Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
899/08.2TBFAF-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Com o art. 6º, n.º 7 do RCP, o legislador introduziu ao nível do RCP um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até ao limite de 275.000,00 euros, e por outro, introduziu mecanismos de graduação prudenciais do montante das custas devidas a partir desse valor.

2- A regra é de que nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça deverá ser considerado na conta a final, exceto se a especificidade da situação justificar solução diversa e o juiz, de forma fundamentada, ex officio ou a requerimento das partes, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispense ou reduza o pagamento desse remanescente.

3- O montante de taxa de justiça a liquidar pelas partes encontra-se submetido aos direitos constitucionalmente consagrados de salvaguarda do direito de acesso aos tribunais e de neles receberem um tratamento igual aos demais utentes do sistema de justiça e, bem assim da proibição do excesso (proporcionalidade).

4- Sempre que esses direitos e princípios constitucionais sejam colocados em crise, impende sobre o juiz o poder-dever de dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
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D. T. Imobiliária, S.A., com sede da Rua …, Braga, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Carlos, residente na Rua … Fafe, e Fernando, entretanto falecido, estando a ação a correr termos com os respetivos sucessores habilitados, Maria, residente na Rua … Fafe, José, com a mesma morada, Cristina, residente na Rua …, Marinha Grandes, e Alberto, residente na Rua ..., Fafe, pedindo a condenação dos Réus a proceder à escritura pública, a seu favor, dos bens prometidos vender.

Caso assim não venha a ser decidido, ou caso a escritura não se mostre legalmente possível, que os contratos-promessa em causa na presente ação sejam declarados nulos e o 1º Réu condenado a devolver-lhe a quantia de 112.500,00 euros, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e o 2º Réu condenado a devolver-lhe a quantia de 100.000,00 euros, a título de capital, acrescido de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

E ainda, caso assim não se entenda, que se condene os Réus a indemnizá-la, sendo o 1º Réu condenado a pagar-lhe a quantia de 112.500,00 euros, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e o 2º Réu condenado a pagar-lhe a quantia de 100.000,00 euros, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

O 1º Réu contestou, excecionando a ilegalidade do pedido quanto à execução específica, por ocorrer caso julgado relativamente ao Processo n.º 1586/06.1TBFAF.

Invocou a exceção do abuso de direito e impugnou parte da matéria alegada pela Autora, pedindo a condenação desta como litigante de má-fé.

Também o 2º Réu contestou, invocando a exceção do caso julgado, da ilegitimidade ativa, da coligação ilegal de Réus e, bem assim da ilegitimidade passiva.
Impugnou parte da matéria alegada pela Autora e pediu a condenação desta como litigante de má-fé.

A Autora replicou, contestando as matérias invocadas em sede de exceções e em sede de pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo pela improcedência dessas exceções e do pedido de condenação daquela como litigante de má-fé.
Pediu a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

O 2º Réu respondeu ao incidente de condenação como litigante de má-fé, impugnando os factos respetivos.

A Autora reduziu os pedidos formulados na petição inicial para os pedidos subsidiários, tendo essa redução sido oportunamente admitida.

Proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente as exceções da ilegitimidade, da coligação ilegal e do caso julgado e fixaram-se os factos assentes e a base instrutória.

Realizou-se julgamento, após o que foi proferida sentença julgando a ação improcedente, com absolvição dos Réus dos pedidos formulados pela Autora.
Mais se julgou improcedentes os pedidos de condenação como litigantes de má-fé suscitados pela Autora e pelos Réus.

No decurso da audiência de julgamento, faleceu o Réu Fernando, tendo-se procedido, após a sua finalização, à habilitação dos respetivos sucessores.

Inconformada com aquela sentença, a Autora veio interpor recurso da mesma para esta Relação, que julgou aquele recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Por requerimento entrado em juízo em 14/08/2017, o Réu Carlos requereu que fosse dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, caso assim se não entenda, que se proceda à redução desse remanescente para limites aceitáveis, em face do desenvolvimento processual.

Após vista nos autos, em que o Ministério Público promoveu que se indeferisse o requerido, por decisão proferida em 20/10/2017, indeferiu-se o requerido pelo Réu, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, improcede o requerimento em epígrafe”.

Inconformada com o assim decidido, veio a Autora interpor recurso daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões:

