Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1101/15.6T8PVZ-C.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ARRESTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- O princípio do contraditório, que se reporta aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes, é hoje entendido como um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

II- O exercício e a concretização deste princípio, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente sobre a solidez ou consistência substancial do eventual direito que, com a sua consagração e em decorrência do seu cumprimento, se pretendeu salvaguardar ou exercer.

III- O princípio do contraditório, envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

IV- Estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

X – MADEIRAS DE PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA, instaurou providência cautelar de arresto, contra Y SOCIEDADE COMERCIAL DE MADEIRAS, LDA.,

Com os fundamentos expostos no requerimento inicial, pediu que fosse decretado o arresto dos imóveis que identifica, sendo que, por despacho indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Inconformado com o assim decidido, apela a Requerente, pretendendo se decrete o procedimento, termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. Por Decisão proferida a 10 de Novembro de 2016, confirmada pelo Douto Tribunal da Relação e já transitada em julgado foi a Recorrida condenada a liquidar à Recorrente, a quantia de €279.159,2, acrescida de juros.
B. Na mesma Decisão, foi a Recorrente e em sede de Reconvenção condenada a liquidar à Recorrida a quantia de €62.582,77, acrescida de juros.
C. Mais ainda, decorre da Decisão – sem que o mesmo tivesse sido alegado, demonstrado ou comprovado, mesmo indiciariamente – a suposta ou eventual probabilidade da existência de um contrato mercantil, também alegadamente outorgado entre Recorrente e Recorrida.
D. E, que nos termos legais, porque por falta de qualquer prova nesse sentido, a existir um contrato de depósito mercantil, poder-se-ia considerar aquele oneroso e, por tal, a eventual existência de um suposto crédito da Recorrida sobre a Recorrente.

São muitas as suposições…

E. Ora, sucede que após a Decisão, confirmada por Acórdão de Relação, a Recorrida deu início à alienação de todo o seu património imobiliário, causa da providencia cautelar de arresto interposta, tendo a Recorrente interposto execução em conformidade com o seu direito e ainda, interposto procedimento cautelar de arresto sobre os bens que a Recorrida pretendia alienar.
F. O procedimento cautelar de arresto viria a ser liminarmente indeferido.
G. Não com o fundamento na não verificação daquele por falta de pressupostos processuais que levam ao seu decretamento, mas na suposta inexistência global do direito e do crédito da Recorrente sobre a Recorrida e, assente numa eventualidade futura de que a Recorrida pudesse demonstrar em juízo a existência de um direito sobre a Recorrente e, na eventual hipótese de aquele direito pudesse vir a ser superior ao crédito da Recorrente, o qual já confirmado por Decisão transitada.
H. Da Decisão resulta a incerteza, iliquidez, ou até a segurança da ilegibilidade daquele direito da Recorrida: Vejamos:

Não se tendo provado qual das partes que mais lucrou com o depósito, deve ser repartido por ambas o valor do mesmo, não devendo a Autora pagar à Ré mais do que metade do valor que for liquidado posteriormente em quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial.”
I. Isto porque a mercadoria foi entregue em consignação (o que é conflituante e contraditório com o suposto direito a ser num futuro reconhecido à Recorrida e, que a Decisão invoca);
J. Isto porque a Recorrida vendeu a mercadoria, dai obtendo mais valias e retendo tais quantias – incontornável o fim e o contrato, quando em conflito com o contrato de depósito mercantil;
K. Mas igualmente, porque cabendo-lhe o impulso processual de tramitar um eventual direito (se é que existe), a negligência da Recorrida, sempre faria transitar o Direito da Recorrente na Decisão proferida para a deserção.
L. Negligência da parte (Recorrida) na observância do ónus de impulso processual, que não obriga a parte (Recorrente) a agir em conformidade com o suposto ou alegado direito da Recorrida, que a Recorrente nega e desconhece a sua existência.
Ora,
M. O princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 C.P.C.) visa facultar à parte a oportunidade de se pronunciar sobre os pedidos, ou sobre os argumentos, de direito ou de facto, eventualmente formulados pela outra parte, previamente ao douto desígnio do Tribunal, e que tem uma incidência concreta, relativamente a toda e qualquer questão suscitada no processo, procurando evitar as proibidas decisões-surpresa.
N. É esta a ratio que subjaz ao pensamento que presidiu o legislador aquando da criação da norma jurídica invocada e que justifica que o juiz deva facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso.
O. O certo é que o douto Despacho-Sentença sub judice acaba por assumir a natureza, pelo menos para o Recorrente, de decisão surpresa, pois que não foi precedido de um acto, que o mesmo considera legalmente exigível, direccionado ao exercício do contraditório relativamente ao elemento – “do saldo positivo a favor do Recorrente na liquidação” – do qual o Julgador se socorreu para proferir decisão sumária.
P. O facto de não se ter dado oportunidade ao Recorrente para exercer o contraditório viola também o Princípio da Proporcionalidade ínsito no Estado de Direito Democrático – plasmado no art. 2.º C.R.P. – e, ainda, os Princípios dos direitos fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo – previsto no art. 20.º, n.ºs 1, 2 e 5 da C.R.P. – o que se invoca com as devidas consequências.
Q. Não se poderá sustentar que a nulidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão sobre a matéria em apreço pois que certamente o exercício do contraditório poderia, abstractamente, influenciar a decisão a proferir.
R. Por tal facto, não foi possibilitado ao Recorrente exercer o seu contraditório, seja quanto à alegada falta de indicação de factos que permitam ao Tribunal concluir sobre o seu saldo positivo do seu direito de crédito sobre a Requerida, aquando da liquidação de sentença, mas também quanto à possibilidade de esclarecer sobre o documento junto sob o n.º 4, da P.I.
S. Assim, o Tribunal “a quo” ao proferir uma decisão e, ao violar o dever de ficar adstrito ao pedido formulado pelas partes, para impedir que se configurem os conhecidos vícios de decisões, sucumbe na presente Decisão, designadamente ao ter um “entendimento” muito para além do pedido formulado, designadamente o pedido realizado pelo Recorrente.
T. Pedido a que não corresponde qualquer contrapartida formulada pela Recorrida no âmbito de qualquer compensação, não consubstanciado por falta de concretização dos factos pela sociedade Y, Lda.
U. Ademais, os limites da decisão devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos da relação processual. É que se chama de limites objectivos e subjectivos da sentença.
V. Nesse sentido, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objecto diverso do que lhe foi demandado.
W. Os limites objectivos da sentença, objecto da Decisão, vêm regulados pelo art. 407.º n. 2 do C.P.C.
X. A doutrina costuma chamar essa vinculação do juiz de princípio da adstrição, congruência ou correlação.
Y. Tal falta de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença ou despacho, determinante da invalidade do acto, não constitui uma nulidade stricto sensu mas inexistência jurídica da citada decisão, que é outra forma de invalidade para além da nulidade.
Z. Dado que a nulidade em apreço acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pelo Despacho Liminar-Sentença proferido, pois que se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, temos que tal nulidade se tornou também vício formal da sentença que lhe deu cobertura.
AA. Motivo pelo qual se invoca o cometimento de uma nulidade processual prevista no art. 195.º C.P.C., por violação dos artigos 3º nº 3 e 590º do C.P.C. e arts. 2.º e 20.º, n.º 1, 2 e 5 Constituição R.P., com as devidas e legais consequências.
BB. O Recorrente é do modesto entendimento de que a nulidade apontada igualmente afecta o Saneador-Sentença proferido, por excesso de pronúncia, mormente por se ter pronunciado sobre o mérito da causa quando, como entendemos, dele não podia conhecer, atenta a omissão de um acto legalmente previsto que precede a sua prolação.
CC. Ademais, os limites da decisão devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos da relação processual. É que se chama de limites objectivos e subjectivos da sentença.
DD. Atento o exposto, o Apelante entende que o despacho liminar sentença recorrido padece do vício de excesso de pronúncia, o que configura fundamento de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al.ª d) C.P.C., e que ora se invoca, com as devidas e legais consequências.
EE. Compulsado o douto Despacho Liminar-Sentença proferido constata-se que o Julgador, por força de um raciocínio que expende acerca da “alegada falta de demonstração de saldo positivo a favor do Recorrente, na liquidação da sentença”, considerou que, no caso que nos ocupa, “caberia à Requerente, nesta sede alegar factos que demonstrasse que a liquidação da obrigação ilíquida resultaria num saldo positivo a seu favor”
FF. Ora, sem prejuízo do que infra se dirá quanto ao raciocínio explanado pelo Tribunal a quo, com o qual, adiante-se, o Recorrente não se conforma – pois que entende ser legítimo credor da Recorrida, até porque dos usos e costumes, que a sentença indicou para efectuar a liquidação do depósito mercantil, o Recorrente já havia dado a conhecer ao douto tribunal a quo no requerimento junto aos autos de processo de execução comum, com a referência citius n.º 29169122, também ali melhor exposta e que aqui, ao abrigo do princípio da economia processual se dá por integralmente reproduzida, resulta um saldo bastante positivo a seu favor, bem como, se encontra patente e donde se retira do documento n.º4, junto à P.I. - Regulamento de Tarifas Para a Utilização de Bens Dominiais do porto W- 2018 - que o Recorrente é legítima credora da Recorrida.
GG. Se dúvidas houvesse quanto à alegada titulação do direito de crédito do Recorrente nos termos apresentados pelo Recorrente, sempre deveria o Tribunal a quo convidar o Recorrente a esclarecer o que se julgasse conveniente.
HH. Atente-se que o douto tribunal a quo já conhecia os factos que titulam a posição do Recorrente, através do requerimento com referência citius n.º 29169122, junto ao apenso de execução, bem como pelo documento n.º4 junto à P.I., se retira que, feitas as contas, pelo Regulamento de Tarifas do Porto W referente ao ano de 2018, os usos e costumes da praça redundariam num custo de € 1.651,36 ao Recorrente, valor este depois de compensado com o crédito do Recorrente, se traduziria num saldo bastante positivo a favor do Recorrente. Isto reportando tal situação para o presente, pois que só foram impostas taxas no Porto W a partir do ano de 2018, sendo anteriormente tal serviço, prestado gratuitamente.
II. Em todo o caso, no nosso modesto entendimento, só se pode primar por uma decisão sem produção de prova quando dos autos resultem todos os elementos e hipóteses que permitem figurar a acção como um todo.
JJ. Sem prescindir, o Recorrente não tem dúvidas, salvo mais fundada opinião, que a P.I. e seus documentos, tal como é configurada pelo Recorrente, contém os elementos necessários ao prosseguimento da acção, contendo pedido e factos essenciais que constituem a causa de pedir, nos termos do artigo 552.º C.P.C.
KK. Note-se que a Recorrida em Tribunal alegou a inexistência de bens na sua titularidade que pudesse prestar caução e, após a Decisão, veio a promover a venda dos que ao tribunal havia sonegado.
LL. Um dos motivos do Arresto
MM. O outro, ocultar bens da sociedade, ficando aquela sociedade despida de quaisquer garantias para pagar/liquidar o que era devido, certo e exigível.
NN. Pelo que o Tribunal deveria ter proferido despacho a providenciar ou pelo suprimento dessas excepções, ou pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos estatuídos no n.º 2 do art. 590.º CPC ou, finalmente, convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões ou concretização da matéria de facto alegada, conforme n.º 4 da mesma norma.
OO. Atento o exposto, porque também foi omitida a prática de um acto prescrito por lei – nos termos supra melhores expostos – parece-nos inquestionável estarmos perante o cometimento de uma nulidade processual prevista no n.º 1 do art. 195.º C.P.C., por violação do estatuído nos arts. 3.º, n.º 3, 552.º, e 590.º do mesmo Código, o que aqui se invoca, com as devidas e legais consequências.
PP. O Recorrente é do modesto entendimento de que a nulidade apontada igualmente afecta o Despacho-Sentença proferido, mormente por se ter pronunciado sobre o mérito da causa quando, como entendemos, dele não podia conhecer.
QQ. De facto, o exercício do contraditório é um acto que precede a prolação da Sentença, visando garantir a intervenção da parte e evitar as proibidas decisões surpresa.
RR. Assim, temos que, proferindo-se sentença sem a prática daquele acto, a decisão está viciada por excesso de pronúncia, visto que, salvo melhor e mais douto entendimento em sentido diverso, conhece do mérito da lide em condições em que está impedido de o fazer.
SS. A Recorrente propugna que é detentora de direito de crédito sobre a Recorrida, proveniente da sentença proferida nos autos de processo principal, porquanto olhando aos usos e costumes da praça, à data em que a Recorrida indica como tendo ocorrido o depósito mercantil eram tais “supostos” custos inexistentes.
TT. De facto, os usos da praça cor respondentes à zona geográfica de W, onde se encontrava a mercadoria do Recorrente, por referência aos usos de estacionamento e armazenagem do Por to de W.
UU. A APVC – Administração do Por to de W, SA, não cobrava quaisquer valores pela armazenagem, depósito e estacionamento das mercadorias, conforme documentos juntos aos autos de processo de execução
– ap. 1., relativos ao relatório de contas da APVC, relativamente aos anos de 2009 a 2014.
VV. E, pelos usos da praça, aplicados na zona geográfica de W, o valor referente ao depósito mercantil é de zero euros.
WW. E, fazendo o Recorrente um mero exercício de contabilidade, atendendo aos valores aplicados actualmente – 2018, pelas taxas cobradas naquele porto, para a armazenagem, depósito e estacionamento de mercadorias, conforme o doc. n.º 4 junto à P.I . no que concerne às actividades industriais, definido no ponto 1. do ar t. 4. , de tal regulamento - que não se aplicam in casu, atendendo a que entrou em vigor em momento posterior a 2015, o preço de valor mais elevado em função da qual idade e localização do terreno, corresponde a cerca de € 3 , 3 3 por metro quadrado e por ano , em área descoberta , e a € 8 , 6 6 , por metro quadrado e por ano, em área coberta,
XX. não havendo qualquer alusão à utilização e cobrança de qualquer taxa na utilização dos terrenos e áreas cobertas em al tura.
YY. Pelo que, aplicando a quantidade média de madeira, indicada na sentença dos autos principais, de 1000m3, ié, 100m2, em espaço descoberto e, a 28m3, ié, a 9,22m2, em espaço coberto, o valor cor respondente a tal depósito seria somente e tão s ó , o valor de € 8 ,6 6 , p o r metro quadrado e por ano, em área coberta.
ZZ. O que, na hipótese académica de transportar aplicar no passado o futuro, se traduzir ia nuns meros € 412,84 ao ano , perfazendo um valor de € 3.302,72 , no período que mediou entre 2007 e 2015.
AAA. Verbas que se excepcionam por não ter nunca existido um qualquer contrato de depósito mercantil, entre Recorrente e Recorrida.
BBB. Pelo que, a atentar numa parte “ilíquida“ da sentença, o valor correspondente a metade dos usos da praça, a atender pelos usos e taxas praticadas na APDL de W, no presente, que não se aceitam., nos termos do art. 404.º, do Código Comercial, na parte de depósito mercantil, corresponderia a uns €1.651,36.
CCC. E, nem mesmo que academicamente estes existissem, tais quantias ou pretensões, nem sequer foram alvo de qualquer diligência da recorrida na eventual salvaguarda de um qualquer direito.
DDD. Pelo que, o douto Tribunal a quo sempre terá de concluir pela probabilidade séria da existência do direito de que o Recorrente se arroga, não compreendendo o Recorrente as razões pelas quais o Tribunal afastou a aplicação do requisito dos fummus boni juris, concluindo pelo seu não preenchimento.
EEE. É, ainda, nosso modesto entendimento que os documentos juntos aos autos implicam, necessariamente, decisão diversa da proferida, mormente no sentido de que sobre o Recorrente indiciariamente se encontra demonstrada já não a probabilidade séria da existência do seu direito, mormente no saldo positivo a seu favor, na liquidação da sentença, mas a certeza do seu direito.
FFF. Entende, assim, o Recorrente que a decisão proferida, ao ter decidido, como decidiu, violou as normas relativas à apreciação das provas em geral (artigos 341º e ss do C.C.), presunções, força probatória dos documentos autênticos (art. 371º C.C.), devendo ser substituída por uma outra, em que se ordene o prosseguimento dos autos, com as devidas e legais consequências.
GGG. O que prejudica o Despacho Liminar- Sentença e, salvo melhor opinião, o deixa carente de fundamentação, assim como todo o raciocínio expendido no douto Despacho Liminar - Sentença proferido, o que se deixa invocado, com as devidas e legais consequências.
HHH. A negligência das partes terá que ser valorada pelo comportamento daquelas por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas e, num juízo prudencial e, se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente da Recorrida, violando assim o princípio da cooperação, àquela deverão ser acossadas as consequências.
III. Ao invés, viria sistematicamente o Tribunal “a quo” impedir qualquer prossecução do processo, com fundamento num alegado “incidente de liquidação” que a Recorrente não reconhece e, que a Recorrida não fundamentou.
JJJ. Deste modo, o Tribunal a quo, ao decidir a providência cautelar de arresto como como decidiu, sem respeitar os pressupostos para o seu decretamento ou indeferimento, mas sustentando a sua Decisão em outros pressupostos, ou num eventual direito sujeito a um eventual incidente de liquidação, não constante dos articulados, perante a prova (no caso falta desta) e decisão anteriormente proferida e, perante as normas acima indicadas, deverá no nosso modesto entendimento, substituir tal Decisão por uma outra, que de acordo com a Lei e o Direito, Ordenasse o decretamento do que havia sido Requerido.
*
O Apelado apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência dos respectivos recursos interpostos.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da existência de nulidade por violação do princípio do contraditório.
- Analisar da invocada nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

- Com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:

(…)
Dispõe o artigo 391°, n° 1 do Código de Processo Civil que "o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor", preceituando o n° 2 do mesmo artigo que "o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção".
O citado preceito legal, contendo a previsão do recurso ao arresto revela, exemplarmente, a índole dos procedimentos cautelares em geral. Com efeito, as providências decretadas no culminar de um procedimento cautelar têm em vista acautelar o efeito útil da acção, mediante a provisória composição dos interesses conflituantes e antes da eventual realização efectiva do direito. Acautelam direitos, não os definem'.
Representando um compromisso assumido pelo legislador entre a segurança e a celeridade decisória, ressaltam do regime dos procedimentos cautelares não especificados dois requisitos fundamentais que, se verificados, podem resultar no decretamento de uma providência cautelar. Em primeiro lugar, o pericu!um in mora, ou seja, o prejuízo acrescido que as delongas na satisfação judicial acarretam para o titular do interesse protegido. Em segundo lugar, o fumus boni iuris, significando que a lei se basta com a mera probabilidade da existência do direito. Daqui resultará, necessariamente, que a decisão do tribunal não se alicerçará em certezas, mas apenas num juízo de verosimilhança.
1 Cfr., neste sentido, se bem que ainda na vigência dos então chamados "meios preventivos e conservatórios", mas com uma argumentação perfeitamente aplicável à lei vigente, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, VaI. I, 3a Ed., p. 51.
Ora, o artigo 3910, na 1 do Código de Processo Civil vem concretizar os supra referidos pressupostos de aplicação, adaptando-os às específicas situações que justificam o decretamento de um arresto. Deste modo, surgem dois pressupostos essenciais que qualquer requerente terá necessariamente de provar: (i) a qualidade de credor; e (ii) o justo receio de perda da garantia patrimonial. E para isso deduzirá factos que tornem provável a existência do crédito e justifiquem o invocado receio de perda da garantia patrimonial (cfr. artigo 3920, na 1 do Código de Processo Civil).

Assim que for decretado, o arresto de bens do eventual devedor constitui uma garantia de que os bens apreendidos à ordem do tribunal e por iniciativa de um credor se irão manter na esfera jurídica daquele devedor até ao momento em que, no processo executivo, seja realizada a penhora e os demais actos que antecedem o pagamento coercivo do crédito. Neste âmbito, e por força da norma remissiva ínsita no na 2 do artigo 391 ° do Código de Processo Civil, podem ser objecto de arresto todos os bens susceptíveis de penhora em processo executivo, com as restrições qualitativas e quantitativas resultantes das normas que regulam aquela diligência executiva.

De acordo com a orientação adoptada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Abril de 2001, e por nós seguida, quanto aos juízos a efectuar na análise da matéria de facto dada por provada nesta matéria, "( ... ) são dois os requisitos para o decretamento do arresto: a provável existência de um crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial para satisfação desse mesmo crédito. ( ... ) No primeiro caso basta um simples juízo de probabilidade da existência do crédito; no segundo, é exigível um juízo de certeza de receio de lesão, isto é, os factos hão-de revelar, numa prudente apreciação, a disposição por parte do devedor de frustrar a garantia patrimonial do credor'". No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2002, veio doutrinar que "quanto ao requisito do «justo receio» da perda da garantia patrimonial, exige-se a prova de factos concretos que revelem estar o devedor a frustrar ou tentar diminuir aquela garantia.

Vejamos o nosso caso.

Nos autos principais, foi proferida sentença, já transitada, a que corresponde o seguinte dispositivo:

((Em face do exposto) julgo a acção proposta por X - Madeiras de Portuga4 U nipessoa4 Lda. contra Y - SOCIEDADE COMERCIAL DE MADEIRAS) Lda.) procedente) por provada) e) consequentemente) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159)52) acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia) à taxa legal aplicável às operações comerciais) até integral e efectivo pagamento.
Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora) parcialmente procedente) por parcialmente provada e) consequentemente) condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582J7) acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento) e ainda) metade da quantia c1!Ja fixação se remete para decisão ulterior nos termos do disposto no artigo 609~ n" 2) do Código de Processo Civi4 e que corresponder aos "usos da praça" nos termos do artigo 4040 do Código Comercial, aplicáveis ao depósito c1!Jas características constam das alíneas k) a m) p) e r) do ponto II. 1.) acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.

Operando-se a compensação) nos termos do artigo 84 r do Código de Processo Civi4 julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582J7 (€ 279.159)52 - € 62.582J7) e no valor que resultar da liquidação supra determinada) condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia) à taxa legal aplicável às operações comerciais) até integral e efectivo pagamento) ou) no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida) exceder o crédito da Autora) condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento).))

A decisão a que pertence o dispositivo reproduzido foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

Da leitura do dipositivo transcrito resulta que entre os créditos das partes se operou a compensação. E tendo-se operado a compensação, nenhuma das partes pode afirmar que detém um crédito líquido sobre a outra parte. Isto sucede porque um dos créditos carece de ser liquidado. Repare-se que o próprio dispositivo aventa a possibilidade de, após a liquidação, a Ré passar a ser credora da Autora a par da possibilidade de a Autora passar a ser credora da Ré. A liquidação vai permitir concretizar a compensação e definir os direitos em termos quantitativos. Só que ainda nenhuma das partes requereu a liquidação.

Mas a iliquidez da obrigação obsta à admissibilidade e decretamento do arresto? Não, não obsta.
No entanto, em face da iliquidez da obrigação, tal como ela resulta da sentença proferida (que operou a compensação), o crédito da aqui requerente é eventual.

Consequentemente, e como forma de ultrapassar a situação, caberia à requerente, nesta sede, alegar factos que demonstrassem que a liquidação da obrigação ilíquida resultaria num saldo positivo a seu favor. Ou seja, seria necessário que a requerente alegasse factos que permitissem ao juiz concluir, se provados, que o direito, depois de liquidado, assumiria a feição de provável ¬requisito exigido para o decretamento da providência requerida.

