Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2856/20.1T8VCT-B.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: REGIME DO ERRO
ERRO DE ESCRITA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A regra do art. 249º do Cód. Civil, que dispõe acerca do erro de cálculo ou de escrita, consubstancia um princípio geral aplicável, nomeadamente aos atos judiciais e das partes.
II - O erro de escrita é rectificável em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

O Banco ... S.A. instaurou, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, execução para pagamento de quantia certa contra os executados J. C. e R. M., oferecendo como título executivo uma livrança (ref.ª 36380406).
No requerimento executivo, a exequente alegou, além do mais, que, “…em virtude de operação bancária realizada no exercício da sua actividade, o Banco Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança, no valor de € 44.182,74, vencida em 18-09-2020, subscrita pela sociedade X Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008. - cf. Doc. 1 (…)” e que “apresentada a pagamento na data do vencimento, a mesma não foi paga então, nem posteriormente, apesar de os executados terem sido interpelados para o fazer” e que o crédito “é certo, líquido e exigível e está suficientemente titulado”.
Com o requerimento executivo foi junta a livrança exequenda e da mesma consta, no local destinado ao “local e data de emissão” “Viana do Castelo 2003-09-16”; na importância “44.182,74 €”; no valor destinado a “Caução” e tem como data de vencimento “2020-09-18”.
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Em 9.11.2020, o executado R. M. deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, nos quais alegou, entre outros, que “não é verdade que a exequente seja dona e legitima portadora da livrança dada à execução que alegadamente, nos termos do requerimento executivo, lhe teria sido entregue para caução de um contrato de conta corrente (..) celebrado com os mesmos em 25.02.2008” (art. 4º dos embargos), que “deixou de ser sócio e de ter qualquer interesse ou contacto com a sociedade avalizada (…) em 2005” (art. 5º dos embargos), e, “em Novembro de 2005, foi integralmente liquidado o valor que à data era devido pela X ao à, data, BANCO ..., S.A.” (art. 6º dos embargos), “que é falso que a livrança dada à execução tenha sido subscrita (…) pelo embargante com caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com aqueles em 25.02.2008” (artigo 7º dos embargos), “que o embargante não subscreveu, em 25.02.2008, nenhuma livrança, designadamente uma livrança a favor do BANCO ..., S.A.” (art. 8º dos embargos), “em 25.02.2008 o embargante não celebrou com a sociedade X e com o BANCO ... um contrato de abertura de crédito em conta corrente” (art. 9º dos embargos), invocando ainda, que não só a embargada não é possuidora legitima da livrança em virtude de o crédito invocado como subjacente à emissão da livrança não foi celebrado com a intervenção do embargante, com ainda é abusivo o preenchimento da referida livrança, entre outros (arts. 10º e 11º dos embargos).
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Através de requerimento apresentado nos autos de execução, em 2.12.2020 (ref.ª 37424538), a exequente informou que, “por lapso de escrita (...), o exequente refere no requerimento executivo que a livrança exequenda foi subscrita pela sociedade X – Construção Mecânica de Engrenagens, Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008, quando a data correta é 16.09.2003”, termos em que requereu que “seja corrigido o lapso de escrita, no sentido de onde se lê 25.02.2008 se passar a ler 16.09.2003”.
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Notificado daquele requerimento o executado R. M. respondeu, opondo-se à rectificação, nos termos requeridos, do invocado lapso de escrita (ref.ª 37622594).
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Datado de 13 de janeiro de 2021, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (ref.ª 46324264):
“Req de 2/12 - Ref: 2976607
Deferido. Corrija-se o lapso de escrita.
Notifique
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso, em 13/04/2021, o executado R. M. (ref.ª 38523595) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O douto despacho recorrido viola do disposto no nº 1 do art. 154º do CPC por não ter sido fundamentado.
2. A falta de fundamentação do despacho recorrido acarreta a sua nulidade por falta de fundamentação, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC).
3. Nulidade que é manifesta e que se impõe que seja declarada, tanto mais que a omissão de fundamentação é total, uma vez que o douto despacho recorrido limita-se às expressões “deferido” e “corrija-se o lapso de escrita”.
4. O artigo 249º do Código de Civil (CC) dispõe que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.”
5. O princípio de retificação constante do art. 249º do CC é aplicável aos atos processuais e assim será aplicável ao requerimento executivo apresentado pela exequente, no entanto aquele preceito impõe que a retificação do simples erro de escrita só possa ocorrer quando esse erro ou lapso se revele pelo próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é efetuada.
6. Ou seja, o erro é retificável apenas e se em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, logo se perceber que o seu autor ou subscritor não só queria dizer outra coisa ou coisa diferente, como ainda se percebe ou se infira que coisa é essa, ou seja, essa retificação só pode ocorrer quando o aludido lapso for ostensivo ou manifesto.
7. Pelo que, se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro ou lapso de escrita, permitindo a dúvida, então não há direito à retificação prevista no art. 249º do CC.
8. Do requerimento executivo não se revela a evidência de qualquer erro.
9. Aliás, a recorrente ficou convencido de que a data indicada (25.02.2008) estava correta.
10. E a recorrida, no requerimento em que veio requerer a retificação do erro, nem sequer alegou qualquer razão para fundamentar a existência do alegado lapso de escrita que ali invoca.
11. É assim manifesto que o pretenso erro invocado pela exequente e recorrida não é nem ostensivo nem evidente, não se revelado pelo teor do próprio requerimento executivo em causa e o executado e ora recorrente não o interpretou, nem podia interpretar como um erro, como aliás resulta patente do teor dos embargos de executado que deduziu, pelo que o douto despacho recorrido, ao ordenar a retificação do alegado erro de escrita, violou o disposto no artigo 249º do CC.
Pelo que, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, pois só assim se fará
JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a exequente, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido (ref.ª 38686077).
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Datado de 6.05.2021, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (ref.ª 46808955):

«R. M., executado no processo executivo nº 2856/20.1T8VCT instaurado pelo Banco ... S.A., veio recorrer do despacho proferido em 13 de Janeiro de 2021, nos termos do qual se deferiu a rectificação de um lapso de escrita no requerimento executivo.
Uma vez que no recurso é suscitada a nulidade do despacho recorrido, importa apreciar a questão suscitada – artigo 617º, do Código de Processo Civil.
O despacho recorrido deferiu a pretensão da exequente e determinou a correcção do lapso de escrita (despacho referência 46324264 de 13 de Janeiro de 2021).
Reconhece-se que o despacho proferido não especificou os fundamentos de facto e de direito de tal decisão pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 613º, nº 2 e nº 3, do C.P.C., supre-se a nulidade invocada.
O Banco ... S.A. instaurou a presente execução contra os executados J. C. e R. M. com base em livrança. A livrança (original) encontra-se nos autos principais a fls. 13 dos autos. No local e data de emissão tem os seguintes dizeres “Viana do Castelo 2003-09-16”, na importância “44.182,74 €”, no valor tem o seguinte dizer “Caução” e tem como data de vencimento “2020-09-18”.
No requerimento executivo, a exequente alega, além do mais, “…em virtude de operação bancária realizada no exercício da sua actividade, o Banco Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança, no valor de e 44.182,74, vencida em 18-09-2020, subscrita pela sociedade X Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008. (…)”.
Pelo requerimento de fls. 19 e 20 do processo principal, veio a exequente informar que, por lapso de escrita, pelo qual desde já se penitencia, o exequente refere no requerimento executivo que a livrança exequenda foi subscrita pela sociedade X – Construção Mecânica de Engrenagens, Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008 quando a data correcta é 16.09.2003. Mais requereu a correcção do lapso de escrita, no sentido de onde se lê 25.02.2008 se passar a ler 16.09.2003.
A parte contrária pronunciou-se nos termos constantes de fls. 22 e 23 dos autos principais, pugnando pelo seu indeferimento pelos motivos aí constantes.
Nos termos do artigo 249º, do Código Civil, “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”.
Atento o disposto no artigo 295º, do Código Civil, o princípio contido no artigo 249º do Código Civil – rectificação de lapso manifesto – é aplicável a todos os actos processuais das partes.
Da leitura, análise e confronto do requerimento executivo, concretamente da exposição dos factos, e do título executivo dado à execução ressalta o erro/lapso de escrita na data indicada como sendo a data de celebração do contrato de abertura de crédito. A livrança destinava-se a caucionar o contrato de abertura de crédito, tendo como data de emissão 16-09-2003, pelo que onde a exequente inicialmente escreveu “25-02-2008” queria ter escrito “16-09-2003”.
Assim sendo, por resultar da conjugação dos factos expostos no requerimento executivo e dos dizeres do título executivo (livrança) que se trata de um mero lapso de escrita, admite-se a sua rectificação.
Nestes termos e pelos motivos acima expostos, defere-se o requerido, ao abrigo do disposto no artigo 249º, do Código Civil, com a consequente correcção/rectificação do lapso de escrita.
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Uma vez que o presente despacho constitui complemento e parte integrante do despacho recorrido, notifique recorrente e recorrido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 617º, nº 3, do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 613º, nº 3, do mesmo diploma legal.
Notifique».
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Notificado desse despacho, pelo qual foi suprida a invocada nulidade do despacho recorrido, o executado, ao abrigo do disposto no art. 617º, n.º 3 do Código de Processo Civil, alargou o âmbito do recurso por si interposto em conformidade com a alteração introduzida ao despacho (ref.ª 38942047), rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O artigo 249º do Código de Civil (CC) dispõe que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.”
2. O princípio de retificação constante do art. 249º do CC é aplicável aos atos processuais e assim será aplicável ao requerimento executivo apresentado pela exequente, no entanto aquele preceito impõe que a retificação do simples erro de escrita só possa ocorrer quando esse erro ou lapso se revele pelo próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é efetuada.
3. Ou seja, o erro é retificável apenas e se em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, logo se perceber que o seu autor ou subscritor não só queria dizer outra coisa ou coisa diferente, como ainda se percebe ou se infira que coisa é essa, ou seja, essa retificação só pode ocorrer quando o aludido lapso for ostensivo ou manifesto.
4. Pelo que, se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro ou lapso de escrita, permitindo a dúvida, então não há direito à retificação prevista no art. 249º do CC.
5. Do requerimento executivo não se revela a evidencia de qualquer erro.
6. Aliás, a recorrente ficou convencido de que a data indicada (25.02.2008) estava correta.
7. E a recorrida, no requerimento em que veio requerer a retificação do erro, nem sequer alegou qualquer razão para fundamentar a existência do alegado lapso de escrita que ali invoca.
8. É assim manifesto que o pretenso erro invocado pela exequente e recorrida não é nem ostensivo nem evidente, não se revelado pelo teor do próprio requerimento executivo em causa e o executado e ora recorrente não o interpretou, nem podia interpretar como um erro, como aliás resulta patente do teor dos embargos de executado que deduziu, pelo que o douto despacho recorrido, ao ordenar a retificação do alegado erro de escrita, violou o disposto no artigo 249º do CC.
Pelo que, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, pois só assim se fará
JUSTIÇA!».
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Notificado das alegações de recurso apresentadas na sequência do despacho proferido em 06.05.2021, respondeu a exequente, dando por integralmente reproduzidas as contra-alegações apresentadas em 27.04.2021, que juntou (ref.ª 38993521).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 47042049).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objecto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) – Da nulidade da sentença recorrida;
ii) – Da (in)verificação do lapso de escrita do requerimento executivo.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidas).
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V. Fundamentação de direito

1. – Nulidade da sentença com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (1).
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito (2).
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos da al. b) n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula quando «[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A apontada nulidade está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do mesmo preceito).
Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina (3) e jurisprudência (4), só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada.

No caso em apreço, no despacho a que se reporta o art. 617º, n.º 1, do CPC, datado 6/05/2021 (ref.ª 46808955), a Mmª Juíza “a quo” expressamente reconheceu que o despacho recorrido não continha especificados os fundamentos de facto e de direito de tal decisão, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 613º, n.ºs 2 e 3, do CPC, supriu a invocada nulidade.
De facto, no aludido despacho datado de 6/05/2021, com vista ao suprimento da suscitada nulidade, a Mm.ª Julgadora não deixou de indicar os fundamentos de facto e de direito da decisão que serviram de pressuposto ao deferimento da correcção/rectificação do lapso de escrita, nos termos do disposto no art. 249º do Cód. Civil.
Aliás, notificado desse despacho, através do qual foi suprida a nulidade do despacho recorrido – passando a considerar-se como complemento e parte integrante deste –, o executado, ao abrigo do disposto nos art. 617º, n.º 3, do CPC, usou da faculdade de alargar o âmbito do recurso por si interposto em conformidade com a alteração introduzida no despacho, mas não reiterou a invocação da nulidade dessa decisão.
Assim, mostrando-se suprida a invocada nulidade, resta-nos considerar prejudicada tal questão.
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2. – Da reapreciação da matéria de direito.

2.1.– Da (in)verificação do lapso de escrita do requerimento executivo.

O presente recurso emerge do despacho proferido nos autos de execução, datado de 13/01/2021 (ref.ª 46324264), complementado com o despacho de 6/05/2021 (ref.ª 46808955), que deferiu o pedido de retificação de um lapso de escrita que constava da exposição de factos do requerimento executivo.
O alegado lapso de escrita corresponde à indicação da data do contrato de abertura de crédito de conta corrente, cuja livrança exequenda servia de caução, propugnando a exequente que tal ocorreu em 16.09.2003, e não, como por lapso indicou no requerimento executivo, em 25.02.2008.
Contrapõe o recorrente, sustentando que, do requerimento executivo, não se revela a evidência de qualquer erro, sendo manifesto que o pretenso erro invocado pela exequente/recorrida não é nem ostensivo nem evidente, não se revelando pelo teor do próprio requerimento executivo em causa e o executado/recorrente não o interpretou, nem podia interpretar, como um erro.
Mais defende que, a existir erro, não é um simples erro de escrita, pois não é nem claro, nem evidente e muito menos ostensivo, mas será, eventualmente, um erro na declaração, o qual não permite retificação nos termos requeridos pela exequente.
Daí conclua que, ao ordenar a retificação do alegado erro de escrita, o despacho recorrido violou o disposto no art. 249º do Código Civil (CC).
A questão que ora se coloca é, assim, a de saber se a situação descrita pode, ou não, ser tida como um lapso material manifesto, susceptível de ser corrigido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 249º do CC.
Antes de responder à questão colocada, justifica-se que, com brevidade, se enunciem alguns princípios fundamentais em sede de vícios da vontade, mais propriamente do erro.
Distingue-se entre o erro na formação da vontade, também chamado erro-vício ou erro-motivo, e erro na declaração, também apodado erro obstativo ou erro-obstáculo, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista fundamentalmente no art. 247º do CC.
O erro-vício, enquanto vício da vontade, traduz-se na incorrecta representação da realidade que foi determinante da vontade de celebrar o contrato.
Já o erro obstáculo ou erro na declaração traduz-se numa divergência não intencional entre a vontade e a declaração, como resultado de um mero lapso, inadvertência ou engano.
O declarante quer dizer (escrever) uma coisa (x) e, por engano, diz (escreve) outra (y). Este engano pode ser devido a um erro mecânico, a um lapsus linguae ou a um erro de ajuizamento (5) (6).
Para o caso apenas interessa o chamado erro de escrita.

Sob a epígrafe “Erro de cálculo ou de escrita”, estatui o art. 249.º do CC:
O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
Este preceito consagra um princípio geral aplicável tanto a actos extrajudiciais como a actos judiciais, pelo que é aplicável a declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial, quer pelas partes, quer pelo juiz (7). Com efeito, por força do disposto no art. 295º do CC, à rectificação de erros de escrita em peças processuais oferecidas pelas partes é aplicável o regime previsto no art. 249º do mesmo diploma para o negócio jurídico (rectificação de lapso manifesto) (8). Isto porque também as peças processuais apresentadas pelas partes devem ser lidas na sua substância, quando delas ou das suas circunstâncias resulta evidente que a sua forma não corresponde ao que se quis expressar e se compreende o que se quis dizer. Quando tal ocorra não se está a violar o princípio da preclusão ou da estabilidade da instância, por resultar do expresso na peça que padece do lapso o que se pretendia afirmar (9).
A lei adjetiva faz aplicação deste princípio, designadamente no art. 614º do CPC.
E, como é entendimento assente na jurisprudência e na doutrina, o princípio contido no art. 614º do CPC., embora se refira a actos do juiz é extensivo a todos os actos judiciais, designadamente aos praticados pelas partes (10).
Como já ensinava Alberto dos Reis (11), “[s]e os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros, omissões e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo.
O que a ordem jurídica exige é que a vontade real prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-de admitir-se necessariamente os meios adequados. Se, for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade.
Pela mesma ordem de razões, se houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se lhe não pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento de exprimir, de modo completo, toda a sua vontade”.
Consequentemente, constituindo o requerimento executivo uma autêntica declaração de vontade da parte – posto ser o ato processual através do qual o credor dá impulso processual à ação executiva (art. 724º do CPC), sendo que a instauração da execução produz efeitos de natureza substantiva e processual –, ser-lhe-á aplicável o princípio contido no art. 249º do CC, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta.
Como se explicitou no Ac. da RC 19/05/2015 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt., um caso muito próximo do erro-obstáculo consiste na ocorrência de um erro de cálculo ou de escrita – lapsus calami - da declaração negocial. É frequente que o declarante faça constar, na sua declaração, algo de errado, não porque tenha sofrido um falsa percepção da realidade – erro-vício – ou porque se tenha enganado na expressão – erro-obstáculo –, mas porque se equivocou nas operações de cálculo ou ao escrever. O erro material dá-se quando o declarante escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor do texto não coincide com o que o declarante tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real: o declarante queria escrever uma coisa e, por lapso, inconsideração, distração, escreveu coisa diversa. Para o erro de cálculo ou de escrita vale um regime diferente da anulabilidade: o da correcção do erro – em vez de se anular a declaração, há simplesmente que corrigi-la (art. 249º do CC). Correcção que retroage ao tempo de emissão da declaração: por força da rectificação, a declaração passa a ter, ab initio, o conteúdo que lhe foi impresso pela declaração de correcção.
A correcção da declaração visa simplesmente fazer coincidir a vontade real com aquela que foi materializada ou exteriorizada, a rectificação do que se escreveu em função daquilo que, efectivamente, se quis escrever.
Decisivo é que se verifiquem os pressupostos da correcção.
Em primeiro lugar, é necessário que seja patente que ocorreu lapso na declaração, que o declarado não correspondia ao pretendido.
O erro só pode ser rectificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto (12).
Deve tratar-se de um lapso ostensivo, em face dos próprios termos da declaração, quer quanto à sua própria existência, quer quanto ao modo de o rectificar (13).
Trata-se, em suma, de um erro notório no sentido de que se apresenta evidente a divergência entre a vontade declarada ou realizada e a realmente querida, divergência que é claramente detectada por qualquer observador comum.
Não é possível por esta via complementar as puras e simples omissões de peças processuais (14).
Não se verificando a imediata aparência do erro, haverá que aplicar o regime geral do art. 247º ou outro qualquer previsto por lei específica (15).
Em segundo lugar, é necessário que seja evidente aquilo que se quis afirmar.
Sendo manifesto o lapso cometido, não pode subsistir qualquer fundada dúvida sobre o que se quis declarar (16).
Em terceiro lugar, é necessário que essa desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar resulte da própria declaração ou das circunstâncias em que a mesma teve lugar.
Lapso manifesto é, em princípio, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de elementos ou documentos inconsiderados, que de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida” (17).
A ostensabilidade do lapso deve resultar do próprio contexto da declaração negocial, mas poderá também advir das circunstâncias que a acompanham.
«Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer. Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o acto devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador». «Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material (18).
Em rigor, o que distingue o erro de escrita (ou de cálculo) do erro obstáculo propriamente dito é a possibilidade de revelação do erro no contexto da declaração, o que significa que o erro tem de ser ostensivo (19).
Feito este enquadramento jurídico é altura de analisarmos o caso concreto.
E, desde já, podemos adiantar que, no caso sub júdice, verificam-se todos os requisitos enunciados no art. 249º do CC, como se passa a explicar.
No requerimento executivo que deu azo à execução a exequente alegou, além do mais, que, “…em virtude de operação bancária realizada no exercício da sua actividade, o Banco Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança, no valor de € 44.182,74, vencida em 18-09-2020, subscrita pela sociedade X Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008. - cf. Doc. 1 (…)”, que, “apresentada a pagamento na data do vencimento, a mesma não foi paga então, nem posteriormente, apesar de os executados terem sido interpelados para o fazer” e que o crédito “é certo, líquido e exigível e está suficientemente titulado”.
Juntamente com o requerimento executivo a exequente juntou uma livrança da qual consta, no local destinado ao “local e data de emissão” “Viana do Castelo 2003-09-16”; na importância “44.182,74 €”; no valor destinado a “Caução”, tendo como data de vencimento “2020-09-18”.
Ora, em face da factualidade supra enunciada, e como (bem) se explicitou no despacho que supriu a nulidade do despacho recorrido, «[d]a leitura, análise e confronto do requerimento executivo, concretamente da exposição dos factos, e do título executivo dado à execução ressalta o erro/lapso de escrita na data indicada como sendo a data de celebração do contrato de abertura de crédito. A livrança destinava-se a caucionar o contrato de abertura de crédito, tendo como data de emissão 16-09-2003, pelo que onde a exequente inicialmente escreveu “25-02-2008” queria ter escrito “16-09-2003”.
Sendo assim, a nosso ver é de secundar a afirmação aí explicitada no sentido de resultar da conjugação dos factos expostos no requerimento executivo e dos dizeres do título executivo (livrança) a verificação de um mero lapso de escrita. Lapso este que se evidencia porquanto a livrança, que se destinava a caucionar o contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, foi emitida em 16.09.2003. O normal seria haver uma correspondência ou contemporaneidade entre a data da celebração do dito contrato de abertura de crédito e a data da emissão da livrança (ou ser esta posterior à do contrato), posto a livrança (alegadamente) servir de caução ou de garantia do bom pagamento das responsabilidades resultantes daquele contrato, não sendo curial que fosse emitida antes do contrato.
Constando da livrança que esta se destinava a servir de caução e que a data da sua emissão é de “2003-09-16” e tendo sido alegado no requerimento executivo que a livrança exequenda cauciona o referido contrato de abertura de crédito, legitimo será extrair da conjugação desses elementos que a livrança em causa se destinava a caucionar o aludido contrato celebrado em 2003, e não qualquer outro contrato alegadamente celebrado em 2008.
Concordamos, por isso, com a recorrida quando refere que o lapso de escrita “resulta evidente de todo o contexto da situação, designadamente da data aposta na livrança exequenda (16.09.2003), que foi anexa ao requerimento executivo e notificada ao recorrente”.
Aliás, embora o recorrente enfatize o facto de, nos embargos de executado, ter fundamentado e estruturado a sua oposição sob a alegação de que a data indicada (do contrato de abertura de crédito) estava correta e que logo por esse facto não era responsável pelo pagamento da dívida da sociedade pois não tinha assinado esse contrato de abertura de conta corrente, porque a sua qualidade de sócio e gerente da sociedade avalizada, a X - Construção Mecânica de Engrenagens, Lda, havia cessado em 2005, e assim não só não tinha assinado o invocado contrato, como a livrança dada à execução não foi entregue como caução de um contrato de abertura de crédito celebrado 25.02.2008, a verdade é que, naquele meio de oposição à execução, não deixou o embargante/recorrente também de alegar que, “em Novembro de 2005, foi integralmente liquidado o valor que à data era devido pela X ao à, data, BANCO ..., S.A.” (art. 6º dos embargos).
O mesmo é dizer que desde logo invocou factos extintivos do crédito exequendo, consubstanciados na extinção (liquidação) das dívidas devidas pela X ao, então, BANCO ..., S.A., vencidas até novembro de 2005, onde se compreende as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 16.09.2003.
De todo o modo, sempre se dirá que a referida argumentação não é impeditiva, nem obsta à rectificação do apontado lapso de escrita cometido no requerimento executivo.
Acresce que, a concluir-se em sede de embargos de executado pela pertinência dos argumentos aduzidos pelo recorrente no tocante à diminuição das suas garantias de defesa, não poderá deixar de ter-se presente que o Código de Processo Civil atribui ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, o poder-dever de dirigir ativamente o processo, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, bem como o poder-dever de adaptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais, assegurando um processo equitativo, em obediência aos deveres de gestão processual e de adequação processual previstos nos arts. 6º e 547º do CPC.
Por outro lado, no tocante ao facto de não ter sido junto com o requerimento executivo o contrato de abertura de crédito cuja livrança visava garantir, dir-se-á que a exequente não estava obrigada a proceder à respectiva junção, visto que a mesma pretendeu valer-se da relação cartular, pelo que estava dispensada de invocar os factos constitutivos da relação subjacente.
Não oferece dúvidas que o título em que se funda a execução é uma livrança assinada pelo embargante na qualidade de avalista.
No que ao caso releva, a livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples, feita no título, de pagar uma determinada quantia pecuniária, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga e a assinatura de quem a passa (subscritor) - art. 75º da LULL.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 15/005/2003 (relator Salvador da Costa), www.dgsi.pt., no «quadro da conveniência da fácil circulação dos títulos de crédito, as relações jurídicas cambiárias decorrentes da subscrição de livranças assumem características que a distinguem da generalidade dos negócios jurídicos.
Nesse quadro de diferença, ressalta do regime das livranças, no confronto entre as relações jurídicas cambiárias e as relações jurídicas subjacentes, além do mais, os princípios da incorporação e da abstracção».
Conforme sobressai do citado aresto, à luz dos princípios da abstração e da incorporação, uma livrança, enquanto título de crédito, de natureza meramente formal, pode ser dada à execução, por valer como suficiente título executivo, dispensando a necessidade de o exequente invocar a relação jurídica subjacente à sua emissão. Nesse caso, haverá tão só de verificar-se os requisitos de validade do título e de regularidade de porte, como condição da sua exequibilidade. Alheada disso mesmo estará a relação jurídica causal, da qual o título cambiário se abstrai (20).
Portanto, a exequente só teria que invocar a relação subjacente se, porventura, estivessem em causa razões de prescrição do título cambiário, sendo nesse caso irrelevantes os requisitos formais de validade da letra, enquanto título cambiário, uma vez que, perdendo o seu valor enquanto título cambiário – caracterizado pela sua abstração, autonomia e literalidade –, a mesma passaria a constituir mero quirógrafo duma obrigação não cambiária.
Só nesse caso, não podendo o título cambiário valer como título executivo, e não sendo feita referência no mesmo à relação subjacente, é que a exequente teria que mencionar no requerimento executivo a obrigação subjacente (21).
Conforme refere Lebre de Freitas (22), uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e este deve acompanhar a petição inicial, bastará, quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que (para além de outras situações ora sem interesse), tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta.
Por conseguinte, no caso em apreço, consistindo o título executivo numa livrança, enquanto título de crédito não prescrito, e intervindo o recorrente na referida livrança na posição de avalista co-obrigado cambiário, é de concluir que a exequente estava dispensada de alegar, no requerimento executivo, os factos constitutivos da relação subjacente, pelo que improcede a questão em análise.
Por isso, ao abrigo do disposto no art. 249º do CC, impunha-se a rectificação do lapso de escrita cometido no requerimento executivo, nos termos determinados no despacho recorrido.
De facto, como se explicitou, o caso dos autos corresponde a um erro de escrita revelado no próprio contexto das declarações, como resulta da conjugação dos factos expostos no requerimento executivo – onde se alegou que a livrança subscrita pela sociedade X Lda e avalizada por J. C. e R. M., se destinou a servir de caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito com os mesmos celebrado – com os dizeres da livrança dada à execução – da qual consta que se destina a servir de caução, tendo como data de emissão 16-09-2003.
Reconduzindo-se o referido erro a um erro de escrita (art. 249º do CC), revelado no próprio contexto das declarações, dá o mesmo direito à respectiva rectificação.
Sendo assim, forçoso será concluir pela confirmação da decisão recorrida, improcedendo as conclusões do apelante.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - A regra do art. 249º do Cód. Civil, que dispõe acerca do erro de cálculo ou de escrita, consubstancia um princípio geral aplicável, nomeadamente aos atos judiciais e das partes.
II - O erro de escrita é rectificável em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 30 de setembro de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
2. Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo n.º 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
3. Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603.
4. Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
5. Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Falta e vícios da vontade (Dogmática e jurisprudência em diálogo), Gestlegal, pp. 67 e 59.
6. O erro obstáculo intervém no trânsito da vontade para a declaração; o erro-vício intervém mais atrás, no processo psicológico de determinação da vontade. O erro obstáculo é, pois, um erro na formulação da vontade, o erro-vício é um erro na formação da vontade. Neste o declarante não disse o que teria querido. Naquele o declarante disse o que não queria dizer (falta ou desvio da vontade da ação) ou em todo o caso disse o que não queria (falta da vontade da declaração ou desvio na vontade negocial). - cfr. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, p. 235. Exemplificando, como refere Mafalda Miranda Barbosa (obra citada, pp. 67/68): - i) A declara comprar o prédio X, quando na realidade quer comprar o prédio Y. Há um dissídio entre a vontade e a declaração, o que nos reconduz a um erro obstáculo. - ii) A. declara comprar o prédio X, por pensar que o mesmo possui grandes quantidades de água, quando na verdade não possui qualquer lençol freático. Neste caso a vontade coincide com a declaração (A diz efetivamente o que quer dizer), embora a sua vontade esteja viciada por essa errada representação da realidade. Trata-se de um erro-vício.
7. Cfr. Maria João Vaz Tomé, em Comentário ao Código Civil, parte geral, Universidade Católica Editora, p. 588; Ac. da RP de 14/04/2015 (relator Fernando Samões) e Acs. da RL de 10/03/2016 (relator Ondina Carmo Alves) e de 15/01/2015 (relator Rui Vouga), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac. da RL de 15/01/2013 (relator Rui Vouga), in www.dgsi.pt.
9. Cfr. AC. da RG 21/05/2020 (relatora Sandra Melo), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Ac. do STJ de 10/12/2009 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt.
11. Cfr. R.L.J, Ano 77, p. 180.
12. Cfr., neste sentido, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 234, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 498, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, p. 35, Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Cód. Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 11ª reimpressão da edição de 1992, Almedina, p. 566.
13. Cfr. Manuel Andrade, obra citada, p. 255.
14. Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2000, Almedina, P. 612.
15. Cfr. Menezes Cordeiro, obra citada, p. 612 e Heinrich Ewald Horster, obra citada, p. 566
16. Cfr. Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. I, Lisboa, 1987, p. 333.
17. Cfr. Ac. do STJ de 14/03/2006 (relator Duarte Soares), in www.dgsi.pt.
18. Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, pp. 82 e 83, apud Ac. da RC de 24/05/2005 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt.
19. Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, obra citada, p. 62. A referida autora ilustra o ponto com os seguintes exemplos: i) - A declara a B que quer vender 100 pares de sapatos, ao preço unitário de 4,5€, quando na realidade queria dizer 5,4€. Estamos diante de um erro obstáculo ou erro na declaração, que deverá ser solucionado segundo os termos gerais do art. 247º do CC. ii) - A declara a B que quer vender 100 pares de sapatos, ao preço unitário de 4,5€, quando na realidade queria dizer 5,4€, mas acrescenta, no final da comunicação escrita, que o valor global da proposta é de 540€. Esta hipótese deve ser integrada no âmbito de aplicação do art. 249º do CC, já que a interpretação global da declaração nos permite perceber de imediato que existe um lapso.
20. Cfr., nesse sentido, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pp. 80/82; Ac. do STJ de 3/05/2005 (relator Azevedo Ramos), Ac. da RP de 10/02/2015 (relator Rui Moreira), Ac. da RP de 15/06/2020 (relator Manuel Domingos Fernandes), todos disponíveis in www.dgsi.pt..
21. Cfr. Ac. do STJ de 15/03/2012 (relator Garcia Calejo), in www.dgsi.pt.
22. Cfr. A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, p. 184.