Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
274/16.5T8CHV-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
ALTERAÇÃO DA PARTILHA
PROPRIEDADE DOS BENS PARTILHADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2º SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A sentença padece da nulidade de omissão de pronúncia quando o juiz se não haja pronunciado sobre as questões que as partes lhe coloquem, quer as formais, quer as que respeitam ao mérito da causa, e/ou não tenha conhecido de todos os pedidos que hajam sido formulados e de todas as excepções que tenham sido invocadas.
II – Em princípio uma sentença só constitui título executivo depois de transitada em julgado, ou seja, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. Pode, porém, a sentença ser executada se, estando dependente de recurso, a este tiver sido fixado efeito meramente devolutivo.
III – A partir do trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha a propriedade dos bens partilhados fica a pertencer ao herdeiro a quem foram adjudicados, direito de propriedade que se considera ter sido adquirido na data da abertura da herança, ou seja, na data do óbito dos autores da herança.
IV – A relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal em processo de inventário destina-se a dar a conhecer aos herdeiros o objecto da sucessão, isto é, o conjunto de bens que integravam o património do autor da herança à data em que faleceu, e por isso é que eles têm de ser identificados tal como existiam no património deste.
V – Se a partilha tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança ela é nula quanto a essa parte, sendo-lhe aplicável o que se dispõe sobre a venda de bens alheios, ficando aquele a quem tiverem sido atribuídos os bens com o direito a ser indemnizado pelos co-herdeiros na proporção dos respectivos quinhões hereditários, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 2123.º, do C.C., mesmo se o bem alheio pertencer a algum ou alguns dos herdeiros.
VI – Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida: i) se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; ii) na falta de acordo, em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; iii) pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada).
Decisão Texto Integral: A) RELATÓRIO

I.- J deduziu oposição à execução de sentença, para entrega de coisa certa, que lhe move o exequente A, confirmando ter exercido as funções de cabeça-de-casal nos autos de inventário n.º 232/09.6TBMTR, e conservar ainda na sua posse uma arma de caça de dois canos, calibre 12, fabrico Mendi Scoop, descrita na verba n.º 2 e um par de brincos, identificados na verba 1, que foram adjudicados ao Exequente e que ainda lhe não entregou porque este nunca lhos pediu. Nega, porém, que esteja de posse dos demais bens que a este foram adjudicados, designadamente, os relacionados sob as verbas n.os 4, 6, 7 e 8 da relação de bens. Alega ainda que a gargantilha e a aliança identificadas na verba 1 foram furtadas, há mais de 25 anos, à mãe do Exequente (Inventariada), a charrua descrita sob verba n.º4 foi vendida pelo Inventariado (pai do Exequente) a M, e os restantes bens móveis identificados na verba n.º 4 encontram-se depositados no logradouro da casa do próprio Exequente, e os bens identificados nas verbas 6, 7 e 8 estão todos na casa do mesmo Exequente.
No que concerne ao bem imóvel, relacionado sob a verba n.º 13, alega o Oponente que, para além do armazém, também lhe pertence um terreno adjacente, que faz parte integrante do dito armazém, e que há mais de vinte anos se encontra delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol, sendo ele, Executado/Oponente que desse prédio misto retira todas as utilidades e suporta os respectivos encargos, dia após dia, sem interrupção nem hiato, à vista de toda a gente e com conhecimento de público, incluindo do Exequente, sem oposição de ninguém, com intenção de exercer um direito próprio e sem consciência de ofender direito alheio.
Por último requer a condenação do Exequente como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a € 2.500,00, por invocar factos que sabe não corresponderem à verdade, formulando uma pretensão cuja falta de fundamento não ignora com o único propósito de conseguir um objectivo ilegal.
Notificado, o Exequente contestou, impugnando a factualidade alegada pelo Oponente, e reafirmando que os bens que constituíam a herança, nos quais licitou, encontravam-se na posse deste, cabeça-de-casal, o qual se vem recusando a entregar-lhos, alegando que eles lhe pertencem e vem ainda impedindo-o de aceder ao prédio rústico da verba n.º 13. Mais alega que, quanto a este prédio, o próprio Oponente/Executado, como cabeça de casal no Inventário, foi quem elaborou e apresentou a relação de bens e nela apenas ressalvou “o armazém pertencente ao cabeça-de-casal”. Impugna, dizendo-os falsos, os factos vertidos nos itens 13.º a 19.º da oposição, recusando que, quer o terreno onde foi construído o armazém, quer o terreno adjacente, tenham sido adquiridos pelo Executado por usucapião.
Mais pede a condenação do Oponente como litigante de má fé, acusando-o de invocar factos que sabe não corresponderem à verdade, com o fim de conseguir objectivo ilegal, pedindo ainda que a indemnização seja fixada em montante não inferior a € 2.000,00 (dois mil euros).
