Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
213/20.9T8CHV-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO DE TÍTULO DE CRÉDITO
PROVAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora)

I. Invocando o devedor a excepção de preenchimento abusivo do título de crédito, é sobre ele que recai o ónus de alegar e provar os respectivos pressupostos: a existência e o conteúdo do pacto de preenchimento e a violação dos termos e condições aí definidos.
II. Exigindo-se que a emissão de declaração de interpelação admonitória, bem como de resolução contratual, se faça por carta registada, com aviso de recepção, a prova da emissão, envio e recepção das ditas declarações só poderá fazer-se pela junção dos exigidos registo e aviso de recepção.
III. Pese embora seja proibida a prova testemunhal e por presunções judiciais quando a declaração negocial houver de ser reduzida a escrito, admite-se, em interpretação restritiva do art. 393.º, do CC, que tais provas possam ser produzidas desde que exista um mínimo de prova documental que torne verosímil a existência da dita declaração, ou exista uma impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal, ou tenha ocorrido a perda, sem culpa sua, da mesma.
IV. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.
V. Sendo condição de preenchimento de uma livrança recebida em branco, para garantia de cumprimento de obrigações contratuais, que tenha havido prévio incumprimento destas e resolução do contrato que as originou, provando-se que tais factos não ocorreram, o preenchimento do título que ainda assim ocorra é abusivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. E..., Limitada, AA e BB (aqui Recorrentes), propuseram os presentes embargos à execução, contra D... - Sucursal em Portugal (aqui Recorrida), pedindo que

· os mesmos fossem julgados procedentes e, em consequência, fosse rejeitada a acção executiva de que são apenso.
Alegaram para o efeito, em síntese, que, tendo sido apresentado como título executivo uma livrança, como garantia do bom cumprimento de um contrato de locação financeira, não teria, porém, sido acompanhada da interpelação para cumprimento do dito contrato e da sua posterior resolução. Defenderam, por isso, inexistir título executivo, ou ser a obrigação exequenda inexigível.
Mais alegaram não ter sido feita com certeza a determinação da obrigação exequenda, isto é, a explicação do montante nela inserto (nomeadamente, em termos de capital e de juros de mora). Defenderam, por isso, não ser a obrigação exequenda líquida.
Alegaram ainda não terem sido considerados pagamentos parcelares efectuados por eles (que discriminaram), bem como o valor da máquina locada, que eles próprios entregaram. Defenderam, por isso, encontrar-se desse modo paga a quantia exequenda.

1.1.2. Recebidos liminarmente os embargos, e regularmente notificada a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), a mesma contestou, pedindo que os embargos fossem julgados parcialmente improcedentes (quanto à inexistência do título executivo) e parcialmente procedentes (quanto à redução da quantia exequenda para € 5.195,49, a título de capital, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data de interposição da acção executiva até integral pagamento).
Alegou para o efeito, quanto à pretensa inexistência do titulo executivo, e em síntese, que, executando-se um título cambiário, o mesmo dispensaria qualquer interpelação ou resolução contratual para ser perfeito, mercê da literalidade e abstração que o caracteriza.
Mais alegou que, ainda que assim se não entendesse, teria de facto interpelado os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) para pagarem as prestações em atraso no contrato de locação financeira que lhe estava subjacente; e, não o tendo os mesmos feito, ter resolvido o mesmo.
Alegou ainda, quanto à pretensa incerteza ou inexigibilidade da obrigação exequenda, ter procedido à sua liquidação no campo específico do formulário do requerimento executivo.
Por fim, alegou que a máquina locada lhe foi entregue, não voluntariamente, mas sim mercê de um procedimento cautelar para entrega judicial respectiva, por si interposto; e que, tendo de facto recebido, quantias parcelares dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), não foram as mesmas suficientes para pagarem integralmente a quantia exequenda, estando ainda em falta o montante de € 5.195,49.

1.1.3. Foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da causa em € 14.284,47; definindo o objeto do litígio («A existência e validade do titulo executivo oferecido nos autos principais de execução») e enunciando os temas da prova («Apurar da (in)existência e validade do título executivo que serve de título executivo aos autos principais de execução» e «Apurar o valor da quantia exequenda»); apreciando os requerimentos probatórios das partes; e agendando a realização da audiência final.

1.1.4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes por parcialmente provados os presentes embargos de executado deduzidos pelos Executados/Embargantes, determinando-se a redução da quantia exequenda para o montante de 5.195,49€, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a data da interposição da ação executiva até integral pagamento.
As custas serão suportadas por Executados/Embargantes e pela Exequente/Embargada, na proporção do decaimento.
 (…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se julgasse o mesmo provido e se revogasse a sentença recorrida.
 
