Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1372/17.3T8BRG.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PARTILHA JUDICIAL
CABEÇA DE CASAL
ILEGITIMIDADE SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Ocorre impossibilidade superveniente da lide quando se extingue um dos direitos em conflito, porquanto os interesses conflituantes no processo se reuniram nas mesmas pessoas, fenómeno conhecido na teoria da relação jurídica pelo nome de “confusão”;

II – Feita a partilha, os poderes de administração sobre os bens adjudicados que até aí cabiam ao cabeça-de-casal, bem como os poderes que, a cada um dos herdeiros e por força da qualidade de contitulares do direito indivisível que recai sobre o conjunto da herança, cabiam na defesa do acervo hereditário, passam a integrar a esfera jurídica dos herdeiros a quem os ditos bens foram adjudicados, pelo que, coincidindo os herdeiros a quem os mesmos foram adjudicados com quem alegadamente tinha na sua posse os ditos bens e a quem o cabeça-de-casal/herdeiro pedia a respetiva restituição, forçoso é concluir que, com a dita partilha, se reuniram nas mesmas pessoas as qualidades de titular do direito à restituição e de sujeito passivo da correspetiva obrigação de restituir, o que conduz à extinção das relações jurídicas controvertidas na ação;

III – No caso da legitimidade extraordinária ou indireta, a legitimidade depende da efetiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indireta, não se aferindo, pois, pela mera configuração dada pelo autor à ação, mas antes à configuração que lhe é dada por ambas as partes e resulta do normal desenvolvimento da lide, podendo, por isso, ocorrer situações de ilegitimidade superveniente;

IV – Por força da partilha judicial, os poderes do cabeça-de-casal extinguiram-se, cessando, pois, face à perda da sua qualidade de cabeça-de-casal, a legitimidade processual da autora, pressuposto este cuja verificação, no despacho saneador, é de conhecimento oficioso, não se podendo, tão pouco, proceder ao chamamento dos demais “herdeiros” à ação quando a herança já se mostra partilhada.

V – E o mesmo se diga no que toca aos poderes dos herdeiros para, nessa qualidade (e em litisconsórcio necessário legal), formularem pedido de indemnização a favor da herança, porquanto tais poderes, obviamente, só se mantêm enquanto a herança não for partilhada, isto é, enquanto se mantiver como uma universalidade jurídica.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

A “Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por Óbito de J. M., representada pela cabeça-de-casal M. F.” intentou a presente ação contra J. A., J. P. e Maria, pedindo:

a) a condenação do segundo réu e da terceira ré, solidariamente ou a título individual, a restituírem à cabeça-de-casal a posse material e a detenção dos imóveis identificados em art. 5º e 6º da PI, bem como o seu recheio, entregando-lhe os mesmos ou facultando o acesso irrestrito e a disponibilidade dos ditos bem como a entregar à herança o valor de € 23.800,00 (vinte e três mil e oitocentos euros) bem como o valor de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros) pelos meses de uso, respetivamente, dos bens imóveis em questão;
b) a condenação da terceira ré a restituir à cabeça-de-casal a posse material e a detenção dos imóveis identificados em art. 7º e 8º da presente PI, entregando-lhe os mesmos ou facultando o acesso irrestrito e a disponibilidade dos ditos, bem como a entregar à herança o valor de € 12.000,00 (doze mil euros) e € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) pelo uso e desgaste dos bens móveis acrescido pelo seu uso desde o falecimento do de cujus;
c) subsidiariamente, a condenação do segundo réu e a terceira ré, solidariamente ou a título individual, a entregarem à herança o valor de € 23.800,00 (vinte e três mil e oitocentos euros) bem como o valor de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros) pelos meses de uso, respetivamente, dos bens imóveis em questão acrescido do valor de juros de mora quantificados desde a data da citação;
d) mais condenando a terceira ré a entregar à cabeça-de-casal o valor de € 12.000,00 (doze mil euros) e € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) pelo uso e desgaste dos bens móveis acrescido pelo seu uso desde o falecimento do de cujus, acrescido do valor de juros de mora quantificados desde a data da citação.