A) Tendo o valor da causa sido fixado em €875.000,00, com a redução do pedido efetuada pela recorrente, por forma que passassem a constar unicamente os pedidos subsidiários de declaração de nulidade de cada um dos contratos promessa, esta passou, apenas, a solicitar a condenação dos Réus a devolver-lhe/indemnizá-la, nos montantes de € 112.500 e € 100.000, respetivamente, a título de capital acrescido de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sendo este valor o seu benefício económico.
B) A morosidade do julgamento deveu-se não à inércia ou atuação dilatória das partes, mas sim ao tempo que os organismos públicos demoraram a responder às solicitações que lhes foram endereçadas pelos Tribunais, para tal tendo, também, contribuído a impossibilidade física do Tribunal, nuns casos, e a suspensão da instância solicitada pelas partes para tentativa de acordo, noutros.
C) Sessões de julgamento onde foram recolhidas duas declarações e inquiridas três testemunhas, foram quatro, mas apenas durante as manhãs do respetivo dia, sendo que a quinta sessão foi usada, exclusivamente, durante a parte da tarde do respetivo dia, para alegações de facto e de direito das partes.
D) Pela leitura da “Motivação de Direito” da Sentença proferida em 1.ª Instância, depreende-se que o Tribunal recorrido se debruçou sobre a) a análise da temática da Comunhão Hereditária e seus efeitos inter partes; b) na falta de interpelação admonitória dirigida pela autora aos réus, para cumprimento dos contratos promessa, e consequências jurídicas dessa omissão; c) na qualificação do prazo estabelecido em cada um dos contratos promessa para outorga do contrato definitivo, como de prazo fixo essencial ou absoluto ou de prazo fixo relativo, simples ou usual.
E) Salvo o devido respeito, a análise de cada um destes institutos jurídicos não teve de ser efetuada por referência à análise dos factos que os documentos remetidos aos autos pela Câmara Municipal e pelo Ministério da Economia provaram, outrossim, pela análise dos contratos promessa juntos com a Petição Inicial.
F) A lide não se revestiu de particular complexidade jurídica e técnica e a decisão não revestiu particular dificuldade, como, aliás, ficou escrito no Despacho em recurso.
G) A motivação da decisão da matéria de facto, efetuou-se em 12 páginas e Motivação de Direito em 08 páginas.
H) Os articulados e as alegações das partes não se mostraram prolixos nem fastidiosos.
I) Pese embora tenha havido recurso da decisão da 1.ª Instância para o Tribunal da Relação do Porto, não houve contra-alegações e a Fundamentação da Decisão deste Venerando Tribunal, bastou-se em quatro páginas.
J) O Tribunal a quo, ao não limitar, pelo menos, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a pagar por cada parte, por referência ao valor de €425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros) – o dobro da referida utilidade económica de €212.500,00 - violou o disposto no artigo 20.ª da Constituição da República Portuguesa, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Termos em que, dando V.as Ex.as provimento ao presente recurso, deverá ser revogado o Despacho recorrido, substituindo-se este por Douto Acórdão que, pelo menos, fixe o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a pagar por cada parte, por referência ao valor de €425.000,00.

Também o Réu veio interpôs recurso daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões:

A) Tendo o valor da causa sido fixado em €875.000,00, com a redução do pedido efectuado pela A., por forma que passassem a constar unicamente os pedidos subsidiários de declaração de nulidade de cada um dos contratos promessa – o que ocorreu previamente – a A. passou, apenas, a peticionar a condenação dos Réus a devolver-lhe/indemnizá-la, nos montantes de € 112.500 e € 100.000, respetivamente, a título de capital acrescido de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sendo este valor o seu benefício económico.
B) Ora, considerando que os pedidos deduzidos contra cada um dos réus são distintos, o valor a atender para efeitos de taxa de justiça devida por cada uma das partes, deve ser fixado de forma individual para cada pedido, não devendo atender-se à soma deles
C) A morosidade do julgamento deveu-se não à inércia ou atuação dilatória das partes, mas sim ao tempo que os organismos públicos demoram a responder às solicitações que lhes foram endereçadas pelos Tribunais, para tal tendo, também, contribuído a impossibilidade física do Tribunal, nuns casos, e a suspensão da instância solicitada pelas partes para tentativa de acordo, noutros.
D) Sessões de julgamento onde foram recolhidas duas declarações e inquiridas três testemunhas, foram quatro, mas apenas durante as manhãs do respetivo dia, sendo que a quinta sessão foi usada, exclusivamente, durante parte da tarde do respetivo dia, para alegações de facto e de direito das partes.
E) Pela leitura da “Motivação de Direito” da Sentença proferida em 1.ª Instância, depreende-se que o Tribunal recorrido se debruçou sobre a) a análise da temática da Comunhão Hereditária e seus efeitos inter partes; b) na falta de interpelação admonitória dirigida pela autora aos réus, para cumprimento dos contratos promessa, e consequências jurídicas dessa omissão; c) na qualificação do prazo estabelecido em cada um dos contratos promessa para outorga do contrato definitivo, como de prazo fixo essencial ou absoluto ou de prazo fixo relativo, simples ou usual.
F) Salvo o devido respeito, a análise de cada um destes institutos jurídicos não teve de ser efetuada por referência à análise dos factos que os documentos remetidos aos autos pela Câmara Municipal e pelo Ministério da Economia provaram, outrossim, pela análise dos contratos promessa juntos com a Petição Inicial.
G) A lide não se revestiu de particular complexidade jurídica e técnica e a decisão não revestiu particular dificuldade, como, aliás, ficou escrito no Despacho em recurso.
H) A motivação da decisão da matéria de facto, efetuou-se em 12 páginas e Motivação de Direito em 08 páginas.
I) Os articulados e as alegações das partes não se mostraram prolixos nem fastidiosos.
J) Pese embora tenha havido recurso da decisão da 1.ª Instância para o Tribunal da Relação do Porto, não houve contra-alegações e a Fundamentação da Decisão deste Venerando Tribunal, bastou-se em quatro páginas.
K) O Tribunal a quo, ao não limitar, pelo menos, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a pagar por cada parte, por referência ao valor de €212.500,00 - violou o disposto no artigo 20.ª da Constituição da República Portuguesa, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
L) Não estão cumpridos na douta decisão recorrida, s.d.r., os critérios quer do art. 6º, nº 7 do RCP, nem do art. 530º nº 7 do CPC, pelo que, se impõe que na adequada análise destes em função da especificidade dos presentes autos, se revogue a douta decisão recorrida quanto a custas, desaplicando a ordem de contagem do remanescente da taxa de justiça.

Termos em que, dando V.as Ex.as provimento ao presente recurso, deverá ser revogado o Despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações em relação aos dois recursos interpostos.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação e verificando-se que as questões suscitadas pelos apelantes em ambos os recursos são as mesmas, sendo, aliás, as alegações de recurso apresentados pelo apelante Réu praticamente a reprodução ipsis verbis das alegações de recurso apresentadas pela apelante Autora, as questões que são por eles colocadas à consideração deste tribunal resumem-se ao seguinte:

a- valor a considerar para efeitos do pagamento da taxa de justiça, incluindo a remanescente;
b- se estão preenchidos os pressupostos legais para se dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou para se reduzir essa taxa.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos que relevam para o conhecimento do presente recurso são os que constam do relatório acima exarado, sem prejuízo dos factos que infra se explanarão e que resultem da prova objetiva, que são o processo principal.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

As questões que são suscitadas pelos apelantes perante esta Relação são as duas questões acima elencadas.
Passando à apreciação da primeira questão suscitada pelos apelantes, a mesma resume-se em saber qual o valor a considerar para efeitos de liquidação da taxa de justiça.

Com efeito, sustentam os apelantes que fruto da redução do pedido efetuado pela Autora, por forma a que passassem a constar unicamente os pedidos subsidiários de declaração da nulidade de cada um dos contratos-promessa, aquela passou a solicitar apenas a condenação dos Réus a devolver-lhe/indemnizá-la nos montantes de 112.500,00 euros e 100.000,00 euros, respetivamente, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação, até efetivo e integral pagamento, com atribuição do valor da causa de 212.500.000,00 euros.
Concluem que a utilidade económica que a Autora poderia retirar da total procedência da presente ação se cifra em 212.500,00 euros, acrescidos de juros de mora, e não à quantia de 875.000,00 euros, que é o valor da causa que se encontra fixado à presente ação, pelo que o remanescente da taxa de justiça a liquidar pelos mesmos deverá ser limitado ao dobro do valor da referida utilidade económica, ou seja, a 425.000,00 euros.
Precise-se que uma coisa é o valor a considerar para efeitos de liquidação da taxa de justiça, incluindo o remanescente dessa taxa, e outra, diversa, é saber se, independentemente desse valor pelo qual a taxa de justiça a liquidar deverá ser apurado, se se encontram ou não preenchidos os pressupostos legais enunciados no art. 6º, n.º 7 do RCP, para dispensar os apelantes do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou para reduzir o montante a pagar pelos mesmos a título de remanescente da taxa de justiça.

B.1- Do valor a considerar para efeitos de liquidação da taxa de justiça e respetivo remanescente.

Estabelece o art. 6º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por sua vez, o art. 11º daquele Regulamento, estatui, como regra geral, que “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo”.

Resulta do exposto que de acordo com a regra geral estabelecida neste normativo, a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa.
Ora, tendo o valor da presente causa sido fixado, como reconhecem os próprios apelantes, por decisão transitada em julgado, em 875.000,00 euros, independentemente do bom ou mau fundamento dessa decisão, que se tornou inatacável, por via do respetivo trânsito em julgado, é a esse valor de 875.000,00 euros que se tem de atender para efeitos da taxa de justiça a liquidar pelos mesmos, incluindo o respetivo remanescente, não havendo, por conseguinte, fundamento legal para, em sede de remanescente da taxa de justiça a liquidar pelas partes nos presentes autos, se atender ao valor de 425.000,00 euros.
Precise-se que com a adução dos argumentos que invocam, aludindo à desistência do pedido principal pela Autora, é inequívoco que os apelantes não estão a tomar em devida consideração o regime legal enunciado no n.º 1 do art. 299º do CPC, nos termos do qual, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, pelo que, com exceção destas duas situações, que poderão levar ao aumento do valor da causa, este valor corresponde ao valor da utilidade económica imediata dos pedidos deduzidos pela Autora em sede de petição inicial, independentemente de, posteriormente, esta vir ou não desistir de parte ou da totalidade desses pedidos.
Tendo o valor da causa sido fixado, por despacho transitado em julgado, em 875.000,00 euros, estando este valor, em definitivo, fixado nos autos, não podendo mais neles ser discutido, não colhem as considerações invocadas pelos apelantes quanto à desistência do pedido principal que veio a ser apresentada pela Autora e quando pretendem que sendo os pedidos deduzidos contra cada um dos Réus distintos, o valor a atender para efeitos de taxa de justiça devida por cada uma das partes, deve ser fixado de forma individual para cada pedido, não devendo atender-se à soma deles.
Consequentemente, é a este valor da causa, fixado em definitivo nos autos em 875.000,00 euros, que o enunciado art. 11º manda que se atenda como base tributável para efeitos de taxa de justiça e que terá de se atender para efeitos de cálculo de remanescente da taxa de justiça a liquidar nos autos pelas partes.
Coisa diversa é saber se se encontram, no caso, preenchidos os requisitos legais que permitem a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça a liquidar pelas partes, o que já nos remete para o segundo fundamento de recurso aduzido pelos apelantes no presente recurso.
Nesta conformidade, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, indefere-se a sua pretensão no sentido de que o remanescente da taxa de justiça a pagar pelas partes nos autos, seja liquidado tendo por referência o valor de 425.000,00 euros.

B.2- Da dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça.

Pretendem os apelantes que se dispense ou, pelo menos, reduza o remanescente da taxa de justiça a liquidar, invocando para tanto que a morosidade do julgamento se deveu, não à inércia ou atuação dilatória das partes, mas sim ao tempo que os organismos públicos demoraram a responder às solicitações que lhes foram endereçadas pelo tribunal, para tal tendo, também contribuído a impossibilidade física do tribunal, nuns casos, e a suspensão da instância solicitada pelas partes para tentativa de acordo, noutros.
Mais sustentam que as sessões de julgamento foram quatro, onde foram recolhidas duas declarações de parte e inquiridas três testemunhas, tendo essas quatro sessões decorrido apenas da parte da manhã, e a quinta sessão de julgamento, durante a parte da tarde, onde foram exclusivamente produzidas alegações de facto e de direito.

Finalmente, aduzem que as questões jurídicas suscitadas nos autos não revestiram particular complexidade jurídica e técnica e que a decisão proferida não revestiu particular dificuldades e, bem assim que os articulados e as alegações das partes não se mostrarem prolixos, sequer fastidiosos e que não obstante tenha sido interposto recurso da decisão proferida pela 1ª Instância, não houve contra-alegações e que a fundamentação da decisão proferida pela Relação se bastou com quatro páginas.
Concluem que a não se limitar, pelo menos, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a pagar por cada um das partes ao valor de 425.000,00 euros (na tese da apelante Autora) ou de 212.500,00 euros (na tese do apelante Carlos), que se incorre em violação do disposto nos arts. 20º da CRP e 6º, n.ºs 1 e 7 do RCP.
Vejamos se assiste razão aos apelantes.
Dispõe o n.º 7 do art. 6 do RCP que “nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como é sabido, este normativo foi aditado ao RCP pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, das normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Não obstante a taxa de justiça até ao valor de 275.000,00 euros continue a ser fixada tendo em consideração o valor da causa e por referência, em regra, a tabela I-A anexa ao RCP, procurando adequar o Regulamento àquelas exigências constitucionais, o legislador veio estabelecer que para além desse valor de 275.000,00 euros, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25.000,00 euros ou fração, três UC, no caso da coluna A; 1,5 UC, no caso da coluna B; e 4,5 UC, no caso da coluna C (vide parte final da tabela I-A anexa ao RCP) e conferiu o poder-dever ao juiz de, ex officio ou a requerimento das partes, por despacho fundamentado, dispensar o pagamento dessa taxa de justiça remanescente, quando a especificidade da situação o justifique, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Com o aditamento daquele art. 6º, n.º 7, o legislador introduziu no RCP um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite (275.000,00 euros), e por outro, mecanismos de graduação prudencial do montante das custas devidas a partir desse limite.

Ao assim proceder, o legislador mitigou no RCP o valor das custas processuais decorrentes do valor da causa a partir de determinado limite, lendo-se no preâmbulo daquele Regulamento que a reforma do regime das custas processuais “pretende instituir um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais (…).

De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa. Deste modo quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da ação, passando a adequar-se à efetiva complexidade do procedimento respetivo”.

Nesta esteira e conforme pondera Salvador da Costa (1) a decisão judicial “de dispensa, excecional”, do remanescente depende “da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade, e a positiva atitude de cooperação das partes. A lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do juiz no referido sentido, pelo que importa concluir que ele o pode fazer a título oficioso ou no despacho final”.

Na verdade, estando em causa a salvaguarda do direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, bem como da igualdade dos utentes na utilização do sistema de justiça e no suporte dos custos de funcionamento do mesmo e, bem assim os princípios da proporcionalidade, da justeza e da adequação dos valores das taxas de justiça devida pelas partes em cada ação ou procedimento, o comando ínsito no art. 6º, n.º 7 do RCP, carece de ser entendido como um poder-dever imposto ao juiz de, nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, ponderar da proporcionalidade, justeza e adequação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devendo dispensar, total ou parcialmente, esse pagamento sempre que o mesmo coloque em crise aqueles direitos e princípios constitucionais, tudo sem prejuízo de o juiz, nada dizendo, as próprias partes interessadas requererem essa dispensa.
Precise-se que não obstante o referido art. 6º, n.º 7 do RCP apenas preveja a dispensa do remanescente da taxa de justiça, é pacífico que “os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes a esta norma flexibilizadora só serão plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual apenas seria devido o montante da taxa de justiça já pago ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa, devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fração daquele valor remanescente”. É que a assim não se entender, criar-se-ia situações de intolerável desproporção de resultados e violadoras do princípio da igualdade entre os litigantes, “ao impossibilitar uma plena consideração e balanceamento das especificidades próprias do caso ou situação processual, obrigando, de forma rígida e injustificada, a parificá-las artificiosamente, apesar das substanciais diferenças que entre elas pudessem verificar-se” (2).

Resulta do exposto que o enunciado art. 6º, n.º 7 do RCP carece de ser interpretado no sentido de conferir ao juiz o poder-dever de, em relação ao remanescente da taxa de justiça, dispensar o pagamento total ou parcial desse remanescente, conforme as especificidades do caso concreto e sempre que tendo em conta aqueles princípios constitucionais se justifique e, inclusivamente, se imponha, essa dispensa ou redução, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade material.

Por último, impõe-se realçar que como resulta da expressão “designadamente” utilizada pelo legislador no apontado n.º 7 do art. 6º do RCP, no exercício desse poder-dever, a enumeração que nele se faz dos critérios a utilizar nessa apreciação - complexidade da causa e conduta processual das partes -, é meramente exemplificativa, devendo o julgador convocar todos os fatores modeladores e individualizadores do caso concreto e que se mostrem relevantes para aferir do montante das custas a pagar ao Estado pelo serviço de justiça recebido em função dos acima referidos direitos e princípios constitucionais.
Trata-se, a final de apreciar as especificidades próprias do caso concreto e verificar se se justifica ou não dispensar, total ou parcialmente, o remanescente da taxa de justiça atendendo aos comandos constitucionais segundo os quais o montante da taxa de justiça a pagar pelas partes não deve ser de molde a colocar em crise o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, sequer pode colocar em crise os princípios constitucionais da proibição do excesso (proporcionalidade) e da igualdade, princípio este do qual decorre que dos cidadãos deve ser solicitado idêntico grau de taxa de esforço no financiamento do sistema de justiça que utilizam.

Assentes nestas premissas, à presente ação, como se disse, por decisão transitada em julgado, foi atribuído o valor de 875.000,00 euros.

Atento esse valor, nos termos do disposto nos arts. 6º, n.º 1, 13º, n.º 1, 14º, n.ºs 1 e 2 do RCP e da tabela I-A a ele anexa, desconsiderando o desconto de 10% decorrente do envio de peças processuais por via eletrónica a que alude aquele art. 6º, n.ºs 3 e 4 do RCP e, bem assim as taxas de justiça pagas na sequência do recurso interposto, a apelante Autora tinha de pagar, e pagou, 16 UCs de taxa de justiça e cada um dos Réus, os quais apresentaram contestações autónomas, impunha-se pagar igual quantia a título de taxa de justiça.

Aliás, o Réu Carlos já liquidou a quantia de 1.468,80 euros a título de taxa de justiça e o Réu Fernando a quantia de 1.632,00 euros (cfr. fls. 67).

Tendo em consideração que a apelante Autora ficou totalmente vencida na presente ação e, por conseguinte, as custas do processo ficam a seu encargo exclusivo, nos termos do disposto nos arts.527º, n.ºs 1 e 2 e 533º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC, aquela terá de devolver aos Réus a taxa de justiça que liquidaram, o que significa que a taxa de justiça que é da sua responsabilidade ascende 16 UCs por ela já paga, acrescida das quantias de 1.468,80 euros e 1.632,00 euros liquidados, respetivamente, pelos Réus Carlos e Fernando, o que perfaz um total de 4.732,80 euros.

A este valor acresce a taxa de justiça remanescente, que ascende a 7.344,00 euros (875.000,00 euros, correspondente ao valor da causa – 275.000,00 euros já considerados na taxa de justiça paga = 600.000,00 euros; 600.000,00 euros : 25.000,00 euros a que alude a parte final da tabela I anexa ao RCP = 24; 24 x 3 UC a que alude aquela parte final da tabela I = 72 UC; 72 UC x 102,00 euros = 7.344,00 euros), por cada parte, e que a apelante Autora terá de devolver aos Réus nos termos do disposto nos enunciados arts. 527º, n.ºs 1 e 2 e 533º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC, tendo em consideração que ficou totalmente vencida na presente ação.

Deste modo, o juízo a fazer é se a quantia de 4.732,80 euros já pagos, a título de taxa de justiça, pelas partes ao longo do processo, se mostra proporcional, adequada e suficiente e conforme aos princípios do direito dos cidadãos de acesso aos tribunais e, bem assim ao princípio da igualdade, tendo em consideração a dimensão do serviço de justiça por elas recebido no âmbito dos presentes autos, caso em que se imporá deferir, até por imposição constitucional, a sua pretensão no sentido de serem dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou se antes, a dimensão do serviço de justiça que receberam, por referência àqueles comandos constitucionais, reclama, ainda, o pagamento, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça.

Precise-se que o sistema de justiça pela quantidade de pessoas que nele se encontram envolvidas, o necessário conhecimento técnico e científico que têm de possuir, os meios técnicos que necessariamente envolve, é um sistema impreterivelmente dispendioso, que cabe ao Estado assegurar e cujos custos terá de suportar, sem prejuízo de dever reclamar aos cidadãos que o utilizam, parte desse custo – uma taxa -, em função dessa utilização.

O contributo exigido aos utilizadores do sistema nunca poderá, no entanto, reafirma-se, ser de molde a colocar em crise o acesso de todos os cidadãos ao sistema de justiça e terá de ser proporcional ao serviço de justiça recebido, além de ter de ser conforme ao princípio da igualdade, no sentido de que para um serviço de justiça igual, deverá ser exigido igual contributo económico a todos os utilizadores do sistema.

Estando já enunciados os critérios a considerar na apreciação a realizar para efeitos de se determinar a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça a pagar pelas partes, passando à análise desses critérios, cumpre referir que, no que respeita ao critério da utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos nos autos para as partes, sem dúvida alguma que esses interesses mostram-se relevantes, tanto assim que à presente ação foi atribuído o valor de 875.000,00 euros.

No que respeita à complexidade da tramitação processual, impõe-se chamar à colação o disposto no n.º 7 do art. 530º do CPC, nos termo do qual: “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) contenham articulados ou alegações prolixas; b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção morosas”.

Compulsados e analisados os articulados e as alegações de recurso apresentadas pelas partes nos presentes autos, verifica-se que se está na presença de um processo composto por quatro volumes, em que, em sede de petição inicial, foi feita a explanação fáctica e jurídica ao longo de 32 artigos, com a dedução de um pedido principal e de dois pedidos subsidiários por parte da Autora.
Foram apresentadas duas contestações autónomas: uma pelo Réu Carlos e outra pelo Réu Fernando.

Na contestação apresentada pelo Réu Carlos, este deduziu as exceções do caso julgado, invocou a exceção do abuso de direito, impugnou parte da matéria alegada pelo Autor e concluiu pela improcedência do pedido e pela condenação da Autora como litigante de má-fé, numa contestação que comporta 81 artigos.

Já na contestação apresentada pelo Réu Fernando, este defendeu-se por exceção e por impugnação, num articulado composto por 76 artigos, invocando as exceções do caso julgado, da ilegitimidade ativa, da coligação ilegal dos Réus e da ilegitimidade passiva, e concluiu pela improcedência da ação, pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé.

Houve réplica com 80 artigos, em que a Autora impugnou a matéria invocada pelos Réus em sede de exceções, concluindo pela improcedência dessas exceções e como na petição inicial, pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

O 2º Réu respondeu ao incidente de condenação como litigante de má-fé formulado pela Autora, impugnando os factos respetivos e concluindo pela improcedência desse pedido.

A Autora apresentou petição inicial corrigida, por ter constatado a existência de desfasamento entre a identificação dos prédios no articulado original e as descrições prediais, quando diligenciava pelo registo da ação, o que mereceu a oposição dos Réus.

A Autora apresentou requerimento reduzindo o pedido, por forma que passassem a constar apenas, desse seu pedido originariamente formulado, os pedidos subsidiários que tinha formulado em sede de petição inicial, o que, mais uma vez, contou com a oposição dos Réus, num caso, alegando a falsidade dos factos invocados, reiterando a invocação da inexistência de pressupostos para a coligação passiva e, noutro, pugnando pela não admissibilidade dos pedidos subsidiários na falta do pedido principal.

Foi proferido despacho determinando que a Autora clarificasse os termos em que pretendia a apreciação dos pedidos, com apresentação da exata e atual formulação, o que aquela realizou.
Foi agendada audiência preliminar por invocada complexidade da matéria de facto, no sentido de obter uma solução consensual do pleito, ou caso tal não se concretizasse, uma melhor delimitação da matéria de facto em litígio.
As partes requereram a suspensão da instância tendo em vista a resolução extrajudicial do litígio.

Frustrado esse acordo, fixou-se despacho de verificação do valor da causa, fixando esse valor em 875.000,00 euros.
Após, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente as exceções da ilegitimidade ativa e passiva, da coligação ilegal e do caso julgado e fixaram-se os factos assentes em 29 alíneas, e a base instrutória, em sete artigo.

Em face do que se vem explanando, várias conclusões já se impõem extrair.

Não obstante nos articulados não tenha sido efetivamente utilizada pelas partes alegações prolixas até pela quantidade de pedidos formulados pela Autora (reafirma-se, um principal e dois subsidiários) e de exceções aduzidas pelos Réus em sede de contestações (exceções do caso julgado, ilegitimidade ativa, coligação ilegal dos Réus, ilegitimidade passiva e abuso de direito), só por mera distração das apelantes e porque não foram eles a decidir, os mesmos podem afirmar que “a lide não se revestiu de particular complexidade jurídica e técnica e que a decisão não se revestiu de particular dificuldade”.

Que assim não é, basta atentar na quantidade de pedidos deduzidos (três: um principal e dois subsidiários), na quantidade e natureza das exceções que foram invocadas pelos Réus, que demandaram a chamada à colação de vários institutos processuais e substantivos, o número considerável de articulados e requerimentos apresentados pelas partes e respetiva extensão, sem se olvidar os pedidos de condenação mútua como litigantes de má-fé que formularam, bem como na oposição que foi deduzida pelos Réus à petição inicial corrigida apresentada pela Autora e, bem assim à redução do pedido por esta formulado e à necessidade de se ter proferido despacho de verificação do valor.

Acresce referir que se é certo que “quem trabalha” incorre necessariamente em erros, a circunstância da Autora ter tido necessidade de apresentar petição corrigida por ter constatado a existência de um desfasamento entre a identificação dos prédios que fez na petição inicial original que apresentou e as descrições registrais quando diligenciou pelo registo da ação, tal facto demonstra que aquela não foi particularmente diligente aquando da apresentação da petição inicial original em juízo, onde era pressuposto que tivesse previamente analisado a descrição predial dos prédios por forma a não incorrer em equívocos, sem criação dos ulteriores incidentes processuais que gerou ao ter necessidade de apresentar a ulterior petição inicial corrigida.

Os pedidos de condenação mútua das partes como litigantes de má-fé evidencia que a lisura mútua com que litigaram as partes também não foi a mais conveniente, uma vez que não se pode deixar de estranhar que os Réus tivessem pretendido que a Autora litigava de má-fé e esta, por sua vez, pretendesse que eram os Réus que assim litigavam, quando, em regra, a litigância de má-fé de uma das partes excluiu a litigância de má-fé da outra parte, e quando, a final, se veio a concluir que nenhuma das partes litigava de má-fé, tendo todas sido absolvidas desses pedidos.

Acresce referir que se é certo que sendo os tribunais instrumentos de pacificação social e como tal, o legislador privilegia a resolução amigável dos litígios ao ponto da audiência final se iniciar com uma tentativa de conciliação e de estar prevista, no n.º 4 do art. 279º do CPC., a possibilidade das partes acordarem na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final, as partes nunca poderão esquecer que uma suspensão da instância tem repercussões consideráveis e nefastas no sistema de justiça.

Com efeito, estando, no caso, agendada audiência preliminar para o dia 04/2/2010, a suspensão da instância, a requerimento das partes, com vista à resolução amigável do litígio, teve como consequência necessária que a audiência preliminar designada para esse dia não se tivesse realizado, com as inerentes consequências para o sistema de justiça, que não só, as mais das vezes, já não consegue agendar, para esse dia, outra(s) diligência(s) em substituição da dada sem efeito, como perante a frustração do almejado acordo, o serviço que seria realizado naquele dia 04/02, teve de ser posteriormente realizado.

Passando à audiência final, é certo que nela não foi ouvida um número elevado de testemunhas, posto que apenas foram recolhidas duas declarações e inquiridas três testemunhas, mas os depoimentos das duas primeiras testemunhas foi moroso.

Acresce que não se pode esquecer o número elevado de sessões de julgamento que tiveram lugar nos autos, com as inerentes repercussões para o sistema de justiça.

É certo que a primeira sessão de julgamento, designada para o dia 13/02/2013, não se realizou por um lapso do tribunal, que não tinha proferido despacho a admitir o depoimento de parte dos legais representantes da Autora e por, na sequência da prolação desse despacho, o Réu Carlos ter requerido o adiamento dessa sessão com o fito de se observar a ordem de produção da prova.
No entanto, incumbe referir que não tinha de ser necessariamente assim.

Aliás, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o legislador veio, inclusivamente, estabelecer que a audiência final apenas se adia nos casos enunciados no art. 603º, n.º 1 do CPC – impedimento do tribunal, falta de algum dos advogados sem que o juiz tivesse providenciado pela marcação da audiência mediante acordo prévio do advogado faltoso ou justo impedimento -, e no art. 512º, n.º 1 do CPC, previu a possibilidade das partes, por acordo, ou o juiz, determinarem a alteração da ordem dos depoimentos das testemunhas.

As sessões de julgamento dos dias 30/04/2013 e 06/06/2013, não se realizaram devido a novas suspensões da instância, a requerimento das partes, com vista a alcançarem a almejada resolução amigável do presente litígio.

No entanto, pelas repercussões já acima enunciadas que essas práticas têm no sistema de justiça, num sistema de justiça que se pretende ser célere e ao qual o legislador pretende, efetivamente, imprimir características de celeridade (de que são exemplo as alterações legislativas acima enunciadas) e em relação ao qual o cidadão comum tanto se queixa das ineficiências do sistema, mais razoável e esperável seria que as partes, em vez de suspenderem a instância com vista à resolução amigável do litígio já no decurso do processo, tivessem encetado essas diligências antes da propositura da ação ou, ao menos, antes do agendamento das diligências e, em particular, da audiência final, tudo com vista a obstar às consequências nefastas que essas práticas têm em todo o sistema de justiça, implicando, em síntese, que o trabalho fique por realizar e tenha de ser realizado posteriormente e que outro serviço que podia ter sido realizado naquelas datas, também ele, fique por realizar, com o ciclo vicioso daí decorrente e o descontentamento generalizado em relação ao sistema de justiça por via da alegada “falta de resposta do mesmo”.
É igualmente certo que a sessão designada para o dia 15/11/2013 não foi realizado por via da ausência de sala.

Finalmente, é certo que ocorreram atrasos na conclusão da audiência final decorrentes da Câmara Municipal e o Ministério da Economia não ter sido respondido com a celeridade esperável às solicitações que lhes foram endereçadas pelo tribunal para que juntassem aos autos os documentos solicitados.

No entanto, como não desconhecem as partes, outros atrasos ocorreram por via daquelas terem junto aos autos documentos em plena audiência final, quando os princípios da boa-fé e da colaboração das partes reclamava que as mesmas tivessem junto aos autos os documentos logo com a petição inicial, em vez de reservarem esses elementos de prova para juntá-los aos autos em plena audiência final, com as consequência nefastas daí decorrentes, designadamente, ao nível da celeridade processual.

Mais uma vez, reconhecendo essas práticas recorrentes das partes, a deslealdade processual daí decorrente, perante o reconhecimento da prática instituída das partes de se reservarem sistematicamente o direito de juntar aos autos documentos em plena audiência final, como que tirando “coelhos da cartola” e, bem assim os malefícios daí decorrentes para a celeridade processual, o legislador da Lei n.º 41/2013, de 26/06, veio pôr termo a essas práticas ao limitar a junção de documentos aos autos, até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final, com condenação da parte em multa, exceto se provar que não pôde oferecer o documento com o articulado (n.º 2 do art. 423º do CPC), apenas admitindo a posterior junção de documentos aos autos nos casos expressamente previstos no n.º 3 do art. 423º do CPC.

Resulta do que se vem dizendo que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, no caso, a complexidade da causa, sequer a sua postura processual não foi tão simples e exemplar que se mostram compatíveis com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando indeferiu o requerimento apresentado pelo Réu Carlos no sentido de ser dispensado do pagamento do remanescente dessa taxa de justiça.

No entanto, se é assim, impõe-se reconhecer que a taxa de justiça a pagar pelas partes, com aquele remanescente incluído e que, como dito, terá de ser suportado em última instância pela Autora apelante, dado que ficou totalmente vencida na presente ação, se revela manifestamente excessiva atento o serviço de justiça que foi prestado às partes no âmbito dos presentes autos.
Com efeito, embora a complexidade da causa seja manifesta, impõe-se reconhecer que nos tribunais é relativamente frequente surgirem processos de complexidade semelhante e, inclusivamente, bem superior à dos presentes autos, designadamente, onde se impõe analisar questões do foro interno/íntimo das partes e/ou de terceiros, outorgantes de documentos, como é o caso de processos que envolvem questões atinentes a vícios de vontade ou impugnações paulianas.

É relativamente frequente, serem suscitadas questões, em processos de dezenas de volumes, relacionadas, nomeadamente, com direito bancário e financeiro, como sucede, frequentemente, na Instância Central Cível de Lisboa, onde o relator, no ano judicial transato exerceu funções, com um elevado número de prova documental e testemunhal a analisar e a produzir, em domínios novos da ciência jurídica, o que não é manifestamente o caso dos presentes autos.

Em síntese, o presente processo embora não assuma os foros de simplicidade e de celeridade que os apelantes lhes pretenderem assacar e que se compadeçam com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não assumem os foros de complexidade e de dimensão próprias de determinados processos, que reclamem o pagamento integral desse remanescente.

Significa isto, que sob pena de violação dos princípios do direito de acesso aos tribunais, da proporcionalidade, justiça e adequação e do princípio da igualdade de tratamento dos apelantes comparativamente aos demais utentes do sistema de justiça, há que reduzir o remanescente da taxa de justiça, por comparação às característica dos presentes autos em relação aos demais processos, sob pena de se incorrer em manifesta inconstitucionalidade por violação daqueles princípios constitucionais, por manifestamente desproporção entre a taxa de justiça a pagar e o serviço de justiça que lhes foi proporcionado.

Destarte, tendo presente tudo o que acima se expôs a propósito da utilidade económica dos interesses envolvidos pelas partes nos presentes autos, a complexidade da tramitação processual e material do presente litígio e o comportamento das partes ao longo do presente processo, entende-se adequado, justo e proporcional reduzir o remanescente da taxa de justiça a 50%, valor este que se mostra conforme e é reclamado pela salvaguarda dos direitos constitucionalmente tutelados das partes de aceder aos tribunais e de nele beneficiarem de igualdade de tratamento em relação as demais utentes do sistema de justiça e, bem assim à salvaguarda do princípio da proibição do excesso (proporcionalidade).

Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar as apelações interpostas pela Autora e, bem assim pelo Réu Carlos, parcialmente procedentes e, em consequência decidem:

- revogar a decisão proferida em 20/10/2017, a fls. 72 verso a 75, substituindo-a pela presente decisão, em que se dispensa as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça em 50% (cinquenta por cento), improcedendo na parte restante os recursos apresentados pelos apelantes.
*
Custas do recurso apresentado pela apelante Autora, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50% (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Custas do recurso apresentado pelo apelante Carlos Cunha, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa igualmente em 50% (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 05 de abril de 2018.

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha



1. “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 236.
2. Ac. STJ. de 12/12/2013, Proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, in base de dados da DGSI.