Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2808/14.0T8VNF-A. G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA DE SIMPLES APRECIAÇÃO
SENTENÇA DECLARATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- A sentença que se limite a reconhecer determinada servidão de passagem previamente estabelecido por usucapião, que é de simples apreciação ou declaração desse direito, não constitui título executivo (cf. art. 703º, do Código de Processo Civil), máxime de obrigação de prestação de facto negativo que se reporte à mesma e que não foi objecto daquela;

- Portanto, a execução de prestação de facto em que se apresente como título essa sentença, está originalmente ferida de falta prevista no citado art. 726º, nº 2, al. a), do C.P.C., que é de conhecimento oficioso (art. 734º, do C.P.C.), inclusive pelo Tribunal de recurso, impede o seu prosseguimento e determina sua extinção.
Decisão Texto Integral:
Recorrente(s): José (…) e Isolina (…),
Recorrido(s): Joaquim (…) e Maria (…)
*
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

Os Recorridos/Embargantes, executados nos autos (de execução) de que os presentes constituem apenso, deduziram oposição, mediante embargos, à execução intentada pelos Recorrentes/Embargados, pedindo, a final, que seja julgada provada e, por consequência, procedente, absolvendo-os do pedido.

Foi recebida a oposição à execução apresentada por meio de embargos, tendo-se determinado a notificação dos embargados/exequentes para, querendo, contestar.

Os embargados apresentaram contestação, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos.

Procedeu-se à realização de audiência prévia e, após, realizou-se audiência de discussão e julgamento, que culminou com sentença com o seguinte dispositivo.

“Nestes termos, julga-se totalmente procedente a presente oposição à execução por embargos deduzidos pelos embargantes/executados JOAQUIM (…) e MARIA (…)
Em consequência, determina-se a extinção da execução instaurada pelos embargados/exequentes JOSÉ (…) e ISOLINA (…), de que os presentes autos constituem apenso.
Determina-se o levantamento da(s) penhora(s) efectuada(s) nos autos principais.
Custas a cargo dos embargados/exequentes (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), em ambas as acções, sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie(m).”

Inconformado com essa decisão, a Ré acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões.

III.- CONCLUSÕES

i.- Consideram os Recorrentes que foram incorrectamente julgados os factos referidos nos pontos 11, al. f), e 12 da matéria de facto julgada provada, bem como os factos referidos na alínea f) da matéria de facto julgada não provada.
ii.- Embora resulte claro do texto de relatório que a servidão de passagem possibilita o acesso ao(s) prédio(s) a favor do(s) qual(ais) foi constituída, o certo é que essa perícia não revela qual o acesso em concreto que a servidão permite, designadamente, se permite o acesso a pé, a veículos motorizados a alfaias agrícolas ou com carros de bois.
ii.- é o próprio relatório que refere que o pavimento a cubos de granito termina a cerca de 2,80 m aquém do portão de acesso ao prédio descrito no ponto 5 dos factos provados da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância (título executivo), e que entre o termo da zona pavimentada e o referido portão existe um desnível de 0,80m, factos que tornam evidente que o caminho, tal como se encontra, obsta/impede/estorva o exercício pelos embargados da servidão de passagem.
iii.- Anote-se que a servidão de passagem constituída por usucapião onera o prédio serviente, pelo menos, com a servidão de passagem a pé, que é manifestamente estorvada com o facto de, pela obra do embargante, haver a necessidade de os embargados vencerem um desnível de 0,80m, sendo, par o vencerem, obrigados a saltar, com inerentes riscos para a sua integridade física, ou afixar escadas ou outros elementos que os ajudem a ultrapassar o desnível.
iv.- Acresce que o embargado, nas suas declarações, gravadas nos termos do disposto no artigo 155.º, do Código de Processo Civil, através do sistema integrado de gravação digital, com início, respectivamente, às 15:29:37 horas e termo 15:43:01 horas, é possível extrair que o embargante elevou a cota do leito do caminho em 80 cm, numa extensão de cerca de 50 metros, contados ininterruptamente até ao aludido portão, deixando um desnível de cerca de 0,80m entre o termo da zona pavimentada do caminho e o referido portão, factos que obstam/estorvam/impedem o gozo das utilidades que a servidão tem por objecto, v.g., a passagem a pé, com carros de bois ou alfaias agrícolas, ou com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), para execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato, violando, desse modo, a obrigação de abstenção (i.e., de não impedir, estorvar ou diminuir o gozo/exercício da servidão) em que (implicitamente) foram condenados.
v.- Entendem os Recorrentes que o Tribunal «a quo» deveria dar como provado que a elevação da cota do leito do caminho em 80 cm, numa extensão de cerca de 50 metros, contados ininterruptamente até ao aludido portão existente no prédio descrito no ponto 5 dos factos provados da sentença de 1.ª instância, e o desnível existente entre o termo da zona pavimentada e referido portão impede/estorva o gozo das utilidades que a servidão tem por objecto;
vi.- Entendem os recorrentes que devem ser julgados provados os seguintes factos:

a) Que o embargante elevou a cota do leito do caminho em 80 cm, numa extensão de cerca de 50 metros, contados ininterruptamente até ao aludido portão, deixando o desnível de cerca de 0,80m entre o termo da zona pavimentada do caminho e o referido portão;
b) que os factos referidos em a) obstam/estorvam/impedem o gozo das utilidades que a servidão tem por objecto, v.g., a passagem a pé, com carros de bois ou alfaias agrícolas, ou com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), para execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato, violando, desse modo, a obrigação de abstenção (i.e., de não impedir, estorvar ou diminuir o gozo/exercício da servidão) em que (implicitamente) foram condenados.
vii.- Ao invés, no entendimento dos Recorrentes, devem ser julgados não provados os factos constantes dos 11, al f), e 12 dos factos provados;
viii.- Entendem os Recorrentes que a sentença proferida viola o caso julgado, i.e., a decisão condenatória que se executa nos presentes autos.
ix.- A servidão de passagem que o Tribunal reconheceu existir sobre o prédio dos aqui executados é feita através de um caminho, com largura de 5 metros e com extensão aproximada de 50 metros, com início no caminho público (hoje estrada municipal), localizado a sul do prédio identificado no ponto 6 dos factos provados, que prossegue pela estrema poente do prédio dos executados, até à entrada no prédio propriedade dos exequentes, até junto do local onde existe o portão referido no ponto 19 dos factos provados.
x.- Esta servidão deve permitir a passagem de carros de bois, alfais agrícolas e veículos motorizados até ao portão referido no ponto 19 dos factos provados, só assim se entende a acordo das partes quanto ao alargamento do leito do caminho até ao referido protão.

TERMOS EM QUE ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser a decisão alterada de modo a que os embargos sejam improcedentes.

Os Recorridos opuseram-se à apelação em contra-alegações em que, sumariando, defendem a decisão recorrida.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

As questões enunciadas pelos recorrentes podem sintetizar-se da seguinte forma:

a) Da falta de pressuposto processual geral;
b) Se a decisão apelada viola o caso julgado;
c) A pedida alteração da matéria de facto julgada.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Factos a considerar

I. Factos provados

1. Nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que, sob o nº695/09.0TBBRG, correram termos na (extinta) Vara de Competência Mista, do Tribunal Judicial da comarca de Braga, os, aqui, embargantes/executados Joaquim (…) e Maria Manuela (…) assumiam a qualidade de autor-reconvindo e de chamada, respectivamente, ao passo que os, aqui, embargados/exequentes José (…) e Isolina (..) assumiam a qualidade de réus-reconvintes.
2. No dia 12 de Outubro de 2012, na acção referida em 1., foi proferida sentença que decidiu:

(…)
a) julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:
- reconhecer que o autor e a chamada são donos e proprietários do prédio descrito de 1. a 4. dos factos provados, devendo os réus reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito;
- reconhecer que sobre o mesmo prédio foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio dos réus descrito em 5. dos factos provados, para a execução de trabalhos nas leiras, e para roçar mato, a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), com trajecto descrito nos pontos 33. a 37. dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39. a 43.;
- declarar a mesma servidão de passagem extinta, por desnecessidade, face à existência de um acesso directo ao mesmo prédio referido em 5., cujo licenciamento apenas depende da realização de obras da responsabilidade dos réus;
- absolver os réus dos demais pedidos formulados na acção;
b) julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, decide:
- reconhecer que os réus são donos e proprietários do prédio descrito em 5. dos factos provados, devendo autor e chamada reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito;
- reconhecer que sobre o prédio descrito em 6. dos factos provados foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio do autor e da chamada, a pé, com carros de bois, tractor ou alfaias agrícolas e veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados) com trajecto descrito nos pontos 33. a 37. dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39. a 43.;
- absolver autor e chamada dos demais pedidos formulados na reconvenção.
(…)
3. Da sentença referida em 2. foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que, no dia 28 de Fevereiro de 2013, proferiu Acórdão que revogou parcialmente aquela decisão na parte em que (…) declara extinta por desnecessidade a servidão de passagem constituída em prol do prédio dos RR. [aqui, embargados/exequentes] (…).
4. Deste aresto foi interposto recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça que, no dia 16 de Janeiro de 2014, proferiu Acórdão que julgou improcedente o recurso principal, mais decidindo não conhecer o recurso subordinado.
5. As decisões supra mencionadas transitaram em julgado.
6. Na sentença referida em 2. reconheceu-se que os, ali, autor-reconvindo e chamada, aqui, embargantes/executados Joaquim (…) e Maria (…), respectivamente, são donos e proprietários do prédio descrito nos pontos nºs1 a 4, dos factos provados, isto é: 1. O prédio rústico constituído por uma leira de terra de mato e lenha, situado no (…) e lugar do mesmo nome, da freguesia de (..), a confrontar pelo norte com caminho e João (…), pelo sul e poente com caminho para (…), e pelo nascente com terra do (…) esteve descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha n.º(..).. A este prédio foi anexado o descrito sob n.º (…) por formarem um só prédio rústico denominado “Leira (…)”, de terreno de mato, situado no lugar do Monte das (…) ou (…), tendo dentro em si um tanque, a confrontar pelo norte com caminho do (…) e eido de João (…), pelo sul com terreno do (…), pelo nascente com João (…) e pelo poente com caminho público. 3. Através do Av. 3/Ap. (…) foram alteradas as confrontações, passando a mencionar-se norte e nascente (…), sul caminho público e Joaquim (..) e poente o mesmo e (…). 4. Após extractação mencionada através do Av. 2/Ap. (…), o prédio está hoje descrito como “Rústico - Monte (…) - Leira do (…), terreno de mato com 1.200m2, a confrontar do norte e nascente com “(…), sul caminho público e (…) e poente Joaquim (…) e Adelino (…) – artigo 61.º”, sob n.º (…) da 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga, da freguesia de (…), encontrando-se registado a favor do autor (…), por compra, por meio da inscrição G-1, Ap. (…)
7. Nessa sentença decidiu-se condenar os, ali, réus-reconvintes, aqui, embargados/exequentes José (…) e Isolina (…) a reconhecer os mencionados Joaquim (…) e Maria (…) na qualidade de donos e proprietários do prédio descrito nos pontos nºs1 a 4, dos factos provados, abstendo-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito.
8. Na sentença referida em 2. também reconheceu-se que sobre o prédio descrito nos pontos nºs1 a 4, dos factos provados, foi constituída uma servidão de passagem, por usucapião, para a execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato, a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados).
9. Essa servidão foi constituída a favor do prédio dos, aqui, embargados/exequentes José (…) e Isolina (…), descrito no ponto nº5, dos factos provados, isto é: [o] prédio denominado Leiras da (…), sito no lugar da (…), cultura, ramada e videiras, com 3992m2, descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o art.(…), a confrontar do norte com auto-estrada, do sul com Adelino (…), do nascente com Estrada Nacional e do poente com Joaquim (…), desanexado do n.º …, está registado a favor do réu José (…), por partilha e compra, por meio da inscrição Ap. (…)
10. Conforme resulta da sentença referida em 2., a aludida servidão de passagem tinha o trajecto descrito nos pontos nºs33 a 37, dos factos provados, alterado conforme descrito nos pontos nºs39 a 43, desses mesmo factos, ou seja:

a) Fazia-se através de um caminho, com a largura aproximada de 2,50m e com a extensão aproximada de 50m (cfr. ponto nº33);
b) Com início no caminho público (hoje estrada municipal), localizado a sul do prédio descrito no ponto nº6, dos factos provados – prédio sito no lugar da (…), parcela de terreno para construção, com 250m2, inscrito sob o artigo …, da matriz, a confrontar a norte, sul e poente com João (…) e nascente com Maria (…), descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o nº…, da freguesia de (…), está registado a favor do pai do réu [aqui, embargado/exequente] Joaquim da (…), por compra, por meio da inscrição Ap. …(cfr. ponto nº34);
c) Que prosseguia junto ao muro que delimitava o prédio referido no ponto nº6, dos factos provados, e pelo extremo nascente/norte do prédio rústico propriedade de Adelino (…) (cfr. ponto nº35);
d) Atravessava, em linha ligeiramente diagonal, até à frente da casa do pai do réu [aqui, embargado/exequente], sendo que daqui para a frente só podia seguir-se trajecto a pé (cfr. ponto nº36), para acesso aos prédios referidos nos pontos nºs1 e 5, dos factos provados, e prosseguia em direcção e para serventia dos prédios que se situavam para lá do local onde está hoje implantada a auto-estrada (cfr. ponto nº37);
e) Em 2004, para criar condições ao licenciamento de construção, o autor [aqui, embargante/executado Joaquim …] contactou o réu marido [aqui, embargado/exequente José …], na qualidade de proprietário do prédio referido no ponto nº5, dos factos provados, e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Joaquim da (…) [pai do embargado/exequente], proprietária do prédio identificado no ponto nº6, dos factos provados, bem como proprietária do prédio localizado a poente, solicitando a ambos o alargamento do caminho supra referido para 5m de largura (cfr. ponto nº39);
f) Os réus [aqui, embargados/exequentes] autorizaram o alargamento do leito do caminho, como, para tal efeito e com autorização dos restantes herdeiros, recuaram, em cerca de 1m metro, o muro de vedação do prédio referido no ponto nº6, dos factos provados, e executaram o novo muro (cfr. ponto nº40);
g) A proprietária do prédio localizado a poente [a herança aberta por óbito de Joaquim …, pai do, aqui, embargado/exequente], cedeu a restante parte do terreno necessário ao alargamento para os 5m (cfr. ponto nº41);
h) Quer esta, quer os réus [aqui, embargados/exequentes] colocaram como condição dessa alteração que se mantivesse tal largura até à entrada no prédio descrito no ponto nº5, dos factos provados, até junto ao local onde existe o portão referido no ponto nº19, desses mesmos factos (cfr. ponto nº42);
i) E permitiram os réus [aqui, embargados/exequentes], em contrapartida, a mudança do caminho para a extrema poente do prédio do autor [aqui, embargante/executado Joaquim …] (cfr. ponto nº43).
11. Actualmente, a servidão de passagem constituída a favor do prédio dos embargados/exequentes José … e Isolina … apresenta as seguintes características:

a) Beneficia de um caminho com a largura aproximada de 5m;
b) Esse caminho tem início na estrada municipal, localizada a sul do prédio descrito no ponto nº6, dos factos provados, da decisão de 1ª instância [trata-se do prédio pertença de Joaquim (…) (entretanto falecido), pai do embargado/exequente], prosseguindo junto ao muro que delimitava esse prédio e pelo extremo nascente/norte do prédio rústico propriedade de Adelino (…);
c) Tal caminho segue em linha recta, desde o limite sul do prédio referido no ponto nº6, dos factos provados, da decisão de 1ª instância, até à entrada do prédio dos embargados/exequentes, podendo circular-se em veículos motorizados até cerca de 2,80m aquém do muro/portão existente no limite do prédio dos aludidos José … e Isolina …;
d) O caminho em apreço, desde data que, em concreto, não foi possível apurar, está executado em cubo de granito, sensivelmente 3m após o muro existente no limite sul do prédio referido no ponto nº6, dos factos provados, da decisão de 1ª instância [trata-se do prédio pertença de Joaquim … (entretanto falecido), pai do embargado/exequente], até cerca de 2,80m aquém do muro/portão existente no limite do prédio dos embargados/exequentes.
e) O espaço onde termina a zona pavimentada a cubo de granito e o muro/portão existente no limite do prédio dos embargados/exequentes está em terra e apresenta um desnível de cerca de 0,80m entre a zona pavimentada a cubo de granito e o local onde se encontra o referido muro/portão;
f) Presentemente, o caminho em causa possibilita o acesso aos prédios referidos nos pontos nºs1 e 5, dos factos provados, da decisão de 1ª instância.
12. O supra descrito caminho, tal como se encontra actualmente, não obsta/estorva/impede o exercício, pelos embargados/exequentes José … e Isolina da …, da servidão de passagem constituída a favor do prédio identificado em 9.

Podemos considerar ainda assente, nos termos do art. 662º, nº 1, do C.P.C., o seguinte, porque resulta documentado nestes autos nos principais:

- O pedido reconvencional formulado pelos Recorrentes no processo declarativo de que emerge a decisão exequenda, o pedido que formularam no que respeita à servidão em causa foi o seguinte: “…que o Tribunal: (…) – Declare que a favor do mesmo prédio foi constituída, por usucapião, uma servidão de passagem, durante todo o ano, a pé, de carro de bois, tractor, carrinha, com a largura e o traçado referido nos arts. 73º a 83º da contestação” (…) – Ser o autor obrigado a proceder à mudança da servidão para o local anterior e descrito nos arts. 80º e 81º”;
- O processo executivo de que dependem os presentes embargos não envolveu ainda a penhora de bens.

II. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

a) que à data da instauração da presente execução, os embargantes/executados Joaquim (…) e Maria (…) mantivessem edificado um muro sobre o leito do caminho por onde é exercida a servidão de passagem constituída a favor do prédio referido sob o nº9, dos factos provados;
b) que esse muro fosse perpendicular ao leito do aludido caminho e que cobrisse toda a sua largura;
c) que o muro em questão fosse constituído por tijolo e cimento, tivesse 1,8m de altura e 30cm de largura;
d) que tal muro estivesse erguido junto do local onde existe o portão referido no ponto nº19, da sentença referida sob o nº2, dos factos provados;
e) que a construção deste muro obstasse/estorvasse/impedisse o gozo das utilidades que a servidão de passagem em apreço nos autos tem por objecto, designadamente, a passagem a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), para a execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato;
f) que o referido sob o nº11 – alíneas d) e e), dos factos provados, obstasse/estorvasse/impedisse o gozo das utilidades que a mencionada servidão tem por objecto, designadamente, a passagem a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), para a execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato;
g) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.

3.2. DO DIREITO APLICÁVEL

De acordo com o dispositivo do art. 608º, do Código de Processo Civil, (1) sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença (4) conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Estamos perante uma execução para pagamento de quantia e prestação de facto inserida nos próprios autos (cf. art. 626º, do Código de Processo Civil).

De acordo J. Lebre de Freitas, a execução de sentença judicial que condene na prestação de facto não dispensa a citação do executado (cf. art. 626º-4), sendo igualmente regida pelas normas desse tipo de execução (5).

Nesse âmbito (cf. arts. 551º, nºs 3 e 4, do C.PC.), dita o art. 734º, nº 1, do mesmo Código, que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, (6) das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.

Decorre do nº 2, desse art. 726º, que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:

a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;
d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter carácter patrimonial e não poder ser objecto de transacção.

Como se apurou supra, nos autos não ocorreu (ainda) aquela transmissão e só com esse primeiro acto judicial preclude, pois, a possibilidade de apreciação, no âmbito do processo executivo, dos pressupostos processuais gerais e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda, diversamente do que acontecia no direito anterior à revisão do Código. Até esse momento, o juiz deve convidar à supressão da irregularidade ou da falta do pressuposto ou rejeitar oficiosamente a execução, proferindo neste caso despacho de extinção da instância, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o aperfeiçoamento ou indeferimento liminar, quer tenha ou não havido despacho liminar e quer tal situação fosse já manifesta à data em que este foi proferido, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo dos embargos de executado. (7)

No caso, não foi proferido nenhum despacho que apreciasse tal questão, nem tal excepção foi alvo de concreta apreciação no saneamento destes embargos (cf. art. 595º, nº 3, do C.P.C., a contrario) ou na sentença em crise, pelo que inexiste nestes autos decisão que tenha esgotado tal tema.

No entanto, julgamos ser manifesto, como já o era à data da fase liminar da presente execução ou dos seus embargos, que aquela carece de título para a prestação de facto que pretende coercivamente ver cumprida.

Com efeito, no seu requerimento executivo, os Exequentes/Recorrentes, cientes de tal falta alegavam e pediam, tendo por referência a alegada construção que o Tribunal a quo não deu como provada e indicando como título a sentença acima citada, sic:

“(…) 14.- Ora, as referidas obras (nomeadamente, a construção do muro) obstam/estorvam/impedem o gozo das utilidades que a servidão tem por objecto, 15.- v,g., a passagem a pé, com carros de bois ou alfaias agrícolas, ou com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), para execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato,

16.- violando, desse modo, a obrigação de abstenção (i.e., de não impedir, estorvar ou diminuir o gozo/exercício da servidão) em que (implicitamente) foram condenados.

II.- Do pedido

TERMOS EM QUE SE REQUER

A) que a alegada violação seja verificada por meio de peritagem; concluindo pela sua existência, o perito deverá indicar a importância provável das despesas que importa a demolição das obras.
B) a V.ª Excia se digne ordenar a demolição das obras (muro e elevação da cota do leito do caminho) à custa dos executados;
C) a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo em que se mantiver a violação do dever de abstenção dos executados depois de citados para a presente acção, pelo valor diário não inferior a € 50 (cinquenta euros).”

Ora, de acordo com a previsão actual do art. 703º, do Código de Processo Civil, (1) à execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. 2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.

Por sua vez, o art. 10º, do mesmo Código, estipula que (1) as acções são declarativas ou executivas. (2) As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. 3 - As acções referidas no número anterior têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.

Tendo em mente essa distinção, a pretensão formulada pelos Exequentes na reconvenção, que deduziram no processo declarativo de que depende a presente execução, permitiria classificar a sua demanda como misto de simples apreciação e condenação.

Todavia, a final, apenas procedeu, no que diz respeito à servidão em questão, o seu pedido de simples declaração da existência desse direito previamente constituído por usucapião e, contrariamente ao que se pretende no seu requerimento inicial, não decorre, neste caso (8), implicitamente dessa declaração alguma condenação, nomeadamente aquela de prestação de facto negativo que os mesmos invocam e que, ao contrário do que aconteceu por referência ao direito de propriedade que viram declarado, não pediram, nem foi objecto de conhecimento ou decisão/condenação.

Em suma, os Exequentes pretendem transportar para a fase executiva algo que deveria ter sido discutido e declarado na fase declarativa dos autos, ou seja, a existência na esfera jurídica dos Executados da concreta obrigação de abstenção que aqui trazem.

Como se refere a propósito em Ac. do Tribunal da Relação de Évora (9): As sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação não constituem título executivo, porquanto nas mesmas, ao tribunal apenas é pedido que aprecie a existência de um direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado ao cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir. E vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução.

Em concreto, já decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra (10), que a sentença que reconheceu que os exequentes "adquiriram por usucapião, o direito de servidão de passagem, em benefício do seu prédio, à custa dos" executados, a qual se exerce sobre uma faixa de terreno que se identifica, é meramente declarativa. Assim, não tendo a natureza condenatória exigida no artigo 46.º n.º 1 a) do Código de Processo Civil, não constitui título executivo.

Do silogismo acima exposto resulta em nosso entender que a presente execução está originalmente ferida de falta prevista no citado art. 726º, nº 2, al. a) (11), do C.P.C., que é de conhecimento oficioso (art. 734º, do C.P.C.), inclusive por este Tribunal de recurso (que também é de substituição – art. 665º, do C.P.C.), impede o seu prosseguimento e determina nesta fase a sua extinção (12), prejudicando o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos Recorrentes (cf. arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil.

Uma vez que se trata de questão que importa a rejeição liminar (sem contraditório), julgamos que não há aqui que cumprir o disposto no citado art. 665º, nº 3.

Termos em que improcede a apelação em presença, ainda que por razões diversas das expostas na decisão impugnada que, a final, se deve manter com os fundamentos acima expostos.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes, em partes iguais (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 21-02-2019

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. Aqui aplicável ex vi art. 663º, nº 2, do Código de Processo Civil
5. In A Acção Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Ed., p. 173, nota 2.
6. Vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.4.2016: Numa acção executiva o despacho liminar de citação não implica uma aceitação definitiva da validade e suficiência do título executivo, que pode ser reavaliado ao longo do processo. -A preclusão do seu conhecimento não ocorre perante a ausência da dedução de embargos de executado. -A leitura conjugada da al. a) do n.º 2 do art.º 726º com o art.º 734º, ambos do Código de Processo Civil, permite constatar que o limite traçado pelo legislador para o conhecimento da falta de título executivo é o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, e não o início da fase de venda, porque só então se coloca a questão da protecção do adquirente de boa-fé. – in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/153737824222697E80257FCA003C0ECF
7. J. Lebre de Freitas, Ob. cit., p. 188/189
8. Cf. Essa teria que resultar concretamente evidente da sentença - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.4.2018: Na expressão “sentenças condenatórias”, de que fala o artº 703º, nº. 1 al a), do CPC, estão incluídas todas aquelas sentenças que, de forma expressa ou implícita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de uma obrigação, ou seja, a sentença, para ser exequível, não tem que, necessariamente, condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja.- in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/798C6A8D52E59E3E802582D00048F579
9. Em 16.12.2014, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f3e4d620e946ff6380257e2900530726?OpenDocument
10. Em 31.1.2012, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/669c0f625f13dc48802579a7003ca96f?OpenDocument
11. Que é também um dos fundamentos de oposição à execução – cf. art. 729º, al. a), do C.P.C.
12.Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1.12.2015: Configurando-se uma situação de manifesta falta ou insuficiência de título executivo que, nos termos do art. 726º, nº 2, a), do actual CPC (812º-E, nº1, a), do anterior CPC), determinaria o indeferimento liminar do requerimento executivo, nada obsta a que, ao abrigo do disposto no art. 734º do actual CPC (820º do anterior CPC), o juiz conheça oficiosamente dessa questão, determinando, com base nela, a extinção da execução, desde que o faça até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados. – in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fe70e27c6faefaf780257f460055a2a9?OpenDocument