No entanto, a requerente, quanto à liquidação da obrigação prevista no aludido dispositivo da sentença proferida na acção declarativa, nada alegou. Nada disse ao Tribunal sobre porque é que considera que a liquidação resultará num saldo positivo a seu favor. Se tivesse alegado, sobre tais factos incidiria a prova competente, e, por fim, julgando-se de facto e de direito, o Tribunal concluiria, ou não, pela probabilidade séria de existência do direito. Mas este trabalho, que incumbia à requerente, não foi feito. Esta preferiu, para fundamentar a probabilidade do direito, numa interpretação da sentença proferida nos autos principais que se afigura irrazoável e parcial porque olvida, quer o sentido literal do aludido dispositivo, quer a circunstância de se ter operado a compensação com uma obrigação ilíquida. Não há, pois, atenta aquela decisão de se proceder à cisão do segmento decisório pretendida pela requerente.

Assim, bem se vê a impossibilidade de estes autos cautelares prosseguirem, uma vez que não foram alegados factos que permitam concluir, se provados, que um direito de crédito exista na órbita da requerente. Tal como as coisas foram apresentadas não existe essa probabilidade.

E não havendo essa probabilidade, que careceria de uma quantificação provável, que a requerente não invocou, não é sequer possível avançar para a análise do segundo dos requisitos exigidos para o decretamento do arresto. Só com uma determinada quantia, ainda que quantificada em termos de probabilidade, é que poderemos concluir que existe a disposição por parte do devedor de frustrar a garantia patrimonial do credor, atento o disposto nos artigos 601 ° do Código Civil, 391°, n° 1, e 392°, n° 1, do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 226°, n° 4, alínea b), e 590°, n° 1, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
(…)
Fundamentação de direito.

Como fundamento da nulidade que invoca alega o Recorrente que o tribunal proferiu decisão sem que previamente tenha dado adequado cumprimento ao princípio do contraditório, como devia, razão pela qual terá havido uma omissão, por parte do tribunal, do exercício efectivo deste princípio, a qual é geradora de nulidade da decisão recorrida.

Como fundamento e, em síntese, por Decisão proferida a 10 de Novembro de 2016, confirmada pelo Douto Tribunal da Relação e já transitada em julgado foi a Recorrida condenada a liquidar à Recorrente, a quantia de €279.159,2, acrescida de juros, sendo que, na mesma Decisão, foi a Recorrente e em sede de Reconvenção condenada a liquidar à Recorrida a quantia de €62.582,77, acrescida de juros.

Ora, sucede que após a decisão, confirmada por Acórdão de Relação, a Recorrida deu início à alienação de todo o seu património imobiliário, causa da providencia cautelar de arresto interposta, tendo a Recorrente interposto execução em conformidade com o seu direito e ainda, interposto procedimento cautelar de arresto sobre os bens que a Recorrida pretendia alienar.

Tal procedimento cautelar de arresto foi liminarmente indeferido, não com o fundamento na não verificação daquele por falta de pressupostos processuais que levam ao seu decretamento, mas na suposta inexistência global do direito e do crédito da Recorrente sobre a Recorrida e, assente numa eventualidade futura de que a Recorrida pudesse demonstrar em juízo a existência de um direito sobre a Recorrente e, na eventual hipótese de aquele direito pudesse vir a ser superior ao crédito da Recorrente, o qual já confirmado por Decisão transitada.

E em seu entender de um tal decisão resulta a incerteza, iliquidez, ou até a segurança da ilegibilidade daquele direito da Recorrida, pois que, como aí se refere, não se tendo provado qual das partes que mais lucrou com o depósito, deve ser repartido por ambas o valor do mesmo, não devendo a Autora pagar à Ré mais do que metade do valor que for liquidado posteriormente em quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial.”

Isto porque a mercadoria foi entregue em consignação, e bem assim, porque a Recorrida vendeu a mercadoria, daí obtendo mais valias e retendo tais quantias – incontornável o fim e o contrato, quando em conflito com o contrato de depósito mercantil, mas igualmente, porque cabendo-lhe o impulso processual de tramitar um eventual direito (se é que existe), a negligência da Recorrida, sempre faria transitar o Direito da Recorrente na decisão proferida para a deserção.

Ora, o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 C.P.C.) visa facultar à parte a oportunidade de se pronunciar sobre os pedidos, ou sobre os argumentos, de direito ou de facto, eventualmente formulados pela outra parte, previamente ao do Tribunal, e que tem uma incidência concreta, relativamente a toda e qualquer questão suscitada no processo, procurando evitar as proibidas decisões-surpresa.

É esta a ratio que subjaz ao pensamento que presidiu o legislador aquando da criação da norma jurídica invocada e que justifica que o juiz deva facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso.

O certo é que o Despacho-Sentença sub judice acaba por assumir a natureza, pelo menos para o Recorrente, de decisão surpresa, pois que não foi precedido de um acto, que o mesmo considera legalmente exigível, direccionado ao exercício do contraditório relativamente ao elemento – “do saldo positivo a favor do Recorrente na liquidação” – do qual o Julgador se socorreu para proferir decisão sumária.

O facto de não se ter dado oportunidade ao Recorrente para exercer o contraditório viola também viola também o Princípio da Proporcionalidade ínsito no Estado de Direito Democrático – plasmado no art. 2.º C.R.P. – e, ainda, os Princípios dos direitos fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo – previsto no art. 20.º, n.ºs 1, 2 e 5 da C.R.P. – o que se invoca com as devidas consequências.

E não se poderá sustentar que a nulidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão sobre a matéria em apreço pois que certamente o exercício do contraditório poderia, abstractamente, influenciar a decisão a proferir, sendo que, por tal facto, não foi possibilitado ao Recorrente exercer o seu contraditório, seja quanto à alegada falta de indicação de factos que permitam ao Tribunal concluir sobre o seu saldo positivo do seu direito de crédito sobre a Requerida, aquando da liquidação de sentença, mas também quanto à possibilidade de esclarecer sobre o documento junto sob o n.º 4, da P.I.

Assim, o Tribunal “a quo” ao proferir uma decisão e, ao violar o dever de ficar adstrito ao pedido formulado pelas partes, para impedir que se configurem os conhecidos vícios de decisões, sucumbe na presente Decisão, designadamente ao ter um “entendimento” muito para além do pedido formulado, designadamente o pedido realizado pelo Recorrente.

Pedido a que não corresponde qualquer contrapartida formulada pela Recorrida no âmbito de qualquer compensação, não consubstanciado por falta de concretização dos factos pela sociedade Y, Lda.

Ademais, os limites da decisão devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos da relação processual. É que se chama de limites objectivos e subjectivos da sentença, sendo que, nesse sentido, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objecto diverso do que lhe foi demandado.

Tal falta de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença ou despacho, determinante da invalidade do acto, não constitui uma nulidade stricto sensu mas inexistência jurídica da citada decisão, que é outra forma de invalidade para além da nulidade.

O Recorrente é do modesto entendimento de que a nulidade apontada igualmente afecta o Saneador-Sentença proferido, por excesso de pronúncia, mormente por se ter pronunciado sobre o mérito da causa quando, como entendemos, dele não podia conhecer, atenta a omissão de um acto legalmente previsto que precede a sua prolação.

Atento o exposto, entende também o recorrente que o despacho liminar sentença recorrido padece do vício de excesso de pronúncia, o que configura fundamento de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al.ª d) C.P.C., e que ora se invoca, com as devidas e legais consequências.

Ora, como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. (1)

Destarte, o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

E o exercício efectivo de um tal direito de modo algum pode ser impedido por mais notória, intensa ou ostensiva que se entenda ser a carência de fundamento pertinente, que a todos os títulos tornasse indubitável e imperiosa a conclusão de que, em face dessa notória inexistência de fundamentos juridicamente sustentados e relevantes, nunca o direito que se pretende ver reconhecido o poderia ser efectivamente.

Sobre o sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, entre outros, no Acórdão n.º 259/2000, no qual se escreveu:

“O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras”. (2)

É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 – “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso (...) aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. (3)

E, acrescenta-se no mesmo Acórdão, que “(…) a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa”.

O exercício e a necessidade de concretização deste princípio do contraditório, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente ou tendente a indagar e esclarecer da solidez ou consistência substancial do eventual direito que, através da sua consagração e cumprimento, se pretenda salvaguardar ou exercer.

Ora, conforme se dispõe no artigo 3, nº 3, do C.P.C., “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenha tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”.

O regime plasmado em tal disposição normativa foi justificado no respectivo preâmbulo, nos seguintes termos:

“Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…”

O juiz deve, assim, observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Como refere Lebre de Freitas, “a esta concepção [do princípio do contraditório], válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtilches Gehör germânico, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.” (4)

A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artigo 3º, nº 3, do C.P.C., visa assim, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, assegurar uma discussão dialéctica entre as partes, em ordem a evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/11/2012, numa “razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.

A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.

O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível.

Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito”. (5)

E assim sendo, deferida deve ser pretensão de nulidade, por omissão dessa notificação, pois não foi observada ou cumprida a lei, com prejuízo do dos direitos de defesa da Recorrente.

Acresce que, compulsado o Despacho Liminar-Sentença proferido constata-se que o Julgador, por força de um raciocínio que expende acerca da “alegada falta de demonstração de saldo positivo a favor do Recorrente, na liquidação da sentença”, considerou que, no caso que nos ocupa, “caberia à Requerente, nesta sede alegar factos que demonstrasse que a liquidação da obrigação ilíquida resultaria num saldo positivo a seu favor”

Sucede que do requerimento junto aos autos de processo de execução comum, com a referência citius n.º 29169122, bem como, se encontra patente e donde se retira do documento n.º 4, junto à P.I., resulta um saldo bastante positivo a seu favor do Recorrente.

Contudo, se dúvidas houvesse quanto à alegada titulação do direito de crédito do Recorrente nos termos apresentados pelo Recorrente, sempre deveria o Tribunal a quo convidar o Recorrente a esclarecer o que se julgasse conveniente, pelo que, entende o Recorrente entendimento, só se pode primar por uma decisão sem produção de prova quando dos autos resultem todos os elementos e hipóteses que permitem figurar a acção como um todo.

E assim sendo, o Tribunal deveria ter proferido despacho a providenciar ou pelo suprimento dessas excepções, ou pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos estatuídos no n.º 2 do art. 590.º CPC ou, finalmente, convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões ou concretização da matéria de facto alegada, conforme n.º 4 da mesma norma.

Não tendo assim procedido, foi omitida a prática de um acto prescrito por lei, estando-se, assim, perante o cometimento de uma nulidade processual prevista no n.º 1 do art. 195.º C.P.C., por violação do estatuído nos arts. 3.º, n.º 3, 552.º, e 590.º do mesmo Código, o que aqui se invoca, com as devidas e legais consequências.

Isto considerado e à luz de tudo o exposto parece-nos de todo evidente, sem necessidade de muito aprofundadas considerações, que ao Recorrente assiste inteira razão, havendo um encadeamento ou conexão entre os dois fundamentos invocados como alicerçantes das nulidades que invoca.

Em primeiro lugar, e como e em nosso entender correctamente expende o Recorrente, fundando-se o indeferimento em “alegada falta de demonstração de saldo positivo a favor do Recorrente, na liquidação da sentença”, entendendo-se que “caberia à Requerente, nesta sede alegar factos que demonstrasse que a liquidação da obrigação ilíquida resultaria num saldo positivo a seu favor”, sempre deveria o Tribunal a quo convidar o Recorrente a esclarecer o que se julgasse conveniente, pois que, como igualmente refere, só se afigura processualmente possível, pertinente e adequado o proferimento de uma decisão sem produção de prova quando dos autos resultem todos os elementos e hipóteses que permitem configurar o conhecimento do mérito da acção.

E assim sendo, como de facto é, dúvidas não restam de que o Tribunal deveria ter proferido despacho a providenciar ou pelo suprimento dessas excepções, ou pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos estatuídos no n.º 2 do art. 590.º CPC ou, finalmente, convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões ou concretização da matéria de facto alegada, conforme n.º 4 da mesma norma. ), pelo que, em conformidade com os disposto no artigo 195.º n.º 1 do C.P.C. (novo), incorreu numa nulidade processual, já que, nos termos desse preceito, “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Ora, na presente situação como inequívoco resulta que a omissão da prática deste acto - despacho a providenciar ou pelo suprimento dessas excepções, ou pelo aperfeiçoamento dos articulados - condicionou e comprometeu mesmo o exame e o próprio desfecho da acção, já que foi em razão dessa omissão que determinou o proferimento do despacho indeferimento liminar.

Acresce que, pese embora prejudicada a questão pela já reconhecida nulidade, sempre se dirá que, e sem curar sequer de saber se, como refere o Recorrente, a alegação de saldo positivo terá sido alegada por si de modo suficiente claro e concludente, a entender-se que assim não sucedeu, temos de reconhecer que nos termos a definimos (como decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo), não se tendo fundamentado numa análise dos prossupostos processuais ou substanciais da acção interposta, ela constitui, efectivamente, uma de decisão surpresa, já que não foi precedida de um acto legalmente exigível, direccionado ao exercício do contraditório relativamente ao elemento – “existência de saldo positivo a favor do Recorrente na liquidação – em que assentou a decisão proferida.

Por isso, é manifesto que, tendo configurado a inexistência desse saldo positivo, com processualmente imprescindível se impunha audição do Requerente (pelo menos, senão mesmo o despacho de aperfeiçoamento).

Na verdade, sendo obvia a importância do pronunciamento da parte que poderia vir, como de facto veio, a ser afectada com esta decisão, é também evidente a importância do contributo da própria parte, entendido como garantia de participação efectiva no desenvolvimento de todo o litígio e de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo, tudo para que o juiz venha a tomar a sua decisão com os sempre bem-vindos os contributos das partes, em vista do melhor desempenho da acção da justiça.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, na procedência da Apelação, anula-se o despacho recorrido, determinando-se seja determinado o prosseguimento dos subsequentes termos dos autos.

Sem custas.
Guimarães, 31/ 10/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8.
2. Cfr. Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000, e Acórdão nº 86/88, publicado nos, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.
3. Cfr. Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997).
4. Cfr. Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, página 96)
5. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/11/2012, proferido no processo nº 572/11.4TBCND.C1, in www.dgsi.pt.