Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
484/17.8T8FAF.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: RECONHECIMENTO DE AQUISIÇÃO DE SERVIDÃO PREDIAL
SERVIDÃO PREDIAL DE USO DE ÁGUA
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O Tribunal da Relação pode ampliar e corrigir a matéria de facto da sentença recorrida mediante a consideração da matéria de facto provada por confissão, acordo ou força probatória plena de documento (art.663º/2 em referência ao art.604º/4-2ª parte do CPC) e pode suprir nulidades de deficiência e de obscuridades na resposta à matéria de facto, se dispuser de elementos de prova contraditada no processo (art.662º/2-c) do CPC), quando os factos sejam necessários: quer para a apreciação do objeto de recurso, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas; quer para assegurar a delimitação do caso julgado e a exequibilidade da sentença (nomeadamente, em ação de reconhecimento da aquisição e restabelecimento de uma servidão de presa e de aqueduto, é necessária a prova das suas localizações e configurações elementares).

2. Em ação em que os autores pedem o reconhecimento de aquisição de servidão predial por usucapião, demandam os réus na qualidade de herdeiros de uma herança e alegam a sua qualidade de “donos” dos prédios servientes, a assunção expressa de um dos réus da propriedade destes prédios e a falta de contestação à ação dos demais réus podem ser admitidas como reconhecimento bastante do pressuposto da propriedade para a apreciação posterior da constituição do direito de servidão invocado pelos autores, por aquela não constituir o núcleo central da discussão.

3. A apreciação dos requisitos da aquisição de servidões prediais de uso de água, de represa e de aqueduto por usucapião- existência de obras que revelem captação de água no prédio onde exista a fonte ou nascente e a existência de sinais visíveis e permanentes (arts.1389º/2 e 1548º/2 do CPC)- deve ser apreciada, com interpretação conjunta: dos factos provados (quer das obras construídas, quer dos atos de conservação e reparação das mesmas) e dos factos notórios, de conhecimento comum no mundo rural onde há prédios distintos que beneficiam da mesma água captada, libertada e tapada através de represas e, após, conduzida em regos de escoamento, mantidos e reparados pelos consortes.

4. Não constitui ónus de alegação e prova dos titulares dos prédios dominantes que invocam e pedem o reconhecimento da aquisição de servidões prediais de uso de água, de represa e de aqueduto por usucapião, nos termos dos arts.1543º ss e 1548º/2 do CC, a alegação da necessidade atual da água, nos termos do art.342º/1 do CC, por este ser facto constitutivo apenas dos pedidos de constituição das servidões legais, nos termos dos arts. 1550º ss do CC; corresponde a ónus de alegação e prova de titular de prédio serviente que invoque, como exceção, o abuso de direito por desnecessidade da água nos prédios dominantes (art.342º/2 do CC), ou que peça a extinção das servidões por desnecessidade, nos termos do art.1569º/2 do CC (art.342º/1 do CC), a alegação dos factos integrativos da desnecessidade da água.

5. A falta de utilização pelos prédios dominantes, durante 10 anos, da água para rega e lima dos seus prédios, tal como da poça e do aqueduto que a represava e conduzia, adquiridos por usucapião, não é suficiente para se reconhecer o uso abusivo do direito de aquisição das servidões prediais por usucapião, nos termos e para os efeitos do art.334º do CC, no contexto das limitações sociais e económicas notórias das explorações da agricultura no Minho neste período e sem que os titulares dos prédios servientes tenham alegado e provado as razões da falta de utilização e a desnecessidade da água para a rega e lima dos prédios.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório:

Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por E. C. (1), A. R. e mulher C. C. (2), M. R. (3), M. L. e marido J. G. (4), CC. e mulher D. C. (5), A. C. e mulher H. J. (6), A. M. e mulher R. A. (7), J. C. e mulher A. F. (8), M. A. e marido S. R. (9), H. C. e mulher M. G. (10), R. F. e marido AC. (11), e C. V. (12), contra M. O. (1), viúvo, por si e na qualidade de cabeça de Casal da herança indivisa de I. M., A. P. (2), C. O. (3), A. O. (4), N. M. (5), todos na qualidade de herdeiros da herança da herança indivisa de I. M., ainda em comunhão hereditária:

1. Os autores:
1.1. Pediram:

A. Que se declarasse e reconhecesse o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios supra descritos nos artigos 1º a 12º, respetivamente.
B. Que se declarasse e reconhecesse o direito de servidão das águas supra descritas sob o artigo 33º, bem como as respetivas servidões de aqueduto e presa supra descritas nos artigos 34º a 41º a favor dos aludidos prédios dos AA. dos artigos 1º a 12º, bem como a inerente servidão de passagem para aproveitamento das águas.
C. Que se condenassem os réus a restabelecer a poça onde a água é captada e rego que a transporta, restituindo a mesma aos autores e a inerente passagem para aproveitamento da água, abrindo uma abertura na vedação do seu prédio, com um metro de largura.
D. Que se condenassem os Réus a reconhecer aqueles direitos dos Autores e abster-se da prática de quaisquer atos que os pusessem em causa ou os violassem.

1.2. Alegaram, em síntese:

a) Que são possuidores e proprietários dos prédios identificados nos arts. 1º a 11º da petição inicial, nos seguintes termos:

a1) A 1ª autora é possuidora e proprietária dos seguintes 4 (quatro) prédios, que fazem parte da herança indivisa aberta por óbito do seu marido C. F., falecido em 1988, e de que é cabeça de casal, meeira e herdeira, estando os 2º a 4º inscritos em seu favor e das filhas M. R. e M. L., presumindo-se a propriedade em favor das 3, nos termos do art.7º do CRP:
__ Do Cerrado ..., no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.... (correspondente ao antigo art.638º da extinta freguesia de ...);
__ Do Cerrado ..., no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.... (correspondente ao art.707º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número …º;
__ Das Leiras ..., no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.... (correspondente ao art.763º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número …;
__ Das Leiras ... Junto à Casa, no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º …º (correspondente ao art.º766º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número ….
a2) Os 2ºs autores são possuidores e proprietários dos seguintes 3 (três) prédios, inscritos em seu nome, presumindo-se a sua propriedade, nos termos do art.7º do CRP:
__ Campo ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art....º (correspondente ao art.700º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número …;
__ Olival ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º ... (correspondente ao art.720º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número …;
__ Olival ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.....º (correspondente ao art.721º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número ….
a3) As 3ªs e 4ª autoras são possuidores e proprietários dos seguintes 3 (três) prédios em compropriedade, inscritos em nome de J. N., presumindo-se a sua propriedade, nos termos do art.7º do CRP, proprietário falecido de quem as 3ª e 4ª autoras são as únicas herdeiras:
__ Campos ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º1248º (correspondente ao art.733º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 1080º;
__ Campos de …, sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º1163º (correspondente ao art.646º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 1081º;
__ Leiras do …, sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º1349º (correspondente ao art.845º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 465º.
a4) Os 5ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Campo ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1229º (correspondente ao art.713º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 11º.
a5) Os 6ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Campo ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1227º (correspondente ao art.711º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 1094º.
a6) Os 7ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Leira ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1154º (correspondente ao art.636º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 1568º.
a7) Os 8ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Olival ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1242º (correspondente ao art.727º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 989º.
a8) Os 9ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Leira ..., sito no lugar do …, ..., inscrito na matriz sob o art1214.º (correspondente ao art.697º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 171º.
a9) Os 10ºs autores são possuidores e proprietários do seguinte prédio, inscrito em seu nome, presumindo-se a sua propriedade nos termos do art.7º do CRP:
Leira ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1212º (correspondente ao art. 695º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 264º.
a10) Os 11ºs autores são possuidores e proprietários dos seguintes 6 prédios, tendo inscrito em seu nome o usufruto de 4 dos prédios e herdeiros habilitados de 2 prédios:
__ Campo ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1190º (correspondente ao art.673º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 2945º.
__ Cerrado ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1222º (correspondente ao art.706º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 2946º.
__ Leira ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1233º (correspondente ao art.718º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 2770º.
__ Leira ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1257º (correspondente ao art.742º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 2899º.
__ Leira ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art.1276º (correspondente ao art.765º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob o número 2953º.
__ Tapada ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art. 1320º (correspondente ao art.812 º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob a terceira gleba do número 2899º.
a11) O 12º autor é possuidor e proprietário do seguinte prédio, inscrito em favor dos seus pais falecidos e de que é o único herdeiro:
Cerrado ..., sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz sob o art. 1221º (correspondente ao art.705 º da extinta freguesia de ...), e descrito na Conservatória de registo Predial sob a terceira gleba do número 1042º.
b) Que os autores referidos em a) supra há mais de 10,15 e 20 anos, por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição dos aludidos prédios (semeando erva, milho, feijão, centeio, plantando batatas e vinha, podando e sulfatando as vides, colhendo as uvas e as demais utilidades produzidas, nos respetivos prédios; fazendo obras, benfeitorias e pagando o seu custo, dando-os de arrendamento e recebendo as respetivas rendas; pagando os impostos que sobre ele incidem), tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tais prédios.
c) Que utilizam a água referida em d) infra para rega e lima dos prédios identificados em a) nos seguintes dias, horas e termos:
c1) A 1ª autora E. C., rega com a referida água:
__ Os prédios “Leiras ...”, “Leiras ...” e “Cerrada ...”, de 4 em 4 semanas, ao domingo, do pôr do sol até ao nascer do sol de segunda feira e à terça feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quarta feira.
__ O prédio denominado de “Campo ...” aos sábados desde o nascer do sol até ao pôr do sol, de oito em oito dias.
c2) Os 2ºs autores A. R. e mulher regam o prédio “Campo ...”: à segunda feira do pôr do sol até ao nascer do sol de terça feira de 15 em 15 dias; do pôr do sol de terça feira até ao nascer do sol de quarta feira, de 15 em 15 dias; à quarta feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quinta feira de 15 em 15 dias; ainda do nascer do sol ao pôr do sol de 8 em 8 dias, todas as quintas feiras; do meio dia de Domingo até ao pôr do sol.
c3) As 3ªs e 4ªs autoras M. R. e M. L. regam os prédios “Campos ...” (2), “Campo ...” e “Leiras …”: à quarta feira do nascer do sol até ao pôr do sol, de 3 em 3 semanas; do pôr do sol de quinta feira até ao pôr do sol de sexta feira, de 15 em 15 dias.
c4) Os 5º autores CC. e mulher regam o seu prédio “Campo ...”: ao sábado do pôr do sol até às 13:00 horas de Domingo, de 15 em 15 dias.
c5) Os 6º autores A. C. e mulher regam o seu prédio “Campo ...” do nascer do sol de terça feira até ao pôr do sol, de 15 em 15 dias.
c6) Os 7º autores A. M. e mulher regam o seu prédio “Leiras ...” à 6ª feira do nascer do sol até ao pôr do sol, e ainda do pôr do sol até ao nascer do sol de sábado, de 8 em 8 dias.
c7) Os 8º autores J. C. e mulher regam os seus prédios “Olival ...”, “Olival ...” e “Olival ...”: à segunda feira do pôr do sol até ao nascer do sol de terça feira de 15 em 15 dias; do pôr do sol de terça feira até ao nascer do sol de quarta feira, de 15 em 15 dias; à quarta feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quinta feira de 15 em 15 dias; do nascer do sol ao pôr do sol de 8 em 8 dias; do meio dia de Domingo até ao pôr do sol.
c8) Os 9º autores M. A. e marido regam o prédio “Leira ...”, do meio dia até ao pôr do sol de 15 em 15 dias.
c9) Os 10º autores H. C. e mulher regam os prédios denominados “Leira ...”, do nascer do sol até ao pôr do sol de 15 em 15 dias.
c10) Os 11º autores R. F. e marido regam os prédios “Campo ...”, “Cerrado ...”, “Leira ...”, “Leira ...”, “Leira ...”, “Tapada ...”, de 15 em 15 dias, à segunda-feira do pôr-do-sol ao nascer do sol de terça feira; à quinta-feira do nascer do sol até às 13:00 horas; à sexta-feira das 13 horas até ao pôr-do-sol; de 3 em 3 semanas, - à segunda-feira do pôr-do-sol até terça-feira ao nascer do sol; de terça-feira ao pôr-do-sol até quarta feira ao nascer do sol; de S. Pedro (29 de junho) até à Senhora da Abadia (15 de agosto), de quinta ao nascer do sol até às 13 horas de 15 em 15 dias.
c11) Os 12º autores C. V. regra o prédio Cerrado ... de 4 em 4 semanas, ao domingo das 13 horas até ao pôr-do-sol.
d) Que a água é captada nas nascentes existentes nos prédios “Bouça ...” e “Coutada ...”, também conhecidas por “Sortes ...”, com reservatório na denominada “Poça ...”, poça esta de 7 m de diâmetro e 1 de profundidade (construída com terra, pocinheiro e escoadouro em pedra), que se localiza a norte, no referido prédio que integra a herança dos RR.
e) Que a água, depois de sair da dita “Poça ...” é encaminhada em sentido descendente pelo rego, que tem 0,40 m de largura e a mesma profundidade, para a denominada “Poça ...” e desta para a “Poça ...” seguindo depois para a “Poça ...” e por fim para a “Poça ...” (poças estas de 5 m de diâmetro e 1 de profundidade), poça essa de onde é feita a distribuição da dita água pelos diversos consortes, que também em levada a céu aberto, com as características supra referidas, a conduzem para os respetivos prédios, para a sua rega e lima.
f) Que as poças e levada são obras do homem, tal como a escavação da nascente, com sinais visíveis; os AA. e os demais consortes limpam a nascente, levada e poças, tapam as poças, cortam as ervas e outra vegetação que cresce nas poças e na levada, tapando buracos feitos por animais(ratos e toupeiras), reparam as bordas e os leitos, e vêm desde sempre utilizando a água daquela levada na rega e lima dos seus prédios supra descritos em a), utilização essa que fazem há mais de 20, 30 e 50 anos e até desde tempos imemoriais, por si e antepassados, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão, e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de servidão de água a favor daqueles seus prédios, de servidões de represamento das poças e de aqueduto da dita levada também a favor dos seus prédios.
g) Que os réus são donos e possuidores da Bouça ... e da Coutada ..., prédios estes onde a água é captada e que são conhecidos pela Sorte dos ….
h) Que os réus, por si e através do viúvo cabeça de casa, têm vindo a opor-se à utilização da água por parte dos autores, durante o período que pertence a estes para rega e lima; em abril de 2015 os réus, através do movimento das terras, destruíram a Poça ... e construíram um reservatório em cimento para a dita água, que fecharam com aloquete, passando a fazer uso exclusivo da dita água.

1.3. Juntaram documentos e arrolaram testemunhas.

2. Citados pessoalmente os réus, apenas o réu M. O. contestou a ação, contestação na qual defendeu-se por impugnação e exceção e deduziu reconvenção, nos seguintes termos:

2.1. Alegou:

a) Aceitar que a referida Poça ... existiu:

a1) Localizando-a no «prédio rústico propriedade dos Réus, denominado Coutada ..., sito no lugar ... da extinta freguesia de ... (hoje União de Freguesias de ... e ...), do concelho de …, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art....» (art.3 da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional).
a2) Configurando-a como sendo «construída em terra», com «cerca de 2 metros de comprimento por 1, 80 metros de largura e meio metro de profundidade» (art.4 da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional).
b) Aceitou o encaminhamento de águas através de dois prédios reconhecido como prédio dos réus, salvo no período referido como há mais de 30, através do seguinte percurso: «a água dessa “Poça ...” era encaminhada através de um rego a céu aberto que atravessava a identificada Coutada ... e o prédio rústico, igualmente propriedade dos Réus, denominado Bouça ..., sito no lugar ..., da extinta freguesia de ... (hoje União de Freguesias de ... e ...), do concelho de …, inscrito na respetiva matriz rústica sob o art.... (…), Até à “Poça ...”, que se situa na identificada Bouça ...» (arts.5 e 6 da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional).
c) Alegou que há mais de 30 anos que «a poça foi deixada ao completo abandono, não sendo mais limpa», por «desinteresse, desnecessidade e/ou inércia dos respectivos consortes» (art.10 da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional), estando a poça e o rego totalmente soterrados e a água perdida quando em 2003 fez a limpeza do prédio rústico, o que acontecia há mais de 20 anos;
d) Defendeu a desnecessidade da água da Poça ... para a rega e lima dos prédios, alegando:
d1) Que a «“Poça ...” tem de uma nascente de água que a abastece em abundância, nunca faltou água na aludida poça, mesmo no período de verão, havendo sempre água para rega e lima dos prédios» (art.19º da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional);
d2) Que «porque a água da “Poça ...” era suficiente para as necessidades de rega e lima, os consortes deixaram de limpar, conduzir e encaminhar as águas da “Poça ...” há mais de 30 anos» (art.20º da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional);
d3) Que a exploração por si feita da água na Coutada ... em 2015, para aproveitamento da água que aí encontrou, «em nada afectou o caudal da “Poça ...” e, em consequência, a quantidade de água utilizada pelos Autores e restantes consortes para rega e lima dos seus prédios» (art.24º da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional).
2.2. Pediu em reconvenção, nomeadamente com base na matéria referida em 2.1., para o caso de procederem os pedidos B) e C) de I-1.1. supra, que fossem declaradas extintas as servidões de uso de água, de presa e aqueduto, bem como a servidão de passagem para aproveitamento das águas, condenando-se os reconvindos a reconhecer essa extinção, nos termos dos arts.1569º/1-b) e 1570º do CC.
2.3. Arrolou testemunhas e juntou documentos.

3. Os autores responderam à reconvenção: declarando inicialmente, de forma genérica, impugnar os factos alegados na contestação e reconvenção; de seguida, referindo apenas, de forma mais precisa, impugnar expressamente os factos alegados a propósito do não uso e aproveitamento das águas pelos consortes por um período de tempo superior a 20 anos, reiterando os atos de posse alegados na petição inicial, reafirmando o não abandono e a necessidade da água, e não contestando qualquer outro facto (como a localização das poças e regos).

4. Foi fixado o valor da causa em € 16 910, 00, dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e os temas da prova.

5. Realizou-se a audiência de julgamento.

6. Proferiu-se sentença, na qual se decidiu:
«Em conformidade com o exposto, no que concerne à acção decide este tribunal condenar os Réus:
I. A reconhecer:
i. O direito de propriedade da 1ª A. e de suas filhas M. R. e de M. L., em comum e sem determinação de parte ou direito, sobre os prédios identificados em 1.2. a 1.4.;
ii. O direito de propriedade dos 2ºs Autores sobre os prédios identificados em 1.5. a 1.7.;
iii. O direito de propriedade dos 5ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.11.;
iv. O direito de propriedade dos 6ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.12.;
v. O direito de propriedade dos 7ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.13.;
vi. O direito de propriedade dos 8ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.14.;
vii. O direito de (nua) propriedade dos 9ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.15.;
viii. O direito de propriedade dos 10ºs Autores sobre o prédio identificado 1.16;
ix. O direito de usufruto dos 11ºs Autores sobre os prédios identificados em 1.17., 1.18., 1.19. e 1.21.
II. A reconhecer o direito de servidão das águas nascidas na Poça ..., bem como as respectivas servidões de aqueduto e presa supra descritas a favor dos aludidos prédios dos AA. dos artigos 1º a 12º, bem como o direito de passagem para acompanhamento das águas;
III. A restabelecer a poça onde a água é captada restituindo a mesma aos autores e a inerente passagem para acompanhamento da água.
No mais, absolvem-se os Réus dos pedidos formulados pelos Autores.
*
Decide ainda, este tribunal, em conformidade com o exposto, absolver os reconvindos do pedido reconvencional formulado pelos reconvintes».

7. O réu M. O. interpôs recurso de apelação da sentença de I-6 supra, no qual:

7.1. Apresentou as seguintes conclusões:

«1. A Rec.da E. C. não é proprietária dos prédios identificados nas alíneas b), c) e d) do artigo 1. da douta Petição Inicial, porquanto tais prédios são pertença da herança aberta e não partilhada do seu marido, em que são interessadas essa Rec.da e as suas duas filhas, terceira e quarta recorridas (Rec.das), M. R. e M. L..
2. Estas Rec.das foram AA na ação mas para defesa do seu alegado direito de servidão em benefício de prédios diferentes daqueles a cuja propriedade sua mãe se arrogara, não tendo acionado os RR em defesa da servidão alegada em benefício dos prédios aludidos na supra conclusão 1.
3. A Rec.da E. C. afirmou na PI, e os documentos registrais que juntou confirmam-no, que os prédios cuja propriedade alegou e pediu lhe fosse reconhecida a ela, se integram na herança aberta por óbito de seu marido e pai de suas filhas.
4. Assim sendo, deveria o pedido formulado por essa E. C. ser julgado não provado e improcedente, dada a prova existente nos autos de que não é ela a proprietária dos prédios e, consequentemente, não é ela a titular das servidões que, em benefício deles, pediu que lhe fosse reconhecida.
5. Todavia, relativamente ao pedido formulado pela E. C., a douta Sentença recorrida não só o julgou procedente como julgou, concomitantemente, o reconhecimento da propriedade de tais prédios pelas filhas daquela, apesar de tal pedido não ter sido formulado.
6. Deste modo, a douta Sentença recorrida incorreu na contradição prevista no artigo 615, nº 1, c) e decidiu sobre objeto diverso do pedido, infringindo o disposto no artigo 609º, pelo que se encontra abrangida pelas nulidades estabelecidas nas alíneas c) e d) do nº 1 do art. 615º, este e o anteriores todos do CPCivil.

SEM PRESCINDIR

7. Foi provado nos autos que os prédios referidos em I. i. da parte decisória da douta Sentença apelada integram a herança aberta por óbito do marido da anteriormente mencionada Rec.da E. C..
8. A defesa dos direitos de propriedade relativos a bens integrados em herança ilíquida e indivisa só por todos os herdeiros pode ser exercida.
9. A representação de herança de que sejam titulares mais que um herdeiro cabe litisconsórcio necessário entre todos os herdeiros, sendo a falta de qualquer deles fundamento de ilegitimidade de todos.
10. A propriedade dos prédios aludidos na supra conclusão 7. e o direito às servidões que foi alegado beneficiarem-no foi pedida pela alegada e o seu reconhecimento pedido pela referida E. C. em seu nome próprio, sem que se tivesse identificado como cabeça de casal da herança nem como representante dela nem de suas filhas.
11. Estando por lei atribuída a todos os herdeiros, agindo simultaneamente, a defesa dos direitos da herança indivisa, nomeadamente para efeitos de reconhecimento, reivindicação e defesa da titularidade de direitos reais imobiliários, só todos os herdeiros do marido da Rec.da em causa, agindo em litisconsórcio, poderiam ter requerido o reconhecimento da propriedade dos prédios integrados na herança de seu marido e das servidões que os beneficiassem.
12. A falta de qualquer dos herdeiros determina a ilegitimidade de todos eles.
13. Ainda que não procedesse a supra conclusão 6., então haveria que ser a Rec.da E. C. parte ilegítima para acionar os RR e pedir o que pediu pela forma que o fez, por, na causa de pedir e no pedido, se encontrar desacompanhada de suas filhas, demais herdeiras na herança, uma vez que a intervenção destas nos autos apenas tem a ver com a propriedade e servidões alegadas relativamente aos prédios identificados no artigo 3º da Petição.
14. Ao não ser julgada a ilegitimidade da Rec.da E. C., a douta Sentença apelada violou o disposto nos artigos 2091º nº 1 do CCiv. e 33º, nº 1, do CPCiv.
15. Por razões diversas haveria de ter sido julgada a ilegitimidade dos RR.; na verdade, tendo a ação sido instaurada contra todos eles em virtude da sua alegada qualidade de herdeiros na herança aberta e não partilhada, por óbito da que à data da sua morte era mulher do Rec.te, e foi mãe dos restantes RR., pois que alegando os Rec.dos que a “POÇA ...” em que alegaram ser captada a água e o rego que a transportaria se encontra em prédio daquela herança, haveriam os Rec.dos de ter efetuado a prova documental – pois para o efeito só essa é admitida – não só da titularidade registral dos prédios, como de que os RR. eram a totalidade dos herdeiros, prova essa que não foi feita.
16. O único documento produzido quanto à titularidade dos prédios ora em causa são duas cadernetas prediais, em que como proprietário consta a herança da falecida mãe dos 2º a 4º RR. e, ao tempo do óbito, esposa do Rec.te.
17. A prova da propriedade de prédio adquirido por sucessão só documentalmente pode ser efetuada, assim como só documentalmente pode ser provada a qualidade de cônjuge, a filiação, a qualidade de herdeiro e a prova de quem sejam as pessoas que constituem a totalidade dos herdeiros de pessoa falecida.
18. Apesar de na douta Sentença em recurso se dizer, em 1.37 e 1.38 dos Factos Provados que a “Bouça ...” e a “Coutada ...” se encontram inscritas, nas respetivas matrizes prediais, em nome dos Rec.te, mais corretamente será dizer-se que tais prédios se encontram inscritos em nome da herança da falecida de I. M., pois é isso que significa a fórmula constante daquelas certidões quanto à titularidade do prédio, cujo nº de contribuinte é o da própria herança, e não o do Rec.do, conforme consta do Cartão de Cidadão do Rec.do, cuja cópia certificada se junta ao abrigo do disposto no artigo 651º nº 1 do CPCiv. – doc 1
19. Não julgando a ilegitimidade dos RR., também aqui a douta Sentença apelada infringiu o disposto nos artigos 2091º nº 1 do CCiv. e 33º, nº 1, do CPCiv.
20. A ilegitimidade é de conhecimento oficioso, dado o disposto no artigo 578º do CPCiv, e deve ser julgada enquanto não sanada.
21. Tendo findado a ação sem que estivesse provada a legitimidade da Rec.da E. C., e, como subsidiariamente alegado, a dos RR., e não tendo a correspondente ilegitimidade sido declarada, ocorreu violação do referido preceito, podendo e devendo, em virtude do seu comando, sê-lo, respeitosamente se afirma, por este Venerando Tribunal, com a consequente e respectiva absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 278º nº 1 alª d) do CPCiv.

AINDA SEM PRESCINDIR

22. As servidões têm por âmbito e limites o que constar do seu título constitutivo.
23. No caso das servidões constituídas por usucapião, esse âmbito é o da posse que a ela conduziu.
24. No caso dos autos os Rec.dos alegaram, como âmbito dos seus respetivos direito à alegada servidão de águas, os dias e horas constantes do artigo 43º da douta PI.
25. Todavia não lograram os Rec.dos efetuar a prova dos factos alegados quanto ao âmbito das suas respetivas servidões.
26. Por tal motivo deveria, salvo o devido respeito, ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento das servidões alegadas pelos Rec.dos, e ao não decidir assim, antes decidindo o reconhecimento das servidões sem a prova dos factos correspondentes aos limites da posse alegada para cada uma delas, a douta Sentença violou o disposto no artigo 1287º do CCiv
27. e, ao reconhecer a favor dos Rec.dos servidão de águas sem qualquer limite – o que é se não objeto diverso do pedido constitui, pelo menos, “quantidade” superior à pedida – e condenando os RR nesse reconhecimento e respetivo acatamento, a douta Sentença recorrida igualmente infringiu, neste caso, o disposto no artigo 609º nº 1 do CPCiv. o que acarreta a sua nulidade nos termos do art. 615º, 1, c) daquele Código.

Sem embargo do já concluído,

28. não estando provado, como entende o Rec.te não estar, que a poça e regos atinentes às alegadas servidões existissem em virtude de obra humana; tendo deixado a obra, ainda que se considere ter existido, de ser visível; tendo deixado de ocorrer, ainda que tenha ocorrido, a permanência dos sinais reveladores dela; não estando provada a estrita necessidade para os prédios dos Rec.dos da água cuja servidão foi reivindicada, mas estando provado que têm água da “POÇA ...”, sita em prédio não pertencente aos RR., ocorrendo tudo isto não se verificam os requisitos do artigo 1390º, 2 do CCivil para que se tenha por constituída a servidão de águas cujo reconhecimento os Rec.dos pediram e, ao decidir esse reconhecimentos, a douta Sentença violou o disposto no referido preceito legal.

TAMBÉM SEM PRESCINDIR

29. Considerando o que vem alegado no Cap. V. destas alegações – nomeadamente desinteresse pela água, falta de limpeza da poça e rego, durante pelo menos 10 anos, sem interpelação do Rec.te ou qualquer dos RR. em virtude da obra de destruição de uma e outro há cinco anos, com vista à reposição do seu estado anterior, existência de outra água, para além da nascente no prédio dos RR, para rega e lima dos seus prédios – o exercício do direito a que os Rec.dos pela ação pretendem exercer sempre seria abusivo, pelo que, nos termo dos disposto no artigo 334º do CCivil, deverá este Venerando Tribunal julgar existir tal abuso, com a consequente absolvição dos RR.».
7.2. Pediu: «pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido, deve ao presente recurso ser dado provimento, revogando-se a douta Sentença recorrida e absolvendo-se os RR, por isso o Rec.do da instância, ou decidindo-se a absolvição do pedido, consoante por bem for doutamente entendido, face ao supra alegado assim se fazendo JUSTIÇA.»
8. Os autores responderam ao recurso, defendendo a manutenção da sentença recorrida, mediante as seguintes conclusões:

«a) O Réu M. O., inconformado com a douta sentença que condenou os réus a reconhecer: i. O direito de propriedade da 1ª A. e de suas filhas M. R. e de M. L., em comum e sem determinação de parte ou direito, sobre os prédios identificados em 1.2. a 1.4.; ii. O direito de propriedade dos 2ºs Autores sobre os prédios identificados em 1.5. a 1.7.; iii. O direito de propriedade dos 5ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.11.; iv. O direito de propriedade dos 6ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.12.; v. O direito de propriedade dos 7ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.13.; vi. O direito de propriedade dos 8ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.14.; vii O direito de (nua) propriedade dos 9ºs Autores sobre o prédio identificado em 1.15.; viii. O direito de propriedade dos 10ºs Autores sobre o prédio identificado 1.16; ix. O direito de usufruto dos 11ºs Autores sobre os prédios identificados em 1.17., 1.18., 1.19. e 1.21.;
II. A reconhecer o direito de servidão das águas nascidas na Poça ..., bem como as respectivas servidões de aqueduto e presa supra descritas a favor dos aludidos prédios dos AA. dos artigos 1º a 12º, bem como o direito de passagem para acompanhamento das águas;
III.A restabelecer a poça onde a água é captada restituindo a mesma aos autores e a inerente passagem para acompanhamento da água;
IV.E que decidiu ainda, julgar improcedente a reconvenção deduzida pelos réus reconvintes e em consequência, absolveu os autores reconvindos do pedido reconvencional formulado pelos reconvintes;
b) Porém, carece de razão ou fundamentos a presente apelação, pois a argumentação em que o apelante sustenta as suas conclusões, não tem consistência, tanto sob o ponto de vista da interpretação dos factos, como do ponto de vista da aplicação do direito;
c) A questão de (i)legitimidade da apelada E. C. em intervir como autora na presente acção, desacompanhada das filhas M. R. e M. L., por os bens estarem integrados na herança do falecido marido daquela, da qual estas são herdeiras, não se coloca, por esta ser cabeça de casal, meeira e herdeira, naquele património;
d) E que, sem prejuízo da sua condição de meeira, a legitimidade activa enquanto herdeira e a defesa dos direitos em causa nestes autos, enquadra-se precisamente numa das situações excepcionais, prevista no art.º 2078.º do CC, de onde decorre que qualquer herdeiro tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder de terceiro e que, simultaneamente, o cabeça de casal pode pedir a entrega dos bens que deva administrar. E apesar de tal disposição legal estar incluída no Capítulo VII relativo à Petição da herança, terá que se considerar diretamente aplicável igualmente à situação, que é paralela, da ação de reivindicação. Também por isso, a interpretação necessária do n.º 2 deste art.º 2078.º terá que ser a de que o cabeça de casal tem legitimidade para, sozinho, reivindicar os bens que deva administrar;
e) Aliás, noutra perspetiva, pode ainda justificar-se a legitimidade singular activa da apelada para a interposição desta acção, com base na aplicação da disposição legal do art.º 1405.º, n.º 2, (e art.º 1404.º) do C.C., do seguinte teor: “Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.”;
f) Pelo que, estando em causa o direito de servidão a favor dos prédios da autora e da herança, nada impede que a apelada por si e desacompanhada dos demais herdeiros reivindique de terceiro a reposição do direito violado, sem que a esse terceiro seja licito invocar que o bem lhe não pertence por inteiro;
g) Porém, mesmo que se entendesse ser necessário ocorrer um litisconsórcio activo, com a intervenção das filhas M. R. e M. L. na qualidade de autoras na presente acção, chamando-as à acção, sanando dessa forma o alegado vicio, tal revelar-se-ia desnecessário e inútil, porquanto, as referidas filhas da autora E. C., já estão na acção na qualidade de autoras, desde o seu inicio, assumindo a condição de autoras tal como a sua mãe;
h) Relativamente à alegada nulidade por via da condenação em objecto diverso do pedido, tal vicio é inexistente;
i) Pois, o tribunal ao reconhecer que as filhas M. R. e M. L. eram juntamente com a E. C. titulares do direito de propriedade dos imóveis identificados sob os pontos 1.2 a 1.4 dos factos provados e consequentemente ao dar como provado a existência das alegadas servidões a favor destes prédios, reconheceu direitos tal como decorre da petição inicial a apelada sob o artigo 1º, al. a), b), c) e d), identificou e descreveu os prédios, no artigo 12º indicou a sua integração no património da herança, sendo ela cabeça de casal, meeira e herdeira e sob o artigo 13º deu conta de que o direito de propriedade dos prédios se encontrava registado a seu favor de das filhas M. R. e M. L., juntando os respectivos documentos para prova do alegado;
j) Pedidos estes que o tribunal “a quo” valorizou e decidiu como procedentes, não contrariam em nada o que melhor resulta do alegado e que os autos contêm;
k) O tribunal entendeu e deu como provado que os prédios identificados em 1.2 a 1.4 estão registados a favor da 1ª A. e de suas filhas M. R. e M. L., em comum sem determinação de parte ou direito, por inscrição AP. 8 de 1995/10/10 e que, nos termos do artigo 7º do Código do Registo Predial “O registo definitivo constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”;
l) Estamos perante o que a lei civil define como sendo uma presunção legal – art. 349º e 350º do Código Civil. E, não tendo sido ilidida a dita presunção está provado o facto a que ela conduz, no caso, está provada a propriedade sobre os supra identificados bens.”
m) Pelo que, o tribunal “a quo”, limitou-se a declarar um direito de propriedade que estava consignado naqueles documentos e que beneficiava de presunção legal de que os apelados beneficiavam e que não foi ilidida pelo apelante;
n) Relativamente à existência das servidões, contrariamente ao alegado pelo apelante, importa dizer que, estas são direitos reais menores que se constituem em favor de prédios e não das pessoas;
o) Aliás, resulta da P.I. que os pedidos formulados são no sentido de que seja reconhecido e declarado o direito de servidão a favor dos prédios;
p) Quanto à invocada excepção dilatória da ilegitimidade passiva, a sua arguição é extemporânea e infundada;
q) Pois todos os réus demandados na presente acção foram citados para contestar. E no prazo legalmente concedido, tiveram a oportunidade para exercer plenamente o direito do contraditório e aí além do mais, se fosse o caso, arguir qualquer matéria de excepção. Porém, apenas o aqui apelante deduziu contestação com reconvenção, não arguiu qualquer nulidade, não arguiu ou alegou qualquer excepção dilatória;
r) Considerou-se parte legitima e deduziu defesa por por excepção – peremptória, quando invocou a extinção do direito de servidão dos autores pelo não uso da água por mais de 30 anos e ainda defesa por impugnação;
s) Na verdade, o apelante quando contestou a acção não teve qualquer reserva ou dúvida quanto à sua legitimidade para intervir nos autos, para reconhecer e identificar os prédios como pertencentes à herança, da qual são herdeiros, além dele, os seus filhos, também demandados na acção;
t) Ora, o apelante alega ainda que a sentença padece de vicio de nulidade por falta de prova de elementos essenciais das servidões para a procedência da acção, entendendo existir uma condenação ultra petitium;
u) Este vicio não pode ser assacado à sentença proferida, na medida em que a prova produzida nos autos, foi devidamente percepcionada e valorada pelo tribunal “a quo”. Desde logo porque, da mesma resulta que os AA. aqui apelados lograram provar toda a factualidade melhor constante sob os pontos 1.1 a 1.23, e sob os pontos 1.39 a 1.46 essencial para o reconhecimento dos direitos de propriedade e de servidão respectivamente;
v) Aliás, como bem notou o Tribunal “ a quo”, na fundamentação da sentença, a aquisição do direito de servidão dos AA. foi feito e conseguido por via da usucapião, cujos requisitos foram preenchidos e demonstrados pela prova produzida nos autos e que o apelante não conseguiu contrariar;
w) Da matéria provada resulta inequívoco que os autores têm sobre a água do poço do …, um direito de servidão do seu uso, um direito de servidão de aqueduto e um direito de servidão de presa.
x) Tendo-se por verificado tosos os requisitos da usucapião – posse pública e pacífica, e de boa-fé – bem como o lapso temporal necessário à sua verificação, estão também presentes e retratados na facticidade apurada, pelo que as três referidas servidões se encontram plenamente verificadas, impondo-se o seu reconhecimento;
y) Quanto à apontada condenação em quantia superior ao pedido, não percebem os apelados de onde e como é que o apelado retira tal conclusão, na medida em que, tal não resulta em lado algum da sentença;
z) Na sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo” limitou-se a declarar a existência do direito de servidão de água e por via da sua existência as restrições que daí resultam para o proprietário do prédio onde se localiza a nascente, quando aquela tenha sido adquirida por justo titulo – Cfr. artigo 1389º do CC. Remetendo quanto às restrições as previstas nos artigos 1392º, 1557º e 1558º e quanto aos direitos adquiridos por terceiros (que não podem ser prejudicados), são os previstos no artigo 1390º todos do CC.;
aa) O apelante ficou condenado a reconhecer o direito de servidão dos apelantes e a restituir a situação ao seu estado anterior à destruição das obras que ele próprio levou a cabo e com o propósito de se apropriar das águas que lhe não pertencem por inteiro, pois ao fazê-lo está a lesar o direito adquirido pelos apelantes terceiros por titulo justo, no caso, por usucapião;
bb) Esta alegação carece de fundamento do ponto vista factual e do direito. Pois, em momento algum do articulado o Réu/apelante alegou factos, para verificar da desnecessidade da água por parte dos prédios dominantes;
cc) E estando como está constituído o direito por efeito da usucapião, sempre terá que se manter a favor dos prédios dos apelantes e a onerar os prédios do apelado;
dd) Ademais, resulta dos autos que o apelante pretendia a extinção das servidões pelo não uso. Sendo que, nos termos do artigo 1569º nº 1, al. b) do CC, as servidões, extinguem-se pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;
ee) Porém, da matéria de facto provada nos autos, não resulta ter decorrido tal lapso temporal de não uso das servidões por partes dos apelantes;
ff) O apelante põe em causa a decisão da matéria de facto (1.43), referindo não ser possível concluir que as poças resultaram de obra do homem;
gg) Ora, o apelante deve atender a todo o quadro factual dos autos e neste particular merece especial enfoque desde logo o facto provado sob o ponto 1.40 que a propósito da dita Poça ..., diz:” Poça esta que se localiza a norte no referido prédio que integra a herança dos RR., é construída em terra, com pocinheiro ou escoadouro em pedra;”. A “construção” implica acção do homem e não é fruto do acaso ou da natureza. Aliás, nesta construção devemos compreender a existência do pocinheiro ou escoadouro em pedra na dita poça, que são obviamente obra humana, que contrariamente ao alegado está manifestado na sentença esse facto;
hh) Relativamente ao alegado abuso de direito na interposição da presente acção, é esta situação injustificada e desprovida de sentido face à conduta assumida pelo apelante, ou seja, não se percebe nem concebe a pretensão de assacar aos outros a vicissitude da sua conduta impropria e ilegal;
ii) O apelante faz um uso manifestamente reprovável do processo e que manifestamente excede os limites impostos pela boa fé, sendo censurável a sua conduta;
jj) Não violou, por conseguinte, o Meritíssimo Juiz “a quo” qualquer disposição legal;
kk) Pelo que, deve entender-se que a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz “ a quo” não merece qualquer censura, devendo manter-se inalterada a decisão da matéria de facto, bem como a douta sentença, ora recorrida.».

9. Recebido o recurso, colheram-se os vistos legais.

II. Questões a decidir:

Definem-se como questões a decidir, em face do objeto de recurso apresentado pelo recorrente, nos termos do art. 635º/4 e do art.639º/1 e 2 do Código de Processo Civil, doravante CPC (quanto às questões 1, 2 e 4 infra), e em face dos poderes oficiosos deste Tribunal da Relação, nos termos do art.662º/3-c) e 663º/2 do CPC (quanto à questão 3 infra):

1. A arguição de nulidade da sentença por contradição e decisão acima do pedido, nos termos do art.615º/1-c) e d) do CPC (quanto aos invocados: reconhecimento da propriedade da 1ª, 3ª e 4ª autoras dos prédios da herança, quando pediu apenas o reconhecimento da propriedade da 1ª autora e quando os prédios estão inscritos em nome das três; reconhecimento da servidão de águas sem qualquer limite quando foi alegada a servidão de águas em relação a dias, horas e periodicidade determinada).
2. A arguição das exceções dilatórias:
2.1. De ilegitimidade da primeira autora em relação ao pedido sobre os prédios I. i da parte decisória da sentença, por preterição de litisconsórcio necessário ativo exigido no art.2091º do Código Civil, doravante CC (por, no entender do recorrente: estar desacompanhada das demais herdeiras; a intervenção das filhas apenas ter ocorrido por causa da propriedade de outros prédios, distintos dos indicados como sendo de propriedade da 1ª autora).
2.2. De ilegitimidade dos réus, demandados como herdeiros da herança aberta por óbito da mulher do 1º réu (por, no entender do recorrente: faltar a alegação e prova que os réus eram os únicos herdeiros; faltar a prova da titularidade registral dos prédios onde se situa a Poça ...).
3. A ampliação e a alteração oficiosa da matéria de facto, nos termos do art.607º/4-2ª parte do CPC, ex vi do art.663º/2 do CPC, e do art.662º/3-c) do CPC (em face de critérios de pertinência: para a delimitação do caso julgado e de execução da sentença; para a apreciação das soluções plausíveis das questões de direito suscitadas no recurso).
4. A reapreciação de direito:
4.1. Quanto ao pedido da autora E. C. do reconhecimento de propriedade dos prédios (por, no entender do recorrente, o direito não lhe pertencer a si mas à herança aberta por óbito do seu marido e pai das filhas).
4.2. Quanto ao pedido de reconhecimento das servidões (por, no entender do recorrente: não se terem provado os factos alegados no artigo 43º quanto ao âmbito das referidas servidões, em violação do art.1287º do CC; não se ter provado que os réus são proprietários dos prédios servientes; não existirem os requisitos do art.1390º/2 do CC para que se tenha por constituída a servidão de águas, por não se ter provado que a poça e os regos se deveram a obra humana ou, caso devessem, por os sinais terem deixado de ser visíveis; os autores não provaram ter necessidade da água para os seus prédios, sendo que, também, têm água da Poça ..., que não pertence aos réus; ocorrer uma situação de abuso de direito, nos termos do art.334º do CC, pelo desinteresse pela água, falta de limpeza da poça e rego durante, pelo menos, 10 anos, sem interpelação de qualquer um dos réus com vista à reposição do estado anterior à destruição da poça e do rego há 5 anos).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto da sentença recorrida (a alterar e a corrigir em 2.3. infra):

«1. Factos provados

1.1. Está inscrito na matriz predial sob o art. …, inscrito na actual matriz sob o artigo ..., que corresponde ao artigo 638º da extinta freguesia de ...; o prédio rústico denominado CERRADO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial de ...;
1.2. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 884, inscrito na actual matriz sob o artigo ..., que corresponde ao artigo 707º da extinta freguesia de ..., denominado CERRADO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.3. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2802, inscrito na actual matriz sob o artigo ..., que corresponde ao artigo 763º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado LEIRAS ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.4. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 888, inscrito na actual matriz sob o artigo 1277º, que corresponde ao artigo 766º da extinta freguesia de ...; o prédio denominado LEIRAS ... JUNTO À CASA, sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.5. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1111, inscrito na actual matriz sob o artigo ...º, que corresponde ao artigo 700º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.6. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 271, inscrito na actual matriz sob o artigo ..., que corresponde ao artigo 720º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado OLIVAL ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.7. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 988, inscrito na actual matriz sob o artigo ...º, que corresponde ao artigo 721º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado OLIVAL ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.8. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1080, inscrito na actual matriz sob o artigo 1248, que corresponde ao artigo 733º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPOS ... (2), sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.9. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1081, inscrito na actual matriz sob o artigo 1163, que corresponde ao artigo 646º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.10. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 465, inscrito na actual matriz sob o artigo 1349, que corresponde ao artigo 845º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado LEIRAS ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.11. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, inscrito na actual matriz sob o artigo 1229º que corresponde ao artigo 713º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.12. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1094, inscrito na actual matriz sob o artigo 1227, que corresponde ao artigo 711º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.13. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1568, inscrito na actual matriz sob o artigo 1154º, que corresponde ao artigo 636º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado LEIRA ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.14. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 989, inscrito na actual matriz sob o artigo 1242º, que corresponde ao artigo 727º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado OLIVAL ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.15. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 171, inscrito na actual matriz sob o artigo 1214º, que corresponde ao artigo 697º da extinta freguesia de ..., denominado LEIRA ..., sito no lugar de …, da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.16. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 264 inscrito na actual matriz sob o artigo 1212º, que corresponde ao artigo 695º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado LEIRA ... (3), sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.17. Está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2945, inscrito na actual matriz sob o artigo 1190º, que corresponde ao artigo 673º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CAMPO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.18. Está inscrito na actual matriz sob o artigo 1222º, que corresponde ao artigo 706º da extinta freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2946, o prédio denominado CERRADO ... sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.19. Está inscrito na actual matriz sob o artigo 1233º, que corresponde ao artigo 718º da extinta freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2770, o prédio denominado LEIRA ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.20. Está inscrito na actual matriz sob o artigo 1257º, que corresponde ao artigo 742º da extinta freguesia de ..., faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a primeira gleba do nº 2899, o prédio denominado LEIRA ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.21. Está inscrito na actual matriz sob o artigo 1276º, que corresponde ao artigo 765º da extinta freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2953, o prédio denominado LEIRA ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.22. Está inscrito na actual matriz sob o artigo 1320º, que corresponde ao artigo 812º da extinta freguesia de ..., faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob a terceira gleba do nº 2899, o prédio denominado TAPADA ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...;
1.23. Está de descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1042, inscrito na actual matriz sob o artigo 1221º, que corresponde ao artigo 705º da extinta freguesia de ..., o prédio denominado CERRADO ..., sito no lugar ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de ...,
1.24. Os prédios identificados em 1.1. a 1.4. fazem parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do marido da primeira Autora, C. F., casado, residente que foi no Lugar ..., freguesia de ... do concelho de ..., falecido em 20/06/1988, de que a autora é cabeça de casal, meeira e herdeira;
1.25. Para além disso, os prédios identificados em 1.2. a 1.4. estão registados a favor da 1ª A. e de suas filhas M. R. e de M. L., em comum e sem determinação de parte ou direito, por inscrição AP. 8 de 1995/10/10;
1.26. Os prédios identificados em 1.5. a 1.7. estão registados a seu favor dos 2ºs Autores pela inscrição AP. 1848 de 2013/01/25 e e Ap. 281 de 2017/04/28;
1.27. Os prédios identificados em 1.8. a 1.10. estão registados a favor de J. N. pela inscrição Ap.1 de 2005/05/11 e Ap. 2 de 1992/07/22;
1.28. O prédio identificado em 1.11. está registado a favor dos 5ºs Autores pela inscrição AP. 6 de 1980/07/23;
1.29. O prédio identificado em 1.12. está registado a favor dos 6ºs Autores pela inscrição AP. 19 de 1998/03/26;
1.30. O prédio identificado em 1.13. está registado a favor dos 7ºs Autores pela inscrição AP. 16 de 2006/12/22;
1.31. O prédio identificado em 1.14. está registado a favor dos 8ºs Autores pela inscrição AP. 1840 de 2013/01/25;
1.32. O prédio identificado em 1.15. está registado a favor dos 9ºs autores em raiz ou nua propriedade, pela inscrição AP. 24 de 2000/02/11;
1.33. O prédio identificado 1.16. está registado a favor dos 10ºs autores pela inscrição AP. 4 de 1989/11/12;
1.34. Os prédios 1.17., 1.18., 1.19. e 1.21. estão registados em usufruto a favor dos 11ºs AA. pela inscrição 822 de 2014/12/15, 851 de 2014/12/15;
1.35. Por escritura de habilitação de herdeiros e partilha lavrada a fls. 90v, do Livro 66-A, do extinto Cartório Notarial de ..., em 27/06/1980, foi declarado por J. P. e outros que 10 de Dezembro de 1978 faleceu F. R., tendo deixado como herdeiros a sua cônjuge R. C. e seus filhos;
1.36. O prédio identificado em 1.23. está registado a favor de M. T. e A. V. pela inscrição AP. 13 de 1997/01/23;
1.37. Está inscrito a favor do Réu, na actual matriz sob o artigo ..., que proveio do artigo 736, da extinta matriz da freguesia de ..., o prédio RÚSTICO - denominado de “BOUÇA ...”, sito no Lugar ...;
1.38. Está inscrito a favor do Réu, na actual matriz sob o artigo ...º, que proveio do artigo 736, da extinta matriz da freguesia de ..., o prédio RÚSTICO - denominado de “COUTADA ...”, sito no Lugar ...;
1.39. Para rega e lima daqueles prédios supra identificados nos artigos 1.1. a 1.23., respectivamente, os AA. utilizavam água captada nas nascentes existentes nos prédios “BOUÇA ...” e “COUTADA ... “também conhecidas por “SORTES ...”, nomeadamente na denominada “POÇA ...”;
1.40. Poça esta que se localiza a norte no referido prédio que integra a herança dos RR., é construída em terra, com pocinheiro ou escoadouro em pedra;
1.41. A água depois de sair da dita POÇA ...” era encaminhada em sentido descendente por um rego, com cerca de 0,40 m de largura e a mesma profundidade, para a denominada “POÇA DE …” e desta para a “POÇA ...”, seguindo depois para a “POÇA DO …” e, por fim, para a “POÇA DE ….”, que se localizam por ordem, em sentido descende e cada uma delas numa cota inferior relativamente àquela que a antecede;
1.42. Na “POÇA DE …” é feita a distribuição da dita água pelos diversos consortes, que também em levada a céu aberto, com as características supra referidas, a conduzem para os respectivos prédios, para a sua rega e lima;
1.43. Aquelas poças e levada são feitas de terra, torrões e pedra, ao longo de todo o seu percurso em rego a céu aberto, tendo leito próprio, e servem para represar as águas;
1.44. Os AA. e os demais consortes limpam a nascente, levada e poças, tapam as poças, cortam as ervas e outra vegetação que cresce nas poças e na levada, tapando buracos feitos por animais(ratos e toupeiras), reparam as bordas e os leitos;
1.45. Utilização essa que os Autores fizeram, desde há mais de 50 anos e até pelo menos há 10 ou 15 anos atrás, por si e antepassados, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão, e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de servidão de água a favor daqueles seus prédios;
1.46. Bem como as servidões de represamento das poças e de aqueduto da dita levada também a favor dos seus prédios;
1.47. No decurso do ano de 2015, o Réu através do movimento de terras que levou a cabo nos seus prédios, destruiu a Poça ..., encanou a água que ali nasce e passou a fazer uso exclusivo da mesma, encaminhando-a para outros prédios que lhe pertencem;
1.48. O Réu impediu ainda os AA. de acederem aos ditos prédios onde a água é captada, tendo procedido à vedação do local ou prédio;

[Da contestação/reconvenção]

1.49. Além da água da Poça ..., a “Poça ...” tinha – e tem – uma nascente própria que a abastece;
1.50. Há mais de 10 anos que a água da “Poça ...” não é encaminhada para a “Poça ...”, não sendo por isso utilizada para rega e lima dos respectivos prédios;
1.51. Como consequência, o mato e as silvas consumiram todo o perímetro daquela poça, tendo a água deixado de se encaminhar pelo referido rego a céu aberto e ficado perdida na propriedade dos Réus;
1.52. O aqui Réu Manuel decidiu no ano de 2015 fazer uma exploração de água na aludida Coutada ..., tendo conduzido e aproveitado a água que aí encontrou;
1.53. Há cerca de 10 anos que os Autores, ou qualquer outro consorte, não limpam a “Poça ...” e não entram no prédio rústico denominado Coutada ... para limpeza e/ou acompanhamento da água;
1.54. Há cerca de 10 anos que a água da aludida “Poça ...” não é encaminhada para a “Poça ...”, sendo que, há cerca de 10 anos, que essa água não é utilizada pelos Autores, ou por qualquer outro consorte, para rega e lima dos seus prédios.

2. Factos não provados

2.1. Os prédios identificados em 1.8. a 1.10. advieram à posse e propriedade da 3ª e 4ª Autoras por os terem havido como únicas herdeiras de J. N.;
2.2. Os prédios identificados em 1.20. a 1.22. advieram à posse e propriedade dos 11º autores por os terem adquirido por herança de F. R.;
2.3. Que há mais de 10,15 e 20 anos que os AA., por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição dos aludidos prédios;
2.4. Semeando erva, milho, feijão, centeio, plantando batatas e vinha, podando e sulfatando as vides, colhendo as uvas e as demais utilidades produzidas, nos respectivos prédios;
2.5. Fazendo obras, benfeitorias e pagando o seu custo;
2.6. Dando-os de arrendamento e recebendo as respectivas rendas;
2.7. Pagando os impostos que sobre ele incidem;
2.8. O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tais prédios;
2.9. Que a poça referida em 1.40. tivesse cerca de 7 metros de diâmetro, com cerca de 1 metro de profundidade, com forma arredondada;
2.10. Eliminado
2.11. A 1ª A. E. C., rega com a referida água os prédios “Leiras ..., Leiras ... e Cerrada ...”, de 4 em 4 semanas, ao domingo, do pôr do sol até ao nascer do sol de segunda feira e à terça feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quarta feira;
2.12. No prédio denominado de “Campo ...” a água é utilizada para rega, aos Sábados desde o nascer do sol até ao pôr do sol, de oito em oito dias;
2.13. Os 2ºs AA., A. R. e esposa, regam o prédio “CAMPO ...”,- à segunda feira do pôr do sol até ao nascer do sol de terça feira de 15 em 15 dias; do pôr do sol de terça feira até ao nascer do sol de quarta feira, de 15 em 15 dias; à quarta feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quinta feira de 15 em 15 dias; e ainda do nascer do sol ao pôr do sol de 8 em 8 dias, todas as quintas feiras;- do meio dia de Domingo até ao pôr do sol;
2.14. As terceira e quarta AA., M. R., e M. L., regam os prédios - Campos ... (2), Campo ... e Leiras ...”, á quarta feira do nascer do sol até ao pôr do sol, de 3 em 3 semanas; - do pôr do sol de quinta feira até ao pôr do sol de sexta feira, de 15 em 15 dias;
2.15. Os quintos AA., CC. e esposa, regam o seu prédio “CAMPO ...”, ao sábado do pôr do sol até às 13:00 horas de Domingo de 15 em 15 dias;
2.16. Os sextos AA., A. C. e esposa, regam o seu prédio “CAMPO ...”, do nascer do sol de terça feira até ao pôr do sol, de 15 em 15 dias;
2.17. Os sétimos AA., A. M.e esposa, regam o seu prédio “LEIRAS ...”, com a água da dita poça à 6ª feira do nascer do sol até ao pôr do sol, e ainda do pôr do sol até ao nascer do sol de sábado, de 8 em 8 dias;
2.18. Os oitavos AA., J. C. e esposa, regam os seus prédios “OLIVAL ...”, “OLIVAL ...” e “OLIVAL ...” ”,- à segunda feira do pôr do sol até ao nascer do sol de terça feira de 15 em 15 dias; - do pôr do sol de terça feira até ao nascer do sol de quarta feira, de 15 em 15 dias; - à quarta feira do pôr do sol até ao nascer do sol de quinta feira de 15 em 15 dias; - e ainda do nascer do sol ao pôr do sol de 8 em 8 dias; - do meio dia de Domingo até ao pôr do sol;
2.19. Os nonos AA., M. A. e marido, regam o prédio “LEIRA ...”, do meio dia até ao pôr do sol de 15 em 15 dias;
2.20. Os décimos AA., H. C. e esposa, regam os prédios denominados de “LEIRA ...”, do nascer do sol até ao pôr do sol de 15 em 15 dias;
2.21. Os décimos primeiros AA., R. F. e marido, regam os prédios “CAMPO ..., “CERRADO ...”, “LEIRA ...”, “LEIRAS DO …”, “LEIRA ...”, “TAPADA ...”, de 15 em 15 dias, à segunda-feira do pôr-do-sol ao nascer do sol de terça feira; - à quinta-feira do nascer do sol até às 13:00 horas; - à sexta-feira das 13 horas até ao pôr-do-sol; - de 3 em 3 semanas, - à segunda-feira do pôr-do-sol até terça-feira ao nascer do sol; - de terça-feira ao pôr-do-sol até quarta feira ao nascer do sol; - de S. Pedro (29 de Junho) até à Senhora da Abadia (15 de Agosto), de quinta ao nascer do sol até às 13 horas de 15 em 15 dias;
2.22. O décimo segundo A., C. V., rega o prédio “CERRADO ...”, de 4 em 4 semanas, ao Domingo das 13 horas até ao pôr-do-sol;
2.23. Que o réu tenha destruído o rego por onde a água era transportada para as diversas poças e posteriormente para os prédios dos AA.;
*
A demais factualidade alegada pelas partes não foi objecto de resposta por conter matéria conclusiva, irrelevante, instrumental e/ou de direito.».

3. Apreciação do mérito do recurso:

2.0. Enquadramento liminar da apreciação do objeto do recurso:

O presente recurso de apelação da sentença recorrida será apreciado, atendendo:

a) À sentença recorrida e ao regime de direito aplicável, lidos também de acordo com a posição das partes durante a ação, onde são relevantes: os limites dos pedidos e da causa de pedir dos autores; a circunscrita contestação do 1º réu, que assumiu a qualidade em que os réus foram demandados, a propriedade dos prédios indicados como servientes e factos alegados pelos autores; a falta de contestação dos 2º a 5º réus.
b) Aos limites dos poderes de cognição do tribunal de recurso: às conclusões do recurso; aos poderes limitados de ampliação e alteração da matéria de facto, quando a mesma não foi impugnada nos termos do art.640º do CPC.

2.1. Arguição de nulidade da sentença recorrida:

Importa apreciar cada um dos segmentos da sentença cuja nulidade foi arguida (em referência ao pedido e à causa de pedir, aos factos provados e à fundamentação de direito), mediante os fundamentos do recurso e o regime legal aplicável.
A sentença é nula quando os fundamentos estão em oposição com a decisão (art.615º/1-c) do CPC) ou quando o juiz conheça questões que não devia conhecer (615º/1-d) do CPC) ou condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido (615º/1-e) do CPC).
Estas consequências de nulidade sancionam a inobservância de exigências da sentença, pelas quais o tribunal, na decisão a proferir: deve fundar-se coerentemente na fundamentação que tenha julgado factos provados e aplicado o direito sobre os mesmos (art.607º/3 a 5 do CPC); não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art.609º/1 do CPC).

2.1.1. Arguição de nulidade quanto à condenação no reconhecimento da propriedade da decisão de III- I.i) da sentença recorrida:

A sentença recorrida condenou os réus, em III- I-i) da decisão, a reconhecer que os prédios 1.2. a 1.4. provados eram de propriedade da 1º, da 3ª e da 4ª autoras, em comum, sem determinação de parte ou direito.

A recorrente arguiu a nulidade deste segmento da sentença recorrida, defendendo existir:

a) Uma contradição prevista no art.615º/1-c) do CPC: por ter sido alegada a propriedade exclusiva da primeira autora quanto aos prédios 1.2. a 1.4. dos factos provados e ter-se alegado também e provado que estes eram propriedade das três únicas herdeiras.
b) Uma condenação em objeto diverso do pedido, qualificando-a nos termos do art.615º/1-d) do CPC, em referência ao art.609º do CPC: por a 1ª autora ter invocado apenas a sua qualidade de proprietária dos prédios 1.2. a 14. (e não de representante da herança) e ter pedido o reconhecimento dessa propriedade; por o reconhecimento da propriedade dos prédios 1.2 e 1.4. supra da sentença ter sido feito em relação da primeira, terceira e quarta autoras.

Apreciando o pedido e a causa de pedir do pedido de reconhecimento da propriedade e o segmento condenatório da sentença, verifica-se:

a) Na petição inicial referida, os autores: formularam um pedido genérico de reconhecimento da sua propriedade dos prédios descritos na petição inicial (vd. I-1.1.-a) supra); alegaram, em relação aos prédios provados em 1.2. a 1.4., não só que eram propriedade da 1ª autora, mas também que pertenciam à herança indivisa aberta por óbito do seu marido, de que eram herdeiras a 1ª, 3ª e 4ª autoras, na qualidade de viúva e filhas do autor da sucessão (vd. I- 1.2. - a1) supra).
b) Na sentença condenatória: provou-se em 1.2.4. e 1.25. que os prédios referidos em 1.2. a 1.4. pertenciam à herança por óbito do marido da primeira autora e que tinham a propriedade inscrita, em comum e sem determinação de parte ou direito, em favor das 1ª, 3ª e 4ª autoras; condenaram-se os réus a reconhecer a propriedade dos prédios provados em 1.2. a 1.4. (em referência a três dos prédios que foram alegados em I- 1.2. - a1) supra) pelas referidas 1ª, 3ª e 4ª autoras.

Assim, por um lado, verifica-se que, apesar da alegação da petição inicial não estar perfeitamente expressa (nos termos referidos no parágrafo infra), não existe qualquer contradição na sentença entre os fundamentos de facto provados (e apreciados de direito) e a decisão de condenação de I-i), nos termos e para os efeitos do art.615º/1-c) do CPC: em 1.25. da sentença recorrida provou-se que os prédios de 1.2. a 1.4. têm a propriedade inscrita em favor das 1ª, 3ª e 4ª autoras sem determinação de parte ou direito; a sentença que reconheceu a propriedade dos referidos prédios 1.2. a 1.4. pela 1ª, 3ª e 4ª autoras e condenou os réus a reconhecê-lo.
Por outro lado, realizando o confronto entre o alegado e o pedido pelos autores e o decidido na sentença não se pode reconhecer, também, que a sentença tenha condenado acima do pedido ou em objeto diverso do pedido, nos termos e para os efeitos do art.615º/1-d) e e) do CPC, uma vez: que o pedido realizado pelos autores foi formulado genericamente, em referência à prévia alegação da propriedade de cada um dos prédios feita na petição inicial; que, nesta alegação, as autoras alegaram que os três prédios que vieram a julgar-se provados de 1.2. a 14. eram de propriedade da primeira autora, mas também que eram propriedade da herança aberta por óbito do marido da 1ª autora e de que esta e as 3ª e 4ª autoras eram herdeiras e beneficiavam de registo da propriedade em seu nome, alegação esta que, apesar da estar imperfeitamente expressa e poder ser contraditória, permite ao tribunal interpretar a mesma com coerência e aproveitar a mais completa invocação de propriedade, que depois veio a resultar provada em 1.25. dos factos provados; que a condenação dos réus em reconhecer que os três prédios 1.2. a 14. eram da propriedade das 1ª, 3ª e 4ª, em comum e sem determinação de parte ou direito, aprecia o pedido genérico interpretado de acordo com a causa de pedir mais coerente e completa alegada e que foi julgada provada.
Desta forma, improcede a arguição de nulidade com os fundamentos apreciados.

2.1.2. Arguição de nulidade quanto à condenação no reconhecimento da servidão de águas da decisão III- II da sentença recorrida:

A sentença recorrida determinou na decisão III- II a condenação dos réus a reconhecerem o direito de servidão de águas nascidas na Poça ... e as respetivas servidões de presa e aqueduto, em favor dos prédios dos AA descritos dos artigos 1º a 12º, bem como o direito de passagem para acompanhamento das respetivas águas.
O réu arguiu a nulidade desta decisão por condenar acima do pedido, invocando que os autores/recorridos alegaram que a água se destinava a regar os prédios que alegaram pertencer-lhes nos dias e horas constantes do art.43º da petição inicial (relatados em I-1.2.c)-c1) a c7) deste acórdão).

Examinando o pedido e a causa de pedir do reconhecimento da servidão de águas e o segmento condenatório em relação ao mesmo, verifica-se:

a) Que na petição inicial, os autores: pediram em B), nomeadamente, o reconhecimento da servidão das águas descritas no art.33º em favor dos prédios, bem como a inerente servidão de passagem; invocaram no art.33º a utilização pelos autores da água captada nas nascentes existentes nos prédios da Bouça ... e da Coutada ..., com reservatório na Poça ..., utilização essa que depois clarificaram como sendo feita, em relação a cada prédio, em determinados dias, horas e periodicidade, nos termos referidos no art.43º da petição inicial, há mais de 20, 30 e 50 anos nos termos do art.44º da mesma petição.
b) Que na sentença condenatória: foram julgados provados de 1.39., 1.42. e 14.5. a utilização pelos autores da água captada na Bouça ... e na Coutada … desde há mais de 50 até à 15 e 10 anos atrás, para rega e lima dos prédios dos autores; não foram julgadas provados os dias, as horas e a periodicidade de utilização da água alegados no art.43º da petição inicial, nos termos dos factos não provados de 2.11. a 2.22.; na decisão recorrida foram os réus condenados a “reconhecer o direito de servidão das águas nascidas na Poça ..., (…), bem como direito de passagem para acompanhamento das águas.”
Interpretando o pedido de reconhecimento de servidão de uso de águas, face à causa de pedir, verifica-se: que o pedido está referenciado, na sua essência nuclear, ao uso da água nascida num prédio dos réus para rega da agricultura dos prédios dos autores; que, apesar de ter sido indicada a divisão feita entre os consortes do uso da água (divisão essa não provada), o direito reconhecido na sentença está suficientemente limitado quanto à finalidade (apenas para rega e lima e não para outro tipo de abastecimento e utilização) e do benefício (apenas em benefício de prédios identificados e não de outros).
Assim, o reconhecimento da servidão para o uso de rega e lima provada e em benefício de prédios dos autores não ultrapassa o pedido formulado.
Desta forma, improcede a arguição de nulidade com os fundamentos apreciados.

2.2. A arguição das exceções dilatórias da ilegitimidade:

Importa apreciar as arguições de ilegitimidade ativa e passiva, de acordo com os fundamentos invocados, o regime de direito aplicável, o objeto processual nuclear e acessório desta ação e a posição de consenso e litígio das partes na fase dos articulados.
O autor é parte legítima quando tem interesse em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, interesses estes que se exprimem, respetivamente, pela utilidade derivada da procedência da ação e pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que, na falta de indicação em contrário, são partes legítimas os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (art.30º/1, 2 e 3 do CPC).

Em situações de bens de herança não partilhada: o cabeça de casal pode usar contra terceiro de ações possessórias para ser mantido ou restituído da posse de bens sujeitos à sua gestão ou terceiro pode usar das mesmas ações contra o cabeça de casal (art.2088º do CC); os demais direitos, que não integrem também a petição de bens da herança do art.2078º do CC, só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros e contra todos os herdeiros (art.2091º do CC).

Arrogando-se qualquer uma das partes de um direito ou invocando os autores um direito contra uma pessoa na qualidade de sucessor de parte pré-falecida, cabe-lhe, como regra geral, de acordo com os critérios da habilitação-legitimidade, alegar na sua petição inicial os factos essenciais constitutivos da sucessão no direito de titular originário da relação material controvertida invocada na causa de pedir, nos termos dos arts.5º/1 e 552º/1-d) do CPC, relevantes quer para se aferir a sua legitimidade ativa na ação, quer para apreciar de mérito os fundamentos constitutivos da titularidade substantiva do direito de que se arroga(1) (2).

A exceção dilatória de ilegitimidade pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal e determina a absolvição da instância (576º/1 e 2, 577º/e), 578º, 278º/1-d) do CPC).

2.2.1. Ilegitimidade ativa:

O recorrente arguiu a ilegitimidade da primeira autora para reivindicar direitos em relação aos prédios provados de 1.2. a 1.4. da sentença, por preterição de litisconsórcio ativo necessário, nos termos do art.2091º do CC, falta de legitimidade esta que entendeu não estar suprida pela intervenção das demais herdeiras/suas filhas como 3ª e 4ª autoras, por esta intervenção ter ocorrido, no seu entender, na qualidade de proprietárias de outros prédios distintos dos referidos de 1.2. a 1.4. da sentença recorrida.
Examinando as partes que instauraram a ação, o pedido e a causa de pedir, verifica-se, na mesma esteira do que se defendeu em III- 2- 2.1. supra deste acórdão: que na petição foi alegada a propriedade dos prédios provados em 1.2. a 1.4. da sentença recorrida, quer como sendo de propriedade da 1ª autora, quer como sendo de propriedade da 1ª, 3ª e 4ª autoras, beneficiárias do registo de aquisição por sucessão dos prédios, em comum e sem determinação de parte ou direito; que, apesar das 3ª e 4ª autoras figurarem, também, como proprietárias de outros prédios, não deixou de estar invocada a sua qualidade de titulares em comum da propriedade dos referidos prédios 1.2. a 14., conhecida e atendida na interpretação do pedido e na condenação realizada na sentença recorrida.
Desta forma, tendo a ação sido instaurada pelas 1ª, 3ª e 4ª autoras, únicas titulares do registo em seu favor dos prédios provados de 1.2. a 1.4. e objeto da decisão de III da sentença recorrida, não padece a presente ação de qualquer ilegitimidade ativa.

2.2.2. Ilegitimidade passiva:

O recorrente arguiu a ilegitimidade dos réus, demandados como herdeiros da herança aberta por óbito da mulher do 1º réu: por falta de alegação e prova da qualidade em que os 2º a 5º réus foram demandados e de que eram os únicos herdeiros, prova que apenas pode ser feita por reconhecimento judicial, por escritura de habilitação notarial de herdeiros ou perante a Conservatória de Registo Civil (arts.2075º do CC e 351º do CPC; 80º/2-d) do C. Notariado; art.210º-A/2-b) do CRC); por falta de prova da titularidade registral dos prédios onde alegaram encontrar-se a Poça ..., a água que nela se encontra e as servidões invocadas pelos autores.
Este fundamento de ilegitimidade passiva confunde a falta de legitimidade processual dos réus (exceção dilatória conducente à absolvição da instância) com a falta de prova da sua qualidade de herdeiros ou proprietários dos prédios invocados como servientes (falta de prova de facto constitutivo de direito passível de gerar a absolvição do pedido).
Examinando a petição inicial, a posição assumida pelos réus e a tramitação processual dada à presente ação, verifica-se que estamos perante o seguinte quadro juridicamente relevante a apreciar.
Por um lado, os autores demandaram os réus na qualidade de herdeiros dos prédios servientes, que consideram estarem onerados com as servidões de uso de água, de presa e de aqueduto, demanda esta na qual:

a) Identificaram os réus na petição inicial:
a1) No introito da petição inicial: o 1º réu como viúvo da herança de I. M. e seu cabeça de casal; os demais réus como herdeiros da mesma herança, sem identificar a qualidade de sucessíveis revestiam.
a2) Na alegação da petição inicial, genericamente: como “donos” dos prédios da Coutada ... e da Bouça ..., indicados como prédios servientes ou dominados.
b) Juntaram os documentos da inscrição matricial dos dois prédios servientes Coutada ... e da Bouça ... (com inscrição em favor de “Herança I. M.- cabeça de casal de”) e não juntaram qualquer escritura de habilitação de herdeiros ou certidões de assentos de nascimento das partes/alegadas herdeiras (sem que tivessem, também, juntado qualquer certidão de registo predial comprovativa que os prédios estavam inscritos em favor da totalidade dos réus, como sucessores da falecida), como o exigiria o disposto nos arts.364º e 371º do CC e art.607º/4-2ª parte do CPC.

Por outro lado, ainda:

a) O 1º réu quando contestou a ação: afirmou expressamente que os prédios da Coutada ... e da Bouça ... eram de propriedade dos réus; não contestando a sua qualidade de viúvo da falecida, nem a sua qualidade de herdeiro ou qualquer um dos réus, nem suscitando a existência de qualquer outro herdeiro.
b) Os 2º a 5º réus não contestaram a presente ação, nem intervieram de qualquer forma, apesar de estarem regularmente citados, falta de contestação esta que implica que se julguem confessados os factos alegados pelos autores (art.567º/1 do CPC), salvo quanto aos factos que o 1º réu tiver impugnado ou que se tratem de factos para cuja prova se exija documento escrito (art.568º/a) e d) do CPC).
Os défices de alegação de a1) e de junção de documentos de b) supra do 1º parágrafo não observam, de facto, as exigências rigorosas da habilitação-legitimidade.
No entanto, a alegação, apesar dos seus limites, permite compreender que os autores demandaram os réus como os únicos herdeiros da herança titular da propriedade dos prédios indicados como servientes e, logo, como titulares comuns do direito de propriedade dos prédios indicados como prédios servientes.
A inobservância de rigor na alegação e na junção de prova, por sua vez: não foi arguida na contestação do 1º réu (onde este deveria concentrar toda a defesa, nos termos do art.573º/1 do CPC) e não foi objeto de contestação pelos 3º a 5º réus, o que permite concluir que estes interpretaram convenientemente a qualidade em que foram demandados; não foi também objeto de despacho de convite ao suprimento do Tribunal da 1ª instância, como lhe cabia, nos termos do art. 590º/2 a 4 do CPC.
Por fim, o despacho saneador tabelar no qual a legitimidade dos réus foi reconhecida também não obteve impugnação dos réus.
Assim, julga-se assegurado o pressuposto processual de legitimidade dos réus, sendo a prova ou falta de prova do direito em que foram demandados apreciada em 2.3. (em particular, em 2.3.3.-1) e em 4.2. infra).

2.3. Ampliação e alteração oficiosa da matéria de facto:

2.3.1. As partes não apresentaram impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art.640º do CPC.

Todavia, examinada a matéria de facto elencada como provada em II da sentença recorrida (mencionada em III-1 supra) e a matéria de facto alegada pelas partes nos articulados, em conjugação com a posição assumida sobre os factos pela parte contrária (nos termos relatados em I-1, 2 e 3 supra), verifica-se, na parte passível de conhecimento por este Tribunal da Relação:

a) Que existe matéria de facto provada antes da audiência de julgamento e não considerada na sentença (por omissão ou por indicação em matéria de facto não provada):
a1) Matéria de facto alegada pelos autores na petição inicial que foi acordada pelo 1º réu na sua resposta e confessada pelos réus 2º a 5º (artigo 37º quanto à configuração das poças da ..., do …, do … e da …, que não permitem a indicação como não provado do facto 2.10. da sentença; art.47º quanto à assunção pelos réus de que são “donos” dos prédios dos indicados como prédios dos réus, apesar da menção conclusiva da invocação; art.49º quanto ao uso de água pelos réus).
a2)Matéria de facto alegada pelo 1º réu na sua contestação/reconvenção e não impugnada especificadamente pelos autores na sua resposta (quanto à configuração mínima aceite da Poça ..., quanto ao prédio onde esta se localiza e quanto à localização do rego nos prédios dos réus- arts.3º a 6º da contestação, ex vi do art.26º da reconvenção, citados neste acórdão em I-2 supra).
b) Que existe matéria de facto provada documentalmente, irregularmente expressa na sentença:
b1) No facto provado em 1.25. falta a menção exata da inscrição da aquisição da propriedade, constante da certidão do registo predial de fls.38 e 39.
b2) Os factos provados em 1.37. e 1.38. reproduziram irregularmente a matéria de facto provada documentalmente nas cadernetas prediais rústicas de fls.59/frente e verso (uma vez que não consta no documento qualquer inscrição dos prédios em nome do 1º réu, na sua própria pessoa; nem a antiga freguesia correspondente de cada um dos prédios).
c) Que a matéria de facto decidida encerra de faltas de rigor na resposta (ainda que, em parte, tenha revele também irregularidades de alegação), passíveis de comprometer a delimitação do caso julgado e a execução da sentença, em face das faltas:
c1) De identificação da Poça ... cujo restabelecimento foi ordenado (dada como não provada em 2.9. em relação às dimensões alegadas, sem que se tenha mencionado uma matéria provada residual).
c2) Da indicação da localização da referida Poça nos prédios alegados como prédios dos réus (não basta referir, como se disse em 1.39. da sentença, que se encontra a norte do referido prédio, quando em 1.37. e 138. foram julgados provados dois prédios e não apenas um).
c3) Da indicação da localização do rego, entre a Poça ... e a Poça ... no prédio dos réus, por a servidão de aqueduto em relação aos réus apenas poder ser admitida nos seus prédios.
c4) Na remissão não concretizada de características em 1.42.
d) Que a matéria de facto decidida encerra obscuridades, passíveis de gerar contradições, entre as diferentes versões utilizadas na decisão de facto quanto aos anos desde os quais não há utilização da água e limpeza da poça e rego pelos autores, face à versão dos factos:
d1) Em 1.45. foi dado como provado que a utilização feita pelos autores desde há mais de 50 anos ocorreu «até pelo menos há 10 ou 15 anos».
d2) Em 1.50. e em 1.54. indicou-se, de forma distinta e em relação ao mesmo conteúdo de factos: no primeiro, que a água da Poça ... não é encaminhada para a Poça ..., nem utilizada para rega e lima «há mais de 10 anos» (matéria esta que não assinalou um limite máximo e que poderia deixar em aberto uma contabilização indefinida de anos); em 1.54. que a falta de encaminhamento para regra e lima ocorreu «Há cerca de 10 anos».
d3) Em 1.53. declarou-se que «Há cerca de 10 anos» os autores ou qualquer consorte não limpam a Poça ..., nem entram na Coutada ... para limpeza e acompanhamento de águas.
e) Que não foram sujeitos de decisão da matéria de facto os factos alegados pelo réu na sua contestação/reconvenção, atinentes à desnecessidade da água pelos autores (arts.10, 19º, 20º e 24º da contestação), contestados por estes, factos esses que, apesar de não terem sido invocados como fundamento da reconvenção, podem ser relevantes como matéria de exceção, nomeadamente para a apreciação do abuso de direito suscitado neste recurso de apelação.

2.3.2. Ora, este Tribunal da Relação deve ampliar e corrigir oficiosamente a matéria de facto fixada e decidida na 1ª instância, nomeadamente:

a) Quando existir matéria de facto plenamente provada por documento (art.371º do CC), por confissão (art.567º/1 do CPC), por acordo das partes (arts. 574º/2 e 587º/1 do CPC), não considerada na decisão da 1ª instância, e que seja relevante para a apreciação do objeto do recurso, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4-2ª parte do CPC.
b) Quando a decisão da matéria provada incorrer em obscuridade ou deficiência e o processo dispuser de elementos suficientes que permitam ao Tribunal superior suprir as irregularidades e apreciar a matéria alegada e não sujeita a prova, nos termos do art. 662º/3-c) do CPC.

2.3.3. Assim, e em face do exposto em 2.3.1. e 2.3.2.:

1) Aditar-se-ão à matéria de facto provada os factos admitidos por confissão e por acordo e eliminar-se-á dos factos não provados o facto provado por acordo.

Nesta matéria, em particular, aditar-se-á a matéria alegada no art.47º da petição inicial, não contestada e assumida positivamente pelo 1º réu e não contestada pelos 2º a 5º réus, apesar da mesma ser conclusiva, pelas seguintes razões.
Na presente ação, os autores: pretenderam o reconhecimento de direitos de servidão adquiridos por usucapião (com prévio reconhecimento da sua qualidade de proprietários dos prédios dominantes, cuja declaração expressa seria dispensável para o efeito principal pretendido); não foi objeto do pedido o reconhecimento de direitos de propriedade dos réus (ainda que estes sejam pressuposto ou elemento da causa de pedir).
Ora, a servidão predial «é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.» (art.1543º do CC), podendo «ser objeto de servidão quaisquer utilidades, suscetíveis de ser gozadas por intermédio de prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.» (art.1544º do CC)
Neste sentido, e como refere Menezes Cordeiro, em relação aos arts. 1543º e 1544º do CC «a pessoa só mediatamente é relacionada, surgindo, em primeira linha, uma ligação entre prédios. Assim sendo, a servidão deve traduzir uma utilidade real de um prédio em favor de outro, permitindo, objectivamente, a transferência de qualidades naturais de um prédio para o outro.». (3) E Menezes Leitão, «a atribuição da servidão faz-se sempre em função da titularidade de um prédio dominante, não sendo admitidas no nosso direito as servidões pessoais, em que a atribuição das utilidades do prédio se fizesse, independentemente de o seu beneficiário ser ou não titular de outro prédio.» (4)
Assim: é núcleo essencial da discussão a existência jurídica de prédios distintos que possam ser qualificados como dominantes e servientes e os factos que demonstrem a aquisição em benefício dos primeiros, por usucapião, de utilidades que onerem os segundos; a titularidade da propriedade dos prédios servientes, distinta da dos dominantes, é apenas um pressuposto para apreciar a constituição do direito de servidão.
Desta forma, apesar do caráter conclusivo da alegação de que os réus são “donos” dos prédios indicados como servientes, a expressa assunção da referida propriedade pelo 1º réu e a falta de contestação da alegação pelos 2º a 5º réus, implica que se considere reconhecida por acordo e confissão a referida aceção corrente alegada, como pressuposto para a apreciação dos factos que foram controvertidos e discutidos quanto à constituição do direito de servidão invocada pelos autores.
2) Corrigir-se-ão factos provados documentalmente na parte em que se encontram omissos ou desfasados do que se encontra lavrado no documento.
3) Suprir-se-ão ambiguidades e contradições nas respostas (remissões e disparidade de anos enunciadas). Em particular, as discrepâncias detetadas na resposta a 1.45., 150., 1.53. e 1.54. serão supridas, atendendo:

a) À fundamentação da decisão de facto, pela qual o tribunal a quo não referiu qualquer falta de uso para além do período mínimo apurado de cerca de 10 anos (declarou quanto aos factos provados em 1.39. a 1.46- «os autores usaram, de facto, durante décadas (desde há mais de 50 anos…) a dita água do poço do ..., para a rega dos seus prédios, embora não o façam há, pelo menos, 10 anos.», fundamentação esta que assinala um período inferior ao limite máximo indicado na resposta alternativa ao facto 1.4.6.; declarou quanto à resposta restritiva aos factos provados em 1.50 a 1.55. «este não uso durante 30 anos alegado pelo Réu também não resultou provado, já que as testemunhas que trouxe apenas foram capazes de afirmar que aquele local estava a mato, nos últimos 10 anos ou pouco mais do que isso».
b) À audição da prova produzida, neste caso, das testemunhas arroladas pelo réu (que não suportam períodos distintos dos expressamente indicados na fundamentação).
Desta forma: limitar-se-ão as respostas a “pelo menos, cerca de 10 anos” e a “cerca de 10 anos”; juntar-se-ão no facto 1.50. as duas respostas de 1.50 e 1.5.4. (que respeitam à mesma matéria).
3) Ampliar-se-á a matéria sujeita a prova à alegada nos arts.10º, 19º, 20º e 24º da contestação, a apreciar por este Tribunal da Relação com a audição da totalidade da prova em audiência onde a matéria foi discutida, nos termos do art.662º/1 e 3-c) do CPC (evitando a anulação da audiência de julgamento).
4) Responder-se-ão negativamente aos factos ampliados e referidos em 3) supra, na parte que não tinham ainda sido respondidos, mediante a seguinte análise crítica da prova: as testemunhas indicadas pelo réus não prestaram depoimento com conhecimento de causa que permitisse aferir o abandono das águas, nem a desnecessidade das mesmas para a agricultura; as testemunhas arroladas pelos autores contraditaram a alegação do réu (nomeadamente, CC. referiu que agora existe pouca água porque falta a da nascente que foi canalizada pelo réu, precisando “as poças de baixo” da “água de cima”; R. M. referiu que desde que o réu Manuel tirou a água o milho da autora E. C. encontra-se seco em julho), confirmado pelos autores (nomeadamente, A. R. e M. A. referiram que agora que têm agora metade da água que tiveram; M. L. referiu que lhes falta a “água de cima”; M. A. referiu que lhes faz falta a água).

Pelo exposto:

1) Determina-se:

1.1. A alteração da redação dos factos provados:

a) Em 1.25.: adita-se a inscrição da aquisição da propriedade dos prédios por sucessão.
b) Em 1.37. e 1.38., em face da Caderneta Predial rústica de fls.59/frente e verso e da falta de contestação do art.47º da petição inicial (que identifica os réus como “donos” dos prédios identificados na caderneta de fls.59/frente e verso), para os seguintes termos:

«1.37. Estão inscritos na caderneta predial rústica da União de Freguesias da ... e ..., em nome de «I. M.- cabeça de casal da herança de:
a) Na atual matriz sob o artigo ... (com origem no anterior artigo 736), o prédio rústico denominado de “Bouça ...”, sito no Lugar ...;
b) Na atual matriz sob o artigo ... (com origem no anterior artigo 739), o prédio rústico denominado de “Coutada ...”, sito no Lugar .... (documentos de fls.59).
1.38. Os réus são donos dos prédios referidos em 1.37-a) e b) supra (acordo e confissão dos réus).»

1.2. O aditamento de uma segunda parte ao facto 1.39, com vista a integrar a matéria alegada no art.49º da petição inicial e acordada (quanto à utilização dos réus da água das nascentes dos seus prédios):

«1.39. (…); os réus também têm água da levada das nascentes dos seus prédios referidos em 1.3.7 e 1.38. supra.».
1.3. A alteração da redação dos factos 1.40., 1.41. e 1.4.3, com vista a integrar na matéria de facto provada a composição das poças acordadas, a localização correta das poças dos ...s e da ... e do rego que as intermedeia, nos seguintes termos:
«1.40. A Poça ... referida em 1.39. supra situa-se na Coutada ... referida em 1.37. -b) supra, da extinta freguesia de ..., é construída em terra, com pocinheiro ou escoadouro em pedra, tendo pelo menos cerca de 2 metros de comprimento por 1, 80 metros de largura e meio metro de profundidade (factos 3º e 4º da contestação ex vi do art.26º da reconvenção; resposta dada ao anterior 1.40.)
1.41. A água depois de sair da Poça ... referida em 1.39. e 1.40., era encaminhada em sentido descendente por um rego a céu aberto, com cerca de 0,40 m de largura e a mesma profundidade (que atravessava a Coutada e a Bouça da ... referidas em 1.37.-a) e b) supra) para a denominada “Poça ...” (sita na Bouça ... referida em 1.37.-a) supra) e desta para a “Poça ...”, seguindo depois para a “Poça ...” e, por fim, para a “Poça ...”, que se localizam por ordem, em sentido descendente e cada uma delas numa cota inferior relativamente àquela que a antecede, sendo que estas 4 últimas poças são construídas em terra, com cerca de 5 metro de diâmetro e um de profundidade, com forma arredondada, com pocinheiro e escoadouro (reformulação do facto 1.41. para integração: do art.37º da petição inicial na parte não impugnada da configuração das 4 poças posteriores à Poça ... do art.37º da petição inicial; da indicação qualificação do rego como sendo a céu aberto e das localizações indicadas nos arts.5 e 6 da contestação, ex vi do art.26 no segmento do pedido reconvencional).

1.42. Na “Poça ...” é feita a distribuição da dita água pelos diversos consortes, que, também em levada a céu aberto, com as características referidas em 1.4.1. supra, a conduzem para os respetivos prédios, para a sua rega e lima (clarificação da remissão para o rego indicado em 1.4.1).
1.43. As poças e levada referidas de 1.40 a 1.42. são feitas de terra, torrões e pedra, ao longo de todo o seu percurso em rego a céu aberto, tendo leito próprio, e servem para represar as águas (clarificação das remissões para os artigos antecedentes).».
1.4. A eliminação do facto 2.10. não provado, por este se encontrar provado por acordo, nos termos determinados em 1.3. supra, em relação ao facto 1.41.
«2.10. Que as poças referidas em 1.41. sejam constituídas em terra, com cerca de 5 m de diâmetro e cerca de 1 metro de profundidade, com forma arredondada, com pocinheiro ou escoadouro;».
1.5. O suprimento das obscuridades e contradições detetadas nos factos 1.45, 150., 1.53 e 1.54. quanto aos anos, passando estes a ter a seguinte redação:
«1.45. Utilização essa que os Autores fizeram, desde há mais de 50 anos e até, pelo menos, cerca de 10 atrás, por si e antepassados, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão, e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de servidão de água a favor daqueles seus prédios;
1.50. Há, pelo menos, cerca de 10 anos, que a água da “Poça ...” não é encaminhada para a “Poça ...” e que não é utilizada pelos Autores, ou por qualquer outro consorte, para rega e lima dos seus prédios.
1.53. Há cerca de 10 anos que os Autores, ou qualquer outro consorte, não limpam a “Poça ...” e não entram no prédio rústico denominado Coutada ... para limpeza e/ou acompanhamento da água.
1.54. (Eliminado para resposta conjunta com o 1.50.).»
1.6. A ampliação da matéria sujeita a prova à alegada nos arts.10º, 19º, 20º e 24º da contestação e a decisão negativa a estes factos, aditando-se aos factos não provados os seguintes factos:
«2.24. A Poça ... foi abandonada por desinteresse, desnecessidade e/ou inércia dos respectivos autores.
2.25. Nunca faltou água na “Poça ...”, mesmo no período de verão, havendo sempre água para rega e lima dos prédios.
2.26. Os consortes deixaram de limpar, conduzir e encaminhar as águas da “Poça ...” há mais de 30 anos e porque a água da “Poça ...” era suficiente para as necessidades de rega e lima.
2.27. A exploração feita pelo réu na Coutada ... em 2015, para aproveitamento da água que aí encontrou, em nada afetou o caudal da “Poça ...” e, em consequência, a quantidade de água utilizada pelos Autores e restantes consortes para rega e lima dos seus prédios.».
2. Sintetiza-se a matéria de facto provada em 1.25. e desde 1.37, com as alterações introduzidas em 1 supra, nos seguintes termos:
«1.25. Os prédios identificados em 1.2. a 1.4. têm a inscrição da aquisição de dissolução da comunhão conjugal e sucessão por morte de C. F. em nome de E. C., M. R. e M. L. por inscrição Ap. 8 de 1995/10/10.
(…)
1.37. Estão inscritos na caderneta predial rústica da União de Freguesias da ... e ..., em nome de «I. M.- cabeça de casal da herança de:
a) Na atual matriz sob o artigo ... (com origem no anterior artigo 736), o prédio rústico denominado de “BOUÇA ...”, sito no Lugar ...;
b) Na atual matriz sob o artigo ... (com origem no anterior artigo 739), o prédio rústico denominado de “COUTADA ...”, sito no Lugar ....
1.38. Os réus são donos dos prédios referidos em 1.37-a) e b) supra.
1.39. Para rega e lima daqueles prédios supra identificados nos artigos 1.1. a 1.23., respectivamente, os AA. utilizavam água captada nas nascentes existentes nos prédios “BOUÇA ...” e “COUTADA ... “também conhecidas por “SORTES ...”, nomeadamente na denominada “POÇA ...”; os réus também têm água da levada das nascentes dos seus prédios referidos em 1.3.7 e 1.38. supra.
1.40. A Poça ... referida em 1.39. supra situa-se na Coutada ... referida em 1.37. -b) supra, da extinta freguesia de ..., é construída em terra, com pocinheiro ou escoadouro em pedra, tendo pelo menos cerca de 2 metros de comprimento por 1, 80 metros de largura e meio metro de profundidade (factos 3º e 4º da contestação ex vi do art.26º da reconvenção; resposta dada ao anterior 1.40.).
1.41. A água depois de sair da Poça ... referida em 1.39. e 1.40., era encaminhada em sentido descendente por um rego a céu aberto, com cerca de 0,40 m de largura e a mesma profundidade (que atravessava a Coutada e a Bouça da ... referidas em 1.37.-a) e b) supra) para a denominada “Poça ...” (sita na Bouça ... referida em 1.37.-a) supra) e desta para a “Poça ...”, seguindo depois para a “Poça ...” e, por fim, para a “Poça ...”, que se localizam por ordem, em sentido descendente e cada uma delas numa cota inferior relativamente àquela que a antecede, sendo que estas 4 últimas poças são construídas em terra, com cerca de 5 metro de diâmetro e um de profundidade, com forma arredondada, com pocinheiro e escoadouro.
1.42. Na “Poça ...” é feita a distribuição da dita água pelos diversos consortes, que, também em levada a céu aberto, com as características referidas em 1.4.1. supra, a conduzem para os respectivos prédios, para a sua rega e lima.
1.43. As poças e levada referidas de 1.40 a 1.4.2. são feitas de terra, torrões e pedra, ao longo de todo o seu percurso em rego a céu aberto, tendo leito próprio, e servem para represar as águas.
1.44. Os AA. e os demais consortes limpam a nascente, levada e poças, tapam as poças, cortam as ervas e outra vegetação que cresce nas poças e na levada, tapando buracos feitos por animais(ratos e toupeiras), reparam as bordas e os leitos;
1.45. Utilização essa que os Autores fizeram, desde há mais de 50 anos e até, pelo menos, cerca de 10 atrás, por si e antepassados, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão, e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de servidão de água a favor daqueles seus prédios;
1.46. Bem como as servidões de represamento das poças e de aqueduto da dita levada também a favor dos seus prédios;
1.47. No decurso do ano de 2015, o Réu através do movimento de terras que levou a cabo nos seus prédios, destruiu a Poça ..., encanou a água que ali nasce e passou a fazer uso exclusivo da mesma, encaminhando-a para outros prédios que lhe pertencem;
1.48. O Réu impediu ainda os AA. de acederem aos ditos prédios onde a água é captada, tendo procedido à vedação do local ou prédio;

[Da contestação/reconvenção]

1.49. Além da água da Poça ..., a “Poça ...” tinha – e tem – uma nascente própria que a abastece;
1.50. Há, pelo menos, cerca de 10 anos, que a água da “Poça ...” não é encaminhada para a “Poça ...” e que não é utilizada pelos Autores, ou por qualquer outro consorte, para rega e lima dos seus prédios.
1.51. Como consequência, o mato e as silvas consumiram todo o perímetro daquela poça, tendo a água deixado de se encaminhar pelo referido rego a céu aberto e ficado perdida na propriedade dos Réus;
1.52. O aqui Réu Manuel decidiu no ano de 2015 fazer uma exploração de água na aludida Coutada ..., tendo conduzido e aproveitado a água que aí encontrou;
1.53. Há cerca de 10 anos que os Autores, ou qualquer outro consorte, não limpam a “Poça ...” e não entram no prédio rústico denominado Coutada ... para limpeza e/ou acompanhamento da água.
1.54. (Eliminado para resposta conjunta com o 1.50.).».

3. Sintetiza-se a matéria de facto não provada eliminada e aditada neste acórdão:

«(…)
2.10. Eliminado.
(…)
2.24. A Poça ... foi abandonada por desinteresse, desnecessidade e/ou inércia dos respectivos autores.
2.25. Nunca faltou água na “Poça ...”, mesmo no período de verão, havendo sempre água para rega e lima dos prédios.
2.26. Os consortes deixaram de limpar, conduzir e encaminhar as águas da “Poça ...” há mais de 30 anos e porque a água da “Poça ...” era suficiente para as necessidades de rega e lima.
2.27. A exploração feita pelo réu na Coutada ... em 2015, para aproveitamento da água que aí encontrou, em nada afectou o caudal da “Poça ...” e, em consequência, a quantidade de água utilizada pelos Autores e restantes consortes para rega e lima dos seus prédios.».

4. Reapreciação de direito:

O réu/recorrente pediu a reapreciação de direito da sentença recorrida e a absolvição dos réus do pedido, invocando como fundamento:

a) Quanto ao pedido de reconhecimento da propriedade da autora E. C., por o direito não lhe pertencer a si mas à herança aberta por óbito do seu marido e pai das filhas; quanto ao pedido de reconhecimento das servidões.
b) Quanto às servidões: por não se ter provado a propriedade dos réus dos prédios servientes; por não se ter provado o âmbito das servidões, nos termos do art.1287º do CC (os factos alegados no artigo 43º quanto ao âmbito da servidão de água e a cada uma delas); por não se ter provado a existência dos requisitos do art.1390º/2 do CC para que se tenha por constituída a servidão de águas (não se provou que a poça e os regos se deveram a obra humana ou os sinais já não são visíveis); por não se ter provado que os autores tenham necessidade da água para os seus prédios (sendo que, também, têm água da Poça ..., que declara não pertencer aos réus); pela existência de abuso de direito, nos termos do art.334º do CC (pelo desinteresse dos autores pela água, pela falta de limpeza da poça e rego durante, pelo menos, 10 anos, sem interpelação de qualquer um dos réus com vista à reposição do estado anterior à destruição da poça e do rego há 5 anos).
Estas alegações de recurso: suscitam questões não invocadas na contestação da ação (que os réus não fossem proprietários; que a poça e o rego não tenham sido construídos e que ocorresse uma situação de abuso de direito por parte dos autores) e invocam factos distintos daqueles alegados pelo réu na sua contestação e que se encontram assentes pelo efeito ope legis de acordo das partes, nos termos do art.587º/1 do CPC (que a Poça ... não se situa no prédio dos réus).
Impõe-se apreciar o recurso neste segmento, atendendo ao regime de direito aplicável e aos factos provados.

4.1. Reapreciação da condenação de III-I-i) da sentença recorrida:

A sentença recorrida condenou os réus ao reconhecimento do direito das 1ª, 3ª e 4ª autoras da propriedade sobre os prédios referidos de 1.2. a 1.4. dos factos provados, em favor de quem se encontra inscrita a propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, segmento condenatório que já se apreciou não ser nulo (em III-2.1. supra), nem implicar qualquer absolvição da instância por ilegitimidade (conforme se apreciou em III-2.2. supra).
Esta condenação encontra-se fundamentada na prova do facto referido em 1.25., que julgou provado que os prédios referidos em 1.2. a 14. da sentença recorrida tinham a propriedade inscrita em favor destas autoras, em comum, sem determinação de parte ou direito, inscrição que faz presumir a sua propriedade, nos termos do art.7º do Código de Registo Civil.
Esta presunção de propriedade comum das três autoras, não tendo sido questionada, é também suficiente para o reconhecimento operado, tendo em conta o objeto da presente ação (que pretende nuclearmente o reconhecimento das servidões prediais). A este propósito, sobre objeto processual diverso no qual a propriedade do transmitente não fora questionada e não constituía o objeto principal da discussão, vide Acórdão do STJ de 9.11.2017, proferido no processo nº1964/14.2TCLRS.L1.S1, relatado por Tomé Gomes, com as seguintes conclusões «I. Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, nas ações reais - maxime na ação de reivindicação prevista no art.º 1311.º do CC -, a pretensão não se poderá fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada do direito peticionado. II. Nesse domínio, em consonância com a teoria da substanciação subjacente ao disposto no atual artigo 581.º, n.º 4, do CPC, torna-se necessário que o adquirente demonstre que o direito existia na esfera do alienante, alegando e provando os factos que consubstanciam a sua causa genética - usucapião, ocupação ou acessão. III. Todavia, num caso em que ambas as partes admitem, inequivocamente, o direito de propriedade do transmitente que interveio no contrato de compra e venda alegado pelo autor, estando apenas questionada a celebração deste contrato, não se mostra exigível que o autor alegue e prove a aquisição originária, por via usucapião, daquele direito por parte do transmitente. IV. A admissão pelas partes da existência desse direito de propriedade na esfera do transmitente reconduz-se a uma situação jurídica consolidada, face à qual restará provar a subsequente celebração do contrato de compra e venda com o autor.» (5).

Assim, improcede a reapreciação de direito da sentença neste segmento.

4.2. Reapreciação da condenação de III- II e III da sentença recorrida:

A sentença recorrida:

a) Condenou os réus a “II. A reconhecer o direito de servidão das águas nascidas na Poça ..., bem como as respectivas servidões de aqueduto e presa supra descritas a favor dos aludidos prédios dos AA. dos artigos 1º a 12º, bem como o direito de passagem para acompanhamento das águas; III. A restabelecer a poça onde a água é captada restituindo a mesma aos autores e a inerente passagem para acompanhamento da água.
b) Fundamentou a decisão, para além dos factos provados, no enquadramento jurídico do regime as águas totalmente extraído e transcrito (sem citação e identificação da fonte) do Acórdão do STJ de 28-10-2014, proferido no processo nº750/03.0TCGMR.G1.S1, relatado por Martins de Sousa (6).

O regime de direito das servidões de água, presa e aqueduto e o direito ao acompanhamento das águas aplicável aos presentes autos encontra-se regulado nos arts.1287º ss do CC (em referência a arts....º ss do CC), arts.1389º e 1390º ss, 1543º ss do CC e encontra-se bem explicado neste acórdão do STJ supra identificado, cuja argumentação não foi colocada em causa.
Reapreciar-se-á a sentença, nos segmentos suscitados no recurso, em face dos factos provados e do enunciado regime jurídico.
Qualquer uma das servidões prediais, pelas quais é imposto um encargo num prédio em proveito da utilidade de outro prédio de proprietário distinto, podem ser adquiridas por usucapião (arts.1543º e 1544º e 1547º/1 do CC, em referência aos arts.1287º ss do CC), desde que: quanto às servidões em geral, sejam aparentes, revelando-se por sinais visíveis e permanentes (art.1548º/2 do CC para as servidões em geral); quanto às servidões de uso/aproveitamento de água, quando esta for acompanhada de construção de obras visíveis e permanentes no prédio onde exista a fonte ou nascente (art.1390º/2 do CC).
Estas características dos sinais e obras, de acordo com José Cândido de Pinho (7): para revelarem visibilidade «devem apresentar-se perceptíveis aos olhos de todos. Não necessariamente uma visibilidade escancarada, mas uma nitidez suficiente.»; para se compreenderem como permanentes, «devem existir e ter existido, pelo menos, durante o prazo de direito usucapível, ainda que só em determinadas épocas do ano», neste caso, «o direito a adquirir limita-se ao período de utilização de cada ano»; para que se reconheçam realizadas as obras no prédio onde exista a fonte ou a nascente «a qualquer dos dois proprietários (o do prédio onde a fonte ou nascente existam e o daquele onde a água é aproveitada) pode ser imputada a autoria das respectivas obras, sem que disso dependa ou não a aquisição do pretendido direito. Para efeitos usucapíveis a autoria das obras é manifestamente irrelevante.»; para que as obras revelem captação e posse «É suficiente, pois, que as obras existam e revelem uma inequívoca captação e posse da água, matéria de prova a apreciar casuisticamente».

Por um lado, examinando este regime e apreciando conjugadamente os factos provados com as reformulações referidas em III-3. supra, com as presunções judiciais que decorrem destes e dos factos notórios do mundo rural, verifica-se que se pode verificar, interpretar e concluir o seguinte:

a) Os réus assumiram a propriedade dos prédios Coutada ... e Bouça ..., com o que se julga verificado o pressuposto de apreciação do direito de servidão invocado pelos autores, conforme se apreciou em 2.3. supra (particularmente em 2.3.3.-1) supra).
b) No prédio dos réus da Coutada ... existe uma nascente, de onde a água nascida é captada para a “Poça ...”, que foi construída com terra e pedra (com colocação de um escoadouro) para a sua retenção/represa e libertação, construção acompanhada de outros atos humanos de uso e manutenção: os autores consortes tapam/fecham (e, necessariamente, abrem/libertam) a água da poça através do escoadouro (factos 1.40., 143. e 1.44, em relação a 1.37. e 138.), sendo que estes escoadouros, de acordo com as regras da experiência, são normalmente tapados e abertos com uma pedra ou “rombo” de madeira; os autores consortes limpam e reparam a poça (facto 1.44).
A poça, na sua configuração, forma de uso e manutenção, é necessariamente uma obra humana visível e permanente, dirigida à captação, represa e posse da água, obra essa passível de preencher os requisitos físicos para a aquisição do direito por usucapião.
Para este efeito, e como se referiu na exposição supra, não releva para se julgar que não existem obra e sinais visíveis e permanentes nem o facto de a poça ter sido consumida por mato e silvas há cerca de 10 anos (1.51), nem o facto de ter deixado de ser limpa e reparada desde esse tempo (1.45., em referência a 1.44), nem o facto de ter sido destruída pelo réu em 2015 (1.47), uma vez: que estas ocorrências são posteriores ao período da usucapião referido em e) infra; que, após a aquisição de um direito de servidão predial usucapião, apenas relevam para a sua extinção os factos passíveis de preencher as previsões normativas que conduzem a esse efeito, nos termos do art.1569º do CC.
c) A água, desde que sai da Poça ... na Coutada ..., segue um rego a céu aberto/levada em terra, torrões e pedra para a Poça ... (e depois para as subsequentes), sendo que neste primeiro percurso o rego atravessa a Coutada e a Bouça ... dos réus (1.41., 143.), rego este que também é limpo, reparado pelos consortes e autores na levada, bordas e leitos para que a água possa circular entre as poças onde é represada ao longo do percurso dos prédios (facto 1.44).
Esta configuração da levada e do rego desde a poça referida em a), a sua limpeza e reparações humanas referidas em b) supra, permitem reconhecer, também e necessariamente, a existência de uma obra humana, visível e permanente.
A falta de prova de atos de limpeza e reparação de rego há cerca de 10 anos (1.45., em referência a 1.44) não descaracterizam a existência e a relevância dos sinais visíveis e permanentes do período de aquisição do direito por usucapião, nem são fundamento, por si só, para a extinção do direito, que se entende ter sido constituído por essa via, nos termos referidos no último parágrafo de a) supra.
d) Os autores usam a água da nascente da Coutada ..., represada na Poça dos …, para a rega e lima dos seus prédios indicados nos factos provados de 1.1. a 1.23. (facto 1.39. e 145.).
Admite-se que este uso da água, através das obras e meios referidos e apreciados, e confinado à rega e lima dos prédios identificados, constituiu o conteúdo de um direito de servidão, limitado aos indicados fins e prédios, nos termos do art.1389º/1- 2ª parte, 1390º/1 e 2 do CC, 1543º ss do CC.
e) Os autores, e seus antecessores, praticam os atos apreciados em b), c) e d), pelo menos desde há 50 anos e até pelo menos há cerca de 10 anos atrás, à vista de toda a gente, sem interrupção, sem oposição de ninguém, com a convicção de exercício pleno e exclusivo de servidões de (uso) de água, de represamento de poças e de aqueduto da levada em favor dos seus prédios (factos 1.45. e 146.).
Estes factos permitem o reconhecimento da aquisição pelos autores do direito de servidão de presa, de aqueduto e de uso de água por usucapião (arts....º, 1260º a 1262º, 1287º, 1296º do CC).
Não constitui requisito constitutivo para a aquisição destes direitos de servidão predial os factos integrativos das necessidades dos prédios dominantes, que devem ser alegados e provados como fundamento do pedido de constituição de das servidões legais (arts.1550º ss do CC), ainda que o uso reiterado de uma utilidade que possa levar à aquisição do direito por usucapião possa revelar também uma necessidade implícita. Assim, não constitui ónus dos autores a alegação e a prova exatas das necessidades atuais dos prédios dominantes, que invocaram como beneficiários de servidões prediais adquiridas por usucapião, podendo apenas a desnecessidade da servidão dos prédios dominantes ser invocada pelos prédios servientes como fundamento da extinção das servidões adquiridas por usucapião (art.1569º/2 do CC). Neste sentido, o referido Ac. STJ de 28.10.2014 conclui «IV - A servidão de aqueduto adquirida por usucapião integra-se nas servidões voluntárias, não lhe sendo automaticamente aplicáveis os requisitos normativos das servidões legais, previstos no art. 1561.º do CC. V - A servidão de aqueduto apenas poderá ser declarada extinta, por desnecessidade, mediante declaração judicial, quando a sua utilização de nada aproveite ao prédio dominante» (8).
A falta de utilização da água e a falta de conservação, reparação e limpeza da presa e do aqueduto provados, desde há cerca de 10 anos (1.45, 150. a 1.53), não integram, também, e conforme foi decidido na 1ª instância, qualquer via da extinção dos direitos de servidão adquiridos, nomeadamente pelo invocado não uso (art.1569º/1-b) do CC).
Por outro lado, os termos em que os factos foram julgados provados e apreciados supra (em que a presa, o aqueduto e o uso e o aproveitamento da água ocorre em favor dos prédios 1.1. a 1.23. e para rega da agricultura dos referidos prédios), e apesar da falta de prova dos dias e horas de utilização da água (factos não provados em 2.11. a 2.22), permitem reconhecer o direito, sem que se reconheça a invocada abstração e falta de limite do titulo aquisitivo realizada pelo recorrente neste recurso.
Na verdade, as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo título (art.1564º-1ª parte do CC).
No entanto, na insuficiência do título, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação (art.1565º/1 do CC), sendo que na dúvida sobre a extensão e modo de exercício, entende-se constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (art.1565º/2 do CC).

Por fim, não é possível concluir que exista qualquer abuso de direito dos autores no pedido de reconhecimento dos direitos de servidões prediais e de restabelecimento das mesmas:

a) Quer em face da sua falta de utilização da água, de reparação e manutenção da represa e levada há cerca de 10 anos, omissões que desencadearam também perdas de água na propriedade dos réus que foram aproveitadas pelo 1º réu (factos 1.45, 150. a 1.53, 147.), uma vez: que é conhecido como notório o contexto das limitações sociais e económicas que condicionaram a prática agrícola em Portugal (em particular, no Minho); que os réus não fizeram a prova das razões das faltas de uso (facto não provado em 2.24),
b) Quer pela a existência de uma nascente que alimenta a Poça ... (facto 14.9), sem que o réu tenha feito prova que esta tem abastecimento suficiente para a regra da agricultura dos prédios dos autores (factos não provados em 2.25. a 2.27, aditados em 3 supra).
Na verdade, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.334º do CC). Os factos passíveis de revelar esta violação das regras da boa-fé constituem ónus de alegação e prova dos réus (arts.342º/2 do CC).
A conjugação dos factos provados e não provados, no contexto das limitações agrícolas enunciadas dos prédios rústicos em Portugal, em particular no Minho, não permitem julgar que os autores violaram as regras e as exigências da boa-fé na formulação de reconhecimento de servidões prediais de uso de água, de presa e de aqueduto.

Desta forma, improcede o recurso de apelação.

Todavia, o reconhecimento dos direitos de servidões prediais constante de III- II da sentença recorrida deve ser objeto, todavia, de retificação em relação aos prédios dos autores a que se referem, tendo em conta: que, apesar de os prédios alegados na petição inicial de 1º a 12º terem sido provados de 1.1. a 1.23. da sentença recorrida, apenas foram reconhecidos como prédios de propriedade e usufruto dos autores aqueles objeto da decisão de reconhecimento e condenação de III-I supra; que, nesta medida, a indicação feita aos “aludidos prédios dos AA” em III-II supra apenas pode referir-se aos prédios reconhecidos em III-I supra.
Assim, considera-se a indicação feita em III- II de “prédios dos AA dos artigos 1º a 12º” um lapso material e mecânico, passível de correção nos termos do art.614º do CPC.

Desta forma, onde consta “prédios dos AA dos artigos 1º a 12º” deve passar a constar “prédios dos AA de III- I supra”.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Julgam improcedente o recurso de apelação.
2. Determinam a retificação de III- II da sentença recorrida, de forma que, onde consta “prédios dos AA dos artigos 1º a 12º” passe a constar “prédios dos AA de III- I supra”.
*
Guimarães, 5 de março de 2020
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição de 1948, Reimpressão de 2004, Coimbra Editora, anotações ao artigo 376º, págs.574 e 575.
2. Eurico Lopes Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, atualizado por Álvaro Lopes Cardoso, em Comentário às disposições respetivas, Reimpressão, Livraria Petrony, 1996, págs, nº141, págs.300 e 301.
3. António Menezes Cordeiro, in Direitos Reais, Reprint 1979, Lex, 1993, pág.724.
4. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 8ª edição, pág.360.
5. Acórdão do STJ de 9.11.2017, proferido no processo nº1964/14.2TCLRS.L1.S1, relatado por Tomé Gomes, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/462E49ADE681D41E802581D80052AFD5
6. Acórdão do STJ de 28-10-2014, proferido no processo nº750/03.0TCGMR.G1.S1, relatado por Martins de Sousa, in DGSI- http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83367b9d6b7dc14780257d8000382a95?OpenDocument
7. José Cândido de Pinho, in Águas no Código Civil, Comentário Doutrina e Jurisprudência, Almedina, Coimbra, 1985, págs.81 a 83.
8. Acórdão citado em vi.