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

I. Os Recorrentes não se conformam com a sentença de 1.ª instância, por entenderem que a mesma não se apresenta correcta, desde logo, no julgamento da matéria de facto que materializou.
II. Efectivamente, desde logo dela dissentimos quando dá como demonstrada a factualidade vertida nos pontos 6, 7, 8 e 16 dos factos assentes, o que fazemos, note-se, por apelo ao conjunto de meios de prova que, de resto, o mesmo Tribunal valorou na formação da sua convicção.
III. Primeiramente, há uma incoerência subjacente ao raciocínio estabelecido, porquanto se a um tempo o Tribunal atende à relevância probatória do articulado contratual que subjaz à relação jurídica estabelecida entre as partes em contenda, não tem idêntico peso ponderativo daquele articulado no que tange às comunicações (pretensamente) estabelecidas pelas partes, e que é visada pelos sobreditos pontos - falamos, especificamente, da cláusula 16.ª das condições gerais do contrato de locação financeira junto aos autos como documento n.º ... com a petição de embargos.
IV. Sendo assente entre as partes que aquele foi o articulado contratual entre si estabelecido, se é facto que os Embargantes rejeitaram que a Embargada se lhes tenha dirigido no sentido de os interpelar ao pagamento ou mesmo por forma a resolver o contrato, aquela, por sua vez, menciona que se dirigiu aos Embargantes, fazendo-o em dois momentos temporais distintos, e por cartas registadas com aviso de recepção.
V. Ocorre que, perante a recusa dos Embargantes (aliás, novamente reiterada em sede de declarações de parte, como mais bem se alcança das mesmas, prestadas em audiência ocorrida no dia 1 de dezembro de 2021, e devidamente registadas no sistema em uso junto dos tribunais, com início pelas ..., e término pelas 16h36m24s, tudo conforme acta lavrada com a referência ...76),
VI. Dos documentos juntos pela Embargada (falamos, especificamente, dos documentos n.ºs ... a ...) não constam quaisquer comprovativos de expedição e de recepção das comunicações mencionadas, quando esse formalismo não só era contratualmente exigido, como tinha que ser demonstrado pela Embargada, que aparentemente estava em condições de o fazer.
VII. Conforme se alcança da alegação feita no requerimento executivo, o preenchimento da livrança dada à execução ocorreu na senda da resolução do contrato de locação financeira que a Embargada promoveu, aliás, fazendo-o nos termos do convencionado entre as partes (cláusula 13.ª).
VIII. Nesta decorrência, a comunicação atinente à efectivação da resolução - com a observância dos formalismos estipulados - era um facto constitutivo do direito invocado pela Exequente/Embargada, sendo seu o ónus probatório respectivo (n.º 1 do artigo 342.° do C.C.).
IX. Nos termos em que se acha estabelecido o ritual a observar no caso das comunicações entre as partes, o registo com aviso de recepção daquelas é havido, em concreto, como uma formalidade ad substantiam da declaração unilateral receptícia que constituía a comunicação da Embargada sobre a resolução do contrato.
X. Em qualquer circunstância, não há dúvidas de que o aviso de recepção tem por função a de tornar segura a prova sobre o envio e o recebimento da carta registada; ou seja, mesmo que tenhamos essa como formalidade ad probationem, sempre temos por seguro de que a prova de que a carta foi enviada e recepcionada só poderá ser feita ou através do aviso de recepção, devidamente assinado, ou, nos termos do n.º 2 do artigo 364.° do C.C..
XI. A partir do momento em que os documentos apresentados foram oportunamente impugnados, e, posteriormente, em declarações de parte não foi admitida a sua recepção, o Tribunal "a quo" não podia dar como demonstrada a factualidade mencionada, tanto mais que a Embargada nunca colmatou a ausência dos documentos mencionados, nem invocou a sua inexistência ou impossibilidade de obtenção.
XII. Mais, somos do entendimento de que não poderia o Tribunal concluir que essa falta poderia ser colmatada com a produção doutros meios de prova, abdicando, assim, daquele que é o efeito jurídico que as partes, e também o legislador ordinário, quiseram atribuir ao cumprimento dessa formalidade, já que falamos de prova predilecta para a demonstração da expedição e recebimento de tais comunicações.
XIII. Na situação vertente, aos autos foram juntas meras fotocópias simples das alegadas cartas remetidas; donde, ao serem impugnadas, o Tribunal não podia deixar de exigir que para a demonstração da sua concretização fossem juntos elementos documentais bastantes que o suportassem.
XIV. E o depoimento da testemunha CC, a que o Tribunal se apega no sentido de colmatar a ausência de melhores elementos não é, salvo melhor opinião, afoito a dar amparo à conclusão obtida.
XV. É que, mais do que existir uma relação clara de dependência daquela em relação à Embargada, que em muito se relaciona, aliás, com a circunstância de pretensamente o seu trabalho estar a ser posto em crise, perante a alegada intervenção que a mesma tem em casos como o presente, facto é que à testemunha em momento algum foram evidenciados - e por si corroborados - os documentos mencionados.
XVI. Não deixa de se estranhar que a mesma recorde, pretensamente, dentre um manancial de casos que a mesma assume realizar, da mesma natureza, e perante as funções que exerce, as datas concretas de duas comunicações dirigidas aos Embargados, comunicações essas em que, por apelo ao suporte documental junto, não se atesta que nelas haja elaborado, porque não as assina nem as expediu.
XVII. É que se os documentos não traduzem essa conclusão, também do depoimento nunca se poderia extrair - como vimos fazer - a conclusão de que as cartas juntas sob os documentos n.ºs ... a ... da contestação não só foram elaboradas, como remetidas aos Embargantes.
XVIII. No limite, o Tribunal recorrido poderia dar como demonstrado que a testemunha indicada elaborou os documentos juntos, porque não mais do que isso transmitiu a mesma ao Tribunal, nos termos transcritos (tome-se em atenção o teor do depoimento se prestado em audiência de julgamento, tida lugar no dia 04 de maio de 2022, com início pelas 11h42m21s e termo pelas 12h10m56s destacando-se, de forma especial, o mesmo entre os minutos 10m09s e 12m40s).
XIX. Se a demonstração daquelas duas dimensões falhou (o envio e a recepção de tais comunicações), à luz do já anteriormente escalpelizado, a primeira (o conteúdo do documento) não resulta, em nosso ver apurado, já que a testemunha arrolada pela Embargada/ Exequente apenas soube precisar que elaborou cartas de interpelação e de resolução,
XX. Nesta decorrência, porque cremos que a Senhora Juiz violou, entre o mais, o disposto nos 224.°, 342.°, n.º 1, 362.° e 364.°, n.º 2 do C.C., e bem assim dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.° do C.P.C., atenta a errada apreciação da prova concretizada, urge anular a sentença posta em crise dando-se como não provada os pontos 6), 7), 8) e 16) do leque de factos provados.
XXI. Também se nos afigura inaceitável a matéria que vai apurada sob o ponto 9) dos factos provados.
XXII. Assumiu relevância para o Tribunal recorrido, neste aspecto, a prova documental por aquela junta com a contestação - falamos do documento n.º ... que acompanha aquele articulado; analisado o mesmo, vemos que falamos de uma decisão num procedimento cautelar especial. sem audição prévia do ali Requerido, que vai junta em "extracto".
XXIII. Esse documento foi objecto de impugnação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 444.º do C.P.C., exactamente por se revelar truncado, sendo que perante essa impugnação, a contraparte nada fez ou requereu.
XXIV. Nessa decorrência, impunha-se que o Tribunal o tivesse ponderado, retirando daí aquelas que consequências devidas, ou seja, a impossibilidade legal de ser valorado o documento junto para a formação da convicção do douto Julgador
XXV. Donde, e por ser esse o único meio de prova em que a Senhora Juiz assentou a sua convicção para dar este ponto como demonstrado, como se retira da motivação aduzida, urge concluir aqui dizendo que deverá dar-se como não provada a factualidade inserta no ponto 9 dos factos provados.
XXVI. Subsidiariamente, e para a eventualidade de assim não ser entendido, então sempre deverá suprir-se o lapso ali contido, pois que é mencionado que os autos «(...) corre[ram] termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Cível ... - Juiz ..., sob o processo 2271/18.... (...)», quando, como se alcança do documento mencionado, «(...) correfram] termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ... da Régua - Juiz ..., sob o processo 2271/18.... (... ».
XXVII. Por outro lado, impugnado vai o teor do ponto 17 dos factos provados, cujo teor, de resto, fica em grande medida postergado, aliás, por aquilo que já se disse anteriormente, ou seja, pela aceitação franca e sem reservas que vimos ocorrer perante o Tribunal "a quo” e um conjunto de pretensas comunicações cuja existência, e, portanto, teor, e cuja expedição e recepção, não lograram ser demonstradas.
XXVIII. Em abono da verdade se diga que do raciocínio formulado na decisão recorrida, vemos que a Senhora Juiz recorrida faz impender sobre os Executados/ Embargantes o cumprimento de ónus probatórios que, honestamente, não lhes competia
XXIX. Se bem lemos a regra consagrada no n.º 1 do artigo 342.° do C.C., cabia à Exequente/ Embargada demonstrar que o valor em dívida à data da resolução do contrato, e respectivo preenchimento da livrança, não era o que se acha aposto no título cambiário, dado que foi ela quem utilizou este como título executivo.
XXX. Se a livrança foi preenchida pela Exequente/ Embargada, não pode vir, sob pena de agir em abuso de direito, por venire contra factum proprio, por em causa o preenchimento da livrança, isto é, vir desta feita sustentar que, ao arrepio do que invocou no seu requerimento executivo, não procedeu ao preenchimento de acordo com as cláusulas negociais, seja quanto à data de vencimento seja quanto ao montante em dívida nessa data.
XXXI. E mesmo que o pretendesse alegar, sempre teria ela sim - e não já os Executados/ Embargantes, como erradamente conclui a Senhora Juiz de 1.ª instância - de demonstrar em termos qualificados e cabais que afinal quer a data de vencimento, quer o valor em dívida, eram afinais distintos.
XXXII. Falamos de uma prova em termos qualificados porque contra essa solução militariam as características de incorporação e de literalidade que emanam dos títulos cambiários, as quais, curiosamente, adiante, a mesma sentença sindicada não deixa de aludir, embora não seja totalmente consequente com as mesmas.
XXXIII. É que se é facto que, sendo portadora de uma letra em branco, e verificado o incumprimento, podia a Exequente/ Embargada fazer o preenchimento da livrança, não é menos verdade é que resulta do próprio título que a Exequente entendeu preenchê-Ia logo que julgou resolvido o contrato, definindo a respectiva data de vencimento e o valor em dívida.
XXXIV. Isso, de resto, é afirmado enfaticamente pela mesma testemunha CC, funcionária da Embargada, em cujo depoimento admite que a livrança foi preenchida de forma contemporânea com o vencimento da obrigação, como assumido, de resto, na motivação produzida pelo Tribunal recorrido, que, sem que se perceba verdadeiramente o motivo, nesta parte decide não valorar tal depoimento, mesmo sabendo - como afirma - que se tratava da pessoa que promovia ao preenchimento das livranças (cfr. a motivação formulada).
XXXV. Trata-se de contradição insanável, que o Tribunal "a quo" não consegue resolver, não aventando motivo válido para abalar a credibilidade do depoimento, que a outro tempo teve por crível e atendível; de resto, e no sentido de infirmar a conclusão alcançada veja-se como o depoimento da testemunha é capaz de dar nota da contemporaneidade entre o momento do vencimento da obrigação e o do preenchimento da letra, em especial, entre os minutos 12m40s e 18m07s.
XXXVI. Não é por existir uma dissonância entre o documento que pretensamente promoveu a resolução do contrato e a informação que nele a Exequente/ Embargada fez constar, que se pode, seguindo as regras de apreciação da prova e apelando às da experiência comum, inferir que o preenchimento da livrança terá ocorrido em momento posterior àquele que o documento dado à execução materializa.
XXXVII. De resto, a tanto não autoriza, a par do já mencionado, o apelo feito ao documento n.º ... junto com a contestação; essa comunicação, tem data de 18 de fevereiro de 2019 e nela pretensamente é indicado que o valor em dívida é precisamente o valor que o Tribunal assume constar da invocada carta de resolução, datada de 2... de maio de 2018.
XXXVIII. Sucede que o Julgador que dá isso como demonstrado é o mesmo que aceita que entre aqueles dois momentos temporais foram concretizados vários pagamentos, tudo conforme mais bem se alcança dos pontos 13 e 14 dos factos provados.
XXXIX. Esta factualidade naturalmente infirma aquilo que foi transmitido na comunicação a que apelou o Tribunal, ou seja, em que se constata que entre o suposto momento inicial da resolução e o momento da comunicação o valor em dívida alterou, e alterou, portanto, sem que disso nesta última tivesse sido notado, o que a falta de demonstração de resposta ou a ausência de posição da Sociedade Embargante não tem qualquer efeito cominatório quanto a si.
XL. Tomando em atenção os meios de prova indicados, e aplicando aqui as regras da experiência comum somos conduzidos a assumir que se verificou um erro na apreciação da prova, que justifica que se dê como não provado o ponto 17 dos factos provados.
XLI. Concomitantemente, e apelando aos mesmos meios de prova, somos do entendimento que deverá ser alterada a redacção conferida ao ponto 12, passando este a ter a seguinte redacção, que desde já se propõe:
12) Na livrança dada à execução como título executivo consta a data de vencimento - 06.06.2018 - sendo que a mesma foi preenchida nesta última data.
XLII. E formulando-se um novo ponto 17, com a seguinte redacção:
17) No dia 27 de fevereiro de 2019, a Sociedade Executada/ Embargante procedeu ao pagamento da quantia de € 7.500,00
XLIII. Feita esta crítica quanto à factualidade assente, dizer que, na senda daquela, dissentimos também da conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido quando, ao apreciar das diferentes questões suscitadas na petição de embargos, não os julgou totalmente procedentes, com as devidas consequências legais.
XLIV. Como ressalta demonstrado pelo Tribunal recorrido, entre as partes em contenda foi celebrado, com data de 12 de fevereiro de 2016, um contrato de locação financeira com o n.º 3518, tendo por objecto um bem móvel, tudo com as condições estabelecidas no documento n.º ... da petição de embargos, abreviadamente reproduzido sob os pontos 1 a 4 dos factos provados.
XLV. Para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, naquela ocasião foi entregue uma livrança em branco, subscrita pelo Locatário e avalizada pelos Garantes, subordinando-a as partes àquilo que estabeleceram nas condições gerais do contrato (vide ponto 5 dos factos provados).
XLVI. Por ter sido esta última a opção gizada pela Embargada, estava a mesma obrigada a comunicar a resolução contratual ao Locatário e aos Avalistas; ora, estes, em embargos, vieram assumir que tal não sucedeu, diferentemente do que veio a ser sustentado pela Embargada, tese que, malogradamente, vimos ter obtido acolhimento perante o Tribunal "a quo".
XLVII. Respeitando as regras de repartição do ónus da prova (n.º 1 do artigo 342.º do CC), à Embargada competia a prova de ter procedido à elaboração, à expedição e à garantia de efectivação das comunicações indicadas, tanto mais que é ela que assume que terá utilizado aquele formalismo nas duas comunicações.
XLVIII. Da prova produzida nos autos não se alcança que haja sido, efectivamente, promovida a resolução do contrato, em particular nos termos contratualmente exigidos, em especial pela cláusula 16.ª, que prescrevia que todas as comunicações entre as partes deviam ser por escrito registado com aviso de recepção.
XLIX. Atenta a não demonstração cabal de que a Embargada promoveu, com anterioridade à propositura destes autos executivos, à resolução contratual, por meio idóneo, do contrato, não estava a mesma em condições de promover ao preenchimento da livrança, para obter, por essa via, o pagamento coercivo das quantias que entendia serem devidas, por se acharem em dívida ou terem o seu fundamento a título indemnizatório, dado que não havia uma situação de incumprimento contratual.
L. O que sabemos, isso sim, é que com data de 25 de maio de 2018 a Exequente/ Embargada promoveu ao preenchimento da livrança que junta como título executivo, que tem como data de vencimento da mesma, tal como nela aposta, de 06 de junho de 2018.
LI. Nessa decorrência, o preenchimento da livrança aconteceu sem prévia observância daquele formalismo legal e contratual, revelando-se abusivo, quer porque, dentro das regras da interpretação e integração do negócio jurídico (artigos 236.° e seguintes do CC), quer por abuso de direito, já que configura um caso manifesto de exercício abusivo do direito de preenchimento da livrança.
LlI. Na senda do que dizíamos, era condição essencial para que a Embargada pudesse promover a acção executiva com base na livrança, como título executivo, que demonstrasse a verificação daquela que era a condição genética, ou seja, de que promovera o vencimento antecipado das rendas em falta (alínea a) da cláusula 13.1) ou, em alternativa, de que o havia resolvido (alínea b) da cláusula 13.2).
LIlI. Face à alteração preconizada à factualidade apurada, não se demonstra que tenha havido qualquer comunicação que haja sido expedida e recebida pelos Embargados, no sentido quer de os interpelar ao cumprimento, quer declarando a resolução do contrato de locação financeira, o que só ocorreu no momento da citação para os presentes autos.
LlV. Isso conduz-nos, pois, à conclusão de que a Exequente, ao proceder ao preenchimento da livrança, fê-lo claramente em violação ostensiva do pacto de preenchimento, pois que o incumprimento - no limite - apenas se considera comunicado por via da citação, e não antes disso, por forma a que legitimasse o acto de preenchimento da livrança, não tendo assim título executivo válido quanto intentou os autos executivos principais.
LV. Esta é uma excepção peremptória que o Tribunal recorrido devia ter conhecido e declarado, o que, a não ter ocorrido, importa desta feita declarar, retirando-se daí as devidas ilações legais.
LVI. De qualquer modo, a ser como é, não poderão os Executados/Embargantes ser responsáveis pelo pagamento da obrigação de juros a não ser desde a citação, e não já desde o (suposto) vencimento da obrigação, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 610.° do C.P.C.
LVII. Noutra instância, também invocaram os Embargantes/ Recorrentes a excepção peremptória do pagamento, excepção essa que veio a ser parcialmente procedente, tal como melhor declarado na sentença posta em crise.
LVIII. Sucede que, ressalvado o respeito devido, entendemos que é evidente que aquela excepção devia ter procedido in totum, conduzindo à absolvição dos Embargantes do pedido.
LlX. Conjugando a factualidade que se extrai dos pontos 12 a 14, com aquela que foi a crítica que supra expendemos quanto ao julgamento da matéria de facto, rapidamente somos levados a concluir que o raciocínio formulado na sentença recorrida, de que se verificou apenas uma situação de pagamento parcial da quantia exequente, não procede, porquanto contempla em si diversas incoerências.
LX. É que analisado o título executivo - e cremos que prova não foi feita que pusesse em causa a literalidade da obrigação que ele encera - se o mesmo não foi preenchido com a data aposta nele (25 de maio de 2018), ocorreu decerto em momento contemporâneo com o seu vencimento (06 de junho de 2018) - ponto 12 dos factos provados.
LXI. Nesta medida, valorando-se os documentos juntos pela Embargada, não poderia o Tribunal "a quo” apartar-se daquilo que resulta da globalidade dos documentos mencionados (falamos, particularmente, dos documentos n.ºs ... a ...).
LXII. Particularmente, se no dia 06 de junho de 2018, a Embargada considerada em dívida o valor de € 13.409,56 (em virtude da resolução do contrato que diz ter sido feita), há pagamentos ulteriores, realizados entre junho de 2018 e fevereiro de 2019, que, somados, fazem extinguir totalmente a dívida exequenda.
LXIII. Coisa diferente não conseguiu a Embargada demonstrar, e sim, a ela competia justificar porque é que aparentemente se a carta que diz ter expedido em maio de 2018, indicava o montante de € 20.909,56, veio a preencher a livrança, contemporaneamente, por um valor diferente, de € 13.409,56.
LXIV. Donde, é manifesta a existência de erro de julgamento nesta parte da decisão recorrida, pelo que na verificação da excepção peremptória do pagamento, sempre devia a mesma ser declarada pelo Tribunal recorrido com as devidas consequências legais.
LXV. Se no dia 06 de junho de 2018, a Embargada considerava em dívida o valor de € 13.409,56 (em virtude da resolução do contrato que diz ter sido feita), há pagamentos ulteriores, realizados entre junho de 2018 e fevereiro de 2019, que, somados, fazem extinguir totalmente a dívida exequenda.        
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1.2.2. Contra-alegações

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [i].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [ii], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:
1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque
. não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 6 («A Embargada/Exequente interpelou os Embargantes/Executados para procederem à liquidação das prestações em atraso, interpelação essa que foi efetuada em 19 de Abril de 2018, mediante carta registada com aviso de recepção»), sob o número 7 («Não tendo obtido qualquer resposta por parte dos Embargantes/Executados, e subsistindo o incumprimento, a Embargada/Exequente resolveu o contrato de locação financeira, nos termos da cláusula 13.1 al. a) das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira»), sob o número 8 («A Embargada/Exequente remeteu aos Embargantes/Executados, em 25 de Maio de 2018, as cartas de resolução do contrato de locação financeira, mediante carta registada com aviso de receção, sendo certo que estes últimos ficaram obrigados a restituir-lhe o equipamento locado, em bom estado de conservação e em condições para utilização»), sob o número 9 («A Embargada/Exequente interpôs procedimento cautelar para entrega judicial do equipamento, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ... da Régua - Juiz ..., sob o processo 2271/18...., o qual foi julgado procedente, por provado; e, em consequência, determinou a restituição imediata, pelos Embargantes/Executados à Embargada/Exequente, do equipamento locado»), sob o número 16 («Na carta de resolução do contrato, a Embargada/Exequente fez constar que, na data de 25/05/2018, encontrava-se vencida a quantia de € 20.909,56, que correspondiam: a) 6.336,44€ (seis mil, trezentos e trinta e seis euros, e quarenta e quatro cêntimos) a rendas vencidas e não pagas desde a renda vencida a 22.01.2018; b) Indemnização correspondente a 20% das rendas vincendas com o valor residual, conforme previsto nas Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, no valor de € 14.264,56 (catorze mil, duzentos e sessenta e quatro euros, e cinquenta e seis cêntimos); c) Outras despesas e encargos emergentes do contrato, no valor de € 308,46») e sob o número 17 («Ao montante de € 20.909,56, referido no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 16, a Embargada/Exequente deduziu a quantia de € 7.500,00€, liquidada pela 1.ª Embargante/Executada em 27/02/2019 (€ 20.909,56 - € 7.500,00€ = € 13.409,56), tendo preenchido a livrança por este último valor»);
. e impunha uma nova redacção para o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 12 («Na livrança dada à execução como título executivo consta a data de vencimento - 06.06.2018 - sendo que a mesma foi preenchida nesta última data»)? [iii]
2.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julguem os embargos à execução totalmente procedentes (declarando-se extinta a acção executiva de que são apenso)?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, renumerados e aditados, com o teor dos documentos que neles já estavam pressupostos e/ou referidos, e/ou insertos nos autos, não impugnados e reproduzidos nos termos do art. 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC):

1 - D... - Sucursal em Portugal (aqui Embargada/Exequente) tem por objeto, entre outros, o exercício de locação financeira, nos termos da legislação que regula esta atividade.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 1)
2 - Em 12 de Fevereiro de 2016, no âmbito da actividade referida no facto provado anterior, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal)  celebrou com E..., Limitada, AA e BB (aqui Embargantes/Executados), um «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA», ao qual foi atribuído o «NÚMERO 3518» (junto com a petição inicial de embargos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 2)
3 - O «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518», celebrado entre a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) e os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), e no qual aquela interveio na qualidade de «Locador»,  a 1.ª Embargante/Exequente (E..., Limitada) interveio na qualidade de «Locatário», «com sede em ..., ..., ..., ...», e os 2.º e 3.ª Embargantes/Executados (AA e BB) intervieram como «Garante(s)»,  com residência «em ... ...», teve por objecto o seguinte bem móvel locado: uma «ESCAVADORA DE RASTOS MONOBL N Stg IV», modelo «... 2016».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 3)
4 - As condições de locação financeira ajustadas entre a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) e os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), foram, entre outras, as seguintes: a) Duração do contrato: 60 (sessenta) meses; b) Periodicidade das rendas: Mensais e antecipadas, com vencimento no dia 05 de cada mês; c) Valor global do contrato: € 120.013,55 (cento e vinte mil e treze euros, e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal; d) Valor da primeira renda base: € 30.003,39 (trinta mil e três euros, e trinta e nove cêntimos); e) Valor de cada uma das rendas seguintes: € 1.070,28 (mil e setenta euros, e vinte e oito cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal; f) Valor residual: € 36.044,07 (trinta e seis mil e quarenta e quatro euros, e sete cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal; g) Taxa Anual Nominal (...): 2,900%, taxa anual efectiva (...) de 2,9835% e uma taxa de juro de mora (...) acrescida de 2,00%.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 4)
5 - Com o «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518», na mesma data em que o mesmo foi assinado, e tal como conta das suas «CONDIÇÕES PARTICULARES», foi «entregue uma livrança em branco subscrita pelo Locatário e avaliada pelos Garantes, nos termos do disposto nas Condições Gerais do presente Contrato», lendo-se nomeadamente nas mesmas:
«(…)
8. CONTITULARIDADE DA POSIÇÃO DE LOCATÁRIO E GARANTIA DE CUMPRIMENTO DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES
(…)
8.5. Livrança e pacto de preenchimento: No caso de se prever nas Condições Partiulares a entrega pelo Locatário ao Locador de uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelo(s) Garante(s), ou outra entidade que o Locador venha a indicar, aplicar-se-á o disposto na presente cláusula.
A livrança titulará todas as quantias que sejam a cada momento devida pelo Locatário ao Locador, nos termos do presente Contrato ou em resultado do seu incumprimento, bem como das suas eventuais prorrogações, renovações, novações ou substituições (até ao limite previsto nas Condições Particulares se aplicável), nomeadamente e sem limitar pré-pagamento, rendas, juros, despesas e demais encargos resultantes da execução ou incumprimento do presente Contrato.
O Locatário autoriza expressamente o Locador a preencher a livrança em branco por si subscrita, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante até ao limite das responsabilidades por si assumidas e não pagas.
O(s) Garante(s) ao avalizar(em) a livrança referida nesta cláusula desde já autoriza(m) o Locador a preenche-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante até ao limite das responsabilidades do LOCATÁRIO no âmbito do presente Contrato e suas eventuais prorrogações.
(…)»
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 2 e 5)
6 - Lê-se nomeadamente nas «CONDIÇÕES GERAIS» do «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518»:
«(…)
13. RESOLUÇÃO DO CONTRATO E VENCIMENTO ANTECIPADO
13.1. Caso se verifique alguma das situações abaixo elencadas:
a) Incumprimento de qualquer uma das obrigações do Locatário que podendo ser remediado, não o seja no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar do envio da interpelação para o efeito ou imediatamente, em caso de incumprimento de obrigações do Locatário insusceptíveis de sanação.
(…)
O Locador poderá optar entre exercer, em alternativa, uma das seguintes faculdades:
a) Promover o vencimento antecipado das rendas futuras, considerando-se as mesmas vencidas no momento da interpelação, vencendo juros moratórios a partir dessa data, sem prejuízo da faculdade de resolução posterior do Contrato prante a persistência da mora por um prazo superior a 8 (oito) dias. Para efeitos da presente cláusula, o valor das rendas futuras exigíveis corresponderá ao valor de todas as rendas vincendas acrescido do respectivo IVA ou imposto equivalente, deduzidas da componente de juros incorporados nas mesmas.
b) Resolver o contrato e exigir do Locatário, sem prejuízo de outras faculdades que  lhe assistam ao abrigo da lei e do presente Contrato:
(i) A imediata restituição dos bens Locados, no prazo máximo e improrrogável de quarenta e oito horas da recepção de notificação de resolução do Contrato;
(ii) O pagamento das rendas, comissões e outros encargos ou despesas da sua conta, vencidos e não pagos;
(iii) O pagamento, a título de indemnização por perdas e danos, de uma importância equivalente á soma de 20% (vinte por cento) das rendas vincendas com o valor residual, sem prejuízo do direito à reparação integral por dano superior;
(iv) O pagamento de todos os custos e despesas judiciais e extrajudiciais em que o Locador incorra relacionados com a recuperação da posse, seguro ou reparação dos Bens Locados ou com o exercício dos direitos que assistem ao Locador em caso de resolução do Contrato;
(v) O pagamento de juros de mora à taxa aplicável no presente CONTRATO sobre os montantes referidos nas alíneas (b) e (d) desta cláusula.
(…)
16. COMUNICAÇÕES E CONVENÇÃO DE DOMICÍLIO
16.1. Todas as notificações ou outras comunicações entre as Partes ao abrigo do presente Contrato deverão ser feitas por escrito mediante carta registada com aviso de recepção ou por fax, para os endereços constantes das Condições Particulares.
(…)
16.4. A recusa de recebimento de qualquer notificação ou comunicação vale para todos os efeitos como comunicação efectuada.
(…)»
(facto aditado nos termos do art. 607.º, n.º 4, II parte, do CPC)
7 - Em 19 de Abril de 2018, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) interpelou os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) para procederem à liquidação das prestações em atraso, interpelação essa que foi efetuada mediante carta registada com aviso de recepção (conforme cartas dirigidas ao 2.º e 3.ª Embargantes/Executados, juntas como documento n.º ... junto com a contestação e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 6)
8 - Não tendo obtido qualquer resposta por parte dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), e subsistindo o incumprimento, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) resolveu o contrato de locação financeira, nos termos da cláusula 13.1., al. a), das «CONDIÇÕES GERAIS» do «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 7)
9 - Em 25 de Maio de 2018, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) remeteu aos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) as cartas de resolução do contrato de locação financeira, registadas e com aviso de recepção, ficando estes últimos obrigados a restituir-lhe o equipamento locado, em bom estado de conservação e em condições para utilização (conforme cartas juntas como documentos n.º ... e ... juntos com a contestação e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 8)
10 - Na carta de resolução do contrato, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) fez constar que, na data de 25 de Maio de 2018, encontrava-se vencida a quantia de € 20.909,56, que correspondiam: a) € 6.336,44 (seis mil, trezentos e trinta e seis euros, e quarenta e quatro cêntimos) a rendas vencidas e não pagas desde a renda vencida a 22 de Janeiro de 2018; b) Indemnização correspondente a 20% das rendas vincendas com o valor residual, conforme previsto nas Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, no valor de € 14.264,56 (catorze mil, duzentos e sessenta e quatro euros, e cinquenta e seis cêntimos); c) Outras despesas e encargos emergentes do contrato, no valor de € 308,46.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 16)
11 - A 1.ª Embargante/ Executada (E..., Limitada) efectuou os seguintes pagamentos por conta do débito, a saber:  € 2.000,00, em 08 de Junho de 2018; € 1.317,67, em 20 de Julho de 2018; € 1.320,00, em 10 de Agosto de 2018; e € 1.676,40, em 14 de Setembro de 2018.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13)
12 - Em 08 de Novembro de 2018, a 1.ª Embargante/ Executada (E..., Limitada) pagou ainda € 1.900,00.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 14)
13 - A Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) interpôs procedimento cautelar para entrega judicial do equipamento (que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ... da Régua - Juiz ..., sob o processo n.º 2271/18.... [iv]), o qual, em 07 de Dezembro de 2018, foi julgado procedente por provado; e, em consequência, determinou a restituição imediata, pelos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) à Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), do equipamento locado (conforme cópia da sentença respectiva, junta como documento n.º ... com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 9)
14 - No dia 9 de Fevereiro de 2019, os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) entregaram, de forma voluntária, o bem nas instalações de ....
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11)
15 - A 1.ª Embargante/Executada (E..., Limitada) entregou o equipamento locado em ...; e, apesar de tal entrega ter ocorrido depois de ter sido decretado procedimento cautelar referido no facto provado enunciado sob o número 13, na data da entrega desconhecia a existência do dito procedimento cautelar.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 21)
16 - No dia 18 de Fevereiro de 2019, a Ilustre Mandatária da Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), Sr.ª Dr.ª DD, remeteu um e-mail à 1.ª Embargante/Executada (E..., Limitada) onde indicava que o valor que nessa data se encontrava em dívida era de € 20.909,56 (conforme impressão do dito e-mail, junto como documento n.º ... com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 18)
17 - Em 27 de Fevereiro de 2019, a 1.ª Embargante/ Executada (E..., Limitada) pagou por conta do débito a quantia de € 7.500,00.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 17)
18 - Em 30 de Janeiro de 2020, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) deu entrada em juízo do requerimento executivo junto aos autos principais (que aqui se dá por integralmente reproduzido), juntando como título ao mesmo a livrança dada como garantia do cumprimento do «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518» (ali igualmente inserta e aqui igualmente dada por integralmente reproduzida).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 5)
19 - Na livrança dada à execução como título executivo consta como data de emissão «2018-05-25» e como data de vencimento «2018-06-06».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 12)
20 - Ao montante de € 20.909,56, referido no facto provado enunciado sob o número 16, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) deduziu a quantia de € 7.500,00 (liquidada pela 1.ª Embargante/Executada em 27 de Fevereiro de 2019), tendo preenchido a livrança por € 13.409,56 (€ 20.909,56 - € 7.500,00 = € 13.409,56).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 17)
21 - Os valores referidos nos factos provados enunciados sob os números 11 e 12, num total de € 8.214,07, não foram tidos em consideração aquando do preenchimento da livrança.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 15)
22 - No requerimento executivo, no campo «LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO» consta o seguinte:
«(…)
 1. À quantia em dívida de 13.409,56€ (treze mil quatrocentos e nove euros e cinquenta e seis), são acrescidos juros vencidos à taxa de 4%, desde o dia seguinte à data de vencimento da livrança, até à data da entrada em juízo da presente execução, que totalizam o montante de 872,91€ (oitocentos e setenta e dois euros e noventa e um cêntimos), acrescido de imposto de selo sobre tais juros, calculados à taxa legal de 4%, o que perfaz 67,05€;
2. Ao valor de capital em dívida, no montante de 14.282,47€, serão acrescidos os juros vincendos contados da apresentação em juízo do presente requerimento, até efectivo e integral pagamento, acrescido do valor correspondente ao imposto de selo.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11)
23 - Ao valor de € 13.409,56, aposto na livrança, há ainda que deduzir a quantia de € 8.214,07 (correspondente a € 2.000,00 + € 1.317,67 + € 1.320,00 + € 1676,40 + € 1.900,00 = € 8.214,07), que a 1.ª Embargantes/Executada (E..., Limitada) liquidou após a resolução do contrato e que, por lapso, a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) não deduziu ao pedido inicialmente.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 19)
24 - Em 19 de Junho de 2020, por requerimento junto aos autos, veio a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) reduzir o pedido para a quantia de € 5.195,49, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a data da interposição da ação executiva até integral pagamento.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 20)
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3.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que «os demais [factos] alegados ou não se provaram ou, por serem conclusivo e/ou de direito não são suscetíveis de prova».
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal
3.2.1.1. Prova livre versus Prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art. 607.º, n.º 5, I parte, do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto».
Contudo, esta «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado).
Distingue-se, assim, entre os casos de: prova legal (vinculada, tabelada ou tarifada), isto é, meios de prova cuja força probatória se impõe ao juiz, não tendo este qualquer margem de valoração acerca da factualidade expressa por tais meios probatórios [v]; e prova livre, isto é, meios de prova cujo valor probatório é livremente apreciado pelo juiz [vi].
A regra geral será, então, a livre apreciação da prova pelo Tribunal, sem prejuízo dos casos de apreciação vinculada, como acontece com a confissão judicial escrita (art. 358.º, n.º 1 do CC), com a confissão extrajudicial constante de documento dirigida à parte contrária (art. 358.º, n.º 2 do CC), e com certa prova documental (arts. 371.º, n.º 1, 376.º, n.º 1 e 377.º, todos do CC).
Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).[vii]
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CPC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.1.2. Declaração negocial imperativamente escrita ou de necessária prova escrita - Inadmissibilidade de prova testemunhal
3.2.1.2.1. Regra geral 
Lê-se no art. 364.º, n.º 1, do CC, que, quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior».
Entende-se, comumente, estar aqui em causa uma exigência de forma ad substantiam, isto é, em que a sua omissão afecta a validade do acto [viii].
Mais se lê, no art. 364.º, n.º 2, citado, que se, «porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório».
Está agora aqui em causa uma exigência de forma meramente ad probationem, isto é, destinada apenas a facilitar a prova da declaração, pelo que a sua omissão não afecta a validade do acto.
Lê-se ainda, no art. 223.º, n.º 1, do CC, que podem «as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada».
Aqui, a exigência de forma convencional não assenta em razões de ordem pública, mas sim na autonomia privada; e «o alcance da estipulação negocial acerca da forma é apenas o de estabelecer uma presunção ilidível de que as partes só pretendem vincular-se pela forma convencionada» [ix]. Logo, o abandono da forma convencional pode resultar, tacitamente, do comportamento concludente das partes (necessariamente, de ambas): se as partes, por vontade própria, abandonarem tacitamente a exigência de forma estipulada, os negócios jurídicos que concluam sem sujeição à forma exigida não deixam, por tal motivo, de ser válidos e eficazes [x].
Contudo, se a presunção em causa não for ilidida, a declaração negocial só poderá ser feita pela forma previamente acordada para o efeito; e nem mesmo pode «ser considerada eficaz a prova por outro meio, incluindo a confissão, de que a declaração negocial teve lugar por forma diferente da estipulada» (José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Volume I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2021, pág. 489).
Logo, não sendo a declaração negocial formalizada nos termos convencionados, será inválida, nos termos do 223.º, n.º 1, do CC [xi].
Lê-se, por fim, no art. 393.º, n.º 1, do CC, que se «a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal».
Prevêem-se aqui quer as formalidades ad substantiam, quer as formalidades ad probationem, impedindo-se quanto a umas e outras (na falta do exigível escrito) o seu suprimento por meio de prova testemunhal.
Dir-se-á ainda que, se de acordo com o art. 351.º do CC as «presunções judiciais só são admitidas nos termos em que é admissível a prova testemunhal», também elas estarão excluídas para demonstração da existência de uma declaração negocial de imperativa forma escrita, ou que só possa ser provada por escrito.
Compreende-se, por isso, que se afirme que «vedada a prova testemunhal também ficará vedado o recurso às presunções judiciais - prova da primeira aparência (presunção simples) - “ex vi” do artigo 351.º do Código Civil»; e «restando assim, a nível das presunções, (…) as presunções legais», bem como a prova por (…) confissão» (Ac. do STJ, de 07.02.2017, Sebastião Póvoas, Processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1).
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3.2.1.2.2. Excepções (à inadmissibilidade de prova por testemunhas)
Contudo, e aderindo à pretérita construção doutrinal de Vaz Serra a este respeito («Provas, Direito Probatório Material», BMJ, n.º 112, págs. 199 a 216), a jurisprudência vem admitindo expressamente três excepções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista no art. 393.º, n.ºs 1 e 2 do CC (e também no art. 394.º do mesmo diploma), nomeadamente:
. existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado [xii] - existindo «um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a excepção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já firmada em parte com base num documento» (Vaz Serra, op. cit) [xiii].
Precisa-se, porém, que o princípio de prova escrita deve emanar de quem a mesma é oposta (e não de um terceiro); e a letra e a assinatura têm de ser previamente reconhecidas ou verificadas.
. a impossibilidade (moral ou material) de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal - compreende-se que quando a lei impõe às partes que procurem uma prova escrita dos seus actos, fá-lo no pressuposto de que elas têm meios para o fazer, deixando essa exigência de fazer sentido quando a parte que procura demonstrar a existência da declaração negocial não pôde obter - do seu contraente, ou dos contraentes terceiros - ex ante uma prova escrita.
Precisa-se, porém, que esta impossibilidade (que, sendo maior do que uma simples dificuldade, não tem de ter carácter absoluto), deve reportar-se ao momento da estipulação negocial, sendo atendíveis as situações objectiva e subjectiva dos contraentes.
. e a perda, sem culpa, da prova escrita - esta excepção «tem como pressuposto prévio, cuja demonstração incumbe ao alegante, a alegação e prova de que o documento se formou validamente, ficando a eficácia da prova do conteúdo do documento subordinada à de perda não culposa do mesmo. Aqui é essencial que a perda não seja de algum modo imputável à falta de diligência da parte, que a mesma não possa imputar-se a alguma forma de imprudência ou de negligência e incúria na custódia do escrito, aferidas segundo os cânones de comportamento exigíveis ao bom pai de família» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3.ª edição, Almedina, Janeiro de 2017, págs. 228 e seguintes, com indicação de diversos arestos na nota 495).
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3.2.1.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
3.2.1.3.1. Aplicação da regra geral
Concretizando, verifica-se que, tendo a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) celebrado com os Embargantes/Executados (E..., Limitada - como locatária - , AA e BB - como garantes das obrigações assumidas por aquela) o «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA NÚMERO 3518», as partes indicaram logo nas «CONDIÇÕES PARTICULARES» as suas moradas próprias, nomeadamente para efeito de futuras comunicações a realizar entre todas, conforme igualmente acordado nas «CONDIÇÕES GERAIS» do dito contrato.
Mais se verifica que ficou ainda acordado na mesma sede que, em caso interpelação para pagamento resultante de mora da Locatária, ou de resolução do contrato por incumprimento daquela, quer a interpelação admonitória, quer a resolução contratual teriam de ser realizadas por meio de carta registada com aviso de recepção, a remeter para a sede indicada da Locadora, e para a residência indicada dos Garantes.
Dir-se-á, a propósito, que esta exigência de forma (carta registada, com aviso de recepção), quando legal, configura uma formalidade ad probationem [xiv], isto é, destina-se meramente a facilitar a prova da emissão das ditas declarações, que se têm por receptícias (nos termos do art. 224.º, do CC). Contudo, reconhece-se igualmente que «a modalidade da carta com aviso de recepção não é apenas um “plus” formal em relação à modalidade da carta registada, mas sim uma figura com uma filosofia própria, buscando ser uma (quase) notificação pessoal e não o mero depósito de um objecto postal (aviso) numa caixa de correio» (Ac. do TCAN, de 10.02.2017, João Beato Oliveira Sousa, Processo n.º 00325/10.7BEBRG).
Ora, cabendo à Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) a conforme emissão das declarações em causa (de interpelação admonitória e de resolução), poderia tê-las demonstrado nos autos mediante a junção do registo das cartas que tivesse emitido com esse fim, bem como os avisos de recepção respectivos [xv].
Por fim, verifica-se que a mesma não o fez, limitando-se a juntar cópia das ditas cartas; e que o Tribunal a quo - perante a inicial afirmação dos Embargantes/Executados, de que não tinham sido interpelados, nem lhes fora comunicada a resolução contratual - deu como provado o seu envio sob registo e com aviso de recepção, bem como a respectiva recepção pelos respectivos destinatários, utilizando unicamente para o efeito o depoimento da testemunha EE (funcionária da Embargada/Exequente) [xvi].
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não o podia ter feito, já que, face à ausência nos autos do registo da dita correspondência e dos avisos de recepção que a deveriam ter acompanhado, e de qualquer actuação dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) que permitisse ilidir a presunção do art. 223.º, n.º 1, do CC, era inadmissível a produção de prova testemunhal (ou por presunções judiciais) sobre ela.
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3.2.1.3.2. Inexistência de excepções
Concretizando novamente, dir-se-á ainda que, tendo a dita omissão sido desde logo denunciada na petição inicial de embargos, não veio posteriormente a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) justificá-la, nomeadamente alegando a perda, sem culpa própria, dos ditos registos e avisos de recepção (o que, admite-se, não seria muito fácil, face à sua natureza empresarial, que pressupõe a reunião de alargados e diferenciados meios, nomeadamente de carácter administrativo).
Dir-se-á ainda que a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) igualmente não invocou a existência de qualquer escrito, proveniente dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), que tornasse verosímil o envio sob registo, e com aviso de recepção, das ditas cartas de interpelação admonitória e de resolução contratual; e não se vê como (em momento contemporâneo ao seu envio) lhe fosse impossível a obtenção dos elementos escritos em falta, o que de resto também não alegou.
Logo, não se tendo por verificada qualquer uma das excepções à proibição regra de produção de prova testemunhal quanto aos factos aqui em causa, não podem os mesmos deixar de se ter por não provados, sendo precisamente esse o caso dos enunciados na sentença recorrida (e impugnados em sede de recurso de apelação dela interposto) sob o número 6 («A Embargada/Exequente interpelou os Embargantes/Executados para procederem à liquidação das prestações em atraso, interpelação essa que foi efetuada em 19 de Abril de 2018, mediante carta registada com aviso de recepção»), sob o número 7 («Não tendo obtido qualquer resposta por parte dos Embargantes/Executados, e subsistindo o incumprimento, a Embargada/Exequente resolveu o contrato de locação financeira, nos termos da cláusula 13.1 al. a) das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira») e sob o número 8 («A Embargada/Exequente remeteu aos Embargantes/Executados, em 25 de Maio de 2018, as cartas de resolução do contrato de locação financeira, mediante carta registada com aviso de receção, sendo certo que estes últimos ficaram obrigados a restituir-lhe o equipamento locado, em bom estado de conservação e em condições para utilização»).
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3.2.1.3.3. Prova da não realização das conformes interpelação admonitória e resolução
Por fim, dir-se-á que, prendendo-se estes concretos factos com o alegado preenchimento abusivo do título executivo apresentado nos autos  - livrança emitida pela 1.ª Embargante/Executada (E..., Limitada), e avalizada pelos 2.º e 3.ª Embargantes/Executados (AA e BB)-, e cabendo a estes o ónus de prova respectivo, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do CPC,  [xvii], lograram satisfazê-lo.
Com efeito, tendo alegado logo no seu articulado inicial que a Embargada/Exequente (E..., Limitada, AA e BB) não procedeu à interpelação admonitória, nem à resolução contratual, pela forma previamente fixada pelas partes para o efeito, demonstraram efectivamente nos autos essa sua alegação [xviii].
Enfatiza-se que, estando necessariamente os documentos em causa (registo do envio das cartas de interpelação admonitória e de resolução, e aviso de recepção que as teria acompanhado) na posse da Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), esta não os apresentou nos autos, pese embora a testemunha EE, sua funcionária, tenha dito, no depoimento que prestou em audiência de julgamento, que «nós temos os documentos arquivados numa pasta».
Não o tendo feito oportunamente, sendo aqueles documentos a única prova admissível para demonstração da sua contrária alegação, e estando os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) onerados aqui com a prova de um facto negativo, considera-se o mesmo (repete-se, oportunamente alegado) suficientemente demonstrado.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando nesta parte procedente o recurso de apelação dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB); e, em consequência, declarando agora como não demonstrados os factos antes provados enunciados na sentença recorridas sob os números 6, 7 e 8, e como provado que a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) não procedeu à interpelação admonitória, nem à resolução contratual, pela forma previamente fixada pelas partes para o efeito.
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3.2.2. Remanescente objecto do recurso sobre a matéria de facto
3.2.2.1. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto
A impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) [xix].
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3.2.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, face à já assente não prova dos factos antes enunciados na sentença recorrida sob os números 6, 7 e 8 (isto é, da efectiva e eficaz realização, por parte a Embargada/Exequente, da interpelação admonitória aos Embargantes/Executados, face à mora no pagamento das rendas devidas no âmbito do contrato de locação financeira celebrado, e a posterior resolução do mesmo), e à prova do seu contrário ( isto é, que a Embargada/Exequente não interpelou admonitoriamente os Embargantes/Executados, nem resolveu o contrato, pela forma previamente acordada para o efeito), a prova ou não prova dos demais factos sindicados pelos Embargantes/Executados é irrelevante para alterar a decisão de mérito já imposta por aqueles primeiros.
Declara-se, assim, prejudicado aqui o seu conhecimento, nos termos do art. 608.º, n.º 2, I parte, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Livrança em branco - Preenchimento abusivo
4.1.1. Livrança - Obrigados
           
