Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
569/16.8T8BRG.G1
Relator: ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Descritores: SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA ASSOCIADO A MÚTUO BANCÁRIO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E EXPLICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇAO CÍVEL
Sumário:
1- Nos contratos de seguro de grupo contributivo celebrados por inerência a um contrato de mútuo desenham-se actualmente duas teses relativamente à questão do ónus da prova do cumprimento do dever de informação/comunicação adequada e efectiva das cláusulas do contrato de seguro e sobre as consequências dessa omissão.

2- Na primeira dessas teses, o dever de informação, recai unicamente sobre o tomador do seguro e o seu incumprimento por parte deste não pode ser oponível ao segurador, já que no contrato de seguro de grupo o regime especificamente previsto pelo D.L. n.º 176/95 de 26.07 mormente no seu artigo 4º afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, a que se refere o D.L. n.º 446/85 de 25.10,

3- A segunda defende, que apesar de impender sobre o banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais e especiais do contrato de seguro de grupo ao aderente, conforme decorre do artigo 5.° do RJCCG.

4- O dever de informação impende também e inequivocamente sobre a seguradora por força dos artigos 5º e 6º do DL 446/85 e não podendo esta opor ao aderente as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos que não tenham sido comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado, mesmo quando na ausência de qualquer estipulação contratual em contrário, o dever geral de informação tenha recaído sobre o tomador do seguro.

5- Perante a conjugação/ponderação de interesses e relação complexa inerente a este tipo de contrato, dificilmente se compreende que o facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, signifique que tenha pretendido desonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

6- Também o princípio da boa-fé na formação, celebração e execução dos contratos alicerça a vinculação das seguradoras a deveres de informação, cooperação e lealdade para com o segurado,

7- Verificada a total e definitiva incapacidade do segurado para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades, torna-se indiferente que essa incapacidade seja de 70%, ou de 75%, pelo que a exclusão do segmento indicado da referida cláusula não viola o equilíbrio contratual de forma atentatória da boa-fé ou o equilíbrio das prestações.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Na Comarca de Braga – Juízo Local Cível de Braga –J1-, A. M., residente na Rua de ..., Braga, intentou acção de condenação com processo comum contra A Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A., com sede na Rua …, Lisboa, peticionando, a final, a condenação da ré, a:

a) pagar ao Banco mutuante, actualmente Banco A, S.A., beneficiária da apólice número ..., o capital em dívida do empréstimo contraído pelo Autor e sua esposa, a que a apólice está associada (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par [sic] ulterior liquidação de sentença);
b) pagar ao Autor a quantia correspondente à diferença, à data da verificação do risco, entre o capital em débito da entidade mutuante e o valor dos aludidos seguros (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
c) restituir ao Autor a quantia correspondente às prestações mensais que este teve já de pagar à entidade mutuante, desde a data da participação da verificação do risco (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
d) restituir ao Autor os prémios de seguro que indevidamente recebeu após o vencimento da apólice (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
e) restituir todas as prestações vincendas que o Autor suporte, respeitante ao aludido empréstimo até à data em que a Ré o liquide (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
f) restituir todas as prestações vincendas que o Autor suporte, respeitante ao prémio de seguro até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
g) pagar, a título de indemnização ao Autor, pelo atraso no pagamento do valor seguro, os juros de mora vencidos, calculados às taxas legais sobre as quantias referidas em b), c) e d) supra (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par[sic] ulterior liquidação de sentença);
h) a pagar os juros vincendos sobre as quantias referidas na alínea anterior e sobre todas as prestações que o Autor vier a pagar ao Banco mutuante, por via do empréstimo em causa, até integral e efectivo pagamento do mesmo, e à Ré, a título de prémio do seguro ora em causa (de valor que ainda se desconhece e cujo apuramento se relega para os termos da presente acção e/ou par [sic]ulterior liquidação de sentença).”

Alega, para fundamentar as pretensões que formula, que celebrou com a R. um contrato de seguro, obrigando-se esta ao pagamento do capital em dívida do empréstimo associado, no caso de verificação do evento previsto no clausulado, nomeadamente incapacidade permanente para o trabalho. Mais alega que, em virtude de doença do foro mental que lhe foi diagnosticada em momento posterior à celebração do contrato, ficou totalmente incapacitado para exercer a sua profissão habitual ou outra, recusando-se a R. no pagamento do valor em dívida relativo ao referido contrato.

O R. ofereceu contestação, por excepção e impugnação.

Excepcionou a ilegitimidade activa do A. para demandar desacompanhado do cônjuge, já que o contrato foi celebrado por ambos, bem como, a cobertura do seguro, por não estarem abrangidas doenças do foro psíquico.

Sustentou ser o Banco A, SA o beneficiário do seguro, e não existir qualquer nulidade, tendo os contraentes sido informados de todas as cláusulas, que aceitaram, e ser desproporcionada a declaração de nulidade da cláusula de exclusão.

O A. deduziu incidente de intervenção principal provocada do cônjuge A. L., vista a intervenção da mesma no contrato de seguro em causa nos autos e do Banco A, S.A, considerando ser o mesmo o beneficiário do seguro.

Tais intervenções principais de A. L. e do Banco A, S.A. foram admitidas e citados os intervenientes, veio o Interveniente Banco A, S.A. apresentar articulado, no qual sustenta terem o A. e a Interveniente conhecimento da falta de cobertura do seguro relativamente às doenças do foro psiquiátrico, como lhes foi explicado e, sem prejuízo, não se verificar a incapacidade no grau previsto nas condições particulares, dando também por reproduzida a contestação oferecida pela R.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que, na procedência da acção, decidiu:

«1) condenar a R. A Seguros – Companhia de Seguros de Vida, SA a pagar ao interveniente Banco A, SA o valor do capital do mútuo em dívida, no dia 23/7/2014, relativamente ao contrato celebrado entre a então Companhia Geral de Crédito Predial, o A. e a Interveniente, com o nº ...3, declarando que o A. e a Interveniente A. L. nada mais têm a pagar ao Interveniente e ao R. por força dos contratos de mútuo e seguro identificados nos autos;--
2) condenar a R. A Seguros – Companhia de Seguros de Vida, SA a restituir ao A. e Interveniente A. L. o valor relativo aos prémios de seguro pagos por estes no âmbito da apólice nº... desde 23/7/2014 até efectiva e integral restituição, valores esses acrescidos de juros, vencidos desde a data em que foram pagos e vincendos até efectivo e integral pagamento, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação;--
3) condenar a R. A Seguros – Companhia de Seguros de Vida, SA a pagar ao A. e Interveniente A. L. o valor relativo às prestações do contrato de mútuo nº ...3 pagas por estes desde 23/7/2014 até efectiva e integral restituição, valores esses acrescidos de juros, vencidos desde a data em que foram pagos e vincendos até efectivo e integral pagamento, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação.
Custas da acção a cargo da R..
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Inconformada com a decisão, dela recorreu a ré, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

«1. Não se conformando com a decisão proferida, nomeadamente no que respeita à aplicação da lei ao caso dos presentes autos, vem a ora Recorrente apresentar as suas alegações de recurso no que concerne a:

· Das Cláusulas Contratuais Gerais e Da sua Comunicação
· Das Cláusulas Contratuais Gerais e Da Nulidade do Contrato
2. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral, a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do seu teor ao aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova- artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho, actual artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril e pelo artigo 342.° do Código Civil.
3. De facto, convém ter presente que o seguro é feito em benefício essencialmente do Tomador (o Banco é o beneficiário essencial) logo é absolutamente excessivo penalizar a seguradora pelo incumprimento praticado por quem, verdadeiramente, é o dono do negócio (o Tomador).
4. É o Banco que negoceia com a Seguradora os termos em que quer o contrato de seguro até para se proteger relativamente aos riscos dos seus empréstimos.
5. É o Banco que, em consequência da sua actividade, informa os clientes (futuros segurados) da necessidade de aderirem a um seguro em seu próprio benefício.
6. É o Banco que determina quem pretende ou não incluir no contrato de seguro (e não a seguradora que quando muito poderá recusar pedidos de inclusão).
7. É o Banco que recebe o valor em caso de sinistro coberto para ressarcimento dos valores mutuados.
8. Assim, se conclui que o Banco actua por si próprio, em seu próprio nome, no seu próprio interesse, por sua própria conta, como Tomador de Seguro e Beneficiário e é nessa qualidade que ele está obrigado a informar o Segurado do teor das cláusulas contratuais.
9. Assim, não tendo o A. demandado a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser oposta à seguradora demandada a violação do dever de comunicação e informação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais.
10. A primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado.
11. As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação – mas não a liberdade de celebração.
12. A ordem jurídica não podia, na verdade, ficar indiferente aos riscos e abusos que as cláusulas gerais encerram, atendendo à situação de precariedade e de vulnerabilidade em que colocam frequentemente os contraentes aderentes. Essa tutela desenvolve-se, não apenas ao nível do conteúdo do negócio concluído na base de cláusulas contratuais gerais, mas desde logo – compreensivelmente – no momento da formação do contrato.
13. Não está em causa a qualidade do contrato – ou seja o equilíbrio e a razoabilidade dos termos contratuais – mas a qualidade da contratação, i.e., um nível satisfatório de realização de pressupostos informativos e situacionais de formação esclarecida da vontade contratual.
14. Para assegurar a protecção do aderente, a lei disponibiliza um disciplina especial que faz depender a inserção das cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares de um dever de comunicação ao aderentes dessas cláusulas e de um dever de informação sobre o seu alcance (artºs 5 e 6 da LCCG).
15. Ora, e conforme já exautivamente supra se expôs, no caso em concreto, o dever de comunicação das cláusulas era do tomador de seguro – Banco.
16. A inobservância destes deveres é sancionada com a sua expurgação do contrato singular concreto de seguro celebrado, que, em princípio, subsistirá mediante o recurso às normas supletivas integradoras gerais (artºs 8 e 9 da LCCG).
17. O contrato, porém, não subsistirá se, apesar da aplicação das normas supletivas ou das regras de integração dos negócios jurídicos, se verificar uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais desse mesmo contrato ou um desequilíbrio nas prestações, gravemente atentatório da boa fé, hipótese em que o contrato se deve ter irrefragavelmente nulo (artº 9 nº 2 da LCCG).
18. No caso, pergunta-se: essa exclusão implica uma indeterminação, em absoluto insanável ou insuprível dos elementos essenciais do contrato de seguro, que implique a declaração da sua nulidade e o estabelecimento entre os contraentes de uma relação de liquidação? A resposta que se tem por exacta é positiva.
19. Ora, uma das grandes “traves mestras” da actividade seguradora assenta precisamente na análise do risco e na consequente adequação dos prémios de seguro às circunstâncias concretas de cada caso, de modo a que seja possível assegurar uma razoável proporcionalidade entre o risco assumido pelo segurador, e o prémio de seguro a suportar pelo tomador.
20. Esta relação entre o risco a assumir pela companhia de seguros e o prémio a suportar pelo tomador, configura precisamente uma das características principais do contrato de seguro: trata-se de um negócio jurídico bilateral, na medida em que dele resultam obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes.
21. Assim, não obstante a clara tendência de se sacrificar a posição contratual das Seguradoras, no pressuposto de que estas figuram, na verdade, como sendo o “lado forte” do contrato, na medida em que, em regra, encontram-se numa posição economicamente mais favorecida, não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, ainda que não contratados, no pressuposto que estes possam ser inerentes à celebração de um contrato de seguro.
22. Nesta medida, e ressalvando novamente o devido respeito, que é muito, a condenar-se a ora Recorrente no pagamento dos montantes indemnizatórios peticionados pelo Recorrido considerando a exclusão em apreço nula, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.
23. Assim, e pelo que se acaba de referir, seria gravemente atentatório da boa-fé e equilíbrio das prestações manter o contrato em questão com exclusão de cláusulas essenciais para a validade do mesmo.
24. Isto porque, o que se pretendeu com a cláusula em causa nos presentes autos foi definir a invalidez total e permanente por critérios diversos dos que definem invalidez absoluta e definitiva e por critérios diversos dos que regem, por exemplo, a atribuição de reforma por invalidez pela Segurança Social ou por qualquer outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou ainda qualquer classificação oficial de inválido para outros fins, por exemplo, para efeitos de IRS ou acidentes de trabalho.
25. Sendo certo que, ao contrário do que é referido na sentença de que ora se recorre, não se exige uma situação de estado vegetativo da pessoa, exige-se, sim, uma incapacidade igual ou superior a 75% e uma situação de incapacidade total e definitiva para o exercício de uma profissão remunerada.
26. Na verdade, se é dada ao segurado a opção de escolha entre uma cobertura de invalidez absoluta e definitiva e uma cobertura de invalidez total e permanente é porque entre elas existe alguma diferença, não só no que respeita ao valor a liquidar pelo prémio de seguro como, consequentemente, pelos critérios necessários para o preenchimento da referida cobertura, que serão, numa questão de senso-comum, tanto mais restritivos quanto menor o prémio a liquidar.
27. Não podendo, por isso, ficar a cobertura do contrato de seguro, livremente escolhida, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto, a finalidade e a livre opção do acordo firmado.
28. Ou seja, ainda que, possa considerar-se o segurado a “parte mais fraca” na relação segurado/seguradora, não poderemos, sob a alçada de tal argumento, penalizar a seguradora por uma escolha que foi do segurado, tendo o mesmo livremente optado pela cobertura mais restritiva por forma a liquidar um prémio de seguro mais diminuto.
29. No que tange aos fins intencionados pela seguradora, temos que ela visa obter uma retribuição pelo facto de assumir o risco, ou seja, a eventualidade de vir a ter de indemnizar o segurado ou o beneficiário do seguro. Donde, tal retribuição (prémio do seguro) deve estar correlacionada com a maior ou menor possibilidade de o risco vir a concretizar-se. Assim, na perspectiva da ré, seria, claramente, atentório da boa-fé, como já supra se expôs, impor-lhe o pagamento de uma indemnização para a qual não recebeu o respectivo prémio de seguro, quando tal escolha foi do segurado.
30. Face a tudo quanto antecede, e para efeitos do disposto no art. 639º do CPC, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal de primeira instância não fez uma correcta aplicação da Lei, nomeadamente no que respeita ao DL 72/2008 e Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos já supra expostos, devendo, por isso, ser alterada a decisão proferida e de que ora se recorre.»
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O autor A. M., apresentou contra-alegações, nas quais, em súmula, pugna pela manutenção da decisão por se mostrar firmemente fundamentada na matéria de facto provada nos autos e não merecer qualquer reparo; não ter o recorrente cumprido com a prescrição prevista no n.º 2, do art. 639º do C.P.C. e não ser possível acolher o entendimento que a Recorrente agora sustenta, sobre a quem incumbia o dever de informar, por tal violar o princípio da proibição das decisões-surpresa, consagrado no art.º 3º, n.º 3 do C.P.C., já que nunca antes invocado ou discutido.

O Banco (A) em apreço é interveniente principal nos presentes autos, onde apresentou articulado e até dá por reproduzida a contestação da Recorrente seguradora, sendo certo que assistia / assiste à Recorrente a faculdade de provocar a intervenção do Banco e de o chamar a responder nos termos gerais da responsabilidade civil contratual, pelo que nada impede que lhe seja oposta a violação do dever de comunicação e informação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais.

Que a Recorrente, na sua contestação – sem nunca nada referir quanto a quem pretensamente cabia informar o Segurado do teor das cláusulas contratuais, nem promover a intervenção do Banco e / ou o chamar a responder nos termos gerais da responsabilidade civil contratual – define o Banco A como beneficiário do contrato de seguro, impondo dessa forma que o Recorrido tivesse de suscitar a intervenção principal provocada daquele para assegurar a sua legitimidade, bem como aduz expressamente que ao A. (Recorrido) foram devidamente informadas e explicadas todas as cláusulas contratuais do contrato de seguro, o que equivale à assunção de que lhe cabia tal tarefa, incorrendo em flagrante abuso do direito (art. 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.

Por fim, alega que a Recorrente não fez juntar aos autos a integralidade do contrato de seguro, pelo que não lhe é possível demonstrar que não há em tal contrato cláusula que preceitue que a obrigação de comunicação pertencer à mesma, não tendo outrossim, demonstrado que não deu causa à circunstância que ocasiona a exclusão dessas mesmas cláusulas.

Sustenta, por último, que a exclusão das cláusulas em apreço nos presentes autos não gera qualquer desequilíbrio contratual entre as partes, muito menos um que determine a nulidade do contrato, já que ao invés, a manutenção de tais cláusulas (as que visam a exclusão do risco inerente às doenças do foro psiquiátrico), que são abusivas e atentatórias da elementar boa-fé contratual, é que geraria significativo desequilíbrio contratual entre as partes, atribuindo uma injustificada vantagem ao predisponente (Recorrente) que, na prática esvazia a utilidade do seguro, que, sendo de conhecimento oficioso, aqui invoca.
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O interveniente Banco A, S.A apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido, alegando, em súmula, que a Ré seguradora não conseguiu sequer provar que tivesse, pelo menos, remetido aos segurados as condições gerais do contrato de seguro; a falta de prova do cumprimento dos deveres de informação e comunicação, não pode ser exclusivamente imputada ao Banco tomador, por não ser da sua exclusiva responsabilidade, e como tal não pode justificar a total desvinculação da Ré seguradora.

Conclui que não pode colher a argumentação da Recorrente, no sentido de que não lhe cabiam quaisquer deveres de informação para com os segurados/aderentes, e que como tal qualquer violação a esse respeito era exclusivamente imputável ao banco tomador.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
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Face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

– ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas num contrato de seguro de grupo contributivo e âmbito de imputação da omissão de informação;
- saber se as consequências da omissão desse dever de informação por parte do tomador são oponíveis à seguradora;
– aferição da violação do equilíbrio contratual das partes com a exclusão das cláusulas, não comunicadas, do contrato.
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III – Fundamentação fáctica.

A factualidade a ter em conta para a apreciação e decisão do recurso consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte:

« a) No dia 14 de Dezembro de 1999, o A. e a interveniente A. L. celebraram com a então Companhia Geral de Crédito Predial, actual Banco A, S.A. o contrato de mútuo, com hipoteca, nº ...3, nos termos constantes do documento junto à petição com o nº 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 1º da petição inicial)-
b) O valor do empréstimo então efectuado pelo aludido Crédito Predial ao Autor e esposa foi de 9.000.000$00 (nove milhões de escudos), contravalor em euros de 44.891,80€ (quarenta e quatro mil oitocentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos), sendo acordado um prazo de amortização de duzentos e cinquenta e dois meses. (artigos 2º e 3º da petição inicial)--
c) Tal mútuo destinava-se à construção ou beneficiação do imóvel a seguir descrito, traduzido em habitação própria e permanente de A. e interveniente sito em ..., Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo ... (…) – que deu origem ao actual artigo urbano … (...) – e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o número …. (artigo 4º da petição inicial)-
d) Na sequência do aludido contrato, o Autor celebrou com a Ré, um contrato de Seguro de Vida Grupo, associado ao empréstimo referido nos arts. 1 a 4 supra, titulado através da apólice nº …, conforme consta do certificado nº 128969, nos termos vertidos no documento junto à petição com o nº 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 5º da petição inicial)-
e) Nos termos do contrato de seguro de vida referido no item anterior, a Ré assumiu a obrigação de, em caso de morte, invalidez total e permanente por doença ou acidente do segurado, pagar à entidade mutuante – então Crédito Predial, actual Banco A, S.A. – o capital em dívida do referido empréstimo contraído pelo Autor segurado e sua esposa, com o limite do capital seguro. (artigo 6º da petição inicial)--
f) Em inícios de 2002, foi confirmado ao Autor o diagnóstico de psicose esquizofrénica. (artigo 7º da petição inicial)--
g) Sendo este, desde então, sido seguido, no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga. (artigo 8º da petição inicial)--
h) Desde 2014 que o Autor denota uma evolução da doença, com deterioração das capacidades cognitivas e executivas. (artigo 9º da petição inicial)-
i) Foi atribuída ao A. uma incapacidade multiuso de 70%.(artigo 11º da petição inicial)--
j) O Autor está já reformado por invalidez. (artigo 12º da petição inicial)--
k) Desde pelo menos 27 de Julho de 2014, que o A. está em consequência directa e necessária da sua doença, total e definitivamente incapacitado. (artigo 13º da petição inicial)--
l) Não podendo exercer a profissão de estofador ou outra que entendesse prosseguir da mesma natureza. (artigo 13º da petição inicial)--
m) Como resultado da referida doença, o Autor ficou com a sua capacidade de concentração, força física, destreza e equilíbrio – físico e psíquico –diminuídas. (artigo 16º da petição inicial)--
n) Em 4 Setembro de 2014, a R. comunicou ao A. que o sinistro do aqui Autor não se encontra coberto ao abrigo das condições gerais do Seguro de Vida Grupo, nos termos constantes do documento junto à petição com o nº 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 21º da petição inicial)--
o) O Autor continuou, até à presente data, a pagar ao Banco mutuante as prestações que mensalmente se vêm vencendo respeitantes ao referido empréstimo. (artigo 29º da petição inicial)--
p) E os prémios de seguro. (artigo 31º da petição inicial)--
q) O contrato de seguro de vida, titulado pela apólice nº … e certificado individual nº 128969 inicialmente celebrado com a M. Confiança tinha, nomeadamente, como coberturas contratadas a morte e invalidez total e permanente, tendo, posteriormente, transitado para a ora Ré com as mesmas condições contratuais, nos termos constantes do documento nº 2 junto à contestação da R. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 7º da contestação da R.)--
r) Tais contratos de seguro de grupo tiveram como beneficiário o Banco. (artigo 8º da contestação da R.)--
s) Em 1 de Agosto de 2014 o A. participou à ora Ré um sinistro, no qual informou encontrar-se totalmente incapacitado para a profissão habitual e para o trabalho em geral. (artigo 20º da contestação da R.)--
t) Nos termos das condições do contrato: “…a Pessoa Segura será considerada em situação de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente: a) Se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades; b) Seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão. (artigo 24º da contestação da R.)—
u) O A. e a interveniente apuseram as respectivas assinaturas no documento junto à contestação com o nº 2 denominado “Plano de Seguros Habitação”, do qual consta que: “Para efeito da adesão ao presente Contrato de Seguro, declaro:1. Ter tomado conhecimento do teor das Condições Gerais, Especiais e Particulares dos seguros a que aderi e que me foram presentes por escrito e redigidos em língua portuguesa, com os quais estou de acordo.” (artigo 25º da contestação da R.)—
v) Nos termos das Condições Gerais da apólice se seguro subscrita: “III.RISCOS EXCLUÍDOS 3. Adicionalmente e no que respeita à garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente, não são objecto de cobertura, ficando também excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devidos a: a) Perturbações neurológicas e epilépticas de que a Pessoa Segura seja portadora; b) Perturbações ou danos do foro psíquico, de qualquer natureza; c) Doenças resultantes do consumo de álcool, de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes fora de prescrição médica”. (artigo 29º da contestação da R.)--
w) O capital em dívida à data da participação do sinistro (01.08.2014) era de € 21.933,71 (vinte e um mil novecentos e trinta e três euros e setenta e um cêntimos). (artigo 51º da contestação da R.)--
x) O valor das prestações liquidadas desde dia 01.08.2014 até à presente data é de € 5.972,18 e o valor dos prémios de seguro de vida liquidados após a mesma data é de € 476,82. (artigo 52º da contestação da R.)--
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B) Factos não provados:

1) Permanecer em pé por reduzidos períodos de tempo, deixa o A. exausto e obrigado a repousar por um período de várias horas, sob pena de desfalecimento. (artigo 17º da petição inicial)--
2) Não consegue vestir-se sem o auxílio da cônjuge, necessitando face à desorientação espacial, de recorrer à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária. (artigos 15º e 18º da petição inicial)-
3) Em inícios de 2014 o valor em dívida do mútuo era pelo menos de 21.400,58€ (vinte e um mil quatrocentos euros e cinquenta e oito cêntimos). (artigo 22º da petição inicial)—
4) As cláusulas reproduzidas em t) e v) foram explicadas ao A. e à interveniente, tendo-lhes sido entregue cópias dos documentos contendo as mesmas. (artigos 24º e 32º da contestação da R.)--
5) Bem como lhes foram explicadas e entregues as restantes cláusulas contratuais. (artigo 25º da contestação da R.)—
6) O A., não solicitou, após ter recebido as condições da apólice do seguro subscrito, e no prazo estipulado, à Ré qualquer esclarecimento no que diz respeito ao mesmo, ou sequer às cláusulas gerais e especiais do contrato celebrado. (artigo 34º da contestação da R.)
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IV. Fundamentação de Direito:

Como se evidencia das alegações e conclusões do recurso interposto pela ré seguradora, não está em causa a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada na sentença, com a qual se conformou, mas tão só o enquadramento jurídico nesta efectuado para condenação da ré nos pedidos formulados pelo autor, sendo que como se evidencia das conclusões de recurso, não se vislumbra fundamento para dar como não cumprido o ónus previsto no artigo 639º do CPC, para além do mais, considerando que as contra-alegações evidenciam ter sido objectivamente percepcionado o sentido pugnado pela recorrente quanto à interpretação que faz das normas convocadas na sentença.

As partes não discutem a qualificação do contrato como de seguro de grupo contributivo negociado entre a seguradora e o banco interveniente, ao qual os AA. aderiram para garantia de pagamento do empréstimo (mútuo com hipoteca) que contraíram junto do interveniente Banco A, SA (à data Crédito Predial, SA) e em benefício deste mesmo banco.
O A. e interveniente aderiram ao contrato de seguro de grupo titulado pela apólice n.º ..., com data efeito a 1/01/2000 (doc.4 da PI), adesão aceite pela seguradora na vigência do DL 176/95 de 26.07 e do D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro.

Está também isenta de discussão a inquestionável natureza de contrato de adesão daquele pelo qual o A. e interveniente se obrigaram no âmbito do seguro de grupo, destinado a um número indeterminado de clientes, e, assim, se constituíram segurados, sem possibilidade de discutirem as condições gerais e as condições especiais da apólice.

Na verdade, o seu processo de formação apresenta especificidades, na medida em que as suas cláusulas não são negociadas com o segurado, que se limita a aderir ao contrato em bloco. Estes contratos são, portanto, contratos de adesão, cuja formação ocorre em dois momentos distintos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predeterminado pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que traçam o seu conteúdo: o segurado, por decorrência do vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato já fixado.

Está, portanto, tal adesão abrangida pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, mormente dos seus artigos 5º e 6º que assim prescrevem:

«1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.».
Estabelecendo-se no artigo 6º : «1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.»

Da factualidade prova resulta que por via desta adesão ao seguro a R. obrigou-se a, em caso de morte, invalidez total e permanente por doença ou acidente do segurado, pagar à entidade mutuante – então Crédito Predial, actual Banco A, S.A. – o capital em dívida do referido empréstimo contraído pelo Autor segurado e sua esposa, com o limite do capital seguro – alínea e) dos factos- e que na vigência do seguro – em 2002 – foi o A. diagnosticado com psicose esquizofrénica, estando desde 23/7/2014 reformado por invalidez, tendo-lhe sido atribuído um grau de incapacidade de 70%. Provou-se ainda que o A. está total e definitivamente incapacitado para exercer a sua profissão habitual ou outra da mesma natureza (equivalente esforço físico e intelectual).— alíneas f) a m)-.

Nos termos do ponto II. 2. c) das condições do contrato: “…a Pessoa Segura será considerada em situação de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente: a) Se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades; b) Seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão”.

Por seu turno, nos termos das Condições Gerais da apólice de seguro subscrita: “III.RISCOS EXCLUÍDOS 3. Adicionalmente e no que respeita à garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente, não são objecto de cobertura, ficando também excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devidos a: a) Perturbações neurológicas e epilépticas de que a Pessoa Segura seja portadora; b) Perturbações ou danos do foro psíquico, de qualquer natureza…»
Nesta conformidade, e considerando os factos vertidos na sentença, passemos à análise da argumentação conclusiva do recorrente.

Vejamos:

O contrato de seguro na definição de Moitinho de Almeida, in “Contrato de Seguro”, 23: “É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”.

Considerando que estamos perante um seguro de vida contributivo celebrado por inerência a um contrato de mútuo que os A.A. haviam celebrado com o interveniente Banco A, SA (à data, Crédito Predial), no âmbito do qual o A. e interveniente mulher alegaram que não foram previamente explicadas as cláusulas gerais do contrato - não tendo a ré e interveniente logrado a prova de o terem feito, conforme pontos 4 e 5 dos factos não provados - e que, como tal, devem aquelas aqui em causa – relativas aos requisitos da incapacidade e quanto à exclusão das doenças psiquiátricas – ser declaradas nulas, por abusivas e desproporcionais, sustenta a apelante que o ónus da prova do cumprimento do dever de informação / comunicação adequada e efectiva das cláusulas do contrato de seguro reside no tomador do seguro, ao abrigo do disposto pelo artigo 4º do D.L. n.º 176/95 de 26.07, não lhe podendo ser imputada a omissão de tal dever de informação.

Que dizer:

Como bem se salienta na sentença proferida, esta questão, com especial melindre dado o reflexo na pessoa do aderente, tem vindo a ser alvo de amplo debate na nossa jurisprudência, firmando-se, em consequência do mesmo, duas teses primordiais:

- a primeira dessas teses, ao que cremos, maioritária, sustenta que o dever de informação, mormente sobre as coberturas e exclusões contratadas, recai unicamente sobre o tomador do seguro e o seu incumprimento por parte deste não pode ser oponível ao segurador, não implicando, portanto, a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos.

Sustenta, ademais, que no contrato de seguro de grupo o regime especificamente previsto pelo D.L. n.º 176/95 de 26.07 mormente no seu artigo 4º ao prescrever que incumbe ao tomador do seguro o dever de informação dos segurados afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, a que se refere o D.L. n.º 446/85 de 25.10, no que com aquele é incompatível e designadamente no que tange à aludida definição dos sujeitos do dever de informar. (1)

Tem por base o entendimento de que os normativos previstos no D.L. n.º 176/95 seriam lei especial e, como tal, prevaleceriam, afastando-o, sobre o regime geral previsto no DL 446/85, isentando assim a seguradora do dever de informação que primordialmente lhe incumbiria.

- a segunda tese defende, que apesar de impender sobre o banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais e especiais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do RJCCG. (2)
Os argumentos relativos a cada uma das teses em confronto mostra-se devidamente explicitado na sentença, no seguimento que aí se faz do Ac. R.P. de 21.01.2016 in www.dgsi.pt, nos termos que passamos a transcrever:

Relativamente à primeira das teses « …- O Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril, que veio regular o regime jurídico do contrato de seguro (e substituir o DL nº 176/95) continuou a prever tal responsabilização (art.ºs 78º, nºs 1 e 3);--

- Não está legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro;---
- O regime especificamente previsto pelo Decreto-lei nº 176/95, 26 de Julho, para o contrato de seguro de grupo, afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais;---
- Trata-se de um regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, que se sobrepõe naturalmente ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente. No seguro de grupo este dever está legalmente colocado a cargo do tomador de seguro, pelo que em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, por falta de fundamento normativo, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes;--
- A admitir-se a responsabilização da seguradora pela omissão de um dever de comunicação que obriga o tomador, veria aquela ampliado o leque dos riscos contratados com o banco/tomador de seguro – e com base nos quais calculava o prémio de seguro devido – não por via de uma conduta que lhe fosse directa e pessoalmente imputável, mas exclusivamente com fundamento no incumprimento culposo de um dever legalmente imposto a outro sujeito, o banco/tomador de seguro;--
- O banco/tomador não atua como comissário ou representante legal ou auxiliar da seguradora (arts. 500º e 800º do Código Civil), e também não é um intermediário ou um angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes;--
- Não há contacto directo, negociação, entre o aderente e a seguradora.-»

Já na segunda, afirma-se em abono da mesma: « - A falta de informação do banco repercute-se necessariamente na R. seguradora, já que a seguradora e o tomador de seguro prosseguem objectivos lucrativos comuns ou complementares, sendo este angariador na celebração do concreto contrato com os autores (crédito à habitação/seguro de vida);--
- Se é o segurado-aderente que contrata em primeira linha com o tomador, é a seguradora que recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, que considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice;--
- Do ponto de vista dos segurados é indiferente saber quem tinha o dever legal de os informar, confiando que tanto a seguradora como o tomador estão obrigados àquele dever e ao cumprimento integral do contrato;--
- O art.º 4º, nº 1, do Decreto-lei nº 176/95 tem por fito dirimir eventuais conflitos entre a seguradora e o tomador, sendo o segurado alheio a esta equação, inferindo-se do preceito, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação;-- Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos art.ºs 5.º e 6.º do Decreto-lei nº 446/85 e resultam directamente do princípio da boa-fé contratual consagrado no art.º 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor;--
- A protecção do aderente enquanto parte mais fraca da relação negocial, desprovida de qualquer poder negocial e princípio de respeito pelos interesses do outro numa ética de cooperação e de solidariedade;--
- Existe uma conexão e interligação funcional entre as várias relações jurídicas em causa, que alteram a fisionomia e a estrutura da relação jurídica entre o banco e a seguradora, regulada em função da protecção dos interesses do aderente.--

Assim, na perspectiva desta posição, se a actuação da entidade bancária na comercialização de um determinado produto financeiro for susceptível de acarretar a exclusão de cláusulas do contrato de seguro, responderá a seguradora perante o segurado pelas consequências daí decorrentes, sem prejuízo de poder, eventualmente, e em momento subsequente, vir accionar o tomador intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado…

Ponderando os argumentos em confronto nas duas teses, desde logo evidenciados na explanação supra, perfilhamos o entendimento subjacente à segunda posição indicada, por mais conforme, em nosso entender, quer com a letra, quer com o espírito da lei.

Neste conspecto, perante a conjugação/ponderação de interesses e relação complexa inerente a este tipo de contrato (3), dificilmente se compreende que o facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, signifique que tenha pretendido desonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Se bem cremos, com o art. 4.º do DL n.º 176/95 o que se pretendeu foi sanar eventuais dúvidas que se colocassem a propósito dos deveres dos Bancos, tomadores do seguro, e resolver conflitos nas relações internas entre bancos e seguradoras quanto aos seus direitos e deveres recíprocos (conforme, aliás, vem evidenciado no preâmbulo do DL 176/95 (4)), mas não afastar, em relação às seguradoras, o regime previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, pilar da defesa do consumidor na ordem jurídica.

Trata-se por conseguinte, citando o acórdão desta Relação de 4.05.2017 do relator João Peres Coelho in www.dgsi.pt, que a propósito refere «de uma regulamentação que, mantendo incólumes os direitos do segurado, nomeadamente a proteção que lhe é conferida pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais no confronto com a sua contraparte no contrato de seguro, define os direitos e obrigações do tomador do seguro e da seguradora no seu relacionamento recíproco.»

Salienta-se ainda de forma elucidativa neste acórdão que: « a própria letra do artigo 4º, n.º 1, do DL 176/95 inculca essa interpretação, na medida em que não diz que o dever de informar recai sobre o tomador - com exclusão, portanto, da seguradora -, mas antes que, “no seguro de grupo, o tomador deve (…) informar (…)”, o que é substancialmente distinto.

E o mesmo se passa com o artigo 78º, n.º 1 do DL 72/2008, onde, antes de reproduzir, ainda que com diferente redação, a disciplina daquele preceito, o legislador teve a preocupação de sublinhar que são aplicáveis no âmbito do seguro de grupo, com as necessárias adaptações, os artigos 19º a 21º, onde se prevê que o segurador deve prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro (leia-se aderente) das condições do contrato, designadamente das limitações e exclusões das coberturas.

Depois, porque é incompreensível que, num domínio tão sensível, em que, na relação triangular que se estabelece, o segurado é, inequivocamente, a parte contratual mais fraca, tendo diante de si, ocupando os restantes vértices do prisma, dois grandes operadores económicos, usualmente um banco e uma seguradora, o legislador, sem o afirmar expressamente, tivesse querido derrogar o regime jurídico instituído, genericamente, para protecção do consumidor no âmbito da contratação em massa e nem sequer tivesse previsto uma sanção específica para a inobservância do dever de informação, mormente nos casos em que sobrevenha um sinistro.»

Mas não só, também o princípio da boa-fé na formação, celebração e execução dos contratos alicerça a vinculação das seguradoras a deveres de informação, cooperação e lealdade para com o segurado, não podendo aceitar-se que a posição privilegiada do banco, devido à circunstância de a subscrição do contrato de seguro se fazer nas instalações deste, possa contudo eximir a seguradora da responsabilidade e dever de enviar ao segurado (e ao Banco), antes da data da aceitação do contrato, a documentação relativa ao mesmo, onde constem todas as cláusulas do contrato e a exima dos demais deveres de informação.

As características destes contratos de seguro de grupo como contratos de adesão, cujas cláusulas o segurado não tem possibilidade de discutir, mas apenas de rejeitar ou aceitar em bloco, bem como a relação jurídica e económica existente entre os Bancos e as Seguradoras, normalmente pertencentes ao mesmo grupo económico-financeiro, como sucede no caso presente, em que o segurado surge, neste equilíbrio contratual, numa posição mais frágil, aliada ainda à dialéctica das relações estabelecidas neste âmbito, em que é a seguradora que recebe o prémio de seguro e que beneficia do mesmo, afastam a nosso ver, com todo o respeito por diverso entendimento, a possibilidade de a mesma se considerar desobrigada do dever de informar o segurado dos critérios de fixação do prémio e demais pressupostos atinentes ao contrato.

Concordamos assim com os argumentos expendidos no Ac. do S.T.J. de 29.11.2016, do relator Fonseca Ramos in www.dgsi.pt, que, pondo a tónica na boa-fé e nas especiais relações complexas subjacentes ao contrato de seguro de grupo contributivo, salienta: « Sendo a boa fé e o desejável equilíbrio das partes no contrato, valores que não podem ser postergados, devendo buscar-se uma interpretação que acolha a equação económica negocial, tendo em vista os interesses nela supostos, cumpre indagar se, sendo o contrato de seguro de grupo um contrato de adesão, no caso contributivo, estando a parte mais fraca – os aderentes ao grupo – entre dois protagonistas muito mais fortes negocialmente (banco e seguradora) com quem tem lidar e, não podendo influir quanto a ambos, no conteúdo dos contratos, se uma interpretação que salvaguarde a protecção do aderente, não será procurar à luz mais intensa da regra da boa fé e da finalidade social e económica da triangulação contratual. ».

Conclui depois que: «A interpretação que protege o consumidor, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora, mas nela tenha intervindo o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação. »

Aqui chegados e delineada a posição que tomamos em relação a esta concreta questão, considerando que o dever de informação impende também e inequivocamente sobre a seguradora por força dos artigos 5º e 6º do DL 446/85 e não podendo esta opor ao aderente as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos que não tenham sido comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado, mesmo quando na ausência de qualquer estipulação contratual em contrário (que no caso se desconhece), o dever geral de informação tenha recaído sobre o tomador do seguro, não se acolhendo, deste modo, a posição sufragada pela recorrente na impugnação que deduziu, importa agora reportar à situação dos autos.

Perante a factualidade dada como provada e não provada na acção, resulta claro não ter a ré (seguradora) ou o interveniente banco (ainda que chamado à acção do lado activo e considerando que este invocou no seu articulado o cumprimento do dever de informação do segurado, aderindo, para além do mais, à contestação da ré, a qual não suscitou em sede própria qualquer questão quanto à sua intervenção noutro âmbito), logrado a prova de terem sido prestadas aos AA., quaisquer informações e esclarecimentos quanto às cláusulas em discussão nos autos, mormente sobre as cláusulas t) e v) dos factos provados, ou a prova de que lhes foram explicadas e entregues as restantes cláusulas contratuais. (pontos 4. e 5. dos factos não provados).

E, perante tais factos, embora na sentença recorrida, se bem percebemos, tenha sido acolhida a primeira das teses em confronto, veio não obstante a considerar-se que, e passamos a citar: « no vertente há a considerar que além de não se ter provado que a R. cumpriu os deveres de informação prévia, explicando as condições gerais aos segurados (sendo que foi alegado o total desconhecimento dessas condições), não se provou, igualmente, que haja a R. remetido ao A. e Interveniente A. L. as ditas condições gerais.

Enfim, somos do entendimento que a desoneração da seguradora há-de verificar-se quando esta prove, pelo menos, que não agiu negligentemente, ou seja, que cumpriu o que, no seu campo de actuação, seria exigível: o envio das condições gerais após a celebração do contrato, o contacto (nem que fosse por carta) com os segurados disponibilizando-se para esclarecer qualquer dúvida, o rigor no recebimento dos boletins de adesão, assim se certificando que os segurados haviam contactado com quem, em caso de sinistro, pudesse assegurar do cumprimento das instruções dadas pela seguradora.— Concluímos, pois, que a R. não poderia opor a A. e Interveniente a falta de obrigação de informação contratual.»

Ou seja, independentemente da posição que se tome relativamente à questão da oponibilidade ou não à seguradora da falta de informação e esclarecimento devidos ao segurado aderente, pelo tomador do seguro, e como vimos a nossa posição vai no sentido da eficácia da mesma, o que sempre conduziria, no caso vertente, a que a ré não pudesse opor aos segurados as cláusulas de limitação e exclusão da garantia do seguro sobre as quais estes não foram devidamente informados pelo tomador, também não provou que da sua parte tenha havido uma actuação diligente e conforme no âmbito do dever de informação que lhe cabia no seu campo de actuação, ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º daquele DL 446/85.

Na verdade e como bem se refere na sentença: «não lograram R. Seguradora e Interveniente Banco provar que o A. e a Interveniente A. L. hajam sido informados – nos termos que o exigem as normas acima referidas – dos aspectos essenciais do contrato de seguro (note-se que a obrigação da seguradora ou do banco não é uma obrigação de resultado no sentido de que os subscritores conheçam efectivamente e na íntegra as clausulas, mas uma obrigação de meios, no sentido de serem devidamente alertados para as especificidades e que lhes seja conferida efectivamente a possibilidade de tomar integral conhecimento das ditas cláusulas). Com efeito, num seguro desta natureza entendemos que era essencial para o cabal cumprimento do dever de informação que o A. e a Interveniente A. L. tivessem pelo menos sido alertados para as cláusulas de exclusão do risco e da definição dos conceitos relevantes, nomeadamente da incapacidade absoluta. Note-se que a definição adoptada e defendida pela seguradora não é aquela que comummente seria entendida por qualquer consumidor medianamente prevenido, face à exigência cumulativa de requisitos que os tornam desproporcionadamente exigentes. E, por outro lado, não seria igualmente previsível, para o aderente comum, que estivessem excluídas as doenças do foro psiquiátrico, já que, se é verdade que não são as mesmas previsíveis, igualmente tal sucede quanto a outras maleitas.»

Resta por isso votada ao insucesso a impugnação deduzida quanto a esta questão, não podendo a ré seguradora opor aos autores as cláusulas de limitação e exclusão da garantia do seguro que não lhe foram devidamente informadas e mormente a constante da alínea b) do facto provado em t): «seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos para o cálculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão.» e da alínea v) dos factos provados « Adicionalmente e no que respeita à garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente, não são objecto de cobertura, ficando também excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devidos a: a) Perturbações neurológicas e epilépticas de que a Pessoa Segura seja portadora; b) Perturbações ou danos do foro psíquico, de qualquer natureza»., as quais se têm por excluídas do contrato de seguro em causa.
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Vejamos agora o segundo segmento da alegação recurssória, que a apelante designa «Das cláusulas contratuais gerais e da nulidade do contrato»

Sustenta a apelante que a exclusão das cláusulas em apreço violaria o equilíbrio contratual das partes, é atentatório da boa-fé e do equilíbrio das prestações, já que as mesmas são essenciais para a validade do contrato. A sua exclusão conduziria a uma indeterminação, em absoluto insanável ou insuprível dos elementos essenciais do contrato de seguro.

Que o que se pretendeu com a cláusula em causa nos presentes autos foi definir a invalidez total e permanente por critérios diversos dos que definem a invalidez absoluta e definitiva, entre outras, e que a opção do segurado na escolha da cobertura tem reflexos quer quanto ao prémio quer quanto aos requisitos para o preenchimento da cobertura, não sendo exigível impor à seguradora a aceitação de todo e qualquer risco.

Que dizer:

A este propósito consignou-se na sentença de forma elucidativa, que: « O art. 8º do DL 446/85 estipula como consequência para a falta de cumprimento do dever de informação a exclusão das cláusulas não comunicadas do contrato, sendo que o A. e Interveniente pugnam pela exclusão das cláusulas limitativas da responsabilidade quanto aos requisitos da incapacidade e das doenças do foro psiquiátrico, o que, face ao que se apurou quanto à falta de informação das mesmas deverá proceder.—

Prevê, por seu turno, o art. 9º do mesmo diploma, que “1 -Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. 2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.”— A R. defende que a manutenção daquele contrato sem as ditas cláusulas implicará um desequilíbrio inadmissível entre as prestações e o contrato será, pois, nulo.--- Não concordamos com este entendimento.---

Como referimos supra, as exigências em termos de requisitos para a definição do conceito de incapacidade absoluta e permanente eram abusivas, e quase equivaleriam a uma situação de estado vegetativo da pessoa (mais do que isso só a morte) e a exclusão de doenças do foro psiquiátrico não é expectável nem as respectivas particularidades demandam tratamento diferenciado em relação às restantes doenças incapacitantes, nomeadamente em termos de previsibilidade.

Acresce que, como se defende no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/1/2018 (processo nº 2143/15.7T8VCT.G1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrg), a exclusão da cláusula definidora de invalidez total e permanente não afecta o âmago do contrato, já que tal definição pode ser alcançada com recurso às regras de interpretação e integração dos negócios jurídicos (art.s 236º a 238º do Cód. Civil e art. 10º do DL. 446/85). Lê-se naquele Douto Aresto que «pensamos que o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, no caso o Autor, pode deduzir no comportamento do declarante (artigo 236º nº 1) e que tem correspondência com o texto do respectivo documento (artigo 238º nº 1), é que estaria abrangida na cobertura do contrato de seguro por si o seu estado de incapacidade que o deixasse totalmente incapaz de exercer actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência»--

Da mesma forma, não vislumbramos que a declaração de nulidade da cláusula que exclui a garantia relativamente a doenças do foro psiquiátrico desestruture o contrato ou o torne incoerente como um todo.--- Em suma, no caso que nos ocupa, provou-se com segurança a falta de capacidade do A. de exercer actividade remunerada, dentro da sua profissão ou equivalente e, como tal, não podemos deixar de o considerar em estado de incapacidade absoluta para efeitos de garantia do seguro.»

Concordamos inteiramente com o aí exposto, acrescentando-se tão só:

A solução prevista no artigo 8º do Dec. Lei 446/85 é a exclusão das cláusulas que não tenham sido comunicadas.

«Nestes casos, «os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos», sendo, «todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados (...), ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé» (art. 9º, nº 1 e nº 2 do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).

Por outras palavras, «em princípio a invalidade de determinadas cláusulas incluídas em contratos singulares ditaria a não subsistência destes, excepto quando se pudesse operar com o instituo da redução; ele implica a manutenção do negócio sem a parte viciada (art. 292º do Código Civil). Atento aos valores em apreço e com o escopo de não prejudicar o aderente às cláusulas contratuais gerais, optou o legislador pela manutenção dos contratos singulares atingidos. Na parte afectada, devem vigorar, então, as normas supletivas afastadas pelas cláusulas contratuais gerais e, sempre que necessário, com recurso aos critérios genéricos (art. 239º do Código Civil) e específicos (ex: arts. 539º, 542º, nº 2, e 883º do Código Civil) de integração dos negócios jurídicos. Assim dispõe o nº 1.

Porém, no nº 2, são previstas duas hipóteses de não subsistência dos contratos singulares atingidos, determinando-se a sua nulidade. (...) No primeiro caso, verifica-se uma aplicação das normas gerais. Recordemos que o negócio jurídico cujo objecto se mostre indeterminável é nulo, como dispõe o artigo 280º, nº 1, do Código Civil. Ao passo que, no segundo caso, ocorre uma disposição de cautela: a não inclusão, num contrato singular, de apenas alguma ou algumas das cláusulas contratuais gerais para ele previstas, mantendo-se as restantes, pode conduzir a distorções acentuadas na lógica interna dos negócios em causa. Quando daí resulte um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, o contrato é nulo» (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, obra citada, p. 28) (5).

Quanto à interpretação do clausulado do contrato de seguro, vale, conforme é entendimento pacífico o regime geral do Código Civil (arts. 236.º a 239º) com as especificidades decorrentes dos arts. 7.º, 10.º e 11.º do DL. n.º 446/85, de 15.10, a que acresce o disposto nos arts. 8.º e 9.º do DL. n.º 176/95, de 26.07, sobre regras de transparência para a actividade seguradora.

O n.º 1 do artigo 236º do CC estipula: “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

Este artigo, consagra, na primeira parte, a denominada teoria da impressão do destinatário. Dele resulta que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Como escreve Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 311 e 312, na interpretação dos negócios jurídicos prevalece o sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, supondo-o uma pessoa razoável.

A cláusula em análise que define a situação de invalidez total e permanente pressupõe que, em consequência de doença ou acidente, o segurado fique total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades e cumulativamente seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades (parte excluída)..

Analisando a referida cláusula resulta de forma impressiva que para um contraente normal «a invalidez total e permanente para o trabalho» significa, em termos da razão de ser da celebração do contrato de seguro, que em função da doença ou acidente o segurado fique impossibilitado de trabalhar e consequentemente impossibilitado de auferir rendimentos que lhe permitam desde logo, fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.

No caso dos autos o Autor está já reformado por invalidez, está em consequência directa e necessária da sua doença, total e definitivamente incapacitado, não podendo exercer a profissão de estofador ou outra que entendesse prosseguir da mesma natureza.

Verificada a total e definitiva incapacidade deste para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades, torna-se indiferente que essa incapacidade seja de 70%, como sucede no caso presente, ou de 75%.

Não poderá neste contexto deixar de se ter em atenção que a celebração do seguro visa acautelar o pagamento das prestações decorrentes do contrato de mútuo, ao mesmo tempo que protege o mutuário que, por motivo de doença, perde a capacidade de exercer um trabalho remunerado e assim de angariar os meios para poder satisfazer os compromissos assumidos com o Banco mutuante.

O requisito cumulativo de uma incapacidade igual ou superior a 75% em nada releva, considerando aquela finalidade, já que o que se pretende acautelar é fulcralmente a capacidade do segurado exercer uma actividade remunerada, acabando essa condição cumulativa por apenas conduzir a uma diminuição sem justificação atendível no contexto e finalidade do contrato, de um número indeterminado de segurados incapacitados de trabalhar abrangidos pelo seguro, em benefício exclusivo da seguradora (6).

Não se vislumbra deste modo, muito pelo contrário, que a exclusão do segmento indicado da referida cláusula viole o equilíbrio contratual de forma atentatória da boa fé ou equilíbrio das prestações como demanda a apelante, o inverso é que o seria. Do mesmo não se vislumbra que implique uma indeterminação em absoluto insanável ou insuprível dos elementos essenciais do contrato, já que a exigência aí formulada em nada carreia à definição de invalidez total e permanente antes esvazia de forma irrazoável e excessiva a garantia do seguro, numa evidente desproporção entre a prestação do autor, segurado, e da ré, seguradora.
Nada há assim a alterar na decisão recorrida, improcedendo também neste segmento a alegação do recorrente.

V. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação interposta pela ré e, consequentemente em manter a decisão recorrida.
Custas da apelação interposta pela ré.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

1. A título exemplificativo, entre outras, o Ac. STJ de 15.04.2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, Acórdãos de 5.4.2016 – Proc. 36/12.0TBALD.C1-A.S1, e de e de 27.9.2016 – Proc. 240/11.7TBVRM.G1.S1 – in www.dgsi.pt – ambos do Relator José Raínho e disponíveis em www.dgsi.pt
2. Entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.4.2015, proc. 294/2002.E1.S1, Ac. STJ de 29.11.2016 do relator Fonseca Ramos; acórdão da Relação do Porto de 11.9.2008, proc. 0834361 e de 27.2.2014, proc. 2334/10.7TBGDM.P1 e acórdão da Relação de Lisboa de 5.3.2009, proc. 1860/07.0TVLSB-8, estes in www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 12 de abril de 2010, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 183; Acórdãos da R.G.de 25.01.2018, de 4.05.2017 e 11.07.2017 in www.dgsi.pt.
3. Que envolve uma relação trilateral e um complexo negocial, que, num primeiro momento envolveu banco interveniente, enquanto mutuante aos Recorridos A e interveniente mulher enquanto mutuários de crédito hipotecário para habitação, a Ré A Seguros, SA, sendo os mutuários, por imposição da mutuante, aderentes num contrato de seguro de grupo contributivo, em que a entidade bancária é tomadora e beneficiária do seguro, sendo seguradora a recorrente.
4. Onde se refere: « Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal. Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações….»
5. Cfr. Ac. R.G. de 11.07.2017 in www.dgsi.pt
6. Cfr. Ac. R. L. de 2.06.2016, do relator António Valente in www.dgsi.pt