Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6825/17.0T8VNF.G2
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO (PEAP)
INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Tendo já sido proferida sentença que declarou a insolvência á data da admissão do processo especial para acordo de pagamento, nos termos do artº 222º-E- nº6 CIRE, deverá concluir-se já não poder prosseguir o processo especial para acordo de pagamento, ocorrendo causa de impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

J. B., Requerente nos presentes autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento (CIRE), veio interpor recurso de apelação da decisão proferida em 6/3/2018, a fls. 42/43 dos autos, que declarou “dar sem efeito o despacho de admissão de processo especial para acordo de pagamento e extinguir a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE. “

O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida imediata, e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

1. No dia 23/10/2017, a recorrente deu entrada de Requerimento tendo em vista a sua submissão a um Processo Especial para Acordo de Pagamento;
2. No dia 25/10/2017, foi proferido despacho de não admissão do PEAP;
3. No dia 16/11/2017, a recorrente interpôs recurso do despacho de não admissão do PEAP;
4. No dia 21/11/2017, o recurso interposto foi admitido por legal e tempestivo;
5. Em 25/01/2018, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o qual revogou o despacho de não admissão do PEAP e ordenou a admissão do mesmo;
6. No dia 22/02/2018, o Tribunal a quo proferiu despacho a admitir o PEAP e a nomear Administrador Judicial Provisório;
7. No dia 26/02/2018, o Tribunal a quo solicitou informações aos autos de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF, que correm termos no T.J. da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de V. N. de Famalicão - Juiz 3, no intuito de saber se a recorrente havia sido declarada insolvente e se tal decisão já havia transitado em julgado;
8. No dia 01/03/2018 foi comunicado pelos citados autos de insolvência aos presentes autos, que a recorrente havia sido declarada insolvente através de decisão datada de 18/01/2018, mas que a mesma não havia transitado em julgado uma vez que a recorrente havia interposto recurso da mesma;
9. Não obstante a informação prestada e o Acórdão proferido pelo TRG, o tribunal a quo proferiu em 05/03/2018 despacho a ordenar a extinção do PEAP por impossibilidade superveniente da lide;
10. No Juízo de Comércio de V. N. de Famalicão - Juiz 3, correm termos os autos de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF, no qual a recorrente e marido detiveram a posição de requeridos;
11. A petição inicial de insolvência deu entrada em juízo no dia 26/06/2015;
12. No dia 14/03/2016, o marido da recorrente, após ter sido devidamente citado, deduziu oposição;
13. No dia 17/11/2016, a aqui recorrente, por ter requerido ao benefício do apoio judiciário, deduziu também ela oposição.
14. A oposição do marido da recorrente foi admitida, tendo a da aqui recorrente, sido julgada extemporânea e desentranhada dos autos em 25/10/2017;
15. Desta decisão a recorrente interpôs recurso em 17/11/2017, o qual se encontra em apreciação.
16. No referido processo, mesmo constando nos autos a oposição do marido da recorrente, não foi realizado julgamento tendo sido proferida sentença que declarou insolvente a aqui recorrente e respetivo marido, datada de 16/01/2018;
17. Dessa decisão, a recorrente e seu marido interpuseram recurso no dia 09/02/2018, o qual também se encontra em apreciação.
18. No momento em que a recorrente deu entrada de Requerimento tendo em vista a sua submissão a um PEAP - 23 de Outubro de 2017 -, não havia sido declarada insolvente no Processo n.º 5483/15.1T8VNF;
19. No dia 25/10/2017, foi proferido despacho de não admissão do PEAP apresentado pela recorrente;
20. A Recorrente interpôs recurso, tendo no dia 25/01/2018, o TRG proferido Acórdão, no sentido da revogação do despacho de não admissão do PEAP e admissão do mesmo;
21. No dia 22/02/2018 foi proferido pelo tribunal a quo despacho a admitir o PEAP e a nomear Administrador Judicial Provisório;
22. Os efeitos da admissão do PEAP têm de retroagir à data do despacho que inicialmente não admitiu o mesmo - 25/10/2017 -, sob pena da decisão proferida pelo Tribunal Superior no âmbito do recurso interposto, não ter qualquer validade e efetividade na esfera jurídica da recorrente e consequentemente não ter qualquer efeito prático.
23. De igual modo, com a prolação da sentença de insolvência no Processo n.º 5483/15.1T8VNF (em 16/01/2018), ainda não transitada em julgado, assim como, com o Acórdão proferido em 25/01/2018 a ordenar a revogação do despacho que não admitiu o PEAP, deveriam todos os atos praticados que interfiram com a decisão proferida pelo TRG, ter sido dados sem efeito e consequentemente, o PEAP prosseguir os seus termos;
24. Com a admissão do PEAP, no dia 25/10/2017, o processo de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF, deveria ser suspenso e eventualmente extinto aquando da sua aprovação e homologação;
25. Este entendimento é o que decorre do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito dos cidadãos à efectividade das sentenças proferidas;
26. Para que haja efetividade da decisão proferida pelo TRG, o processo de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF deveria ter sido suspenso;
27. Só assim se cumprirá com o direito constitucionalmente consagrado dos cidadãos, à efetividade das sentenças proferidas, e só assim tal decisão irá produzir efeitos na esfera jurídica da recorrente.
28. Um entendimento contrário violaria de forma grave, a própria segurança e certeza jurídica dos cidadãos decorrentes da nossa vivência num Estado de Direito, livre e democrático.
29. Este é o entendimento perfilhado a nível jurisprudencial nas diversas áreas do Direito.
30. Os efeitos da decisão do recurso para além de retroagirem à data da decisão recorrida, anulam todo o processado posterior, nos presentes autos, seguindo-se a tramitação correta do PEAP;
31. Esta decisão proferida pelo TRG, tem efeitos de autoridade de caso julgado perante terceiros.
32. O Acórdão proferido pelo TRG que revogou o despacho de não admissão do PEAP, irá produzir tanto efeitos nos presentes autos, como em todo o processado no âmbito da insolvência n.º 5483/15.1T8VNF;
33. Em suma, deve ser anulado todo o processado posterior a 25/10/2017, nos autos de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF e, consequentemente, ser tal processo declarado suspenso;
34. Mesmo que fosse considerada a data do novo despacho de admissão do PER proferido pelo tribunal a quo (22/02/2018), este teria sempre que ser admitido, uma vez que apesar de existir sentença de declaração de insolvência, a mesma ainda não havia transitado em julgado.
35. Também neste caso o Acórdão proferido pelo TRG, tem efeitos de autoridade de caso julgado perante terceiros, e também neste caso, o Acórdão proferido pelo TRG que revogou o despacho de não Admissão do PEAP, irá produzir tanto efeitos nos presentes autos, como em todo o processado nos autos de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF;
36. O Tribunal a quo, com a decisão proferida, violou o disposto nos artºs 220º-A e ss, 222º-E, nº 6, 222º-C, nº 4 do CIRE e ainda, os artºs 20º, nº 1, 4 e 5 e 268º nºs 4 e 5 da CRP.

TERMOS EM QUE,

- deve proceder-se à revogação do douto despacho que determinou a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide;
- deve ser admitido o PEAP e, consequentemente, ser suspenso e anulado todo o processado nos autos de insolvência n.º 5483/15.1T8VNF, após a data de admissão do PEAP

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:

- reapreciação da decisão recorrida que declarou “dar sem efeito o despacho de admissão de processo especial para acordo de pagamento e extinguir a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE. “

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito )

I.1. Veio a apelante J. B., Requerente nos presentes autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento (CIRE), interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 6/3/2018, a fls. 42/43, que declarou “dar sem efeito o despacho de admissão de processo especial para acordo de pagamento e extinguir a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE”, nos termos e pelos fundamentos expostos nas alegações e conclusões do recurso de apelação.

Defende a apelante que no momento em que deu entrada de Requerimento tendo em vista a sua submissão a um PEAP - 23 de Outubro de 2017-, não havia ainda sido declarada insolvente no Processo n.º 5483/15.1T8VNF, e, assim, conclui que os efeitos da admissão do PEAP têm de retroagir à data do despacho que inicialmente não admitiu o mesmo - 25/10/2017 -, sob pena da decisão proferida pelo Tribunal Superior no âmbito do recurso interposto, não ter qualquer validade e efetividade na esfera jurídica da recorrente e consequentemente não ter qualquer efeito prático, e, de igual modo, com a prolação da sentença de insolvência no Processo n.º 5483/15.1T8VNF (em 16/01/2018), ainda não transitada em julgado, assim como, com o Acórdão proferido em 25/01/2018 a ordenar a revogação do despacho que não admitiu o PEAP, deveriam todos os atos praticados que interfiram com a decisão proferida pelo TRG, ter sido dados sem efeito e consequentemente, o PEAP prosseguir os seus termos, defendendo a apelante que o Acórdão proferido pelo TRG que revogou o despacho de não admissão do PEAP irá produzir efeitos tanto nos presentes autos, bem como em todo o processado no âmbito da insolvência n.º 5483/15.1T8VNF, por efeitos de autoridade de caso julgado perante terceiros.

Sem razão, porém.

Como dispõe o artº 621º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, mais dispondo o artº 620º-nº1, do citado código, que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

Nos autos foi no dia 25/10/2017, proferido despacho de não admissão do PEAP apresentado pela requerente, e, tendo esta interposto recurso de tal decisão do Tribunal de 1ª instância, veio a ser proferido o Acórdão de 25/01/2018, no sentido da revogação do despacho de não admissão do PEAP e de admissão do mesmo, reportando-se, assim, os efeitos de tal decisão do TRG, tão só, aos termos processuais dos autos em curso, tendo-se com a mesma formado caso julgado formal nos termos do artº 620º-nº1, do citado código, e, recaindo unicamente sobre a relação processual, tem apenas força obrigatória dentro do processo, não produzindo a decisão em referência quaisquer efeitos de caso julgado relativamente aos autos de Processo nº 5483/15.1T8VNF, e, tendo o recurso interposto efeito meramente devolutivo por atribuição da lei e assim tendo sido admitido ( cfr. despachos de fls. 20 e 24 ), só após a data do seu trânsito produz efeitos nos autos.

E, assim, nestes termos, tendo já sido proferida sentença que declarou a insolvência da requerente á data da admissão do processo especial para acordo de pagamento em curso, despacho este de 23/2/2018, a fls. 38/9, datando aquela sentença de 16/1/2018, proferida nos autos de P. Insolvência nº 5483/15.1T8VNF, nos termos do artº 222º-E- nº6 CIRE, o qual dispõe que “Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere o nº3 do artigo 222º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento”, deverá concluir-se já não poder prosseguir o processo especial para acordo de pagamento, ocorrendo causa de impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação, devendo manter-se a decisão recorrida, na parte em que se julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE.

DECISÂO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, na parte em que se julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) CPC ex vi artigo 17º CIRE, nos termos acima expostos.


Custas pela apelante.
Guimarães, 28 de Junho de 2018

Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira