Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
293/14.6TBAVV-A.G1
Relator: JOSÉ DIAS CRAVO
Descritores: PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O juiz só poderá indeferir a realização da segunda perícia por considerar a fundamentação insuficiente quando se mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.

II – Saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação em processo comum (Acção de Reivindicação), que Maria, António e M. R. e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de S. R., movem a Manuel e R. R., requereram estes no seu articulado de contestação/reconvenção, entre outras, prova pericial colegial do prédio em litígio, tendo formulado quesitos.

Outrossim requereram os AA. prova pericial colegial no seu articulado de resposta, formulando igualmente quesitos.

Perícia que foi admitida, nos termos requeridos, tendo sido nomeados os Srs. Peritos.

Não tendo as partes procedido ao pagamento dos preparos para a realização da perícia, foi, após a sua audição, convolada a perícia colegial em singular (entendeu-se que a perícia singular, realizada por um só perito, produziria o mesmo efeito, sem onerar demasiado as partes).

Após apresentação do relatório pericial, ambas as partes solicitaram esclarecimentos, o que foi deferido.

Apresentados os mesmos, os RR., classificando-os de “lacónicos, vazios, indiferenciados, pouco rigorosos e em nada esclarecem o Tribunal”, requereram a realização de uma segunda perícia e os AA. vieram constatar que “verifica-se que só foi dada resposta aos esclarecimentos adicionais solicitados pela contraparte”.

Foi então determinado que o Sr. Perito prestasse os esclarecimentos em falta.

Prestados os mesmos, os RR., depois de tecerem considerações críticas sobre a perícia e solicitarem novos esclarecimentos, reiteraram o seu anterior requerimento de realização de uma segunda perícia.

Requerimento de segunda perícia a que se opuseram os AA.

Foi entretanto determinado que o Sr. Perito prestasse os solicitados esclarecimentos.

Acabando o Sr. Perito por vir informar que não compreendia o sentido das questões colocadas pelos RR., sugerindo que todo e qualquer esclarecimento seja prestado em sede de audiência.

Insurgindo-se pela demora do Sr. Perito em dar a lacónica resposta - não compreendia o sentido das questões colocadas pelos RR. -, vieram estes requerer novamente a realização de uma segunda perícia.

Pronunciando-se sobre a requerida segunda perícia, o Mmº Juiz a quo proferiu, em 18-12-2017 o seguinte despacho:

“ (…)
Decorre do disposto no nº 1 do artigo 487º do CPC que “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de dez dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, decorrendo do disposto no nº 3 dessa disposição legal que “A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.”

Ora, nos requerimentos apresentados, mesmo após terem sido convidados a fazê-lo, os réus não alegam qualquer facto que sustente a necessidade de realização de uma segunda perícia, limitando-se a referir que as respostas foram vagas. Ora, ainda que os réus possam concluir pela incompletude das respostas dadas, é certo que em momento algum referem a razão pela qual discordam do relatório. Parece-nos que o senhor perito poderá completar as respostas em sede de audiência, prestando os esclarecimentos que as partes entendam ser convenientes.

Além disso, não podemos ser alheios ao facto de desde há largos meses existirem requerimentos sucessivos das partes, sendo absolutamente necessário que os autos prossigam com o agendamento da audiência de julgamento.
Termos em que se indefere a realização da segunda perícia.
(…) ”.
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Inconformados com esse despacho, os RR. interpuseram recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

1 - Os Recorrentes não se conformam com o douto despacho, proferido em 18.12.2017, com a referência Citius 41886124, o qual indeferiu o pedido dos Réus de realização de uma segunda perícia singular, requerida ao abrigo do disposto nos artigos 487.º e 488.º, do CPC.
2 - Pelo que o presente recurso de apelação é interposto ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d) do CPC.
3 - É do seguinte teor o despacho recorrido:
Ora, nos requerimentos apresentados, mesmo após terem sido convidados a fazê-lo, os réus não alegam qualquer facto que sustente a necessidade de realização de uma segunda perícia, limitando-se a referir que as respostas foram vagas. Ora, ainda que os réus possam concluir pela incompletude das respostas dadas, é certo que em momento algum referem a razão pela qual discordam do relatório. Parece-nos que o senhor perito poderá completar as respostas em sede de audiência, prestando os esclarecimentos que as partes entendam ser convenientes.
4 - Numa primeira apreciação cumpre referir, que salvo lapso pelo qual desde já se penitencia, os aqui apelantes nunca foram notificados no sentido de apresentar as razões da sua discordância e a fundamentação na qual estribavam a necessidade de realização da segunda perícia judicial.
5 - Os recorrentes, por sua iniciativa e por diversas e variadas vezes, requereram a realização de uma segunda perícia em função da insuficiência, inexatidão e omissão de pronúncia verificada pelo Sr. Perito no seu laudo pericial e nos esclarecimentos enviados aos autos posteriormente.
6 - Pois que, pelos recorrentes sempre foram explicados e expressos, nos requerimentos enviados aos autos em 12.09.2016, 31.10.2016, 15.11.2016 e 06.11.2017, acrescido ainda da junção da reportagem fotográfica em 13.11.2017, bem assim da junção do projecto de arquitetura junto pela có Ré – L. V. Lda. [entretanto declarada insolvente], os motivos diretos da discordância em relação ao laudo pericial e informações posteriores, desde logo pelas suas insuficientes e inexactas respostas e esclarecimentos e, por outro lado ainda, pela ausência de resposta aos quesitos formulados pelas partes.
7 - Ora, um dos motivos essenciais da discordância do relatório pericial suscitada pelos Apelantes prende-se, desde logo, com o facto de que o mesmo é e está incompleto, sendo, ademais, insuficiente, quer nos seus termos quer no ajuizamento que faz da realidade conexa com o desenvolvimento dos autos, porquanto e não obstante a junção de projetos de arquitetura, levantamentos topográficos, reportagens fotográficas e quejandos, o Sr. Perito continuou a não dar resposta aos esclarecimentos/dúvidas e incongruências que foram detetadas e suscitadas pelas partes (v.g. sobre onde brota o tubo de exaustão).
8 - Ao que acresce referir que o Sr. Perito esteve, praticamente seis meses sem fornecer qualquer explicação aos autos, e quando deu a sua explicação olvidou-se de responder aos quesitos formulados pelos Autores e, ademais, nesse seguimento os aqui apelantes voltaram a suscitar esclarecimentos sobre o laudo pericial, ao que o Sr. Perito referiu não entender o sentido e alcance das questões colocadas por essoutros, relegando para julgamento a sua explicação e/ou esclarecimento.
9 - Ao que acresce referir, tal como carreado pelos recorrentes para os autos, que o laudo deveria ser completado e complementado, nas suas respostas, porquanto aquando da realização da primeira perícia, não tinha o Sr. Perito todos os documentos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia (v.g. os projetos de arquitetura que foram juntos posteriormente).
10 - A necessidade da realização de uma segunda perícia, a qual foi oportunamente requerida pelos Réus/Apelantes, tendo indicado os motivos da sua discordância em relação à primeira perícia, e os fundamentos pelos quais consideram uma segunda perícia essencial, emerge, desde logo, da necessidade de que o Perito que vier a ser designado analise e responda a todos os quesitos que foram colocados pelas partes, de forma fundamentada e tendo em sua posse todo o acervo documental que faz parte integrante do processo (inclusive a documentação junta aos autos após a realização da primeira perícia, designadamente o projeto de arquitetura junto aos autos pela có Ré, entretanto declarada insolvente L. V. Lda.).
11 - Crê-se, pois, com a devida vénia que o pedido da realização da segunda perícia, se encontra, também, estribado na jurisprudência que emana dos tribunais superiores, permitindo-se chamar à colação o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 675/08.2TBCBR-A.C1, proferido em 12.10.2010, nos termos do qual, no seu sumário, consta o seguinte: “II – Constitui uma alegação fundada das razões da discordância com o resultado dessa primeira perícia – preenchendo, portanto, o ónus indicado em I – a crítica dirigida à fundamentação das asserções presentes na primeira perícia. III – Tal crítica pode traduzir-se numa imputação de falta, insuficiência, ou mesmo de pouca clareza ou de inconsistência, dirigida à fundamentação do juízo pericial expresso na primeira perícia, sendo que em qualquer destes casos, existindo uma alegação fundamentada de razões de discordância com a primeira perícia, haverá que realizar a segunda perícia.” (itálico e sublinhado nosso).
12 - Neste conspecto o juízo de crítica que foi apresentado pelos Réus, aqui recorrentes, encontra-se vertido nos requerimentos que apresentaram nos autos em 12.09.2016, 31.10.2016, 15.11.2016 e 06.11.2017, quer em relação ao laudo pericial e seus esclarecimentos posteriores que foram apresentados (ainda que extemporaneamente) pelo Sr. Perito.
13 - Nos requerimentos apresentados nos autos, em que foi requerida a realização e renovado tal pedido, foram sempre apontadas as razões da discórdia em relação ao laudo pericial e seus esclarecimentos, pois que, as respostas fornecidas pelo Sr. Perito, eram vagas e inconclusivas, e apenas apresentavam um juízo de concordância e/ou discordância quando tais questões deveriam, e deverão ser objeto de profunda sindicância por um técnico nomeado nos autos que explique o quid da resposta.
14 - Ora, de todo o modo, o Tribunal a quo decidiu indeferir o pedido de realização de segunda perícia singular, demonstrando que a parte não teria fundamentado de forma fundada as razões da sua discordância em relação ao laudo pericial, na consideração, porém de que o Sr. Perito poderia dilucidar as questões sobre as quais existe controvérsia em sede de julgamento.
15 - Ora, com tal posição não podem os recorrentes assentir na medida em que, sendo necessária a presença do Sr. Perito em juízo, o certo é que as insuficiências e as dúvidas suscitadas em sede de relatório pericial e posteriores esclarecimentos em nada se esgotarão com a explicação que possa ser fornecida em tribunal, relembrando-se, outrossim, no que último esclarecimento enviado aos autos pelo Sr. Perito o mesmo refere não ter percebido as questões/esclarecimentos suscitados pelos Réus.
16 - Pelo exposto a condição de presença do Sr. Perito em juízo, em sede de audiência de discussão e julgamento, não é substituível ao meio de prova requerido pelos aqui Recorrentes, ou seja, a realização de uma segunda perícia, nem tal pode subsistir como motivo justificativo para o afastamento da realização desta nova diligência de prova, pois que, tal como já atestado jurisprudencialmente: “A segunda perícia, dado que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e por finalidade a correcção da eventual inexactidão dos resultados desta, é, simplesmente, a repetição da primeira (artº 589º, nº 3 do CPC) ”.
17 - Seguindo, ainda, na peugada do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 24.04.2011, no âmbito do processo n.º 4857/07.6TBVIS.C1, continua referindo que: “O que justifica a segunda perícia é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos que já foram apreciados. Parte-se do princípio que o primeiro perito ou os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque não se considera convincente o parecer obtido na primeira perícia é que se lança mão da segunda.” (itálico e sublinhado da nossa lavra).
18 - Ora, compulsados os autos e fazendo jus ao doutamente ensinado naquele aresto jurisprudencial, vemos que a necessidade de realização da segunda perícia urge, outrossim, da necessidade de esclarecer, verter líquido e intacto o resultado de uma análise técnica que permita uma satisfação plena e indubitável aquando da apreciação dos factos e do objeto sobre o qual a perícia incidiu, o que, por ora, e com o relatório apresentado nos autos, não se verifica.
19 - Ante o exposto, a realização de segunda perícia judicial reveste-se de tal forma essencial aos autos que sem a mesma, poderão as partes em litígio continuar com as dúvidas/incertezas decorrentes da apreciação do primeiro laudo pericial, o que em nada é configurável é compaginável com os fins e propósitos da Justiça.
20 - Assim, ao decidir como decidiu, ou seja, ao indeferir a realização da segunda perícia, o Tribunal a quo, com base nas razões supra apontadas, está a coartar a possibilidade de obtenção de um novo meio de prova que, não obstante o objecto ser o mesmo da primeira perícia, permitirá às partes (aos recorrentes certamente assim o é) um cabal esclarecimento sobre todas as insuficiências de que está inquinada a primeira perícia.
21 - E tal é tanto mais justificável, porquanto a não realização de Segunda Perícia singular, conforme requerida, poderá ser susceptível de influenciar a decisão da causa (porque a primeira perícia é insuficiente e insatisfatória) o que constitui nulidade que inquina os termos subsequentes ao despacho que a indeferiu.
22 - Termos em que, e sempre com o devido merecimento, andou mal o Venerando Tribunal a quo ao não ordenar a realização de uma segunda perícia singular, a qual, permitindo-se e ordenando-se a sua realização teria a aptidão de dilucidar as partes e o douto tribunal de todas as insuficiências, erros, inexatidões e omissões em que recaiu a primeira perícia singular realizada nos autos.
23 - Terminando, é patente que o douto despacho recorrido, violou, as normas previstas nos artigos 195.º, 487.º, n.º 1 e 488.º, do CPC e, portanto deverá ser revogado e extraído da ordem jurídica, ordenando-se à primeira instância a realização da segunda perícia singular, com o mesmo objecto da primeira, seguindo-se os demais termos previstos no artigo 488.º do CPC e, consequentemente, anulando-se tudo o que vier a ser processado posteriormente ao despacho recorrido.
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POR TODOS OS TERMOS EXPOSTOS, E EM TODOS OS MAIS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS, SÁBIOS E ILUSTRES DESEMBARGADORES, PROVIRÃO PELO SEU CONHECIMENTO, ADENTRO DA MAIS ELEVADA SAPIÊNCIA E RIGOR JURÍDICO, DEVEM AS ALEGAÇÕES APRESENTADAS PELOS RECORRENTES MERECEREM TOTAL PROVIMENTO E, POR CONSEGUINTE, DEVERÁ ALTERAR-SE O DESPACHO RECORRIDO, POIS SÓ ASSIM SE REALIZARÁ O DIREITO, FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA!
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 18 de Dezembro de 2017 que indeferiu a realização da segunda perícia.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Está aqui em causa a reapreciação do despacho de 18 de Dezembro de 2017 que indeferiu a realização da segunda perícia.