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a oposição à execução improcedente “absolveu o Exequente/Oponido da instância, determinando-se o prosseguimento da execução”, e absolveu ainda “as partes do pedido de condenação da parte contrária como litigante de má fé”.
Inconformado, traz o Executado/Oponente o presente recurso pedindo a revogação da sentença.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito suspensivo, posto que foi prestada caução.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
**
II.- O Oponente/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:

1. A douta sentença é omissa quanto aos seguintes factos alegados pela Embargante:
“não está, nem nunca esteve, na posse dos bens que constituem as verbas 1 (à exceção de um par de brincos), 4, 6, 7 e 8 da relação de bens, e que foram adjudicados ao Oponido”;
“apenas tem na sua posse a verba nº 2 (uma arma de caça de dois canos, calibre 12, fabrico Mendi Scoop) e um par de brincos identificados na verba 1”;
“quanto a estes [...] apenas ainda não os entregou ao Exequente porque este nunca lhos pediu”;
“contudo, estão, como sempre estiveram, à disposição do Oponido para que os levante na casa do Oponente no dia e hora que quiser”;
“quanto aos restantes bens móveis, foi o próprio Oponido que os indicou como pertencentes à herança, mas [...] nunca estivera, na posse do Opoente”;
“tal como é do perfeito conhecimento do Oponido, a gargantilha e a aliança identificados sob a verba 1 foram furtadas à Inventariada (mãe do Exequente) há mais de 25 anos; a charrua descrita sob a verba nº 4 foi vendida pelo Inventariado (pai do Exequente) ao Sr. M, conhecido por “LIM” de Aldeia Nova; os restantes bens identificados sob a verba 4 encontram-se depositados no logradouro da casa do próprio Exequente; os bens identificados sob as verbas 6, 7, e 8 estão todos na casa de habitação do Exequente”;
“o Opoente não está na posse do prédio identificado sob a verba 13 da relação de bens, adjudicado ao Exequente no inventário a que os autos se reportam e que vem descrito no requerimento inicial como “prédio rústico [....] com exceção única do armazém [...]”;
“o armazém ali referenciado como pertencente ao cabeça-de-casal (o ora Oponente) não [é] constituído apenas pela parte edificada, senão também por um terreno adjacente que dele faz parte integrante e que, há mais de vinte anos se encontra delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol”;
“é este terreno que [...] o Exequente pretende que lhe seja entregue no presente processo [...];
“o Oponente possui e apenas possui [...] um prédio misto composto de armazém/estábulo, com portas frontais a Norte e portas laterias a Este e Oeste, e de logradouro com a área de 0,24 hectares [...]”,
2. e também quanto a um conjunto alargado de factos relativos à posse animo domini do armazém referido na verba nº 13 da relação de bens elaborada no inventário cuja sentença homologatória de partilhas constitui o título executivo, e do logradouro que faz parte integrante desse armazém.
3. Tais factos não constam da matéria provada nem da matéria não provada, o que ofende o disposto no artº 607º, 4, CPC.
4. Aliás, a douta sentença não enuncia um único facto não provado.
5. Os factos omitidos são essenciais para a definição do direito do Exequente à entrega dos bens:
- seja porque o Exequente apenas pode exigir a entrega coativa de bens de quem os tenha na sua posse;
- seja porque, quanto aos bens que estão na posse do Executado, é essencial saber a quem se deve imputar a mora da respetiva entrega, o que passa por determinar o lugar da prestação e, portanto, por apurar se o credor – no caso, o Exequente – exigiu a entrega no lugar próprio e se o devedor – no caso, o Executado –, tendo-lhe sido exigida a entrega em moldes regulares, a recusou, ou se tem o direito de recusar a entrega dos bens em local diverso do seu domicílio – artº 772º, 1, CC –;
- seja porque é indispensável identificar com rigor o prédio adjudicado ao Exequente e a exata composição e delimitação do armazém que não integra o prédio descrito na verba nº 13 do inventário, como dela consta;
- seja porque os factos conexos com a posse animo domini do logradouro daquele armazém são imprescindíveis para o identificar, bem como para identificar o prédio adjudicado ao Exequente.
6. Esta omissão implica a nulidade da sentença prevista na primeira parte da al. d) do nº 1 do artº 615º, CPC.
7. Ademais, a douta sentença confunde a questão da exequibilidade da sentença com aqueloutra, muito distinta, da ocorrência de factos extintivos ou modificativos do direito declarado.
8. O Embargante não alegou nem pretendeu demonstrar a existência de qualquer facto modificativo ou extintivo do direito do Exequente aos bens, direito que decorre da sua adjudicação através da sentença homologatória da partilha.
9. Pretendeu, isso sim, discutir a inexequibilidade da sentença na dimensão que o Exequente lhe atribuiu, colocando em debate, através dos factos que alegou, a questão – que não foi debatida na fase declarativa do processo – de saber qual o exato conteúdo da obrigação de entrega decorrente do título, sobre quem impende essa obrigação, se está ou não cumprida e, não o estando, de quem é a mora do incumprimento, em especial atento o disposto no artº 772º, 1, CC.
10. Inexequibilidade que constitui, sem margem para dissenso, um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença – artº 729º, a), CPC.
11. A douta sentença assumiu, por outro lado, a premissa inaceitável de que a circunstância de o cabeça de casal estar investido nos poderes de administração da herança implica, ispso facto, ser ele o detentor dos bens que a integram,
12. da qual premissa deduziu a conclusão errada (por ofensiva, i.a., do disposto nos arts 2088º, CC, e 1345º e 1347º do CPC anterior) de que os bens cuja entrega o Exequente exige se encontram na posse do Executado.
13. Ao decidir, ainda por outro lado, que a faixa de terreno cuja entrega o Exequente não fez e se recusa a fazer não integra o armazém referenciado na verba nº 13 da relação de bens, a douta sentença limitou-se a considerar a letra dessa verba, recusando-se a tomar conhecimento de todos os demais elementos interpretativos de que podia e devia ter lançado mão para poder identificar esse armazém e o prédio adjudicado ao Embargado, definindo a respetiva composição e limites,
14. elementos que o Embargante alegou – e, aliás, provou com superlativa abundância – e foram ignorados,
15. e sustentavam o pedido por si formulado e que, também ele, a douta sentença ignorou.
16. Também por isso, a douta sentença incorreu na nulidade prevista na primeira parte da al. d) do nº 1 do artº 615º, CPC.
17. Ainda, porém, que as apontadas omissões não constituíssem nulidade, sempre seria certo que se impunha a revogação da douta sentença, nos termos e com a finalidade previstos a al. b) do nº 2 do artº 662º, CPC.
**
III.- Conquanto ao presente processo, como infra se verá, seja aplicável o Código de Processo Civil anterior (C.P.C.V.), em matéria de recursos é já o Código actual que se aplica, ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, posto que os presentes autos de oposição deram entrada em Juízo em 05/11/2012, e a execução, que tem o n.º 232/09.6TBMTR, é posterior a 01/01/2008.
Assim, e como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil actual, (C.P.C.N.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre conhecer:
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- da exequibilidade da sentença (que homologou a partilha);
- do conteúdo da obrigação de entrega, decorrente desta sentença.
**
B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
Considerou assente que:
1. Por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo de inventário n.º 232/09.6TBMTR que correu termos no Tribunal de Montalegre (extinto), foram adjudicados ao Exequente, nas partilhas os bens que constituem as verbas 1, 2, 4, 6, 7, 8 e 13 da relação de bens apresentada no processo de inventário a que se procedeu por óbito de seus pais MA e JA, a saber: gargantilha, par de brincos e aliança em ouro, arma de caça de dois canos, vários utensílios agrícolas, designadamente grade de 16 discos Gaúcho e charrua, arca frigorífica e aquecedor, 3 camas e 1 quarto completo, incluindo roupeiro, escano, masseira, mesa, 2 caixas de madeira, 3 bancos e 1 trem de cozinha, bem como o prédio rústico, sito nas Pedras de Criande ou Aldeia Nova do Barroso, de cultura arvense de sequeiro, lameiro, pinhal, mato e pastagem, com a área de 206.700 m2, com excepção do armazém, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ….
2. Neste inventário foi cabeça de casal o ora Executado/Opoente J.
3. Uma vez que as partilhas estão findas e como tal o cargo de cabeça de casal já terminou.
4. A relação de bens junta aos autos de inventário identificados em 1) foi elaborada e apresentada pelo Cabeça-de-Casal e o prédio rústico que o interessado/exequente licitou e cuja entrega reclama, foi descrito pelo próprio CABEÇA-DE-CASAL como: «Cultura arvense de sequeiro, lameiro, pinhal, mato e pastagem, sita nas Pedras de Criande ou Aldeia Nova do Barroso, com excepção do armazém pertencente ao cabeça de casal, a confrontar do norte com Estado Português, nascente com Estrada, sul com Albufeira do Alto Rabagão e caminho, descrita no Registo Predial sob a descrição … e inscrita na matriz rústica actual sob o artigo ..., com a área de 206.700 m2….», e foi este prédio que o interessado/exequente, tal como descrito, licitou, sendo este mesmo prédio, tal como descrito, que o Tribunal lhe adjudicou.
5. Adjacente ao dito armazém existe um terreno delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol.
6. No requerimento executivo que deu origem aos autos principais o Exequente nomeou à penhora os seguintes bens: Verbas nºs 1, 2, 4, 6, 7, 8 e 13 da relação de bens apresentada no processo de inventário a que se procedeu por óbito de seus pais MA e JA, a saber: gargantilha, par de brincos e aliança em ouro, arma de caça de dois canos, vários utensílios agrícolas, designadamente grade de 16 discos Gaúcho e charrua, arca frigorífica e aquecedor, 3 camas e 1 quarto completo, incluindo roupeiro, escano, masseira, mesa, 2 cx madeiras, 3 bancos e 1 trem de cozinha e ainda o prédio rústico, sito nas Pedras de Criande ou Aldeia Nova do Barroso, de cultura arvense de sequeiro, lameiro, pinhal, mato e pastagem, com a área de 206.700 m2, com excepção do armazém, inscrito na matriz sob o artigo 5646, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ….