Os réus J. P. e Maria contestaram arguindo, além do mais, a inutilidade superveniente da lide atento o facto de no âmbito do processo de inventário, em sede de conferência de interessados, ter sido, por acordo, realizada a partilha dos bens, nos termos da qual o imóvel e respetivo recheio a que se alude no artigo 5º da petição inicial foi adjudicado no processo de inventário à ré Maria, o imóvel e respetivo recheio a que se refere no artigo 6º da petição inicial foi adjudicado, em comum e partes iguais, no processo de inventário às interessadas J. A. e M. F.; os bens móveis a que se aludem nos artigos 7º e 8º da petição inicial foram adjudicados aos réus contestantes Maria e J. P., respetivamente.

Realizou-se a audiência prévia, tendo o Tribunal comunicado às partes que em face dos elementos constantes dos autos e designadamente do acordo alcançado quanto à adjudicação dos bens na conferência de interessados realizada nos autos de inventário nº 3731/09.6TBBCL, se suscitava a verificação de causa geradora da inutilidade superveniente da lide, facultando-lhes se pronunciassem sobre a possibilidade da extinção da instância com base nesse fundamento.

As partes mantiveram as posições defendidas nos articulados.

No despacho saneador, foi, então, proferida decisão a declarar extinta por inutilidade superveniente da lide a instância quanto aos pedidos de restituição dos bens e verificada a autoridade de caso julgado conducente à improcedência do pedido indemnizatório, assim tendo sido absolvidos os réus do pedido.

Inconformada com o referido saneador, a Autora interpôs o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

. A recorrente não concorda com a douta sentença que julga extinta por inutilidade superveniente da lide a instância quanto aos pedidos de restituição de bens e verificada a autoridade do caso julgado que conduz à improcedência dos pedidos indemnizatórios.
. A sentença proferida na decorrência do probatório de que no dia 16.Março.2017, realizou-se a conferência de interessados nos autos de inventário que corre termos pelo Juízo Local de Barcelos, com o nº 3731/09.6TBBCL, em que os interessados acordaram a partilha e adjudicação dos bens a partilhar, considera ter-se verificado a inutilidade superveniente da lide e daí a desnecessidade de sobre a restituição cair pronúncia judicial.
. O processo de inventário não findou na conferência de interessados, mas apenas foi concluída a primeira parte do seu percurso normal de partilha que há-de seguir-se, apenas terminou a fase preparativa da partilha indo o processo a caminho da sua fase decisiva em que se faz atribuição dos bens que constituem a herança e se dá execução do deliberado na conferência. Segue-se então a partilha, com o despacho sobre a forma de partilha – cf. artº 1373º, CPC, o preenchimento dos quinhões – cf. artº 1374º, CPC, a elaboração do mapa de partilha, reclamações ao mapa – cf. artº 1371º, CPC e finalmente a sentença homologatória da partilha, da qual ainda cabe recurso – artº 1382º, cujo efeito é a atribuição aos interessados dos bens do autor da herança, comprovado nos autos o pagamento das tornas.
. A sentença homologatória da partilha é o único ato pelo qual é reconhecida a propriedade exclusiva dos bens adjudicados a cada herdeiro, os quais até à sentença integram a massa hereditária, pelo que com a realização da conferência de interessados, não ocorre ainda a partilha, sendo por isso de toda a utilidade a decisão sobre os pedidos formulados.
. A sentença em crise ao convocar a força da autoridade do caso julgado, que visa impor o efeito positivo da força vinculativa da sentença de mérito antes proferida e transitada em julgado, desconsidera que não se verifica a necessária relação de prejudicialidade entre o processo de inventário e a presente causa, na medida em que no inventário a causa de pedir é a morte do autor da herança e nos presentes é a posse intitulada, que o pedido formulado no inventário é o termo da comunhão hereditária estando aqui em causa o pedido de indemnização a título de enriquecimento sem causa.
. Os despachos proferidos no processo de inventário, aos quais a sentença atribui o efeito da força da autoridade do caso julgado, não configuram uma sentença que decida um incidente com a estrutura duma ação, de forma definitiva e com trânsito em julgado.
. Os despachos em que se louva a sentença não tem caráter decisivo e definitivo, revelam sim no contexto uma natureza precária e provisória, cujo conteúdo não transita em julgado.
. Aqueles despachos não configuram uma sentença que decida um incidente com a estrutura duma causa, muito menos de forma definitiva como supra se disse, razão pela qual por aqueles não se alcança o efeito de caso julgado material – cf. artº 619º, CPC, porque aí não foi proferida uma decisão de mérito por inviabilidade jurídico-processual, porque o processo de inventário não é a ação adequada para conhecer do direito de posse intitulada e da reparação a título de enriquecimento sem causa, conforme prescreve a norma do artº 2º, nº 2, CPC, pelo que a decisão/sentença a proferir sobre tal matéria naqueles autos, sendo certo que decisão de mérito alguma havia a proferir, sempre seria de absolvição da instância, nos termos do disposto no artº 576º, nº 2, CPC.
. Como não foi proferida sentença alguma, ou decisão de mérito, não se constitui pressuposto processual indiscutível de outras decisões de mérito.
10ª. A sentença em mérito não faz correta interpretação e aplicação da força de autoridade do caso julgado, na medida em que não se verifica a necessária relação de prejudicialidade entre as duas ações, cuja apreciação depende essencialmente o objeto previamente julgado, perspectivado como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior. In caso é justamente essa relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior, que não se verifica.

Nas contra-alegações apresentadas os Réus pugnaram pela manutenção do decidido.

Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual falta de personalidade judiciária da “Herança Indivisa”, a Recorrente veio dizer que a cabeça-de-casal expressamente alega nos autos que demanda nessa sua qualidade e a título individual, enquanto herdeira do autor da herança, estando assim assegurada a legitimidade ativa na ação.
Os Recorridos consideraram indefensável a interpretação defendida pela Recorrente e pugnaram pela sua absolvição da instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

Assim sendo, no caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:

- Saber quem é parte ativa na presente ação, para efeito da verificação do pressuposto da personalidade judiciária, isto é, se, atento o teor global da petição inicial, autora na ação é a cabeça-de-casal, nessa qualidade e na de herdeira do autor da herança;
- Na hipótese de ser afirmativa a resposta à questão que antecede, saber se, atenta a superveniente partilha ocorrida no inventário, ocorreu inutilidade ou, em alternativa, impossibilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos de restituição de bens formulados nos autos;
- Saber se, atenta a dita partilha, é de considerar que a cabeça-de-casal/herdeira mantém legitimidade para intervir nos autos no que aos pedidos de indemnização concerne, questão, esta, de conhecimento oficioso;
- No caso de resposta negativa à anterior questão, saber se se verifica a situação de autoridade do caso julgado defendida pela decisão recorrida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

a) Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:

1) A 23 de Abril de 2009, faleceu J. M..
2) M. F., J. A., J. P. e Maria, são herdeiros do falecido.
3) Corre termos no Juízo Local Cível de Barcelos, Juiz 1, processo de inventário com n.º 3731/09.6TBBCL por óbito de J. M., em que foi nomeada cabeça de casal M. F..
4) No âmbito desse inventário, a cabeça de casal apresentou requerimento a pedir a entrega dos bens na posse dos interessados J. P. e Maria (fls 170-172), e uma indemnização tendo, em 13.10.2010, sido proferida a seguinte decisão (renovada a 28.06.2011):
“Da entrega dos imóveis à cabeça de casal:
A interessada Maria e o menor J. P. são, como a cabeça de casal, herdeiros nos autos.

Inexiste, por isso, motivos para serem “despejados” como o parece pretender a cabeça de casal.

Assim, indefere-se ao requerido, também quanto à indemnização solicitada, a qual carece, neste momento, de qualquer fundamento legal.
Notifique”.

5) No dia 16 de Março de 2017, realizou-se a conferência de interessados em que os interessados acordaram adjudicar os bens a partilhar, nos seguintes termos:

Verba nº 15 (quinze) - é adjudicada à interessada MARIA, pelo valor de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros). –
Verba nº 16 (dezasseis) – é adjudicada ao menor J. P., pelo valor de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros).
Verbas nºs 17 e 20 (dezassete e vinte) – Móveis e imóvel- são adjudicados à interessada MARIA, pelos valores de 1.450,00€ (mil quatrocentos e cinquenta euros) e 208.333,00€ (duzentos e oito mil trezentos e trinta e três euros), respectivamente, ficando a mesma interessada com a obrigação do pagamento do crédito garantido pela hipoteca relacionada sob a verba nº 1 do passivo. --
Verbas nºs 18 e 40 (dezoito e quarenta) – móveis e imóvel – são adjudicadas em comum e partes iguais às interessadas M. F. E J. A., pelos valores de 1.140,00€ (mil cento e quarenta euros) e 157.407,00€ (cento e cinquenta e sete mil e quatrocentos e sete euros), respectivamente. ---
Verba nº 19 e 41 (dezanove e quarenta e um) – móveis e imóvel – são adjudicadas ao menor, J. P., pelos valores de 240,00€ (duzentos e quarenta euros) e 74.074,00€ (setenta e quatro mil e setenta e quatro euros), respectivamente. ----
Verba nº 21 (vinte e um) – Imóvel- é adjudicada em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor de 30.093,00€ (trinta mil e noventa e três euros).
Verba nº 22 (vinte e dois) – imóvel - é adjudicada em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor de 37.037,00€ (trinta e sete mil e trinta e sete euros). --
Verba nº 23 (vinte e três) – imóvel - é adjudicada ao menor J. P., pelo valor de 41.667,00€ (quarenta e um mil, seiscentos e sessenta e sete euros). ---
Verbas nºs 24, 25 e 26 (vinte e quatro, vinte e cinco e vinte e seis) – imóveis- são adjudicadas ao menor J. P., pelos valores de 2.778,00 € (dois mil setecentos e setenta e oito euros), cada uma. ---
Verba nº 27 (vinte e sete) – imóvel – é adjudicada à interessada MARIA, pelo valor de 2.778,00€ (dois mil setecentos e setenta e oito euros).
Verbas nºs 28, 29 e 30 (vinte e oito, vinte e nove e trinta) – imóveis- são adjudicadas em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor de 2.778,00€ ( dois mil setecentos e setenta e oito euros) cada uma. –
Verba nº 31 (trinta e um) – imóvel – é adjudicada ao menor J. P., pelo valor de 46.296,00€ (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros). ---
Verbas nºs 32 e 33 (trinta e dois e trinta e três) – imóveis – são adjudicadas em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor de 46.296,00€ (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros), cada uma . –
Verbas nºs 34 e 35 (trinta e quatro e trinta e cinco) – imóveis- são adjudicadas à interessada MARIA, pelo valor de 32.407,00€ (trinta e dois mil, quatrocentos e sete euros) e 34.722,00€ (trinta e quatro mil, setecentos e vinte e dois euros), respectivamente. –
Verba nº 36 (trinta e seis) – imóvel – é adjudicada em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor 46.296,00€ (quarenta e seis mil duzentos e noventa e seis euros). ---
Verba nº 37 (trinta e sete) – imóvel – é adjudicada ao menor J. P., pelo valor de 46.296,00 € (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros). ---
Verba nº 38 (trinta e oito) – imóvel – é adjudicada à interessada MARIA, pelo valor de 46.296,00 € (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros). ---
Verba nº 39 (trinta e nove) – imóvel – é adjudicada à interessada MARIA, pelo valor de 32.407,00 € (trinta e dois mil quatrocentos e sete euros).
Verba nº 41 (quarenta e um) – imóvel - é adjudicada ao menor J. P., pelo valor de 74.074,00 € (setenta e quatro mil e setenta e quatro euros). -----
Verba nº 42 (quarenta e dois) – imóvel – é adjudicada em comum e partes iguais às interessadas M. F. e J. A., pelo valor 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros). ---
6) O prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o art. (...), e respetivo recheio (a que se alude no artigo 5º da petição inicial) foi adjudicado no processo de inventário à ré Maria.
7) O prédio urbano, composto por casa com um pavimento, com piscina e logradouro, com a superfície coberta de 145 m2, logradouro 96 m2, dependência 27 m2 e piscina 33 m2, destinada a habitação, sito no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de Esposende, inscrito na matriz predial sob o art. (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e respetivo recheio (a que se alude no artigo 6º da petição inicial) foi adjudicado, em comum e partes iguais, no processo de inventário às interessadas J. A. e M. F.;
8) O veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo série 5, matrícula XX (a que se alude no artigo 7º da petição inicial) foi adjudicado à ré Maria;
9) O veículo ligeiro de mercadorias, marca Seat, modelo Ibiza (6K3 AGP- 2), matrícula YY (a que se alude nos artigo 8º da petição inicial) foi adjudicado ao réu J. P..
10) Por sentença, já transitada em julgado, foi judicialmente homologada a partilha constante do mapa elaborado no inventário e adjudicados aos interessados os bens que lhes foram atribuídos no mapa de partilha.

Importa ainda considerar que:

- A presente ação foi instaurada no dia 15.03.2017 (cfr. fls. 28-verso).