Lê-se no art. 75.º, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (LUSLL) que a livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data.
Trata-se, pois, de «uma promessa de pagamento que o emitente deve cumprir» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1990, pág. 362).
Mais se lê, no art. 77.º, do mesmo diploma, que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) Direito de acção por falta de pagamento (arts. 43.º a 50.º e 52.º a 54.º); (...) São também aplicáveis às livranças as disposições relativas ao aval (arts. 30.º a 32.º) (...)».
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Relativamente ao subscritor de uma livrança, lê-se no art. 78.º, da LUSLL, que ele «é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra», sendo que no art. 28.º se dispõe que «o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento».
Esta obrigação nasce exclusivamente do acto formal da sua assinatura, prometendo por ela executar a promessa de pagamento que no título se contem: deve o montante da livrança, e deve-o por efeito da promessa directa que fez ao tomador, firmando a livrança com a sua assinatura.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o emitente da livrança (tal como o aceitante da letra) é o devedor principal, e isto porque é ele que assume o compromisso de efectuar o pagamento do título, no seu vencimento.
Deverá assim, oportunamente, proceder ao pagamento do montante inscrito na livrança, dos juros devidos desde a data do seu vencimento, dos avisos dados e de outras despesas, sem necessidade de fazer comprovar por acto formal, o protesto, a falta de pagamento no vencimento (arts. 48.º e 53.º, ambos do diploma citado).
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Contudo, o pagamento do subscritor de uma livrança pode «ser no todo ou em parte garantido por aval», ficando o dador de aval «responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada»; e mantendo-se a sua obrigação, «mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma» (arts. 30.º, §1.º e 32.º, §1.º e §2.º, respectivamente, da LUSLL, neste último se consagrando os princípios da equiparação - § 1.º -, e da acessoriedade formal - § 2.º, parte final).
O aval é, pois, um acto jurídico cambiário, unilateral e completo, que se comporta como negócio abstracto e mediante o qual se garante objectivamente o pagamento da letra, constituindo para o avalista uma obrigação substancialmente autónoma, mas formalmente acessória da obrigação avalizada, que opera como garantia adicional.
Com efeito, «trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal», uma vez que nos artigos 32.º, § 1.º e § 2.º da LUSLL se «estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula - e abre uma única excepção a este princípio para o caso de a nulidade desta segunda obrigação provir de “um vício de forma”» (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Volume III, Universidade de Coimbra, 1966, pág. 207).
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Logo, e nos termos dos arts. 43.º e 47.º, ambos da LUSLL, o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de acção, não só contra os respectivos subscritores, como ainda contra os outros co-obrigados no vencimento (como os eventuais avalistas), sendo todos solidariamente responsáveis para com ele.
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4.1.2. Livrança em branco - Negócio cartular versus Negócio subjacente.

Lê-se no art. 77.º, da LUSLL, que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) «à letra em branco (art. 10.º)».
A propósito da letra em branco, lê-se no art. 10.º, da LUSLL, que «se uma letra [leia-se agora, livrança] incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé‚ ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave».
Admite-se, assim, a existência de letra ou livrança em branco, isto é, «documento, incompleto nos seus elementos essenciais, que contenha pelo menos uma assinatura extrinsecamente regular e capaz de obrigar o seu subscritor, acompanhada de uma autorização expressa ou tácita» de preenchimento (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 17).
Logo, «para haver uma letra em branco é necessário: a) Que lhe falte algum requisito; b) Que, nela, haja pelo menos, uma assinatura, a qual tanto pode ser do sacador, como do aceitante, do avalista, como do endossante; c) Que esta assinatura conste de um título que contenha a designação impressa e expressa de “letra”; d) Que tal assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1990, pág. 71).
As «letras em branco ou, mais genericamente, todos os títulos em branco são de uso frequente e desde longa data, quer na actividade comercial quer mesmo fora desta, no domínio dos negócios civis.
Com efeito, o cliente que obtém um crédito no comércio bancário entrega frequentemente ao banco credor, e logo de início e como garantia do seu débito, uma letra por ele assinada, com indicação do montante ou sem ela. Este título usá-lo-á o banco conforme aos acordos estipulados» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 24) [xx].
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Logo, numa livrança há que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente.
O negócio cartular exprime-se num crédito pecuniário, do qual é sujeito activo o legítimo portador do título e sujeito passivos todos os intervenientes no mesmo. Em consequência, o saque de uma letra ou a emissão de uma livrança constitui sempre uma atribuição patrimonial enquanto «deslocação patrimonial de uma pessoa para outra» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial – Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, pág. 3) [xxi].
Contudo, subjacente ao saque de uma letra ou à emissão de uma livrança, existe sempre um negócio que determinou a sua emissão, o dito negócio subjacente (que constitui a causa daquela mesma emissão).
Assim, entre os intervenientes no título, que sejam simultaneamente partes no negócio subjacente, é sempre estabelecido acordo quanto à função que a atribuição patrimonial desempenha relativamente o negócio subjacente, sendo tal acordo denominado pela doutrina de «convenção executiva» (a que estabelece a relação entre o negócio cartular e o negócio subjacente).

Logo, se no domínio das relações imediatas (entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, em que ambos são concomitantemente sujeitos cambiários e sujeitos das convenções extracartulares) tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, já no domínio das relações mediatas (entre um subscritor e um possuidor do título estranho às convenções extracartulares) aquele não pode opor a este as excepções derivadas das relações pessoais mantidas com outros portadores anteriores da letra (conforme art. 17.º, da LUSLL).
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4.1.3. Pacto de preenchimento
Sendo a livrança em branco reconhecida como admissível, só produzirá, porém, os seus efeitos - como livrança ou obrigação cambiária - depois de totalmente preenchida com todos os elementos essenciais [xxii].
Com efeito, «quando seja passada em branco, a letra [ou livrança] pode ser preenchida posteriormente e deve sê-lo antes de apresentada a pagamento.
O preenchimento posterior da letra [ou livrança] deve ser feito de acordo com o convencionado. Sempre que é emitida uma letra em branco tem que ter havido prévia ou simultaneamente à emissão um acordo quanto ao critério de preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular e designa-se por pacto de preenchimento.
O pacto de preenchimento é uma convenção obrigacional e informal. Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra de acordo com o critério estipulado e só é oponível entre as partes. Pode ser verbal ou meramente consensual, embora seja aconselhável que revista a forma escrita para evitar dificuldades de prova» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, pág. 105).
Logo, a autorização de preenchimento será uma manifestação de vontade, expressa ou tácita, no sentido de colmatar as lacunas cuja presença prejudique a eficácia do documento. O contrato de preenchimento é, assim, «o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc.» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1990, pág. 73).
Este «poder jurídico (distinto do direito cartular que deriva da letra já preenchida) tendo por conteúdo a possibilidade de se aperfeiçoar a obrigação do subscritor, integrando os elementos faltosos», corresponde a «um poder de natureza extracartular. E o seu conteúdo não faz parte da literalidade do documento, estando, sim, dependente da relação subjacente. No entanto, esta natureza extracartular não nos deve induzir a pensar que a sua transmissão acarreta a transferência dos direitos extracartulares, emergentes da respectiva relação fundamental. Quando alguém adquire um título por preencher não fica titular das relações subjacentes que envolvem a sua criação, tal como, não ficará titular do direito cambiário que só surgirá com o preenchimento da letra» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 60).
Compreende-se, por isso, que se, numa letra ou numa livrança em branco, o contrato de preenchimento (o acordo pelo qual as partes ajustaram os termos em que deveria definir-se a obrigação cambiária, nomeadamente o seu montante e a respectiva data de vencimento) for violado, não pode essa violação ser oposta a um terceiro estranho ao mesmo contrato, desde que aquele não tenha actuado de má-fé, nem haja cometido uma falta grave.
Já se a violação do contrato de preenchimento ocorrer no âmbito das relações imediatas - isto é, o título foi preenchido pelo seu primeiro adquirente -, poderá o preenchimento abusivo ser invocado como excepção ao pagamento reclamado, uma vez que a letra não entrou sequer em circulação [xxiii].
Logo, no domínio das relações imediatas, «preenchimento abusivo» constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente, incumbindo por isso a respectiva prova ao executado, em sede de embargos (art. 342.º, n.º 2, do CC).
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4.1.4. Negócio subjacente 
4.1.4.1. Contrato de locação financeira
Lê-se no art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que «locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados».
São, assim, requisitos deste contrato: a cedência do gozo de uma coisa pelo locador (1); a prévia aquisição ou construção dessa coisa por indicação do locatário (2); a retribuição correspondente a esta cedência (3); o estabelecimento de um prazo de duração da cedência por convenção (4); a determinação ou determinabilidade do preço de cedência, nos termos do contrato (5); e a possibilidade de compra, total ou parcial, da coisa por parte do locatário, findo o contrato (6) [xxiv].
           
A operação de leasing não se resume, pois, a uma mera relação bilateral entre locador e locatário (pela concessão do gozo temporário da coisa, contra o pagamento de uma renda acordada), já que pressupõe uma terceira parte, o fornecedor ou construtor da coisa (com quem o locador contratou, por indicação ou aceitação do locatário) [xxv].
Enfatiza-se, porém, que a zona nuclear deste contrato é constituída pela relação locador/locatário, assim se compreendendo que o Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, se limite a regular (de forma exaustiva) os direitos e os deveres destes dois sujeitos, que essencialmente caracterizam este tipo contratual: a obrigação do locador ceder, ao locatário, o uso do equipamento, durante um determinado período, para que aquele o utilize; o correspondente direito do locatário de exigir a entrega do equipamento, usando-o de acordo com o fim a que se destina durante o período de vigência do contrato; o dever do locatário de pagar a renda, e o correspectivo direito do locador de a receber; e o direito do locatário comprar o equipamento no fim do contrato ou, não o fazendo, a obrigação de o devolver ao locador, sob pena de o mesmo poder recorrer à providência cautelar prevista no art. 21.º, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
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4.1.4.2. Incumprimento
Lê-se no art. 781.º, do CC, que se a obrigação em causa «puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas».
Contudo, apenas haverá mora (e ainda não incumprimento) quando, por causa que seja imputável ao devedor, «a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido» (art. 804.º, n.º 2 do CC).
Só que, nesta última hipótese, se a prestação em mora «não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação» (art. 808.º, n.º 1 do CC).
Logo, haverá incumprimento definitivo, e já não mera mora, quando, durante esta, o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (a esta concessão se chamando interpelação admonitória); e este, mesmo assim, não cumpre [xxvi].
Salienta-se, ainda, que se trata de uma declaração receptícia, aplicando-se por isso o regime do art. 224.º, do CC, isto é, a «declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida» (n.º 1), considerando-se também «eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida» (n.º 2).
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4.1.4.3. Resolução
Lê-se no art. 432.º, n.º 1, do CC, que «é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção».
«A resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado» (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 211).
Contudo, só pode haver resolução nos casos em que a ineficácia do acto não resulta de um vício que o afecte ab initio, mas sim da verificação de um facto superveniente que ilude as legítimas expectativas que uma das partes nela depositava (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II Volume, AAFDL, 1983, págs. 516-7).
O direito de resolução fundado na lei em geral resulta de um de quatro tipos de situação de inadimplência, tendo todas elas em comum a natureza de incumprimento definitivo [xxvii]: impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (art. 793.º, n.º 2, do CC); impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (art. 801.º, n.º 2, do CC); impossi­bilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (art. 802.º, do CC); e mora, sempre que esta se venha a converter em incum­primento definitivo (art. 808.º, n.º 1, do CC).
Também a cláusula resolutiva expressa constante de um contrato não poderá ter um conteúdo meramente genérico, devendo fazer referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dará direito à resolução, identificando-as, pois só a inadimplência específica da obrigação prevista é não apenas fundamento mas também pressuposto indispensável da resolução.
O art. 17.º, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, veio reiterar o entendimento legal referido, ao estatuir que «o contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação».
A declaração de resolução é igualmente receptícia; e, uma vez recebida ou conhecida pelo destinatário respectivo, torna-se irrevogável (art. 230.º, n.º 1, do CC).

Operada a resolução, e «na falta de disposição especial, (...) é equiparada, quando aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico» (art. 433.º do CC).
Em conformidade, «a resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução», muito embora «nos contratos de execução continuada ou periódica (...) não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas» (art. 434.º, n.º 1 e n.º 2, do CC).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Livrança em branco - Contrato de locação financeira
Concretizando, verifica-se que, tendo a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), como locadora, celebrado com a 1.ª Embargante/Executada (E..., Limitada), como locatária, um contrato de locação financeira, intervieram ainda no mesmo os 2.º e 3.ª Embargantes/Executados (AA e BB), como garantes daquela segunda.
Mais se verifica que, para garantia do cumprimento das obrigações que decorriam para si do dito contrato, a 1.ª Embargante/Executada (E..., Limitada) subscreveu uma livrança em branco, avalizada pelos 2.º e 3ª Embargantes/Executados (AA e BB); e constava expressamente na Condição «8.5. Livrança e pacto de preenchimento» das «CONDIÇÕES GERAIS» do mesmo contrato de locação financeira que o «Locatário autoriza expressamente o Locador a preencher a livrança em branco por si subscrita», o mesmo fazendo os «Garante(s)».
Logo, a livrança que se executa nos autos principais consubstanciou, no momento da sua emissão, uma livrança em branco, subscrita pela 1.ª Embargante/Executada (por isso, sua devedora principal), e avalizada pelos 2.º e 3.ª Embargantes/Executados (co-obrigados no seu pagamento); e as partes acordaram desde logo, por escrito, os termos do seu preenchimento futuro, mercê do pacto de preenchimento respectivo, consagrado no próprio clausulado do contrato de locação financeira cujo bom cumprimento garantia (consubstanciando o mesmo a relação subjacente ao título).
Assim, encontrando-se todas as partes no âmbito das relações imediatas subjacentes à emissão da dita livrança, podem aqui discutir as vicissitudes do negócio causal que alegadamente justificariam, por parte dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) o seu não pagamento nos autos principais.
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4.2.2. Incumprimento definitivo - Resolução contratual
Concretizando novamente, verifica-se que, no pacto de preenchimento da livrança em branco em causa se previu que a mesma seria completada em resultado do prévio incumprimento das obrigações da Locatária; e que, no mesmo contrato, se previu ainda que este apenas se teria por verificado quando, face a mora daquela, não lhe fosse posto termo nos oito dias seguintes «a contar do envio de interpelação para o efeito», tendo esta que ser realizada «por escrito mediante carta registada com aviso de recepção» [xxviii].
Mais se verifica que, optando então a Locadora pela resolução contatual, teria igualmente que a operar pelo mesmo modo, isto é, por carta registada com aviso de recepção.
Por fim, verifica-se que, face o sucesso do recurso sobre a matéria de facto interposto pelos Embargantes/Executados, provou-se nos autos que aquelas interpelação admonitória e resolução contratual, invocadas pela Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal), não foram efectivamente realizadas, nos termos previamente definidos para o efeito pelas partes.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo os Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB) demonstrado que a Embargada/Exequente (D... - Sucursal em Portugal) não respeitou os prévios pressupostos do preenchimento da livrança que antes recebera em branco, não pode deixar de se ter por abusivo aquele que, ainda assim, realizou (já que desconforme com a convenção que para o efeito celebrara com eles) [xxix].
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso de apelação dos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Embargantes/Executados (E..., Limitada, AA e BB), e, em consequência, em
· Revogar a sentença recorrida, sendo aqui substituída por decisão a julgar procedente a oposição à execução por embargos por eles deduzida, declarando em conformidade extinta a acção executiva que constitui os autos principais.
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Custas da execução e da apelação pela Embargada/Exequente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 15 de Dezembro de 2022
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes


[i] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[ii] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos se destinam à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[iii] Precisa-se que, não obstante os Embargantes/Executados tenham ainda pedido que se aditasse um novo facto ao elenco dos provados - do qual constasse que «No dia 27 de Fevereiro de 2019, a 1.ª Embargante/Executada procedeu ao pagamento da quantia de € 7.500,00» -, entende-se que o mesmo não integra verdadeiramente o objecto do seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que não contende com a apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo.
Com efeito, aquela exacta factualidade encontra-se já assente nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 17 e 18, bastando assim (como se crê que efectivamente se justifica) autonomizá-la num facto próprio, e não propriamente reapreciá-la em função de um novo e distinto juízo probatório, a realizar por este Tribunal ad quem.
[iv] Corrige-se aqui o manifesto lapso de escrita, cometido pelo Tribunal a quo, quando identificou o «Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua - Juiz 1», em vez do correcto «Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua - Juiz 1».
[v] É o que sucede, em geral, na prova por documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1 do CC), autenticados (art. 377.º do CC) e particulares (art. 376.º, n.º 1 do CC), por confissão (art. 358.º do CC), ou por acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC).
[vi] É o que sucede na prova pericial (art. 389.º do CC e art. 489.º do CPC), na prova por inspecção judicial (art. 391.º do CC), na prova por verificação não judicial qualificada (art. 494.º, n.º 3 do CPC), na prova testemunhal (art. 396.º do CC), e na prova por depoimento/declarações de parte (arts. 463.º a 466.º, n.º 3 do CPC).
[vii] Defendendo este poder oficioso do Tribunal de Recurso, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, págs. 225 e 226.
[viii] Dir-se-á mesmo que, em regra, «as exigências legais de forma são ad substantiam, como se retira do disposto no art.º 220.º do C.C. que comina com a nulidade a inobservância da forma legalmente prescrita» (Ac. da RG, de 07.12.2017, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 440/13.5TBVLN-A.G1).
[ix] Neste sentido, Ac. do STJ, de 22.02.2005, Nuno Cameira, Processo n.º 04A4265.
[x] Neste sentido: Ac. do STJ, de 22.02.2005, Nuno Cameira, Processo n.º 04A4265; Ac. do STJ, de 10.10.2013, Lopes do Rego, Processo n.º 4094/07.0TVLSB.L1.S1; ou Ac. do STJ, de 28.01.2021, Catarina Serra, Processo n.º 3443/18.0T8CBR.C1.S1.
[xi] Neste sentido, Ac. do STJ, de 21.03.2019, Olindo Geraldes, Processo n.º 1366/16.6T8CTB.C1.S1.
[xii] Neste sentido, Ac. da RC, de 23.06.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 1534/09.7TBFIG.C1.
[xiii] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 21.11.2019, Jorge Teixeira, Processo n.º 503/18.0T8GMR.G1, onde se lê que o art. 393.º, n.º 1 do CC, «ao impedir o recurso exclusivo à prova testemunhal e/ou por presunções judiciais, não veda completamente a ponderação de tais meios de prova quando conjugados com meios de prova documental ou outra de valor idêntico que constitua, pelo menos, um princípio de prova» do facto pretendido provar, «pois, nessa situação, a convicção do tribunal está já parcialmente formada com base (…) neste escrito, e a prova testemunhal limitar-se-á a esclarecer o significado (…) da declaração constante do escrito que constitui começo de prova. Deve, assim, entender-se, que havendo um princípio de prova documental, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, razão pela qual o perigo decorrente da falibilidade da prova testemunhal é eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. A apreciação da prova deve ocorrer sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference -, ou seja, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis».
[xiv] Neste sentido: Ac. do STJ, de 30.09.1999, Roger Lopes, Processo n.º JSTJ00037079; Ac. da RP, de 22.10.2013, Rui Moreira, Processo n.º 378/11.0TBARC-H.P1; ou Ac. da RL, de 10.09.2015, António Valente, Processo n.º 2431-10.9YXLSB.L1-8.
Ainda, José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Volume I, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2021, pág. 488.
Em sentido contrário, considerando que o aviso de recepção é uma formalidade ad substantiam, Ac. do STJ, de 19.03.2002, Quirino Soares, Processo n.º 02B011, onde se lê que o «aviso de recepção, é uma formalidade "ad substantiam", insubstituível, por outro meio de prova, ou por outro documento que não seja de força probatória superior, ao abrigo do artigo 364, n. 1, do C.C.».
[xv] Neste sentido, Ac. do STJ, de 19.03.2002, Quirino Soares, Processo n.º 02B011, onde se lê que a «entender-se que [o aviso de recepção] é formalidade ad probationem, a carta registada é meio válido para efectuar a comunicação mas a prova da recepção ou é feita através do aviso de recepção ou nos termos do art. 364 n. 2 CC».
[xvi] Lê-se, a propósito, na sentença recorrida:
«O Tribunal convenceu-se que, efetivamente, foi a falta de pagamento das rendas que levaram a Exequente a enviar cartas de interpelação e resolução.
Não ficámos com dúvida que tais cartas foram elaboradas e remetidas aos Executados/Embargantes atento o teor do depoimento da testemunha oferecida nos autos pela Exequente, o qual, pela forma como foi prestado nos mereceu total credibilidade.
É certo que podiam e deviam ter sido junto aos autos os avisos de receção de tal correspondência, contudo, parece-nos que essa não é a única prova admissível nesta matéria e, como supra já referimos, ficámos convencidos que, efetivamente, a correspondência foi enviada com o conteúdo dos documentos juntos aos autos com a contestação.
Poder-se-ia questionar a razão de ciência da dita testemunha (Jaqueline Costa) uma vez que o nome da testemunha não consta dos ditos documentos, mas tal, a nosso ver, não retira credibilidade a tal depoimento pois a mesma é gestora do departamento que trata, precisamente, do acompanhamento de toda a carteira de clientes em Portugal e, em caso de incumprimento, como é o caso concreto, é a dita testemunha que faz cartas de interpelação, de resolução, que trata da questão da entrega das viaturas e procede ao preenchimento das livranças dadas de garantia, sendo certo que as pessoas que assinaram as aludidas cartas são procuradoras, como das mesmas consta».
[xvii] Neste sentido, numa jurisprudência pacífica, Ac. da RC, de, 20.02.2019, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 8656/17.9T8CBR-A.C1, onde se lê que o «carácter literal, autónomo e abstracto da obrigação cambiária implica que contra ela não possa ser deduzida uma oposição por mera impugnação do valor que se encontra inscrito no título; a pretensão cambiária só poderá ser paralisada por força da invocação de excepções ou vicissitudes próprias da acção cambiária ou, caso o título se encontre no âmbito das relações imediatas, por força da invocação de excepções fundadas na relação subjacente ou fundamental, cabendo, em qualquer caso, ao devedor o ónus de alegação e prova das concretas excepções que venha invocar».
Ora, invocando «o devedor a excepção de preenchimento abusivo do título de crédito, é sobre ele que recai o ónus de alegar e provar os respectivos pressupostos: a existência e o conteúdo do pacto de preenchimento e a violação ou desrespeito pelos termos e condições aí definidos».
Ainda Ac. da RL, de 01.07.2021, Arlindo Crua, Processo n.º 736/18.0T8SNTCA.L1-2, onde se lê que o «ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo impende sobre o obrigado cambiário/executado, atenta a circunstância de estarmos perante um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito, nos termos prescritos nos artigos 342º, nº. 2 e 378º, ambos do Cód. Civil e 571º, nº. 2 e 731º, ambos do Cód. de Processo Civil».
[xviii] Precisa-se que, sendo os 2.º e 3.ª Embargantes/Executados, não só avalistas da livrança, como intervenientes no contrato de locação financeira onde se acordou os termos do seu futuro preenchimento, podiam opor à Embargada/Executada a violação dos mesmos.
Neste sentido, Ac. da RG, de 28.02.2019, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 5011/17.4T8VNF-A.G1, onde se lê que, se «o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a exceção do preenchimento abusivo, mas recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido».
Ainda Ac. da RL, de 19.11.2020, Maria do Céu Silva, Processo n.º 2304/14.6YYLSB-A.L1-8, onde se lê que, no «domínio das relações imediatas, o avalista, desde que tenha tido intervenção no pacto de preenchimento, pode opor ao portador do título a violação do pacto de preenchimento».
[xix] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».
Ainda Ac. do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1, onde se lê que «nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil».
[xx] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 07.01.2019, Jorge Seabra, Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1, onde se lê que se trata «de prática usual da banca o recurso a uma livrança em branco, com pacto de preenchimento, subscrita pela sociedade creditada e avalizada pelos sócios desta e pelos seus cônjuges, como é o caso dos autos, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas».
Com efeito, «através desta garantia, o banco creditante, além de poder satisfazer o seu crédito através do património da sociedade creditada, pode, ainda, satisfazê-lo através do património pessoal dos sócios avalistas (cfr. artigos 32º, 47º e 77º, da LULL), aumentando, pois, a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601º, do Cód. Civil) e, naturalmente, por força deste incremento, as probabilidades de satisfação do capital creditado e demais acréscimos convencionados».
[xxi] Recorda-se que o direito cartular caracteriza-se: pela literalidade da obrigação cambiária (que se reconstitui pela simples inspecção do título, sendo que a sua existência, validade e persistência não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título, sendo o conteúdo, a extensão e as modalidades da obrigação cartular aqueles que a declaração objectivamente defina e revele); pela abstração da obrigação cambiária (uma vez que é independente da "causa debendi", já que o negócio cambiário pode preencher uma diversidade de funções económico-jurídicas - não tem uma causa própria, tipificada legalmente - e é independente, em cada caso concreto, da sua causa, da função determinada que visa); e pela autonomia do direito do portador, que é considerado como um credor originário, isto é, independentemente da titularidade do antecessor (A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Volume III, Universidade de Coimbra, 1966, págs. 40 a 75).
[xxii] Neste sentido, Ac. da RG, de 28.02.2019, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 5011/17.4T8VNF-A.G1, onde se lê que o «artº. 77º., da L.U.L.L., mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respetivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do ato do pagamento».
[xxiii] Com efeito, quem emite um título de crédito em branco (v.g. uma livrança), atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher de acordo com certas cláusulas que entre o subscritor e o tomador hajam sido previamente convencionadas. Tal preenchimento deve pois «obedecer aos termos combinados inicialmente com o devedor e com as demais pessoas que na obrigação tenham porventura intervindo, como aquelas enfim que nela hajam aposto antecipadamente a sua assinatura; importa pois uma delegação de confiança, uma autorização para a integração do título, delegação ou relação de confiança essa que sairá traída se for desrespeitado o conteúdo de preenchimento podendo então falar-se de preenchimento abusivo» (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Volume III, Universidade de Coimbra, 1966, págs. 124 a 127, com bold apócrifo).
[xxiv] Logo, o processo de formação de um contrato de locação financeira pressupõe, em sucessão, cinco fases, com uma relevância jurídica distinta, a saber: uma promessa sinalagmática de locação do locador ao locatário (1); um mandato para a compra do bem (2); a locação do bem entre locador e locatário, por prazo determinado (3); uma promessa unilateral (do locador) de venda do bem (4); e a eventual venda do mesmo bem ao locatário (5).
[xxv] Existe deste modo uma relação económica trilateral ou triangular, com a interposição de um terceiro independente - a sociedade de locação financeira - entre o produtor ou comerciante do bem e o locatário.
Estabelecem-se, em consequência, três relações distintas: a relação locador/locatário (com a assumpção da obrigação de cedência temporária de um bem adquirido ou construído por indicação do locatário, com opção de compra, findo o período do contrato, por um preço previamente definido ou determinável pelos critérios pré-fixados); a relação locador/fornecedor do bem (com a aquisição, por aquele a este, de um bem); e a relação locatário/fornecedor do bem.
[xxvi] Contudo, para «que se possa falar de uma interpelação admonitória que envolva a conversão da mora em incumprimento definitivo (art. 808º, nº 1 CC), impõe-se o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para o cumprimento; a consagração de um prazo peremptório, suplementar [novo e distinto do primitivo], razoável [determinando-se a razoabilidade à luz do caso concreto] e exacto para cumprir; e a declaração (cominatória) de que findo o prazo fixado sem que ocorra a execução do contrato se considera definitivamente incumprido» (Fernando de Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral. Contrato-Promessa em Especial, Almedina, 2009, pág. 161).
No mesmo sentido, numa jurisprudência constante, Ac. do STJ, de 18.11.2004, Custódio Montes, Processo n.º 04B3449, e Ac. do STJ, de 10.12.2019, Raimundo Queirós, Processo n.º 386/13.7T2AND.P2.S1.
[xxvii] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 26.01.2017, Anabela Tenreiro, Processo n.º 1944/12.2TBBCL.G1, onde se lê que o «direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora».
[xxviii]  Compreende-se esta exigência de interpelação admonitória, já que, «sendo o pacto de preenchimento um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos vai ocorrer o preenchimento do título subscrito em branco total ou parcialmente, em regra, sem fixação de prazo certo para o preenchimento, nem montante previamente determinado, o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título» (Ac. da RG, de 04.04.2017, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 31/14.3TBCMN-A.G1).
[xxix] No mesmo sentido, em hipótese em tudo idêntica à destes autos, Ac. da RG, de 28.02.2019, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 180/16.3T8MAC-B.G1, onde se lê que, «na cláusula 2º, ponto 2 e cláusula 10º, ponto 2 do contrato em causa nos autos, (…) é referido que a comunicação quer do vencimento antecipado, quer da denúncia do contrato tem de ser feita por carta registada com aviso de receção.
A Exequente/Embargante juntou aos autos duas cartas enviadas para a morada do outorgante do contrato constante desse contrato, mas não juntou o(s) AR, que serviria(m) para demonstrar e assegurar que as cartas em causa chegaram ao conhecimento do destinatário, no entanto, tendo este falecido à data da remessa de tais missivas, é por demais evidente que o mesmo não as recebeu.
É certo que, como refere a Exequente/Embargante, através da citação de diversa jurisprudência, o pacto de preenchimento de uma livrança em branco não caduca com o óbito do seu subscritor e os embargantes sucedem na relação subjacente, onde se situa o âmbito do pacto de preenchimento, contudo, no caso concreto para que o vencimento antecipado e/ou a denúncia ou resolução produzissem efeitos, era necessário que a comunicação da ora Embargada nesse sentido, chegasse ao conhecimento do outorgante do contrato ou dos seus sucessores, o que não ocorreu no caso do primeiro pelas razões já apontadas e, quanto aos segundos (sucessores daquele) não ficou demonstrado pela Exequente que tal tivesse ocorrido antes da citação para os termos da execução.
Assim, tal como se refere na decisão recorrida, “considerando que a denúncia era essencial quer para por termo ao contrato, quer para declarar o vencimento antecipado das obrigações, não tendo essa denúncia sido validamente efetuada, dúvida não há de que o exequente não poderia ter preenchido a livrança pelo valor do capital, simplesmente porque o capital não era devido, por não terem sido validamente acionadas a cláusulas nem da cessação do contrato e consequente vencimento da obrigação, nem do vencimento antecipado das obrigações.
Assim sendo, há que considerar o preenchimento da livrança efetivamente abusivo”».