**
V.- Alegando que a sentença em mérito é omissa quanto aos factos que fez constar das conclusões 1. e 2., e que tais factos “são essenciais para a definição do direito do Exequente à entrega dos bens”, argui o Apelante a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. – omissão de apreciação de uma questão que devia ter sido apreciada.
E alegando que os supra referidos factos pretendem pôr em causa a inexequibilidade da sentença e não a modificação ou a extinção do direito, defende que a sentença enferma do vício acima referido por não ter equacionado esta questão.
Pela referência que faz aos art.os 615.º e 607.º, n.º 4, por os factos supramencionados não constarem “da matéria provada nem da matéria não provada”, evidencia o Apelante ter olvidado que, como já constava de um despacho proferido nos autos em 06/03/2014 (cfr. fls. 127), que indeferiu a prova por declarações de parte, e, acertadamente, o Tribunal a quo fez constar do parágrafo que serve de intróito à sentença, aos presentes autos de oposição à execução aplica-se ainda o C.P.C. anterior (C.P.C.V.), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961, com as posteriores alterações, já que o requerimento inicial da oposição entrou em Juízo em 05/11/2012.
Com efeito, nos termos do n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que contém as normas transitórias relativas à acção executiva, “O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei”.
A enumeração, que é taxativa, das causas de nulidade da sentença, constava do art.º 668.º do C.P.C.V..
Dentre elas, e para o que ora interessa, cumpre ter presente a omissão de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer – cfr. 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do referido art.º 668.º - que foi a invocada pelo Apelante,
Esta nulidade pressupõe que o juiz se não haja pronunciado sobre as questões que as partes lhe coloquem, quer as formais, quer as que respeitam ao mérito da causa, e/ou não tenha conhecido de todos os pedidos que hajam sido formulados e de todas as excepções que tenham sido invocadas.
É que o n.º 2 do art.º 660.º do C.P.C.V. expressamente impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, apenas excepcionando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra.
Refere o S.T.J. no Ac. de 29/11/2005, que a resposta à dificuldade em saber o que deve ser entendido por questões de que se deve conhecer, “tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no (…) acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005)” (ut Proc.º 05S2137, Cons.º Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt).
Ainda acerca deste dever pronunciou-se ANTUNES VARELA escrevendo: “Como corolário da consagração do sistema da justiça pública e no intuito de conseguir que as decisões judiciais, além de conterem a solução jurídica dos pleitos possuam força de convencimento, quer junto dos litigantes, quer, em geral, dos membros da comunidade, exige-se que o julgador seja completo na apreciação das questões submetidas pelas partes”, e prossegue, “Entende a doutrina que, se o autor alicerça a sua pretensão em duas ou mais causas de pedir, tratando-se de cumulação pura e simples ou simultânea – quer dizer, sem que as relacione um nexo de disjunção ou condicionalidade -, o juiz, embora considere a acção procedente com fundamento numa delas, não fica dispensado de apreciar as restantes, sob pena de incorrer no vício de omissão de pronúncia e correspondente nulidade. Diversamente, porém, quando se possa interpretar a petição inicial no sentido de as várias causas de pedir serem formuladas em alternativa ou ver no fundamento não analisado uma questão apresentada a título eventual relativamente ao que veio a constituir objecto de conhecimento” (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 119.º, pág. 142).
Ora, como já acima se referiu, aplicando-se aos presentes autos o C.P.C.V., a elaboração da sentença não tem de obedecer ao disposto no art.º 607.º do actual C.P.C. e antes ao art.º 659.º daquele Código.
Com o que, em matéria da decisão de facto, o juiz apenas está obrigado a “discriminar os factos que considera provados”, aqui se devendo incluir “os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal … deu como provados” – cfr. n.os 2 e 3 do referido art.º 659.º do C.P.C.V..
Consequentemente, não constando da sentença a facticidade referida pelo Apelante, a única ilação que se poderá retirar daí é a de que o Tribunal a quo a considerou não provada.
Sem embargo, a Sentença não deixa de abordar a facticidade invocada pelo Apelante, no capítulo da “Fundamentação de Direito”, justificando a sua irrelevância para a decisão: “… consubstanciando o título executivo dado à execução uma sentença, o executado apenas pode invocar factos extintivos ou modificativos da obrigação ocorridos após o encerramento da discussão no processo de declaração e se provasse por documento (art. 814.º, alínea g) do Código de Processo Civil).