O Direito

- Da questão de saber quem é parte ativa na presente ação e da respetiva personalidade judiciária

“Se a herança não for jacente, mas ainda não tiver ocorrido a respetiva liquidação e partilha, faz todo o sentido que o contraditório seja estabelecido com os herdeiros aceitantes, não havendo, pois, qualquer necessidade de ficcionar a personalidade judiciária de tal património autónomo” (cfr. Acórdão Proc. nº 1125/17.9T8BRG.G1), pelo que, quando não se está perante um qualquer lapso de escrita ou uma menos correta ou adequada utilização das palavras, que demande uma interpretação da expressão utilizada em conformidade com expetativas anteriormente criadas, nada havendo, pois, que justifique a transferência para a esfera dos restantes intervenientes do esforço acrescido decorrente dos riscos inerentes à opção tomada por quem propôs a ação, deve julgar-se verificada a falta de personalidade de quem intentou a ação.
No caso, porém, não obstante o teor literal da expressão utilizada – que identifica a “Herança Ilíquida e Indivisa” como Autora e a cabeça-de-casal como sua mera representante –, considerando o teor dos artigos 41º a 43º e 53º da petição inicial, que são de molde a poder afirmar-se que o sentido ora propugnado pela Recorrente, quanto à cabeça-de-casal demandar nos autos, simultaneamente, nessa qualidade e ainda a título individual enquanto herdeira do autor da herança (nesta qualidade ao abrigo da possibilidade de “petição de herança”), tem um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil), bem como as expetativas já criadas pela decisão da primeira instância nesse sentido, é de entender que a declaração que integra a petição inicial pode valer com o significado de, nela, a cabeça-de-casal acabar por se apresentar a ela própria como parte, naquela qualidade e ainda a título individual enquanto herdeira do autor da herança, com o que fica prejudicada a questão da falta de personalidade da “Herança”.

- Da extinção da instância quanto aos pedidos de restituição dos bens por inutilidade ou impossibilidade superveniente

Como nos “Factos provados” se assinalou, a presente ação foi instaurada no dia 15.03.2017 (cfr. fls. 28-verso) e, no dia 16 de Março de 2017, realizou-se a conferência de interessados em que estes acordaram adjudicar os bens a partilhar, sabendo-se que o prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o art. (...), e respetivo recheio (a que se alude no artigo 5º da petição inicial) foi adjudicado no processo de inventário à ré Maria, o prédio urbano, composto por casa com um pavimento, com piscina e logradouro, com a superfície coberta de 145 m2, logradouro 96 m2, dependência 27 m2 e piscina 33 m2, destinada a habitação, sito no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de Esposende, inscrito na matriz predial sob o art. (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e respetivo recheio (a que se alude no artigo 6º da petição inicial) foi adjudicado, em comum e partes iguais, no processo de inventário às interessadas J. A. e M. F., o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo série 5, matrícula XX (a que se alude no artigo 7º da petição inicial) foi adjudicado à ré Maria e, por fim, o veículo ligeiro de mercadorias, marca Seat, modelo Ibiza (6K3 AGP- 2), matrícula YY (a que se alude nos artigo 8º da petição inicial) foi adjudicado ao réu J. P., sendo estes os bens cuja restituição é peticionada nesta ação.

Mais se sabe que, por sentença, já transitada em julgado, foi judicialmente homologada a partilha constante do mapa elaborado no inventário e adjudicados aos interessados os bens que lhes foram atribuídos no mapa de partilha.

Face a isto, que dizer?

Desde logo, que se afigura inequívoca a correção da extinção da instância por via da alínea e) do art. 277º do CPC no que tange aos pedidos de restituição de bens, isto é, a sua extinção por forma distinta do julgamento em razão da partilha, entretanto efetuada na pendência da instância, por ser evidente que, face a tal ocorrência, o processo não pode continuar para aquele efeito porque cessou a matéria do litígio.

Apenas se fará uma correção: a matéria do litígio cessou não por o efeito pretendido ter sido alcançado por outra via – caso que consubstancia a inutilidade superveniente da lide –, mas sim porque se tornou impossível a subsistência da lide por se ter tornado impossível, isto é, insubsistente, a relação jurídica substancial a que a mesma respeita por extinção da respetiva causa – caso integrador da impossibilidade superveniente da lide.

Com efeito, como ensina Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, pág. 368, tal sucede quando “se extingue um dos direitos em conflito”, fenómeno conhecido na teoria da relação jurídica pelo nome de “confusão”, ensinamento que mantém inteiramente a sua atualidade (cfr. CPC Anotado, Vol. I, Abrantes Geraldes e outros, pág. 321 e art. 868º do Código Civil).

É que, conforme decorre do n.º 1 do artigo 3º do CPC, a ação pressupõe um “conflito de interesses”, sendo o processo uma sequência de atos destinados à justa composição desse mesmo conflito; o processo “resulta da necessidade de resolver certo tipo de conflitos de interesses nas relações entre iguais” (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, pág. 16, citado no Acórdão desta Relação de 11.05.2017).

Ora, no que tange aos pedidos agora em questão, tal como sucedeu no acórdão desta Relação acabado de referir, deixou de existir o “conflito de interesses”, aos ditos pedidos subjacente, porquanto “os interesses aí conflituantes se reuniram nas mesmas pessoas” o que, como ali se frisa, “é quanto basta para que ocorra uma impossibilidade superveniente da lide”.

Explanando: uma vez que, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (sem prejuízo dos disposto quantos a frutos) – art. 2119º do Código Civil –, então, ocorrido aquele evento, os poderes de administração sobre os bens adjudicados que até aí cabiam ao cabeça-de-casal, bem como os poderes que, a cada um dos herdeiros e por força dessa qualidade de contitulares do direito indivisível que recai sobre o conjunto da herança, cabiam na defesa do acervo hereditário (art. 2075º do Código Civil), passam a integrar a esfera jurídica dos herdeiros a quem os ditos bens foram adjudicados, pelo que, coincidindo os herdeiros a quem os mesmos foram adjudicados com quem alegadamente tinha na sua posse os ditos bens e a quem o cabeça-de-casal/herdeiro pedia a respetiva restituição, forçoso é concluir que, com a dita partilha, se reuniram nas mesmas pessoas as qualidades de titular do direito à restituição e de sujeito passivo da correspetiva obrigação de restituir, o que conduz à extinção das relações jurídicas controvertidas na ação.

Em suma, não se trata de se ter obtido o resultado visado com a propositura da ação através de um outro meio, o que tornaria a lide supervenientemente inútil, mas sim de ter desaparecido um dos interesses em conflito, com a consequente extinção das concernentes relações jurídicas, o que torna o conflito impossível, nisto se consubstanciando a supra apontada impossibilidade superveniente.

- Da ilegitimidade superveniente da cabeça-de-casal, quer naquela qualidade, quer na de herdeira do autor da herança, quanto aos restantes pedidos formulados nos autos

Aparentemente, deveria de imediato passar a tratar-se da questão de saber se, ao julgar os pedidos de indemnização improcedentes, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por não se configurar no caso a situação de invocada autoridade de caso julgado constituído no inventário.

Outro enquadramento, porém, se impõe.

Com efeito, em matéria de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso a Relação tem plena liberdade, não estando limitada pela iniciativa das partes, podendo, designadamente julgar procedente o recurso por razões jurídicas diversas das invocadas pelo recorrente, ou julgá-lo improcedente por fundamentos jurídicos não coincidentes comos da sentença recorrida, bem como conhecer oficiosamente de determinadas questões relativamente ao segmento decisório sob reapreciação, entre elas, questões de natureza processual (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código Processo Civil, pág. 107), como é o caso da falta de legitimidade, pressuposto que, ao contrário do defendido pela Recorrente, não se afigura resolvido pela aceitação da interpretação pela mesma propugnada quanto a quem é parte ativa na ação.

Senão vejamos.

A legitimidade constitui um pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, resultando da lei que, nada se dispondo em contrário, consideram-se titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor (art. 30º, nº 3, do CPC).

Todavia, como decorre do citado normativo, saber se existe qualquer indicação da lei no sentido de indicar quem é o titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade é ainda questão que se prende com o referido pressuposto formal e respeita às hipóteses em que, excecionalmente, o legislador reconhece legitimidade a quem não é sujeito (ou só é em parte) da relação material controvertida submetida à apreciação do tribunal: “para além de se atribuir legitimidade aos sujeitos da relação material controvertida (legitimidade directa), resultante de uma presumida coincidência entre as partes na acção e os sujeitos da relação material, a lei excepcionalmente atribui legitimidade aos não titulares da relação material (legitimidade indirecta)” (Acórdão da Relação de Lisboa de 07.01.2012).

E a referida legitimação extraordinária depende da concreta configuração da situação em que assenta a legitimidade, designadamente da efetiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indireta, não se aferindo, pois, pela mera configuração dada pelo autor à ação.

Segundo Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina 1999, pág.´s 45 e 46, citado no acórdão acima referido, em tais casos e nos de legitimidade plural, deve atender-se à relação controvertida, tal como é configurada por ambas as partes e resulta do normal desenvolvimento da lide, e isto é assim porque “enquanto o problema da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se entrelaça estreitamente com a apreciação do mérito da causa, os pressupostos em que se baseia a legitimidade plural ou a legitimação indirecta aparecem claramente destacados do objecto do processo; e funcionando logicamente como “questões prévias” relativamente à admissibilidade da discussão entre as partes acerca da relação material controvertida, dessa forma condicionando a possibilidade de prolação de decisão sobre o mérito da causa”.

Isto destacado, importa agora considerar que nos termos do disposto no art. 2079º do Código Civil, o cabeça-de-casal tem a seu cargo a administração da herança até à sua ultimação e partilha, sendo os poderes processuais que àquele cabem (art´s 2088º, nº 1, e 2089º do Código Civil) os que se tornam necessários para o exercício da dita administração, fundando-se, pois, tais poderes – que integram uma legitimidade extraordinária ou indireta, porquanto apesar de o mesmo não ser titular exclusivo ou direto do interesse em discussão, prevalece o que emerge dos preceitos legais que sustentam a sua intervenção (cfr. CPC Anotado, Vol. I, Abrantes Geraldes e outros, pág. 59) – na qualidade de administrador que ao cabeça-de-casal é, por lei, atribuída.

Mas o problema da administração da herança – e da legitimidade processual extraordinária que a lei confere a quem tem o encargo de proceder a tal administração – só se levanta enquanto o fenómeno sucessório não está completo, terminando o exercício do cargo de cabeça-de-casal com o trânsito em julgado da sentença homologatória das partilhas (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, pág. 245).

Ora, no caso, como se viu, já na pendência da ação, o referido problema da administração da herança deixou de existir, cessando, a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha efetuada no âmbito do processo de inventário, os poderes que, para o efeito, a cabeça-de-casal detinha.

E o mesmo se diga no que toca aos poderes dos herdeiros para, nessa qualidade (e em litisconsórcio necessário legal), formularem pedido de indemnização a favor da herança, porquanto tais poderes, obviamente, só se mantêm enquanto a herança não for partilhada, isto é, enquanto se mantiver como uma universalidade jurídica.

A este propósito – da relevância dos factos supervenientes na questão da legitimidade processual –, defende-se no Acórdão do STJ de 08.02.1996 a atendibilidade dos factos supervenientes no momento da decisão (sentença, despacho saneador), ali se afirmando perentoriamente que “os factos supervenientes atendíveis no momento da decisão, não podem deixar de ser atendidos na questão da legitimidade das partes”.

Este mesmo entendimento assumiu a Relação de Lisboa, em acórdão de 28.06.2018, onde se decidiu que, no âmbito de uma providência cautelar, “alegando - no requerimento inicial - o requerente de providência cautelar de suspensão de deliberação social que era sócio da sociedade requerida na altura em que a deliberação visada foi tomada, e que conserva tal qualidade quando requer a suspensão da deliberação, dispõe ele de legitimidade activa para instaurar a requerida providência, mas porque os factos supervenientes que podem ser atendíveis no momento da decisão, nos termos do artigo 611º do Código de Processo Civil, podem ter repercussão no pressuposto processual da legitimidade das partes, caso o requerente perca a qualidade de sócio na pendência da providência, nada obsta a que venha a ser proferida decisão que julgue verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa superveniente da requerente”.

Aqui chegados, deve dizer-se que não cremos que se possa afirmar a relevância de factos supervenientes, no que se refere ao pressuposto da legitimidade, de forma tão genérica como a exposta no citado acórdão do STJ, mas, recuperando o que acima dissemos a propósito da legitimidade extraordinária ou indireta e da legitimidade plural, no sentido de que a mesma depende da efetiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indireta, não se aferindo, pois, pela mera configuração dada pelo autor à ação, mas antes à configuração que lhe é dada por ambas as partes e resulta do normal desenvolvimento da lide, não duvidamos que, em tais casos, podem ocorrer situações de ilegitimidade superveniente.

E é o que sucede no caso em apreço.

