Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2587/17.0T8BRG-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
AVALIAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
LIMITES
JUÍZOS TÉCNICOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A reclamação contra o relatório pericial pressupõe a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório apresentado ou a falta de fundamentação das suas conclusões. A realização da segunda perícia visa corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira.

2. A parte que requer a realização da segunda perícia tem o dever de justificar o motivo por que pretende a sua realização – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser, ou seja, se existem inexatidões nos resultados da primeira que careçam de correção.

3. O que é pedido ao perito é que faça uma observação técnica - mas objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação.

4. Devem ser arredados dessa avaliação técnica opiniões e avaliações subjetivas, capazes de influenciar a atuação livre e imparcial do julgador. A perícia é apenas um meio de prova que deve ser avaliado livremente pelo tribunal (embora com as limitações que lhe são imposta pelos juízos técnicos dela constantes), e conjuntamente com outras provas, tudo conjugado à luz do princípio da livre apreciação da prova.
Decisão Texto Integral:
Nos presentes autos declarativos com processo comum, nos quais José demanda “X Motors Car Comércio e Distribuição de Automóveis, S. A.”, ambos melhor identificados nos autos, foi proferida a seguinte decisão:

“Veio o A. requerer a realização de segunda perícia, alegando que os esclarecimentos prestados não suprem as deficiências do relatório apresentado.
A R. pugna pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar.
Preceitua o art. 487°, nº 1 do Cód. Proc. Civil que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando, fundadamente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.---
No essencial, as razões da discordância passíveis de fundamentar a realização de segunda perícia reconduzem-se, a nosso ver, na colocação em crise do juízo técnico formulado, por vícios intrínsecos ao mesmo, designadamente no tocante às premissas de que se partiu.---
Ora, no caso vertente, não encontramos no relatório apresentado (conjugado com os esclarecimentos prestados) vícios de contradição ou incoerência que fundamentem a realização de uma segunda perícia.---

Na verdade, como refere a R., entendemos que o A. não encontrou no relatório pericial sustento para a pretensão que formula, na medida em que este se afasta das conclusões que o A. queria ver alcançadas. Por essa razão, assinala o A. deficiências que, em abono da verdade, o relatório não apresenta e, saliente-se, nem logra solicitar concretamente esclarecimentos, limitando-se a concluir (injustificadamente) pela inexistência de resposta cabal aos quesitos formulados.

Vejamos.-

Cumpre desde logo salientar o rigor com que o relatório foi elaborado, o que se evidencia exactamente nas notas prévias do Sr. Perito, através das quais este fornece aos destinatários do relatório, como é o caso do tribunal, ferramentas úteis para a leitura do mesmo. ---

Assim, e contrariamente ao A, julgou o tribunal relevantes as figuras apresentadas (que já eram perceptíveis mas que com os esclarecimentos se apresentam de qualidade inatacável). Tal sucede, nomeadamente, com a figura identificada com o número 4, que explicita o que o sr. Perito considerou como sendo o local da verificação da folga entre as portas de frente e trás. Igualmente se mostrou pertinente a explicação dada (com um exemplo) na legenda da figura 3-C. Daí se retirou a clareza da resposta dada aos quesitos relativos aos desníveis verificados.---

O A pretende esclarecimentos a questões que não colocou (o que é contraditório com o referido em 3° do requerimento de 26/2). Não foi solicitada a indicação das normas técnicas, nem de medições concretas, mas que o perito esclarecesse se há desníveis, resposta essa que é clara. De toda a forma, na resposta aos pedidos de esclarecimentos, é o Sr. Perito ainda mais consistente e rigoroso, fornecendo todos os elementos necessários à completa análise e percepção do relatório.--

Por outro lado, é o Sr. Perito claro na resposta que dá ao quesito relativo à quantificação dos valores necessários à reparação: estes estarão dependentes da desmontagem, acção essa para a qual o sr. Perito não tinha instruções.-

No que concerne à existência de saliências ou amolgamentos, a resposta do Sr. Perito é cabal e mostra-se coerente com o senso comum. Note-se que não nos estamos a reportar a defeitos de construção, mas a danos causados no embate em que o veículo esteve envolvido e que, a existirem, seriam visíveis a olho nu. De resto, como pode alegar o A que eles existem se não tiver sido por ele constatado?-

Relativamente aos danos nas porcas das dobradiças, não se compreende a dúvida do A, pois que se resultava do relatório uma resposta clara ("sim, existem e poderão ter resultado das afinações"), dos esclarecimentos tal resposta evidencia-se ainda mais peremptória.-

Quanto aos barulhos verificados, uma vez mais o A. pretende respostas que excedem o perguntado e que, no entender do tribunal, se mostram desrazoáveis. A pergunta, redigida pelo A. era "Existem ruídos audíveis no veículo?", pelo que se afigura inadmissível que pretenda o A. que o Sr. Perito apresente resultados de medições.-

Em suma, a pretensão do A. afigura-se desproporcionada e não sustentada.
Pelo exposto, decide-se indeferir a realização da segunda perícia…”
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

I. O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 644.°, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) do despacho com a referência n." 159727892 que indeferiu a realização de segunda perícia, fazendo tábua rasa do disposto no artigo 487.°, nº 1 e 3 do CPC.
II. ln casu, o A., aqui Recorrente, demandou a Ré X Motors Car -Comércio e Distribuição de Automóveis, S. A. por esta ter reparado defeituosamente o veículo automóvel, sua propriedade, de matrícula ..., após ter o mesmo estado envolvido num acidente de viação.
III. Logo na petição inicial o A./Recorrente, requereu a realização de prova pericial, o que foi deferido, tendo o objecto da perícia sido fixado tendo em conta o contraditório exercido pela Ré, cfr. despacho com a referência n." 155419015, datado de 16/11/2017.
IV. Concluída a perícia e tendo o A./Recorrente sido notificado do respectivo relatório pericial, apresentou Reclamação, nos termos constantes do seu requerimento, datado de 26/02/2018, o que acabou por ser deferido.
V. Em consonância, apresentou o Perito (…) esclarecimentos, o qual ainda assim não supriu os vícios e inexactidões do inicial, o que motivou o A./Recorrente a requerer a realização de uma segunda perícia, pedido deduzido nos termos constantes nos autos a 04/06/2018.
VI. O A/Recorrente foi bastante claro, preciso e fundamentou devidamente as suas razões de discordância sobre os relatórios pericial e de esclarecimentos, pelo que cumpriu os requisitos legalmente impostos subjacentes ao pedido de realização de uma segunda perícia, cumprindo assim o ónus de alegação que lhe impõe o nº 1 do artigo 487.° do CPC.
VII. Ademais, e como resulta do próprio nº 3 do artigo 487.° do CPC "a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta", pelo que andou mal o Tribunal a quo quando considerou que "entendemos que o A. não encontrou no relatório pericial sustento para a pretensão que formula, na medida em que se afasta das conclusões que o A. queria ver alcançadas", na medida em que o A. não pretende com a perícia impor quaisquer resultados, apenas pretende que sejam alcançados juízos técnicos e objectivos, devidamente fundamentados, sobre o quesitado.
VIII. A prova pericial é um juízo técnico, que exige fundamentação técnica, não se bastando a meras suposições ou considerações, demonstrativa de determinados resultados que permitam fundamentar determinadas conclusões, sendo essencial o estrito cumprimento do dever de fundamentação a fim de se poder apreender as conclusões do relatório pericial, a fim mesmo da prova pericial cumprir os seus desideratos, tendo o Perito violado o disposto no nº 1 do artigo 484.°, norma essa também violada pelo Tribunal a quo já que indefere a realização de uma segunda perícia, acatando um relatório pericial deficiente e obscuro.
IX. O aqui Recorrente não julga as figuras apresentadas pelo Perito como irrelevantes, sendo todavia incompreensível como aquele chega a determinadas conclusões - em concreto, como pode concluir que há folgas dentro de valor recomendado pelo fabricante se não demonstra quaisquer valores, resultados e/ou medições.
X. Mais, qualquer desnível, saliências, amolgaduras, danos e ruídos existentes ou não, hão-de ser tecnicamente apurados, não bastando a referência a considerações subjectivas e à experiência do Perito.
XI. Acresce que nunca foi apresentado junto deste Tribunal nem sequer junto do aqui Recorrente qualquer pedido de desmontagem do veículo em ordem à completude da prova pericial, o que não se concede nem compreende.
XII. Porquanto, tendo o A./Recorrente tempestivamente apresentado o pedido de realização de segunda perícia, tendo fundamentado o mesmo com as razões da sua discordância, deveria a mesma ter sido admitida, pois que não lhe é exigido o recurso a argumentos técnicos - neste sentido, veja-se o vertido nos Acórdãos deste mesmo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n." 2258/14.9T8BRG-B.G1, datado de 14/04/2016, e do processo n." 2847/05.2TBFAF-A.G1, datado de 06/02/2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, pelo que a decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 484.°, nº 1 e 487.°, nºs 1 e 3 do CPC, impondo-se a sua revogação…”.
*
A recorrida veio apresentar contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se deveria ser admitida a realização da segunda perícia requerida pelo A.
*
Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os constantes da decisão recorrida e ainda os seguintes (retirados dos autos):

- O A. demandou a Ré, alegadamente por ela ter reparado defeituosamente o veículo automóvel, de sua propriedade, de matrícula ..., após ter o mesmo estado envolvido num acidente de viação;
- Logo na petição inicial o A. requereu a realização de prova pericial, a qual foi deferida, tendo sido fixado o objecto da perícia, após o exercício do contraditório por parte da Ré;
- Concluída a perícia, e tendo o A. sido notificado do respectivo relatório pericial, apresentou reclamação, nos termos constantes do seu requerimento, datado de 26/02/2018, o que foi deferido;
- O perito subscritor do relatório apresentou esclarecimentos;
- Considerando que continuavam a existir inexactidões no relatório pericial, solicitou o A. a realização de uma segunda perícia;
- A qual viria a ser indeferida, nos termos constantes do despacho recorrido, acima reproduzido.
*
Da realização da segunda perícia:

Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida nos autos (acima transcrita) que indeferiu o seu requerimento a solicitar a realização de uma segunda perícia, pugnando pela sua admissão, alegando que a perícia realizada contém inexactidões que carecem de ser supridas por via de uma segunda perícia.

E temos de concordar com o recorrente.

No final da sua petição inicial o recorrente solicitou a realização de uma perícia ao veículo sinistrado, formulando quesitos, os quais, após o exercício do contraditório pela parte contrária e o despacho proferido nos autos sobre o objecto da perícia, se concretizam no seguinte:

“…Como consequência directa e necessária da reparação à viatura sub judice realizada pela Ré aos danos do acidente ocorrido em 14/04/2015, persistem ainda as seguintes anomalias:
• Desnivel das portas do lado esquerdo, quando comparadas com as do lado direito?
• o pára-choques traseiro, do lado esquerdo, encontra-se descaído, quando comparado com o lado direito?
• a coluna central do carro onde se encontram fixadas as dobradiças da porta lateral traseira esquerda, encontra-se amolgada na sua base?
• o tejadilho, na zona de união com a coluna central do lado esquerdo, encontra-se com uma saliência?
• as porcas das dobradiças das portas da frente e da porta esquerda traseira encontram-se danificadas e com a tinta a estalar, em resultado de sucessivas afinações?
• o puxador exterior da porta lateral traseira do lado esquerdo prende ao abrir a porta?
• Ruidos audiveis no veiculo? Em que locais?
5. Tais danos são causa directa do sinistro ocorrido em 14/04/2015 ou terão outra causa?
6. As anomalias relatadas são susceptíveis de colocarem em causa a integridade fisica dos ocupantes do veículo?
7. Qual o custo para a reparação das anomalias existentes, descriminando-se o valor de cada uma delas?
8. Qual o tempo necessário para a reparação?"
*
Foi elaborado relatório pericial no qual o sr. perito começa por justificar a técnica usada na realização da peritagem, dizendo que, no que respeita às folgas da viatura “…realizou-se também uma medição completa ás folgas da carroçaria recomendadas pelo fabricante, confrontando-as com a normativa técnica da BMW. É necessário esclarecer que os veículos quando saem de fábrica trazem valores que respeitam um intervalo da normativa técnica, que passo a explicar melhor…” juntando ao relatório fotografias dessas normas técnicas e as medições das folgas no veículo objecto da perícia.

E em jeito de esclarecimento diz o seguinte: “Não é possível, nem esperado, que mesmo nos veículos saídos de fábrica se consiga obter a mesma folga de um lado e do outro. O que tem de ser respeitado é o intervalo, ou seja, se o valor é 4,5 + - 0,8 mm, significa que dos dois lados (direito e esquerdo) temos de ter valores que estejam no intervalo de 3,7 mm a 5,3 mm…”.
Quanto aos puxadores das portas da esquerda, diz que se fizeram testes para detetar a maior ou menor dificuldade do abrir de porta, assim como o verificar do "prender" quando se tentava abrir a porta, e verificou-se que o puxador estava em bom funcionamento.
Quanto aos barulhos da viatura diz que foi feito um teste de estrada para verificar alguns barulhos mencionados nos quesitos, assim como verificar as respetivas condições de segurança do veículo.

E dá a seguinte resposta aos quesitos formulados:

Quanto ao desnível das portas: “Os valores das folgas ou "desnível" das portas do lado esquerdo comparadas com as do direito são diferentes, mas dentro do intervalo recomendado pelo fabricante”.
Quanto ao desnível do pára-choques traseiro: “Utiliza-se aqui a mesma resposta dada anteriormente, valores diferentes, dentro do intervalo do fabricante”.
Quanto à amolgadura na coluna central do carro: “Não se encontra amolgada na sua base”.
Quanto à saliência existente no tejadilho: “Não tem saliência nenhuma visível a olho nú”.
Quanto às porcas das dobradiças das portas: “Sim, encontram-se com a tinta a estalar, que pode ter resultado de sucessivas afinações, ou de outra causa”.
Quanto ao puxador exterior da porta: “Nos ensaios efetuados não encontrei nenhum destes episódios ou defeitos, o "prender ao abrir"”.
Sobre os ruídos audíveis no veículo: “Existem ruídos no veículo, que são ténues mas audíveis. Dividem-se em 3 tipos:
- Pequeno ruído, quase inaudível, que se assemelha a algo interior á forra da porta, quer esquerdo quer direito, solto.
- Ruído bem audível no compartimento do motor, que parece ser do encaixe (mau encaixe no caso) do filtro do ar do motor.
- Ruído bem audível, particularmente na parte de trás da viatura para quem viaja no banco traseiro, que indicia algo desapertado ou solto sob o forro do tejadilho interior, na zona da aplicação elétrica do terceiro stop”.

Sobre se tais danos são causa directa do sinistro: “Os pequenos ruídos ou barulhos nas portas, só após a desmontagem das mesmas se poderá verificar e confirmar a causa. Podem ter tido causa no sinistro. O outro ruído no forro do tejadilho, junto ao terceiro stop, não há qualquer nexo de causa efeito com a intervenção, pois não existiu desmontagem do tejadilho.

Sobre se as anomalias relatadas são susceptíveis de colocarem em causa a integridade física dos ocupantes do veículo: “Nenhuma das anomalias mencionadas coloca em causa a integridade física dos ocupantes do veículo”.

Quanto ao custo da reparação das anomalias: “Trata-se de pequenas intervenções, sendo que para orçamentar será necessário verificar com a desmontagem dos componentes citados, para ver exatamente que danos ou que elementos são necessários substituir. Pode-se estimar uma ordem de grandeza para tal, basicamente de mão de obra, que não ultrapassará os 300 euros”.

Sobre o tempo necessário para a reparação: “Aplica-se o mesmo critério utilizado no quesito anterior, e estimar ao invés de orçamentar, dando uma ordem de grandeza, que no caso será de cerca de 1 a 2 dias máximo”.
*
Notificado do relatório pericial veio o A dele reclamar, considerando o mesmo deficiente e obscuro e com algumas contradições, considerando que o mesmo viola critérios de objetividade e imparcialidade que se impõem na prova pericial.

E aponta os defeitos de que padece, na sua otica, a perícia realizada, dizendo essencialmente que o sr. perito não aponta, de forma objectiva, as medições das folgas do veículo, como efectuou essas medições e o resultado das mesmas, concluindo assim que o relatório é omisso quanto à folga efectivamente existente no veículo.

E no que toca aos quesitos propriamente ditos, diz que quanto ao "desnível das portas do lado esquerdo quando comparadas com as do lado direito" o perito não responde concreta e objectivamente, isto é, não apresenta resultados de medições, valores concretos, nem discrimina a diferença que aponta; limita-se a concluir vagamente que ele se situa "dentro do intervalo recomendado pelo fabricante", conclusão essa que não se mostra devidamente fundamentada.

E o mesmo se passa quanto á resposta dada à questão do desnível do pára-choques traseiro, em que o perito se limita a remeter para a resposta do quesito precedente, e assim, mais uma vez não discrimina valores de referência e valores resultantes da perícia ao veículo, respondendo de forma deficiente, pouco clara e infundada.

Reclama também o A. da resposta dada aos demais quesitos, dizendo, nomeadamente, que o perito não explica como chegou às conclusões constantes do relatório pericial.
*
Deferida a reclamação apresentada e notificado o perito para prestar os esclarecimentos solicitados, veio o mesmo a fazê-lo, justificando as técnicas usadas na medição das folgas da viatura, e acrescentando que não lhe foram pedidos valores absolutos mas apenas comparativos, pelo que respondeu dessa forma, reiterando nas respostas dadas aos esclarecimentos solicitados que “…as folgas específicas em cada um dos locais não foram pedidas, somente a comparação, e essas após a verificação no veículo constatou-se que estavam no intervalo ou tolerância permitida pelo fabricante”.

Quanto á reclamação sobre o "desnível das portas do lado esquerdo quando comparadas com as do lado direito", o perito esclareceu que “…embora existam diferenças entre os lados (esquerdo e direito) essas mesmas diferenças estarão no intervalo de tolerância que o fabricante recomenda. Relevante na medida em que existem diferenças mas não advém daí um defeito.”

Relativamente ao pára-choques traseiro, esclareceu o perito que “…me foi muito difícil perceber o âmbito da pergunta, nomeadamente como poderia “medir” o descaimento”, pois um ângulo não seria adequado, mas uma medida linear também não se aplicaria, pelo que fui pelo que me pareceu mais lógico e dei uma resposta com base nisso mesmo”.

No que concerne à coluna central do carro, o perito explica a metodologia usada para a avaliação deste tipo de situação que “…é olhar para o local de ângulos diferentes e usar a reflexão da luz na superfície como ajuda. Por vezes passar a mão pelo local também ajuda, pois o tato é por vezes mais discriminador de pequenos detalhes que a visão, neste tipo de problemas. Esta é a maneira com que os profissionais de pintura de automóveis trabalham”.

Em relação à saliência no tejadilho, esclareceu o perito que “…A existência de uma saliência é somente importante no contexto estético (que mais poderá ajudar ter ou não ter uma saliência, pois certamente na aerodinâmica não interfere), pelo que se usou a maneira mais objectiva de avaliar o contexto estético que é usar a visão. Mais uma vez refiro que este é o método que os profissionais de pintura usam.

Quanto às porcas das dobradiças das portas da frente e da porta esquerda traseira, esclareceu que “…Mantém que a tinta estalada pode ter origem nas afinações efectuadas para afinar as portas ou seja, equalizar as folgas entre painéis”.

Relativamente à existência de ruídos audíveis no veículo, esclareceu que “Entramos uma vez mais aqui no domínio da experiência do perito pois não consigo objectivamente explicar como consigo percepcionar que o barulho vem de um lugar ou de outro. O ouvido humano é capaz de entender com uma imensa precisão ruídos que os aparelhos embora possam medir não conseguem identificar nem especificar”.

Quanto ao custo para a reparação das anomalias existentes, esclareceu que “utiliza-se o método da estimativa, pela impossibilidade do método da orçamentação, sendo mencionado que esta (orçamentação) só será possível após a desmontagem…”.

Por fim, no que toca ao tempo necessário para a reparação, esclareceu que “Não é difícil estimar, é difícil orçamentar sem desmontagem. O valor de cerca de 300 euros e o tempo de execução de 1 a 2 dias, é uma estimativa e é simples de obter e tem a ver com as horas de início de trabalho e se este será feito por um ou 2 mecânicos”.
*
O autor, notificado do relatório de esclarecimentos, veio então solicitar a realização da segunda perícia, alegando que persistem no mesmo as contradições e obscuridades de que enfermava o relatório pericial inicial.

Concretamente, diz que o relatório de esclarecimentos é omisso relativamente aos custos e modos de reparação; no que toca às medições das folgas no veículo, continuam omitidos os resultados; quanto aos valores dos desníveis das portas, não são apresentados nenhuns valores; quanto ao desnível do pára-choques traseiro do lado esquerdo, não se apresenta qualquer esclarecimento; em relação à coluna central do carro, explica o perito porque considera que não está amolgada, o que é contraditado pelo estado do veículo; no que concerne ao tejadilho, não aceita o que é dito pelo perito, de que uma saliência só terá importância no contexto estético; quanto às porcas das dobradiças das portas, não se discrimina a génese do dano e a extensão da tinta estalada; e quanto aos ruídos da viatura, não são apresentados quaisquer resultados de medições nem ao que se reportam efectivamente os ruídos.

Conclui que o relatório de esclarecimentos continua a estar envolto de incertezas, subjectividade e suposições, o que compromete a objectividade e clareza que se impõem à prova pericial.
*
Ora, como fomos adiantando acima, assiste razão ao recorrente no que respeita à forma como foi dada resposta a alguns dos quesitos formulados (essenciais para a decisão final da causa, cujo objecto era a deficiente reparação dos danos sofridos na viatura do A).
*
Em jeito de introdução diremos que a prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).

Realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objecto (artº 484º do CPC), o qual é notificado às partes, que dele podem reclamar, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas (artº 485º nº1 e 2 do CPC). A reclamação consiste, assim, em apontar a deficiência ao relatório apresentado e pedir que a resposta seja completada; em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido; em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita; ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas.

Deferida a reclamação, pode o tribunal determinar que o perito supra as deficiências do relatório, por escrito, ou então que preste os esclarecimentos solicitados, oralmente, na audiência de julgamento (artº 486º do CPC).

Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira.

Efetivamente, nos termos do disposto no artº. 487º do CPC “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (nº. 1), sendo que “a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (nº. 3).

Actualmente, como resulta do citado artº. 487º nº 1 (correspondente ao 589º nº1 do anterior CPC sem quaisquer alterações), exige-se que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

Ou seja, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo ainda exigido a quem a requer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554 e ac desta RG de 7/05/2013, disponível em www.dgsi.pt).

Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004 (também disponível em www.dgsi.pt.) “A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira” (no mesmo sentido, Ac desta RG de 17/01/2013, também disponível em www.dgsi.pt).

Esta exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, ou seja, impedir que seja utilizada como "mero expediente dilatório" ou "mera chicana processual"; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia, atento o disposto no n.º 3 do art. 487º do Código de Processo Civil (cfr. neste sentido Ac STJ, de 25-11-2004; da RP, de 23-11-2006 e de 07-10-2008; da RL, de 28-09-2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Acentua-se ainda que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (artº. 489º do CPC), sendo a segunda perícia mais um meio de prova que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos (Fernando Pereira Rodrigues “Os Meios de Prova em Processo Civil”, Março de 2015, Almedina, pág. 151 e ac desta RG de 22/06/2010 acessível em www.dgsi.pt).
*
Ora, perante este primeiro enquadramento legal, logo se vê que o pedido de esclarecimentos feito pelo A ao relatório pericial foi mal equacionado, porquanto o que se pretendia logo na reclamação apresentada era impugnar o resultado da perícia e não o relatório apresentado, pois, como se verifica pela conjugação das normas citadas, são expedientes processuais distintos e inconfundíveis a reclamação contra o relatório pericial e o pedido de realização de segunda perícia.

A reclamação pressupõe a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório apresentado ou a falta de fundamentação das suas conclusões. A realização da segunda perícia visa corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira perícia.

São mecanismos processuais distintos e inconfundíveis, quanto aos respectivos pressupostos e finalidades, a reclamação contra o relatório pericial e o pedido de realização de segunda perícia (Ac desta RG, de 19 de Maio de 2016, também acessível em www.dgsi.pt).

Se a reclamação for atendida, ela dá lugar a que o juiz ordene que o perito complete, esclareça ou fundamente o relatório. A segunda perícia, pelo contrário, pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao juízo técnico da primeira perícia, e destina-se a corrigir as inexactidões daquela.

Ora, o que verificamos dos autos é que no seu requerimento a pedir esclarecimentos, o recorrente logo ali aponta inexatidões à própria perícia e aos resultados da mesma, consignados no respectivo relatório, perícia que apoda de falta de objectividade e imparcialidade.

Ou seja, é fácil verificar que logo nesse requerimento o A se insurge contra a própria perícia e não contra o relatório apresentado.
*
Seja como for, deferida que foi a reclamação e o pedido de esclarecimento apresentado, insatisfeito com os mesmos, veio o recorrente pedir finalmente o que sempre quis: a realização de uma segunda perícia, por considerar que os resultados da primeira eram deficientes e inexactos, o que foi indeferido pelo tribunal, por se considerar, genericamente, que o perito respondeu de forma clara e completa aos quesitos formulados.

Começamos por dizer que não temos dúvidas em afirmar que a realização da segunda perícia é sindicável pelo tribunal, considerando-se, nomeadamente, que a primeira perícia deu já cumprimento ao pedido da parte e que nela se respondeu já às questões solicitadas, embora não possam ainda ser emitidos juízos de valor sobre o resultado da mesma. A intervenção do tribunal deve aqui limitar-se a aferir se a prova pericial – a primeira perícia – cumpriu já os desideratos do pedido do A.

Efetivamente, a lei diz que a segunda perícia se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira (artº 487º nº3 do CPC), exigindo-se no nº 1 do preceito que a parte fundamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado.

Ou seja, a parte tem o dever de justificar o motivo por que pretende a realização da segunda perícia – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser – se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção.

Ela é, por isso sindicável, como o são, no geral, todas as provas requeridas pelas partes – devendo o tribunal emitir sobre as mesmas um juízo, não só de legalidade, se elas são legalmente admissíveis –, mas também se elas são pertinentes e têm por objecto a prova dos factos que se propõem provar.

Isso mesmo resulta, cremos que de forma clara, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, ao ali se referir que “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.

Isto para concluir que o requerimento da parte a solicitar a realização da segunda perícia pode ser indeferido pelo tribunal, se se considerar que na primeira perícia o perito já respondeu de forma clara e completa aos quesitos formulados.
*
Não consideramos, no entanto, que assim tenha acontecido no caso dos autos.

Analisado o relatório pericial apresentado (e respectivos esclarecimentos), verificamos nele, de facto, algumas respostas diretas e concretas a alguns dos quesitos formulados, que não merecem reparo.

Referimo-nos às respostas dadas pelo perito quanto a não se encontrar amolgada na sua base a coluna central do carro; quanto à inexistência no tejadilho, de uma saliência; quanto às porcas das dobradiças das portas se encontrarem danificadas e com a tinta a estalar, em resultado de sucessivas afinações; quanto à inexistência de deficiência do puxador; e quanto à existência de ruídos no interior da viatura.

A apreciação que o perito fez dessas questões, com base nos seus conhecimentos técnicos e percepções diretas, justificando, a nosso ver de forma perceptível e aceitável, a forma como procedeu à avaliação daquelas situações e dos mecanismos de que se socorreu para alcançar as conclusões a que chegou, não nos merecem qualquer reparo.

Por outro lado, quanto aos quesitos relacionados com o custo e tempo de reparação da viatura, embora o sr. perito a eles tenha respondido – em termos de estimativa –, eles afiguram-se-nos de todo irrelevantes para a decisão final da causa, dado que o pedido formulado pelo A nas alíneas i) e ii), é a condenação da ré a reparar o veículo, suprindo as deficiências decorrentes das suas intervenções no mesmo, o que irá vincular o tribunal em termos de pedido formulado (artº 609º nº1 do CPC), sendo por isso irrelevante apurar qual o custo e tempo da reparação da viatura.

As inexactidões que verificamos na perícia realizada prendem-se já com os quesitos relacionados com o Desnivel das portas do lado esquerdo, quando comparadas com as do lado direito”; e com a questão de saber se o pára-choques traseiro, do lado esquerdo, encontra-se descaído, quando comparado com o lado direito”.

Não se pode desde logo aceitar, no resultado da perícia, a técnica utilizada pelo sr. perito, no que respeita às folgas da viatura, nomeadamente com recurso a normas técnicas da marca. Referimo-nos à afirmação vertida no relatório pericial de que se “…realizou também uma medição completa ás folgas da carroçaria recomendadas pelo fabricante, confrontando-as com a normativa técnica da BMW. É necessário esclarecer que os veículos quando saem de fábrica trazem valores que respeitam um intervalo da normativa técnica, que passo a explicar melhor…” juntando ao relatório fotografias dessas normas técnicas e as medições das folgas no veículo objecto da perícia.

E também não é aceitável o esclarecimento prestado pelo perito de que “Não é possível, nem esperado, que mesmo nos veículos saídos de fábrica se consiga obter a mesma folga de um lado e do outro. O que tem de ser respeitado é o intervalo, ou seja, se o valor é 4,5 + - 0,8 mm, significa que dos dois lados (direito e esquerdo) temos de ter valores que estejam no intervalo de 3,7 mm a 5,3 mm…”.

Consequentemente, também não é aceitável a resposta dada aos quesitos relacionados com essas anomalias.

Quanto ao desnível das portas, foi respondido pelo sr. perito que “Os valores das folgas ou "desnível" das portas do lado esquerdo comparadas com as do direito são diferentes, mas dentro do intervalo recomendado pelo fabricante”; e quanto ao desnível do pára-choques traseiro, foi respondido o seguinte: “Utiliza-se aqui a mesma resposta dada anteriormente, valores diferentes, dentro do intervalo do fabricante”.

Verificamos assim na perícia realizada, e nas passagens transcritas do relatório pericial, que a mesma se mostra apartada da objectividade e distanciamento que é exigível ao juízo pericial, aqui residindo, cremos, a inexactidão da perícia, que urge corrigir, nos termos previstos no artº 487º nº3 do CPC.

Perguntava-se efectivamente nos quesitos formulados se as portas da viatura do lado esquerdo (local onde se deu o embate na viatura) se encontram com desnível em relação às do lado direito. Ora, embora se tenha pedido ao perito um juízo comparativo, para a ele chegar, afirmando-o, haveria de medir-se esse desnível e apresentá-lo no relatório pericial, sendo essa realidade pedida ao perito por ele ser a pessoa indicada a fazer as medições que o tribunal não pode efectuar nem domina.


Ora, como se pode constatar da análise do relatório e dos esclarecimentos posteriores, não foi dada uma resposta objectiva e clara a essa questão, limitando-se o perito a referir que existe esse desnível mas que ele é aceitável face às norma do fabricante – incluindo na resposta ao quesito, salvo o devido respeito, um juízo de valor que não lhe foi perguntado. Essa questão, eventualmente a debater nos autos (com a ré a fazer chegar aos mesmos as respectivas normas técnicas), haveria de ser decidida pelo tribunal, o qual poderia concluir que se o desnível fosse de tal forma pequeno - face às normas técnicas do fabricante -, poderia não justificar a reparação do mesmo. Não poderia era o perito substituir-se ao tribunal e concluir, desde logo, que esse desnível existe mas é aceitável.

E o mesmo se passa com o pára-choques traseiro do lado esquerdo e o seu desnível relativamente ao lado direito, cabendo ao sr. perito analisar apenas a existência desse desnível, com recurso às técnicas niveladoras ao seu dispor, e transmiti-las aos autos, fazendo-as constar do relatório apresentado. Mais uma vez, seria depois o tribunal a aferir se o desnível existia ou não e se era relevante em termos de reparação.

A resposta a estes quesitos – da forma como foi apresentada – era por si só suficiente, cremos, para justificar a realização de uma segunda perícia, a fim de serem sanadas aquelas incorrecções, traduzidas, como vimos, num subjectivismo que não pode ser aceite, mesmo no âmbito da prova pericial.

O que é pedido ao perito é que faça uma observação técnica - mas objectiva -, do objecto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação. Devem ser arredados dessa avaliação técnica opiniões e avaliações subjectivas, capazes de influenciar a atuação livre e imparcial do julgador. A perícia é apenas um meio de prova que deve ser avaliado livremente pelo tribunal (embora com as limitações que lhe são imposta pelos juízos técnicos dela constantes), e conjuntamente com outras provas, tudo conjugado à luz do princípio da livre apreciação da prova.

O contributo dado pela perícia ao tribunal é apenas o de auxiliar o tribunal a resolver questões técnicas que o juiz não domina nem são da sua área de competência – como é o caso de efectuar medições numa viatura que se encontra desnivelada após uma alegada reparação defeituosa; não que o perito emita as suas próprias opiniões ou conclusões sobre o resultado da perícia.

Concluímos do exposto que o relatório pericial apresentado contém deficiências – falta de medições que deveriam constar na resposta aos quesitos –, assim como opiniões e juízos de valor que não devem fazer parte da perícia, deficiências que os esclarecimentos prestados pelo perito não supriram.
Outra solução não restava ao A. senão denunciá-las e requerer uma segunda perícia, o que deveria ser deferido.

Procedem, assim, as conclusões de recurso do apelante, devendo ser deferido o seu pedido de realização da segunda perícia.
*
DECISÃO:

Pelo exposto Julga-se procedente a Apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida no sentido de dever ser admitida a segunda perícia requerida pelo A.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique
*
Sumário do acórdão:

I- A reclamação contra o relatório pericial pressupõe a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório apresentado ou a falta de fundamentação das suas conclusões. A realização da segunda perícia visa corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira.
II- A parte que requer a realização da segunda perícia tem o dever de justificar o motivo por que pretende a sua realização – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser, ou seja, se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção.
III- O que é pedido ao perito é que faça uma observação técnica - mas objectiva -, do objecto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação.
IV- Devem ser arredados dessa avaliação técnica opiniões e avaliações subjectivas, capazes de influenciar a atuação livre e imparcial do julgador. A perícia é apenas um meio de prova que deve ser avaliado livremente pelo tribunal (embora com as limitações que lhe são imposta pelos juízos técnicos dela constantes), e conjuntamente com outras provas, tudo conjugado à luz do princípio da livre apreciação da prova.
*
Guimarães, 14.2.2019