E continua “Assim sendo, facilmente se constata que os factos alegados, designadamente a invocada usucapião, não consubstancia qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação que tivesse ocorrido após o encerramento da discussão no processo declarativo, pelo que tais factos não podem ser atendidos na presente oposição.”.
Ora, face à factualidade apurada, entendemos que, caso o Executado/Opoente não tivesse na sua posse os bens móveis que relacionou, deveria ter efectuado tal ressalva na relação de bens que apresentou, na qualidade de cabeça de casal, nos autos de inventário por óbito de seus pais.
Com efeito, se entendia que os mesmos não existiam ao tempo da relação de bens, não os deveria ter relacionado, não se percebendo a alegação no douto articulado de oposição quando refere que “(…)a gargantilha e a aliança identificadas na verba 1 foram furtadas, há mais de 25 anos, à mãe do Exequente (inventariada), a charrua descrita sob verba n.º 4 foi vendida pelo inventariado (pai do Exequente) a M (…)”; se entendia que os bens móveis estavam na posse do seu irmão, ora exequente, deveria ter feito tal menção na relação de bens e pedido a sua entrega nesses autos de inventário pois é o cabeça de casal responsável pela guarda e administração dos bens da herança, local próprio para discutir as questões relacionadas com a partilha.
Assim sendo, tendo exercido o cargo de cabeça de casal, tendo relacionado os bens móveis nos termos supra dados como provados, os quais foram licitados pelo Exequente e ao mesmo adjudicados por sentença transitada em julgado, dúvidas não subsistem que tem o Exequente o direito à sua entrega na presente execução.”.
E relativamente ao trato de terreno da verba n.º 13, ficou ainda referido: “Em face do exposto e tendo em consideração o teor da sentença que se executa nos autos principais de execução, dúvidas não subsistem, pelo menos para nós, que a parcela de terreno delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol adjacente ao dito armazém não pertence ao Executado por fazer parte da verba n.º 13 que foi licitada e adjudicada ao Exequente, por sentença transitada em julgado, nos autos de inventário por óbito dos pais de Exequente e Executado.
Não pode proceder a invocação da usucapião relativamente a tal faixa/parcela de terreno adjacente ao armazém a que se vem aludindo pois tal consubstanciaria uma forma de por em causa o teor de uma sentença sem ser através dos mecanismos próprios de recurso, ofendendo-se, deste modo, o caso julgado.”.
Destes extractos da Sentença se retira que o Tribunal a quo tomou posição quanto à facticidade invocada, enquadrando-a num dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, taxativamente enumerados no art.º 814.º do C.P.C.V..
Destarte, não enferma do vício que o Apelante lhe aponta, julgando-se, consequentemente, improcedente a arguição da nulidade de omissão de pronúncia.
**
VI.- O art.º 640.º do C.P.C.N. impõe diversos ónus ao recorrente que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto, cujo incumprimento determina a rejeição do recurso.
Deste modo, para além da indicação inequívoca dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (alínea a), do n.º 1), deve o recorrente indicar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (alínea b), do n.º 1), mais devendo apresentar o seu projecto de decisão: "A “ecisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, nos termos da alínea c).
O n.º 2 contém ainda um quarto ónus, consistente na indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso.
Ora, referindo na conclusão 14. ter alegado e provado “com superlativa abundância” os “factos ignorados”, o Apelante não concretiza minimamente os meios probatórios que impunham decisão diversa da proferida, sendo as conclusões e mesmo as alegações totalmente omissas quanto a esta parte.
Muito embora o art.º 662.º, n.º 1 do C.P.C.N., atribua à Relação o poder vinculado de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente, quando a prova produzida impusr decisão diversa, o que pressupõe o poder de investigação oficiosa, a que alude a alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º do referido Cód., posto que o ónus da indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida (alínea b)), (assim como o projecto de decisão), tem a sua ratio na auto-responsabilização do recorrente e no cumprimento efectivo do dever de cooperação (que é triangular: as partes entre si, as partes com o tribunal, e o tribunal com as partes), não sendo cumprido, impõe-se aplicar a cominação prevista, rejeitando o recurso quanto a esta parte.
Com efeito, estando em discussão nos autos direitos de natureza disponível, não pode o Tribunal substituir-se às Partes e reapreciar oficiosamente toda a prova.
O que, de resto, ganha maior acuidade na situação sub judicio já que, como acima se referiu, (pelo menos de modo expresso) não vem requerida a reapreciação da prova.
**
VII.- Cumpre agora abordar a questão da exequibilidade da sentença homologatória da partilha.
1.- Os requisitos de exequibilidade das sentenças vêm referidos no art.º 47.º do C.P.C.V., aí se estabelecendo o princípio geral de que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado.
Considera-se que uma sentença transitou em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, de acordo com a noção vertida no art.º 677.º do C.P.C.V..