Na verdade, ainda que originariamente a cabeça-de-casal pudesse ter poderes para intentar ação destinada a obter as indemnizações peticionadas nos autos (o que é discutível, porquanto, embora o cabeça de casal possa cobrar judicialmente as dívidas ativas da herança, a legitimidade para o efeito está condicionada à circunstância de a cobrança poder perigar com a demora – cfr. art. 2089º do Cód. Civil –, nada tendo sido alegado nesse sentido, na petição inicial, pela então cabeça-de-casal), indubitável é que, por força da referida partilha judicial, tais poderes se extinguiram, cessando, pois, face à perda da sua qualidade de cabeça-de-casal, a sua legitimidade processual.

De igual modo, cessaram os poderes dos herdeiros, para, em conjunto, formularem pedido de indemnização a favor da herança.

A legitimidade é um pressuposto cuja verificação, no despacho saneador, é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância, como decorre do disposto nos art.´s 577º, e), 578º e 278º, nº1, d), do CPC.

E, no caso em apreço, não pode, tão pouco, proceder-se ao chamamento dos demais “herdeiros” à ação para colmatar a falta deste pressuposto dada a referida circunstância de a herança já se mostrar partilhada (neste sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 11.04.2018, em que também já tinha ocorrido partilha - naquele caso extrajudicial - dos bens do falecido).

Sobre a matéria da exceção não recaiu qualquer decisão no tribunal de 1ª instância que, a tal respeito, se limitou a proceder a uma apreciação tabelar, estando, por isso, o tribunal de recurso em condições de conhecer da dita exceção – art. 595º, nº 1, a), e 3, “a contrario”, do CPC. (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.2012).

Face ao exposto, impõe-se absolver os Réus da instância subsistente, com o que fica prejudicado o conhecimento do mérito dos referidos pedidos e, naturalmente, da questão suscitada pela Recorrente relativa à não verificação dos pressupostos da autoridade do caso julgado invocada pela decisão recorrida para absolver os Réus dos pedidos indemnizatórios.

Sumário

I – Ocorre impossibilidade superveniente da lide quando se extingue um dos direitos em conflito, porquanto os interesses conflituantes no processo se reuniram nas mesmas pessoas, fenómeno conhecido na teoria da relação jurídica pelo nome de “confusão”;
II – Feita a partilha, os poderes de administração sobre os bens adjudicados que até aí cabiam ao cabeça-de-casal, bem como os poderes que, a cada um dos herdeiros e por força da qualidade de contitulares do direito indivisível que recai sobre o conjunto da herança, cabiam na defesa do acervo hereditário, passam a integrar a esfera jurídica dos herdeiros a quem os ditos bens foram adjudicados, pelo que, coincidindo os herdeiros a quem os mesmos foram adjudicados com quem alegadamente tinha na sua posse os ditos bens e a quem o cabeça-de-casal/herdeiro pedia a respetiva restituição, forçoso é concluir que, com a dita partilha, se reuniram nas mesmas pessoas as qualidades de titular do direito à restituição e de sujeito passivo da correspetiva obrigação de restituir, o que conduz à extinção das relações jurídicas controvertidas na ação;
III – No caso da legitimidade extraordinária ou indireta, a legitimidade depende da efetiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indireta, não se aferindo, pois, pela mera configuração dada pelo autor à ação, mas antes à configuração que lhe é dada por ambas as partes e resulta do normal desenvolvimento da lide, podendo, por isso, ocorrer situações de ilegitimidade superveniente;
IV – Por força da partilha judicial, os poderes do cabeça-de-casal extinguiram-se, cessando, pois, face à perda da sua qualidade de cabeça-de-casal, a legitimidade processual da autora, pressuposto este cuja verificação, no despacho saneador, é de conhecimento oficioso, não se podendo, tão pouco, proceder ao chamamento dos demais “herdeiros” à ação quando a herança já se mostra partilhada.
V – E o mesmo se diga no que toca aos poderes dos herdeiros para, nessa qualidade (e em litisconsórcio necessário legal), formularem pedido de indemnização a favor da herança, porquanto tais poderes, obviamente, só se mantêm enquanto a herança não for partilhada, isto é, enquanto se mantiver como uma universalidade jurídica.
*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação no que toca à decisão de extinção da instância relativamente aos pedidos de restituição dos bens, confirmando-se a dita decisão, embora com fundamento em impossibilidade superveniente da lide, mais se julgando verificada, quanto às pretensões indemnizatórias formuladas, a ilegitimidade superveniente da Autora/Recorrente, por tal razão se absolvendo os Réus da instância subsistente, com o que fica, nessa parte, prejudicado o conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 08.11.2018

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues