Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
121/22.9T8MNC-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A introdução da reconvenção é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspectiva da lei, não é suficiente para impedir que seja admitida.
II – São menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em acção própria, discutir a questão das benfeitorias, quando é a própria lei, na acção de divisão de coisa comum, que prevê a adaptação necessária para tal.
III – As questões suscitadas pelo pedido de divisão, enunciadas no citado nº. 2, do artº. 926.º, do CPC, embora respeitem à divisão ou indivisão física da coisa comum, são susceptíveis de implicar outras questões entre os comproprietários
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

AA, casada, natural da freguesia ..., do concelho ..., NIF ..., titular do Cartão de Cidadão n.º..., válido até 16/08/2028, residente na Rua ..., ... ..., veio intentar, nos termos das disposições consagradas no art.º 925.º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de divisão de coisa comum contra BB, ..., natural da freguesia ..., do concelho ..., NIF ..., com domicílio legal sito na Rua ..., ... ....
Para o efeito, alegou que é comproprietária em partes iguais, conjuntamente com o requerido, na proporção de 50%, do prédio constituído por uma cave, ..., 1.º, 2.º e 3.º andar e terraço sito na Rua ..., ... ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial, sob o número ...28 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...85, que diz não ser divisível por natureza, nos termos do art.º 209.º do Código Civil, não pretendendo permanecer conjuntamente com o Réu, no actual estado de indivisão relativamente ao imóvel em apreço.
Destarte, pediu que, julgada provada e procedente a acção, se ponha termo à actual situação de indivisão do prédio em apreço.
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Deduziu o requerido contestação, defendendo contrariamente ao alegado pela Autora, que o referido prédio é divisível em 3 fracções distintas, autónomas, independentes e isoladas entre si, com saídas próprias, a fracção ... com saída independente para a via pública e as fracções ...) e C) com saídas para parte comum do prédio com acesso à via pública, tornando, pois, possível a sua transformação em propriedade horizontal, sem alteração da sua substância ou diminuição do seu valor.
Alegou, ainda, em sede de reconvenção, que, entre o ano de 2009 e 2010,  procedeu a obras profundas de reabilitação (remodelação/ reparação) da cave e ... do dito prédio, indispensáveis para a abertura de um novo estabelecimento comercial destinado ao ramo padaria/pastelaria, face ao estado em que se encontravam as instalações, dirigidas e custeadas pelo requerido/reconvinte, tendo para tal solicitado um empréstimo bancário no valor de 140.000,00€ junto do Banco 1..., que lhe foi concedido e que ainda hoje se encontra a pagar.
Aduziu, também, que a requerente teve conhecimento e concordou com a reabilitação/renovação levada a efeito, figurando como fiadora no contrato de mútuo com hipoteca voluntária para garantia do empréstimo que impende sobre o imóvel.
Por último, referiu que a reabilitação/remodelação beneficiaram o imóvel na sua totalidade e em especial a cave e ..., que permitiu arrendar o ... e cave para fim não habitacional destinando-se ao funcionamento unicamente do ramo pastelaria/padaria e comercialização, contra o pagamento de uma renda mensal no valor de 700,00€ (setecentos euros).

Pediu, assim, a final, o seguinte:

a) a acção julgada não provada e improcedente e o requerido absolvido do pedido, atenta a divisibilidade do prédio urbano identificado em 1. da p.i.;
b) julgada provada e procedente a Reconvenção, e consequentemente, face à divisibilidade do bem imóvel identificado em 1. da p.i., se procedesse à sua divisão, por estarem preenchidos os requisitos legais do art.º 1415.º e art.º 1417.º do Código Civil e ss, devendo o mesmo ser dividido, procedendo-se à criação de três frações, melhor identificadas em 12. da contestação/reconvenção e em propriedade horizontal, devendo os autos prosseguirem com a realização da perícia, nos termos do estatuído no art.º 927.º do CPC;
c) Caso assim não se entenda, julgada provada e procedente a Reconvenção, e consequentemente, face à divisibilidade do bem imóvel identificado em 1. da p.i., proceder-se à sua divisão uma vez estarem preenchidos os requisitos legais do art.º 1415.º e art.º 1417.º do Código Civil e ss, devendo o mesmo ser dividido, procedendo-se à criação de duas frações, melhor identificadas em 20. Da contestação/reconvenção e em propriedade horizontal, devendo os autos prosseguirem com a realização da perícia, nos termos do estatuído no art.º 927.º do CPC.
d) Deve ser reconhecido o direito de crédito que o requerido tem sobre a requerente, por força das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas, custeadas pelo requerido no prédio identificado em 1 da p.i. de valor não inferior a 65.000,00€, sob pena de enriquecimento sem causa da requerente.
e) a Requerente condenada no pedido reconvencional ao pagamento de indemnização de valor não inferior a 65.000,00€ pelas benfeitorias úteis que não podem ser levantadas, que beneficiaram  o prédio realizadas pelo requerido, tendo por fundamento enriquecimento sem causa.
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Em sede de contraditório, pronunciou-se a requerente pugnando, em síntese, pela inadmissibilidade legal do pedido reconvencional.
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Proferiu o tribunal a quo decisão de não admissão da reconvenção deduzida pelo requerido contra a requerente.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com essa decisão, veio o requerido interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso de apelação, tem por objeto o despacho proferido a fls. dos autos, com a referência ...26, designadamente por não ter admitido o pedido reconvencional assim como o objeto da perícia determinado pelo Tribunal “ad quo”.
b) Errou, o Tribunal “ad quo” ao apreciar e decidir pela não admissão do pedido reconvencional deduzido pelo requerido/recorrente contra a requerente/ recorrida, assim como por entender que “ tendo em conta a posição assumida pelas partes, nos articulados, a ação encontra-se já em condições de prosseguir com uma decisão concreta sobre a divisibilidade/ indivisibilidade do prédio em causa nos presentes autos, sem necessidade de produção de mais prova”…, não tendo determinado no objeto da perícia qualquer questão sobre a divisibilidade/indivisibilidade do prédio, nem uma avaliação que pudesse ter como objeto essa divisibilidade, limitando-se a determinar uma perícia para somente determinar o valor da ação.
c) O apelante, na sua contestação, defendeu-se por impugnação pondo em causa a indivisibilidade do prédio urbano em questão, apontando duas formas de divisibilidade, uma constituindo-se 3 frações autónomas e independes e uma segunda modalidade em duas frações, uma delas constituída pela cave e ... relativo ao estabelecimento comercial, que se encontra arrendado, e a outra fração constituída pelo 1.º, 2.º e 3.º andar destinado a habitação, bem como deduziu pediu reconvencional pedindo o reconhecimento do direito de crédito que o requerido/apelante tem sobre a requerida por força das benfeitorias úteis custeadas por este no valor de 65.000,00€, requerendo para tanto uma perícia ao imóvel indicando vários quesitos para o efeito.
d) Ora se o requerido/ apelante apresenta contestação e levanta uma questão com influência na determinação dos direitos dos consortes ou na efetivação da divisão, a ação não pode prosseguir, enquanto essa questão não estiver decidida pelo juiz.
e) O valor do imóvel e das benfeitorias tem de estar determinado para que, em caso de adjudicação, seja apurado o valor das tornas devidas e, em caso de venda, ou divisibilidade, seja fixado o valor base de venda (art.º 812.º, n.º 3 do CPC);
f) O Tribunal ad quo violou o disposto no n.º 2 do art.º 926.º CPC, porquanto não ordenou a produção das provas necessárias para a decisão de todas as questões suscitadas no âmbito deste processo, apesar de terem sido requeridas na contestação/ reconvenção onde foi requerida a perícia, indicando-se os respetivos quesitos.
g) A ação de divisão de coisa comum destina-se a pôr termo à indivisão da coisa comum, concretizando-se no pedido de divisão em substância da coisa comum (sendo divisível) ou adjudicação ou venda desta com repartição do respetivo valor, sendo indivisível.
h) Dos n.º 2 e 3 do art.º 926.º do CPC, colhe-se que as questões suscitadas pelo pedido podem ser decididas pela tramitação mais simples do incidente da instância ou não podendo ser sumariamente decidida devem ser decididas em processo comum, e só depois de decididas é que se passa à fase executiva da adjudicação ou venda. O que significa que sendo o processo um processo especial pode comportar uma fase de processo comum sem que incompatibilidade haja entre as duas formas de processo.
i) Ora o n.º 2 do art.º 266.º do CPC, diz-nos que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, mas logoa seguir exceciona a hipótese de o juiz autorizar nos termos do art.º 37.º, n.º 2 e 3 do CPC, ou seja, sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
j) É indispensável para a justa composição do litígio, ou seja, para uma consciente decisão dos interessados em conferencia (fase executiva) que esteja devidamente dirimida a questão de saber se o requerido/ apelante tem ou não direito a haver da requerente a respetiva quota parte do valor que o despendeu em obras que realizou na cave e ... do prédio em questão, o que só é possível através da admissão liminar do pedido reconvencional e do julgamento das questões suscitadas na reconvenção o que satisfaz os princípios da gestão processual e da adequação formal.
k) Sendo também necessário apurar de que modo é que estas benfeitorias realizadas pelo requerido aumentaram o valor do prédio em comparação com o que o mesmo teria se não tivesse sido intervencionado.
l) A decisão do Tribunal ad quo, põe em causa o valor a atribuir ao prédio objeto de divisão de coisa comum, para além de que, quando seguir para a conferencia de interessados e atribuir tornas ao comproprietário que não adjudica o prédio, calculadas apenas de acordo com as quotas respetivas, significa criar uma situação de impossibilidade de acordo, pois o requerido / apelante invoca créditos sobre a requerente relativos ao próprio prédio, suscetíveis de fundamentar a compensação.
m) O processo seguindo os termos simplificados da ação especial nenhuma utilidade tem quando poderá significar a impossibilidade de acordo, ou obrigará uma das partes a deduzir nova ação, como assim foi decidido.
n) A decisão do Tribunal ad quo de não admitir o pedido reconvencional é destituída de fundamento e contraria a jurisprudência sobre esta temática (v.g. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-09-2016; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2015, disponíveis no site da dgsi).
o) Ao não admitir o pedido reconvencional o Tribunal ad quo violou o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, art.º 266.º, 547.ºe 926.º e seguintes, todos do CPC.
p) O despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que admita o pedido reconvencional deduzido nos autos e que determine a realização da perícia, quer para apurar da divisibilidade/indivisibilidade do prédio objeto dos presentes autos, quer para apurar o valor do imóvel em função da divisibilidade ou indivisibilidade ou seja, como um prédio único ou fracionado, assim como determinar o valor das benfeitorias de forma a se achar o valor da quota de cada uma das partes em ordem à justa composição do litigio, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum.
q) Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente Recurso de Apelação, e, por via dele, proferir-se acórdão que revogue despacho recorrido que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo requerido/apelante, substituindo-se por acórdão que admita o pedido reconvencional e determine a produção de prova requerida, designadamente a pericial, necessárias a habilitar o Tribunal a quo a pronunciar-se sobre a divisibilidade/indivisibilidade e se podem ser constituídas três/duas frações independentes, distintas e autónomos entre si, como é de inteira e sã, Justiça
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Não se mostra oferecida contra-alegação.
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. 
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a admissibilidade da reconvenção deduzida pelo requerido/recorrente na acção de divisão de coisa comum.
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Fundamentação de facto

- a matéria fáctico-processual constante do ponto I, aqui dada por reproduzida.
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O Mérito da causa

O art.º 1412.º do C.Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão. Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade, objectivado nos art.ºs 925.º a 929.º do C.P.Civil.
A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes sobre a mesma coisa - cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág.335.
A acção de divisão de coisa comum é, assim, uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa, pois, caso se verifique a divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objecto e, nos casos de indivisibilidade, o direito de compropriedade transforma-se em direito de propriedade singular, passando a ser seu titular outro ou outros sujeitos.
Preceitua-se, como tal, no art.º 925.º do C.P.Civil, a respeito da petição do processo especial de divisão de coisa comum, que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Como acção especial que é, comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil.
A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, como determina o n.º 2 do art.º 926.º C.P.Civil, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum, cfr. art.º 926.º n.º 3 do C.P.Civil.
De acordo com o art.º 926.º, nº 1, do CPC, os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem. Seguidamente, se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º do CPC. Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum – art.º 962.º, n.º 3, do CPC.
Determina o n.º 4 da citada disposição que, ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias –– art.º 962/2 do CPC.
Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade– art.º 962/5 do CPC.
Fixados os quinhões, realiza-se a conferência a que alude o disposto no art.º 929.º do CPC.
Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respectiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda.
No caso, o requerido, contrariamente ao alegado pela requerente, entende que a coisa é divisível, pelo que importará proceder a perícia, a fim de ser decidida previamente essa questão.

Colocando-se, ainda, a questão decidenda respeitante à reconvenção, importará, para além do exposto, ter em conta, o preceituado nos nºs. 2 e 3, do art.º 266.º, do mesmo diploma, que nos diz o seguinte:

“2-A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações” .
De forma conjugada, preceitua-se nos nºs. 2 e 3, do art.º 37.º, ainda do Cód. de Processo Civil, acerca dos obstáculos à coligação, que:
“2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.
Ora, in casu, o que importa é apurar se na acção de divisão de coisa comum em causa nestes autos, em que alegadamente se procedeu a uma reabilitação/renovação de parte do imóvel, com a concordância da requerente, em que figura como fiadora no contrato de mútuo com hipoteca contraído para esse efeito, a simplicidade subjacente à questão suscitada pelo pedido de divisão obsta que seja trazida à acção, por via reconvencional, aquele objecto de litígio quanto ao invocado direito de reembolso do valor das benfeitorias úteis alegadamente realizadas por um dos comproprietários, incapaz de ser sumariamente decidida. Ou seja, urge aferir se as questões suscitadas pelo pedido de divisão, enunciadas no citado nº. 2, do artº. 926.º, do CPC, respeitam apenas à divisão ou indivisão física da coisa comum, ou se, ao invés, são susceptíveis de implicar outras questões que a divisão suscita entre os comproprietários, nomeadamente, e no que ora importa, ocorrendo indivisibilidade da coisa, as concernentes à reivindicada compensação do valor que um deles haja pago em excesso, por referência à sua quota-parte na coisa, com o consequente valor de tornas a suportar pelo outro, de forma a que a acção especial deva seguir os termos do processo comum, assim permitindo a decisão de tais questões e, só posteriormente se transitando para a subsequente fase executiva, através da convocação da conferência de interessados.
O Tribunal a quo entendeu não ser admissível o pedido reconvencional deduzido pelo requerido, por considerar, em suma, que as questões suscitadas pelo pedido de divisão formulado podem ser decididas de forma sumária, através do procedimento incidental, sem recurso à tramitação segundo o processo declarativo comum.
A questão da admissibilidade da reconvenção nas acções de divisão de coisa comum tem dividido a jurisprudência, entendendo uns que se verifica incompatibilidade processual entre o pedido de divisão e o pedido reconvencional face ao disposto no art. 266.º, n.º 3 do CPC, sendo que outros ultrapassam a questão com base no disposto no art. 37.º, nºs 2 e 3, ex vi do art. 266.º, n.º 3 do CPC.E, e, embora a presente controvérsia padeça de um tratamento jurisprudencial uniforme, o facto é que recentemente se tem vindo tendencialmente a revelar maioritariamente no sentido da admissibilidade da reconvenção.
Neste sentido, indicam-se, em termos cronológicos, alguns dos arestos que apontam nesse sentido, todos publicados in dgsi:
- RE de 17/01/2019, Processo nº. 764/18...., em que, entre o mais, reproduzindo o juízo exposto no douto Acórdão da RG de 20/09/2014, conclui que “«o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, (…) evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção. E o próprio processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o “iter” inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. Parece-nos, assim, que os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõem que, acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum».
Especificamente este Acórdão tem comentário concordante de Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/2019/05/jurisprudencia-2019-18.html.
- STJ de 09/10/2019, Processo nº. 385/18...., conclui, em suma, que “a introdução da reconvenção em causa é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspetiva da lei, não é suficiente para impedir a reconvenção. De resto, e se se atentar bem nas coisas, são menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em ação própria, discutir a questão das benfeitorias (…) não vemos que isto constitua qualquer tramitação manifestamente incompatível, nem tão pouco que daí resultem duas ações (uma a seguir à outra), tudo não passando senão de uma adaptação do processado à reconvenção. E se essa adaptação tem os seus custos processuais, isso não é senão a consequência lógica da circunstância da lei a impor (a adaptação)”;
- STJ de 26/01/2021, Processo nº. 1923/19...., onde se refere que só a posição de admissibilidade da reconvenção “permite alcançar a justa composição do litígio quando tenha sido suscitada a compensação de invocado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados”. E ressalva que, se assim não for, “na conferência de interessados, no caso de se adjudicar o imóvel a um dos comproprietários, o valor de tornas a entregar ao outro não terá em conta o verdadeiro cerne do litígio, tudo se passando como se ambos tivessem contribuído igualmente na proporção da quota respetiva (…) Parece-nos, assim, que os princípios subjacentes àqueles poderes-deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõem que, na ação de divisão de coisa comum, à luz dos arts 266.º, n.º 3 e 37.º, n.os 2 e 3 do CPC, se admita reconvenção em que se formule pedido de compensação de invocado crédito por despesas suportadas pelo Requerido para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à Requerente, ordenando-se, consequentemente que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum;
- RP de 27/04/2021, Processo nº. 5962/20...., concluiu-se que se “o imóvel em apreço é, por natureza, indivisível, estão concretamente em causa as questões relativas ao contributo, à proporção, de cada um dos comproprietários para a aquisição do imóvel”, pelo que nesse “cenário concreto, entendemos, salvo o devido respeito, que o poder/dever de gestão processual abarca a dita cumulação”. Por fim, e contrariamente ao que sucedia nos anteriores arestos, “a questão relativa a eventuais créditos dos comproprietários aquando da aquisição do imóvel não surge, neste processo, apenas a partir do pedido reconvencional mas é logo articulada no próprio petitório, invocando um enriquecimento sem causa aquando do pagamento do imóvel, através da amortização total do empréstimo bancário, e depois novamente trazida à colação por força da reconvenção aduzida que alega uma contribuição acrescida do comproprietário demandado. Mas, ainda assim, o argumento expendido acima mantém-se incólume. Assim, apurando-se da indivisibilidade do prédio, sempre se concluiria, em sede de ação especial de divisão de coisa comum, não poder a questão ser sumariamente decidida e como tal a mesma teria que seguir os termos do processo comum, conforme imposto pelo artigo 926º, nº3 do CPC. Deste modo, sem prejuízo da situação de “fronteira” com que, efectivamente, lidamos nos autos, entendemos poder em ordem a salvaguardar o processado, em obediência a uma visão dúctil do processo civil, que procura, até ao limite, salvaguardar a possibilidade de as partes terem acesso à justiça sem terem que intentar, por questões de índole essencialmente formal, ações sucessivas, dever fazer improceder a exceção dilatória alegada pelo réu. Donde, os autos devem prosseguir segundo os termos do processo declarativo comum para apuramento dos contributos de cada um dos comproprietários, salvaguardando-se, em sede de gestão processual, a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido”;
- STJ de 25/05/2021, Processo nº. 1761/19...., em que se decidiu  que, em consonância com o disposto nos nºs. 2 e 3, do artº. 37º, do Cód. de Processo Civil, “o juiz pode autorizar/admitir a reconvenção, quando se verifique interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio” ;
- RL de 08/06/2021, Processo nº. 13686/20...., no qual se ajuizou acerca da admissibilidade do pedido reconvencional relativamente a benfeitorias realizadas no imóvel;
- RL de 13/07/2021, Processo nº. 967/20.... -, em que se subscreveu o entendimento de que «(…) o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra ação para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção».
No caso, estando em causa o requisito processual relativo à forma do processo, por a acção de divisão de coisa comum ser processo especial e a reconvenção deduzida seguir a forma de processo comum, tal como refere Alberto dos Reis in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 3º, pg. 120, consubstancia uma “singularidade: é um processo especial dentro do qual se encaixa e insere o processo comum”, ou seja, o processo começa como especial, passa a comum, e por fim volta a correr como especial, “o que mostra que no processo especial se intercala, em certa altura, um processo comum”.
O que leva a reconhecer que, na acção de divisão de coisa comum a forma do processo não constituí obstáculo à admissão da reconvenção.
Acresce que ao juiz compete, no cumprimento do dever de gestão processual – cfr. art. 6.º do CPC -, adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio.
Como igualmente se referiu no Ac. STJ de 25.5.21, Proc. 1761/19...., publicado in dgsi, ‘o[O] que se passa simplesmente é que a introdução da reconvenção em causa é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspetiva da lei, não é suficiente para impedir a reconvenção. De resto, e se se atentar bem nas coisas, são menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em ação própria, discutir a questão das benfeitorias”.
Partilhando dos entendimentos defendidos nos arestos citados, pelas razões e fundamentos apontados em cada um deles, na parte transcrita, é de julgar o recurso procedente, revogando-se, em consequência, a decisão proferida que deve ser substituída por outra que admita a reconvenção e determine o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum devidamente adaptada.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo requerido, revogando-se, em consequência, a decisão proferida que deve ser substituída por outra que admita a reconvenção e determine o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum devidamente adaptada.
Custas pelo vencido a final.
Registe e notifique.
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Guimarães, 4 de Maio de 2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo autográfico, a não ser nos textos transcritos com adesão ao mesmo, e é assinado electronicamente)