A única excepção prevista é a de a sentença estar ainda dependente de recurso que tenha efeito meramente devolutivo. Neste caso, se a execução se tiver iniciado na pendência de recurso, extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva, nos termos que vêm pormenorizadamente regulados nos n.os 2 a 4 do art.º 47.º do C.P.C.V. (cfr. art.º 704.º do actual C.P.C.).
Ora, na situação sub judicio, é pacífico que já (há muito tempo) transitou em julgado a sentença que homologou a partilha, sendo, por isso, inequívoco estar preenchido o requisito de exequibilidade acima mencionado.
2.- Questão que mereceu algumas reflexões, motivadas pela terminologia do Código anterior ao de 1961, mas é agora pacífica, é a da força executiva da sentença homologatória de uma transacção ou da partilha judicial.
Para ALBERTO DOS REIS, no conceito de “sentenças de condenação”, então usado, estavam abrangidas “todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade” (in Processo de Execução”, vol. 1.º, 3.ª ed., Reimpressão, pág. 127).
E também EURICO LOPES-CARDOSO referia que “Nem só as sentenças que condenem são títulos executivos. Podem servir de base à acção executiva - … mesmo as sentenças proferidas em juízo não contencioso, como as meramente homologatórias de partilhas, e as proferidas em juízo contencioso, que se limitem a homologar confissões, transacções ou conciliações”, concluindo que “Para que a sentença ou o despacho possam basear acção executiva não é preciso … que condenem no cumprimento duma obrigação; basta que essa obrigação fique declarada ou constituída por eles” (in “Manual da acção executiva”, ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, págs. 42-43).
Já mais recentes, também JOSÉ LEBRE DE FREITAS (A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, págs.51-52) e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (in Curso de Processo de Execução, 13.ª ed., 2010, pág. 26) referem as sentenças homologatórias da partilha como integrantes no conceito de “sentenças condenatórias”, por, como refere este último, “serem entre nós, também sentenças condenatórias, sem prejuízo dos actos das partes que lhes subjazem estarem sujeitos a um regime específico de impugnação, como negócios jurídicos que são”.
É este o entendimento constante na jurisprudência, podendo referir-se, precisamente quanto ao exercício do direito de exigir a entrega dos bens adjudicados em partilha, o Ac. da Rel. do Porto de 09/06/2011 (ut Proc.º 4216/08.3 TBVNG-A.P1, in www.dgsi.pt), e ainda o Ac. da Rel. de Lisboa de 02/07/2013, no qual se decidiu que a sentença homologatória da partilha “constitui título executivo para o efeito de um dos herdeiros exigir a entrega dos bens que na partilha lhe foram adjudicados e tem a natureza de sentença condenatória (artigo 46.º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil)” pelo que ocorrendo acordo de todos os herdeiros relativamente à adjudicação dos bens “a sentença homologatória da partilha assume o cariz combinado de acto judicial assente na vontade das partes, participando, nessa medida, da mesma natureza da sentença homologatória da transacção.” (ut Proc.º 369-C/2002L1-7, Desemb. Graça Amaral, in www,dgsi.pt).
E, finalmente, decidiu o Ac. da Rel. de Lisboa de 26/11/1992, fundando-se em doutrina e jurisprudência que cita, que, ficando fixado, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, “o direito dos interessados, nomeadamente aos bens que lhes foram adjudicados”, e, assim, reconhecida a propriedade exclusiva sobre os bens, aquela sentença “servirá de título executivo para obter a entrega, por este meio se forçando o cabeça de casal “a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito (que) aquela sentença definiu por forma definitiva, cessada que está a administração da herança que até aí lhe competia - artigos 2079 do Código Civil e 1382, do CPC - e uma vez que é ele que está na posse dos bens.” (ut Proc.º 0068172, Desemb. António Abranches Martins, in www.dgsi.pt).
3.- Admitindo ter ainda na sua posse dois bens móveis adjudicados ao Exequente (uma arma, relacionada na verba n.º 2, e um par de brincos, que integra a verba n.º 1), defende o Apelante não lhe poder ser imputada a mora da entrega por não ter sido apurado que “o credor exigiu a entrega no lugar próprio”, e ele, Apelante, “tendo-lhe sido exigida a entrega em moldes regulares, a recusou, ou se tem o direito de recusar a entrega dos bens em local diverso do seu domicílio – art.º 772.º, 1, CC” (conclusão 5.).
Ressalvado o respeito devido, são insubsistentes os fundamentos que o Apelante invoca para justificar a sua inacção quanto à entrega dos bens que sabe não lhe pertencerem, e conhece perfeitamente quem é o dono.
É que a partir do trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha a propriedade dos bens partilhados ficou a pertencer ao herdeiro a quem foram adjudicados, direito de propriedade que se considera ter sido adquirido na data da abertura da herança, ou seja, na data do óbito dos autores da herança, como se alcança do disposto nos art.os 2119.º e 1317.º, alínea b) do C.C..
E se até à partilha o Apelante, enquanto cabeça-de-casal, tinha legitimidade para reter os referidos bens no seu domínio, atentas as funções de administração de que estava investido, que lhe davam o poder de exigir a sua entrega dos demais herdeiros ou de terceiro, contra os quais podia usar de acções possessórias – cfr. art.os 2079.º e 2088.º, do C.C. - essas funções cessaram com o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha.
Deste modo, e como acertadamente refere o Tribunal a quo, o Apelante, cabeça-de-casal, tinha o dever legal de, espontaneamente, e sem necessidade de, sequer, lhe ser solicitado, entregar a cada um dos herdeiros os bens que lhes foram adjudicados em partilha, porque o direito de propriedade é um direito absoluto, impõe-se erga omnes, e, portanto, também ele, Apelante, estava obrigado a respeitar, tanto mais que teve intervenção pessoal no acto jurídico de aquisição desse direito, não tendo já legitimidade material para os reter consigo, visto terem cessado as suas funções de administração.
Quanto ao lugar onde deve ser feita a entrega, posto que não estamos perante uma obrigação contratual não tem aplicação o invocado art.º 772.º, n.º 1 do C.C..
**
VIII.- Alega ainda o Apelante que “não está nem nunca esteve, na posse dos bens que constituem as verbas 1 (à excepção de um par de brincos), 4, 6, 7 e 8 da relação de bens”, alegando que foi o próprio Exequente “que os indicou como pertencentes à herança, mas nunca estiveram na sua posse”, alegando ainda que “a gargantilha e a aliança foram furtadas à Inventariada há mais de 25 anos … e a charrua … foi vendida pelo Inventariado (…)”.
Mais alega que o armazém referido na verba n.º 13, “não é constituído apenas pela parte edificada, se não também por um terreno adjacente que dele faz parte integrante e que há mais de vinte anos se encontra delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol”.
Ainda que se não possa retirar desta facticidade o efeito pretendido pelo Apelante, visto não ter saído provada, não deixaremos de tecer algumas considerações posto que o mesmo Apelante suscita diversas questões que com ela se relacionam, suscitando a questão “do conteúdo exacto da obrigação de entrega decorrente do título” (conclusão 9).
1.- Como se sabe, o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária quando duas ou mais pessoas sejam chamadas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que pertenciam a esta – cfr. art.os 2024.º do C.C. e 1326.º, n.º 1 do C.P.C.V. (actualmente o disposto nos art.os 7.º e 8.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).
A relação de bens, por sua vez, destina-se a dar a conhecer aos herdeiros o objecto da sucessão, isto é, o conjunto de bens que integravam o património do autor da herança e por isso é que eles têm de ser identificados tal como existiam no património deste - cfr. art.º 1345.º do C.P.C.V..
No acervo hereditário, como escreveu LOPES CARDOSO, “compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão” (in “Partilhas Judiciais”, Almedina, vol. I, 3.ª ed., pág. 410).
Tendo como fim essencial a distribuição fiel e equitativa, de acordo com os parâmetros legalmente estabelecidos, do património de uma herança, não devem ser levados à partilha bens que a não integrem.
É que se a partilha tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança ela é nula quanto a essa parte, sendo-lhe aplicável o que se dispõe sobre a venda de bens alheios, ficando aquele a quem tiverem sido atribuídos os bens com o direito a ser indemnizado pelos co-herdeiros na proporção dos respectivos quinhões hereditários, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 2123.º, do C.C., disposição que, como decidiu o S.T.J. no Ac. de 30/09/2003, tem aplicação às situações em que o bem alheio pertença a algum ou alguns herdeiros (in C. J., Acs. do S.T.J., ano XI, Tomo III/2003, págs. 69-71).
Como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, aplicando-se a favor do co-herdeiro, ao qual foram adjudicados os bens de terceiro no preenchimento da sua quota, o regime da nulidade da venda de bens alheios, a satisfação dos seus interesses, se tiver agido de boa fé, poderá passar pelo direito a uma indemnização pelos danos que sofreu, perante aquele que procedeu com dolo, nos termos do disposto no art.º 898.º do C.C. (in “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1998, Vol. VI, pág. 201).
Por isso é que todos os herdeiros estão obrigados a partilhar com os demais os seus conhecimentos sobre a existência e a composição dos bens que integram herança, não lhes sendo lícito ocultá-los.
Ora, na situação sub judicio, se o Apelante tinha conhecimento dos agora invocados furto e venda, tinha por obrigação partilhar esse conhecimento com os demais herdeiros e, enquanto cabeça-de-casal, devia ter recusado levá-los à relação de bens, simplesmente porque, à morte dos autores da herança, já não integravam o património destes.
Contudo, o próprio Apelante não declarou estar impossibilitado de relacionar os referidos bens, por estarem em poder de outra pessoa, e nem desencadeou o incidente referido no art.º 1347.º do C.P.C.V., antes os incluiu na relação de bens, sem qualquer ressalva, destarte aceitando que eles integravam o património dos seus pais à data da morte destes.
