura pública referida em 8, querido, respetivamente, vender e comprar o imóvel ali identificado.
b.- Que a falecida E. M. e a Ré L. M. não tenham, apesar do declarado na escritura pública referida em 9 e 10, querido, respetivamente, vender e comprar os imóveis ali identificados.
c.- Que a falecida E. M. e o Réu J. M. não tenham, apesar do declarado na escritura pública referida em 14, querido, respetivamente, vender e comprar o direito ali identificado.
d.- Que os outorgantes nos negócios a que se alude em a) a c) tenham agido como ali referido conluiados entre si, por forma a que a falecida E. M., tendo dívidas fiscais prestes a ser executadas pela AT, bem como outras dívidas a várias pessoas, não tendo meios para proceder ao respetivo pagamento, visse salvaguardado o seu património e se esquivasse a penhoras sobre os bens que o integravam nas ações e execuções de cuja instauração estava a ser ameaçada, agindo os outorgantes, por isso, com o intuito de enganar terceiros”.
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Da impugnação da matéria de facto:

Insurgem-se as recorrentes contra a decisão da matéria de facto dada como não provada nas alíneas a) a d), considerando que a mesma deveria ser dada como provada, convocando para o efeito os depoimentos das testemunhas por si arroladas – que indicam -, conjugadas com as declarações de parte do recorrido J. M., assim como o documento junto aos autos – a queixa-crime apresentada pela falecida no dia 31 de dezembro de 2014 contra os RR, que correu termos sob o nº 17/15.0T9GMR no DIAP de Guimarães e que veio a ser arquivada.

Mas não podemos atender à pretensão das recorrentes, desde logo porque as regras processuais da valoração da prova testemunhal em termos de simulação, quando invocada pelos próprios simuladores, nos impede de valorar os depoimentos testemunhais prestados (tal como o entendeu o julgador na 1ª Instância).

Ou seja, considerou o sr. juiz que presidiu ao julgamento na primeira instância, e que decidiu a matéria de facto, que “através desta ação, pretendem as Autoras obter a declaração de nulidade, com fundamento em simulação, de um conjunto de contratos de compra e venda, materializados em três escrituras públicas, que a falecida M. E., de quem são sucessoras testamentárias, celebrou com os Réus.

Segundo as Autoras, tais contratos de compra e venda não foram queridos pelos outorgantes e tiveram como único fito enganar terceiros, destinando-se a fazer subtrair do património da vendedora os bens imóveis e o direito objeto dos contratos celebrados, por forma a salvaguardá-los da ação dos credores, nomeadamente a Autoridade Tributária e outros indivíduos.

A simulação é assim a causa de pedir que suporta a ação e a única que, mercê da factualidade alegada na petição inicial, pode ser atendível no que à subsunção dos factos que a integram ao direito aplicável diz respeito (…).

Sendo a simulação a causa de pedir da acção, e tratando-se de simulação de negócios jurídicos titulados em documentos autênticos, cumpre ter presente as regras de limitação da prova legalmente previstas na matéria.

Dispõe a propósito o n.º 1 do art.º 394.º do Código Civil que é inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de, além do mais, documento autêntico, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

Por seu turno, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito, que a proibição prevista no n.º 1 se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

Da leitura conjugada de tais normativos legais resulta que o acordo simulatório que conste de documento autêntico não pode ser provado por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo.

Subjacente a tal opção legislativa está, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Coimbra, 1981, Vol. I, p. 344), a intenção de “afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal seria capaz de originar: quando uma das partes (ou ambas) quisesse infirmar ou frustrar os efeitos do negócio poderia socorrer-se de testemunhas para demonstrar que o negócio foi simulado, destruindo, assim, mediante uma prova extremamente insegura, a eficácia do documento”.

Vedada que está, em função deste preceito, a prova do acordo simulatório por via testemunhal, vedada estará, também, por decorrência do disposto no art.º 351.º do Código Civil, a prova por presunção judicial.

O acordo simulatório subjacente a documento autêntico, quando invocado pelos simuladores, pode, portanto, ser demonstrado por qualquer meio de prova, mas desde que este não consista em prova testemunhal ou prova por presunções.

Pressupondo que uma interpretação demasiado literal do citado preceito pudesse conduzir a resultados desajustados à realização da justiça material, tem-se propugnado uma interpretação restritiva do mesmo.

Assim, para Vaz Serra (in anotação do acórdão do STJ de 04-12-1973, in RLJ, 107, 1975, p. 308 a 314), a proibição prevista no art.º 394.º do Código Civil deveria ceder nas seguintes situações: quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.

Tal posição, ainda que não acolhida em toda a sua amplitude, veio a ser, pelo menos no que diz respeito às situações em que haja um começo ou princípio de prova escrita, sufragada de forma largamente maioritária na doutrina, exemplificando-se essa constatação com a posição de Mota Pinto, para quem seria admissível a prova testemunhal com propósitos complementadores ou interpretativos daqueles documentos (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2005, p. 477, nota 621).

O mesmo se diga da jurisprudência, mencionando-se o Acórdão do STJ de 07-02-2017, no qual, depois de se ressalvar a excecionalidade da solução, se defendeu a adesão à interpretação menos restritiva do preceito, desde que haja um documento que constituía princípio de prova, relativamente ao qual se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar o acordo simulatório. Neste mesmo sentido, v., ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 16-06-2016; da Relação do Porto de 07-04-2016; da Relação de Coimbra de 08-05-2018; da Relação de Lisboa de 24-01-2019; e da Relação de Évora de 08-03-2018.

Temos assim que estando à partida, nos casos aqui em apreço, vedada a prova do acordo simulatório por via testemunhal e por presunções, o recurso a tais meios de prova já será admissível se existir documento que torne verosímil a existência do acordo simulatório e com a finalidade de complementar ou interpretar o sentido de tal documento.

Nesses casos, o elemento de prova nuclear e determinante será sempre o documento, cabendo à prova testemunhal uma mera função de complemento ou de interpretação do sentido do mesmo, com o que ficará salvaguardado o cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 392.º do Código Civil.

As limitações de prova do acordo simulatório que acabam de ser referidas não têm aplicação, por força do n.º 3 do art.º 394.º do Código Civil, a terceiros. Sempre que a simulação seja invocada por esses terceiros, pode ela ser demonstrada por qualquer meio de prova relevante.

A questão está, pois, em saber quem são os terceiros pressupostos neste preceito.
Terceiro para efeitos de simulação, como se referiu no Acórdão do STJ de 15-07-1991 (disponível na internet, no sítio com o endereço supra referenciado), “será aquele que reclama um direito próprio, distinto do direito dos outorgantes do contrato simulado”.

Partindo deste pressuposto, terceiros não serão certamente os simuladores, nem em princípio os seus herdeiros depois do óbito daqueles.

Na verdade, os simuladores são, passe a redundância, os próprios intervenientes no ato simulado e os seus herdeiros são meros sucessores daqueles.

Na sucessão, como refere Pereira Coelho (in Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, Lições policopiadas ao curso de 1973-1974, p. 9), o sucessor “assume, numa relação jurídica que se mantém idêntica, a mesma posição que era ocupada anteriormente por outra pessoa”. O fenómeno sucessório acarreta assim uma simples “modificação subjectiva em determinada relação jurídica”, relação jurídica essa que “se mantém a mesma apesar da modificação operada”.

No negócio jurídico simulado, a posição do simulador e, após a morte deste, do seu herdeiro é, assim, exatamente a mesma, já que é a mesma a relação jurídica na qual intervêm, e é o mesmo o conjunto de direitos e de obrigações que dela derivam para ambos.
Deste modo, não podendo o herdeiro do simulador ter mais direitos do que este após a sua morte, forçoso será concluirmos que, estando vedado ao simulador provar o acordo simulatório por testemunhas e por presunções, vedado estará também ao herdeiro legítimo fazê-lo.

Neste mesmo sentido aponta Mota Pinto, para quem terceiros para efeitos de simulação não são “os próprios simuladores ou os seus herdeiros (depois da morte do “de cujus”)” (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1991, p. 481).

Situações há, contudo, em que o herdeiro, no confronto dos seus interesses com o negócio simulado, tem uma posição que não se pode confundir com a da pessoa a quem sucede e que, pelo contrário, se radica num direito ou num interesse próprio. É o caso óbvio do herdeiro legitimário no que tange à sua legítima, bem como do legatário relativamente ao bem concreto e determinado sobre o qual incide o seu direito.

Nesses casos é inquestionável que é a própria lei a conferir uma especial proteção a tais sucessores, conferindo-lhes um estatuto jurídico que radica na pessoa destes e não da pessoa a quem sucedem, relativamente ao qual se assume autónomo.

Já quanto aos restantes herdeiros, seja os que sucedem por via legal (os herdeiros legítimos), seja os que sucedem por via testamentária, a situação é mais dúbia, atenta a natureza do fenómeno sucessório atrás descrita.

Nestes casos, como refere A. Barreto Menezes Cordeiro (in Da simulação no direito civil, Coimbra, 2017, p. 95), será “na prática (…) necessário distinguir quando um sujeito atua no âmbito de um direito próprio ou sucessível, pois apenas no primeiro caso não se lhe aplica o regime desenvolvido para os simuladores”.

E concedendo-se não ser fácil perspetivar situações em que o herdeiro legítimo atue no quadro de um direito próprio, parece-nos ser esse o caso sempre que o mesmo pretende invocar a simulação para destruir um negócio feito pelo de cujus com o intuito de o prejudicar.

Nesses casos é inequívoco que o simulador não se limitou a celebrar um negócio viciado, mas que o fez contra o interesse do herdeiro, forçoso sendo reconhecer que este, por decorrência do negócio simulado, viu a sua esfera jurídica afetada e que a reação contra tal negócio mais não consubstancia do que o exercício de um direito ou a proteção de um interesse que são próprios.

Em todos os restantes casos em que, por via do fenómeno sucessório, se verifica um simples sub-ingresso do sucessor na posição do de cujus, forçoso será desconsiderá-lo como terceiro, com as consequências daí decorrentes para efeitos nomeadamente das limitações de prova aqui em apreço, sob pena do total desvirtuamento ou da própria ab-rogação do art.º 394.º do Código Civil.

Em suma, para efeitos de prova do acordo simulatório: se invocado pelos simuladores ou pelos seus herdeiros legítimos ou testamentários, não exercendo estes um direito próprio, pode ser provado por qualquer meio de prova, com exceção da prova testemunhal e da prova por presunções; havendo documento que constitua princípio de prova do acordo simulatório, pode o sentido deste ser complementado ou integrado por qualquer meio de prova, inclusive testemunhal; se invocado por terceiros, abrangendo-se neste conceito os herdeiros legítimos ou testamentários que ajam no exercício de um direito próprio, bem como os herdeiros legitimários e os legatários, pode ser provado por qualquer meio.

No caso em apreço, as Autoras surgem na ação como herdeiras da falecida M. E., por direito de representação da mãe de ambas, depois de esta, tendo sido instituída herdeira testamentária da autora da herança, tê-la repudiado (art.ºs 2039.º e 2041.º do Código Civil).

Não sendo herdeiras legitimárias nem legatárias, mas sim herdeiras universais, a sua sujeição às limitações de prova previstas no art.º 394.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil dependerá da questão de saber se exercem na ação um direito próprio ou se, pelo contrário, surgem nos autos assumindo a posição anteriormente ocupada pela autora da herança.

Face à estrutura dada à causa pelas mesmas, parece não restarem dúvidas de que o fazem nesta última qualidade.

Na verdade, subjacente à ação está um conjunto de negócios jurídicos supostamente simulados, que foram celebrados pela Autora da herança e pelos Réus em vida daquela e para prossecução de interesses da mesma, isto é, ocultar os bens e o direito transacionados do seu património para não serem executados por credores.

As Autoras não alegam que com tais negócios a falecida M. E. tenha querido por qualquer forma prejudicá-las a ambas ou à sua mãe, fundando a ação única e exclusivamente no facto de aquela ter agido como agiu, celebrando os negócios em causa para salvaguarda do seu património.

Afigura-se-nos, assim, que as Autoras surgem nesta ação tal como a Autora da herança surgiria se fosse viva, exercendo o mesmo direito que as suas sucessoras pretendem exercer. Aliás, como de certo modo a própria autora da herança acabou por fazer com o processo-crime instaurado ao Réu J. M., que vem mencionado na petição inicial, subjacente ao qual está o mesmo desiderato que as Autoras prosseguem neste processo, isto é o de destruir os negócios celebrados com os Réus.

As Autoras não podem pois ser vistas como terceiros para efeitos de arguição de simulação de tais negócios, o que as sujeita às regras de limitação da prova supra mencionadas, sendo-lhes vedada a possibilidade de prova da simulação invocada por testemunhas ou por presunções.

Tal só não aconteceria se, como vimos, houvesse nos autos algum documento que constituísse princípio de prova da simulação, o mesmo é dizer que tornasse verosímil que, subjacente aos negócios celebrados, houvesse acordos simulatórios.

Tal não é contudo o caso pois que dos autos não consta qualquer documento com tais características.

Na verdade, não há prova documental que reflita ou sugira o estabelecimento de qualquer relação entre a autora da herança e o Réu J. M. que pudesse ter estado na base da realização dos negócios dos autos (…).

Não havendo pois documentos suscetíveis de constituir princípio de prova da simulação, forçoso é concluir que a matéria de facto controvertida, referente aos pressupostos dos acordos simulatórios, não pode ser revelada por prova testemunhal nem por presunções.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas em julgamento não podem pois, por tudo quanto se expôs, produzir qualquer efeito, sob pena de violação do disposto no supra citado art.º 394.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

Chegados aqui, cumpre-nos dizer que a única prova relevante produzida em audiência de julgamento respeitante à matéria de facto controvertida, ficou materializada nos depoimentos de parte dos Réus.

E o certo é que deles não resultou qualquer evidência da simulação, na certeza de que, visando tais depoimentos a confissão dos depoentes, estes não o fizeram (…).

Assim, e porque, relativamente a tais factos, não foi produzido outro elemento de prova suscetível de os atestar e que fosse legalmente admissível, forçoso foi considerar não provados os factos em questão”.

Nenhum reparo temos assim a fazer às considerações expendidas no despacho proferido pelo tribunal recorrido quanto à decisão da matéria de facto (a não ser aderir à sua bem fundada argumentação).
*
Insistem ainda assim as recorrentes de que são terceiras em relação ao acordo simulatório, pretendendo com essa consideração que sejam valorados em termos de prova os depoimentos das testemunhas por si arroladas.

Mas não podemos acolher a tese das recorrentes, como ficou bem demonstrado no despacho transcrito, de que sendo elas sucessoras testamentárias da falecida simuladora, ocupam o seu lugar na invocação da simulação; elas estão exactamente na mesma posição daquela, ao pretenderem anular os contratos celebrados, alegadamente simulados.

E fazem-no na qualidade de herdeiras testamentárias, em representação da sua mãe, que repudiou a herança, pois nos termos dos artº 2039º e 2041º do CC, por força do repúdio, as AA sucedem à autora da herança como suas únicas herdeiras, em representação da mãe, a sobrinha da testadora, T. S., que repudiou a herança, vindo aquelas a ocupar o seu lugar na herança que a sua mãe repudiou.

Ora, a figura da representação traduz-se precisamente na ocupação da posição na sucessão (do herdeiro ou do legatário) daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado (artº 2039º do CC).

Assim sendo, as AA são sucessoras da falecida, apresentando-se nesta acção a substituir a sua falecida tia na “tentativa” de anular os atos praticados. No fundo elas representam a própria simuladora, a quem se opõem os obstáculos de prova legais – prova testemunhal e por presunção judicial.
Ou seja, não sendo terceiras em relação ao negócio simulado, não podem, nos termos do nº 3 do art° 394 do CC, provar o acordo simulatório constante de documento autêntico, por via testemunhal e, consequentemente, também o não podem fazer por presunção judicial (cfr. 351 do CC).
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Fazem ainda apelo as recorrentes ao que vem mencionado no despacho recorrido acima transcrito, de que a proibição prevista no artº 394º do CC deveria ceder quando exista um começo ou princípio de prova escrito, devendo a prova testemunhal ser permitida para interpretar esse documento, convocando para o efeito um documento existente nos autos - a queixa-crime apresentada pela falecida contra os RR no DIAP de Guimarães.

Mas também aqui sem razão.

É certo, como refere Mota Pinto (“Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 2005, p.477, nota 621), que a prova testemunhal seria admissível com propósitos complementadores ou interpretativos daqueles documentos, numa adesão menos restritiva do preceito, desde que haja um documento que constitua princípio de prova, relativamente ao qual se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar o acordo simulatório.

E como refere o mesmo autor noutro local (“Arguição da simulação pelos simuladores, Prova Testemunhal”, Parecer, CJ- 1985-1I1, p.p. 9-15) "Por razões de justiça, entendemos que a existência dum principio de prova por escrito, tal como é definido e aplicado nos sistemas jurídicos francês e italiano, poderá permitir o recurso à prova testemunhal."

Assim, o recurso a tais meios de prova já será admissível se existir documento que torne verosímil a existência de acordo simulatório e com a finalidade de complementar ou interpretar o sentido de tal documento.

Aqui o elemento de prova nuclear e determinante seria o documento, cabendo à prova testemunhal uma mera função de complemento ou de interpretação do sentido do mesmo, assim se salvaguardando o disposto no nº 2 do artº 392º do CC (cfr. no mesmo sentido Mota Pinto e Pinto Monteiro, “Arguição da Simulação pelos Simuladores – Prova Testemunhal”, CJ, X 1985, págs. 593 e ss.; Carvalho Fernandes, “A Prova da Simulação pelos Simuladores”, “O Direito”, 124, 1992, págs. 593 e ss; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, págs. 850 e ss; e Ac. STJ de 17.6.2003, disponível em www.dgsi.pt).

A simulação de negócio jurídico traduz-se, como decorre da definição que dele é dada no artº 240º nº1 do CC, numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada, mediante acordo entre as partes (pactum simulationis) e com o intuito de enganar terceiros (animus decipiendi), vício esse causa de nulidade, conforme nº 2 do mesmo preceito.

No direito anterior ao actual código, era duvidoso que a simulação pudesse ser arguida pelos próprios simuladores, e isto com o argumento de que a ninguém deve ser permitido invocar ou aproveitar a sua própria torpeza ou a torpeza do seu acto.

No entanto, no Assento de 10 de Maio de 1950 a questão foi resolvida, no sentido de que a simulação podia ser invocada pelos próprios simuladores entre si, ainda que fraudulenta. E o actual Código Civil manteve essa doutrina no artº 242º nº1. Pais de Vasconcelos (“Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed.) defende também que “A nulidade emergente da simulação pode ser arguida, segundo o artº 242º do CC pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta, mas não contra terceiros de boa fé. Nas relações dos simuladores um contra o outro não há razão para proteger um em detrimento do outro”.

Todavia, defendem todos os autores citados, que por via do disposto no preceito em análise (artº 394º do CC) aos próprios simuladores é vedado o recurso a testemunhas para a prova, quer do pacto simulatório, quer do negócio real em caso de simulação relativa, e isto quando o negócio aparente (simulado) esteja titulado por documento autêntico ou particular (com especial força probatória).

No entanto, também todos defendem que o alcance da proibição contida no artº 394º nº3 é de fazer excluir o regime geral do nº 1, ou seja o de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, quando for invocada por terceiros. Esta excepção justifica-se pela elevada dificuldade que teriam os terceiros de obterem documentos probatórios da trama simulatória, justamente dada essa sua qualidade.

Mas esta proibição, ainda segundo os mesmos autores, não reveste carácter absoluto. De facto, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo de há muito a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova desse acordo (Carvalho Fernandes in “Estudos sobre a Simulação” pgs. 45 a 75).

E é fazendo apelo a essa prova documental, alegadamente demonstrativa do acordo simulatório, que as recorrentes impugnam a matéria de facto.

Mas como bem se constatou na decisão recorrida, não existe nos autos qualquer documento com esse sentido – como um começo ou princípio de prova do acordo simulatório; um documento que torne verosímil a existência do acordo simulatório.

E não podemos atribuir esse valor probatório à queixa-crime que a falecida M. E. apresentou no dia 31 de dezembro de 2014 contra os RR/recorridos, que veio a correr termos sob o nº 17/15.0T9GMR no DIAP de Guimarães, e que veio a ser arquivada.
Esse documento, contrariamente ao defendido pelas recorrentes, não constitui um princípio de prova do acordo simulatório, mas apenas a prova de que a falecida simuladora pretendeu reagir, ainda em vida, contra o alegado acordo simulado, denunciando os RR nas instâncias criminais, a quem imputava um alegado crime de burla.

Nada mais decorre desse documento além da manifestação de desconformidade da simuladora contra os atos por si praticados, pretendendo vê-los anulados. No fundo, o que ela prendia fazer com a queixa crime apresentada, era o mesmo que pretendem agora as AA fazer contra os RR: reagir contra a alegada nulidade dos contratos, minados, segundo elas, pela simulação na qual participou a própria simuladora.

Ora, não é a esse tipo de documentos que a doutrina e a jurisprudência se referem, para sustentarem um princípio de prova do acordo simulatório. Há-de tratar-se de um documento emitido pelos próprios simuladores donde possa inferir-se que eles estavam a fazer um acordo simulatório, de modo que esse documento possa vir mais tarde a ser por eles usado para provar que não quiseram nenhum negócio (ou quiseram outro diferente do simulado). É aí que a doutrina e a jurisprudência aceitam que a prova testemunhal possa ser admitida, não para provar o acordo simulatório, mas para auxiliar na interpretação desse documento, que por si só não é suficiente para provar a simulação.
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Nenhum reparo temos assim a fazer à decisão proferida sobre a matéria de facto (dada como não provada), por absoluta ausência de prova da mesma, sendo assim de manter na íntegra toda a matéria de facto (provada e não provada).
Improcedem, assim, todas as conclusões de recurso da apelante.
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E perante a matéria de facto provada (e não provada), consideramos que a decisão recorrida não poderia ser outra que não a que foi proferida.
Aliás, a discordância das recorrentes prendia-se apenas com a discordância quanto à matéria de facto – como decorre do relatório deste acórdão e sobretudo das conclusões de recurso das apelantes -, que a ser alterada poderia levar à alteração da decisão no sentido por elas pretendido, o que não aconteceu.

Assim sendo, e respeitando o disposto no artº 608º, nº2, do CPC (ex vi do nº2, do artº 663º, do mesmo diploma legal), não se nos impondo tecer quaisquer considerações atinentes à bondade e acerto da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, concluímos pela improcedência da apelação e pela confirmação da decisão recorrida.
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DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelas recorrentes.
Notifique
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Sumário do acórdão:

I- O acordo simulatório que conste de documento autêntico não pode ser provado por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo.
II- Sendo as AA sucessoras testamentárias da falecida simuladora, por direito de representação da sua mãe que repudiou a herança, elas ocupam o lugar da simuladora na invocação da simulação, pelo que não são consideradas terceiras para efeitos de arguição da simulação.
III- A proibição prevista no art.º 394.º do Código Civil não é absoluta e deve ceder (no entendimento da doutrina e da jurisprudência) no caso de existir um documento que constitua um começo ou princípio de prova da simulação, sendo nesse caso admissível prova testemunhal para auxiliar na interpretação desse documento.
IV- Não tem esse valor probatório a queixa-crime que a falecida simuladora apresentou contra os RR; esse documento apenas comprova que a falecida simuladora pretendeu reagir, ainda em vida, contra o alegado acordo simulado, denunciando os RR nas instâncias criminais, a quem imputava um alegado crime de burla.
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Guimarães, 10.7.2019