Ora, como decidiu o S.T.J. no Ac. de 11/01/2001, “proferida sentença homologatória da partilha não é admissível a alegação de que determinados bens partilhados não pertenciam, afinal, à herança” (in “Sumários”, n.º 47, Ac. proferido no Proc.º 3155/00, 7ª Sec.).
É, pois, insubsistente, o argumento agora brandido pelo Apelante, não sendo, de resto, este o meio processual próprio para decidir da questão – a via a seguir poderia passar pela emenda da partilha.
Tendo sido objecto de partilha, é pressuposto que integravam o património dos autores das heranças (Progenitores do Apelante e do seu irmão Exequente), as quais foram administradas pelo Apelante, o que o torna responsável pela sua entrega ao Exequente, a quem foram adjudicados, responsabilidade que, como é apodíctico, abrange também os demais bens objecto da execução, adjudicados na partilha e que este vem reclamar – refira-se que do acervo factual apurado, para além de não constarem o furto e nem a venda, também não consta que os restantes bens móveis se encontrem nos locais mencionados pelo Apelante.
2.- De acordo com o disposto no art.º 673.º do C.P.C.V., a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Uma vez que, na presente situação a sentença homologou uma partilha de bens, esses limites e termos hão-de ir buscar-se ao mapa de partilha para se determinar quais os bens que ficaram a pertencer a cada um dos herdeiros e à relação de bens para se apurar a descrição desses bens.
Na interpretação da relação de bens, ou melhor, da descrição de cada um dos bens que ela contém, impõe-se recorrer aos princípios estabelecidos nos art.os 236.º e 238.º, do C. C. que consagram a designada “teoria da impressão do declaratário”, segundo a qual o que releva é o sentido que “seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia, daquilo até onde ele podia conhecer, sem prejuízo de se dever ter presente o princípio falsa demonstratio non nocet, consagrado no n.º 2 daquele art.º 236.º - o que conta é a vontade real.
Posto que se trata de interpretar um documento escrito, o sentido da declaração, a que se chega pela via da impressão do destinatário, tem de ter um mínimo de correspondência no texto desse documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se esse sentido corresponder à vontade real das partes, e as razões que determinam a forma do negócio se não opuserem a essa validade, razões que radicam na necessidade de promover a ponderação das partes e satisfazer as necessidades de certeza e segurança do tráfego jurídico e, bem assim, as da prova.
Ora, como ficou provado, o próprio Apelante na descrição que fez da verba n.º 13: prédio rústico, “de cultura arvense de sequeiro, lameiro, pinhal, mato e pastagem …” apenas excepcionou “o armazém pertencente ao cabeça de casal”.
Um armazém identifica-se com uma construção, um edifício.
Era assim que um declaratário normal entenderia aquela ressalva.
Não tem qualquer correspondência com aqueles dizeres a existência de um terreno como parte integrante do armazém, ainda que tal terreno esteja delimitado e vedado através de uma cerca.
Deste modo, a pretensão do Apelante, na justa medida em que constitui uma alteração da descrição do bem em causa, e dela resulta uma diminuição do valor real desse bem, altera a partilha.
Ora, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos art.os 1386.º do C.P.C.V. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; e 1388.º - pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada), todos do C.P.C.V. (dispositivos legais que ficaram transcritos, respectivamente, nos art.os 70.º, 71.º e 72.º do actual regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).
Mantém-se actual a explicitação de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA que, a propósito, escreveu: “Se o conhecimento do erro é anterior à data em que é proferida a sentença … a emenda do erro deve ser pedida no incidente de reclamação do mapa de partilha”. Se o conhecimento do erro é anterior à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha mas posterior à data em que foi proferida tal sentença, tal erro deve ser invocado “no processo do recurso da mesma sentença”. Se o conhecimento do erro é posterior à data do trânsito em julgado da sentença, não havendo acordo de todos os Interessados, a emenda “tem de ser pedida em acção judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro” (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1980, vol. II pág. 373, nota-de-rodapé 1199).
Do exposto resulta que, embora tenha ficado provada a existência do terreno, adjacente ao armazém, “delimitado e vedado através de uma cerca composta de postes, arame e malha sol”, não poderia ser reconhecida a propriedade do Apelante sobre ele, já que daí resultava uma alteração da partilha, que não cabe no objecto deste processo de oposição à execução.
**
Posto que, como ficou referido, se verifica o requisito de exequibilidade da sentença homologatória da partilha, que, como se deixou exposto, não enferma de qualquer nulidade, e o pedido exequendo tem fundamento legal, cumpre confirmar a decisão impugnada, e, consequentemente, recusar provimento à pretensão recursiva que o Apelante formula.
**
C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.

Guimarães, 22/06/2017
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)