É o seguinte o teor do art. 487º do CPC, cuja epígrafe é “Realização de segunda perícia”:

1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.

É invocado no despacho que indeferiu a requerida segunda perícia que nos requerimentos apresentados, mesmo após terem sido convidados a fazê-lo, os réus não alegam qualquer facto que sustente a necessidade de realização de uma segunda perícia, limitando-se a referir que as respostas foram vagas, (…) Parece-nos que o senhor perito poderá completar as respostas em sede de audiência, prestando os esclarecimentos que as partes entendam ser convenientes. Além disso, não podemos ser alheios ao facto de desde há largos meses existirem requerimentos sucessivos das partes, sendo absolutamente necessário que os autos prossigam com o agendamento da audiência de julgamento.
Com o que discordam os recorrentes, desde logo por nunca terem sido notificados no sentido de apresentar as razões da sua discordância e a fundamentação na qual estribavam a necessidade de realização da segunda perícia judicial, entendendo ser a primeira perícia insuficiente e insatisfatória.
Quid iuris?

Diga-se, antecipando desde já a decisão, que os apelantes têm razão.

Com efeito, não existiu qualquer convite aos RR. para fundamentarem a necessidade de realização da segunda perícia e são as partes alheias à não prossecução dos autos com a celeridade que o tribunal a quo preconiza no despacho que indeferiu a segunda perícia, já que é ao juiz que cumpre o dever de gestão processual (cfr. art. 6º do CPC).
Conforme resulta dos autos, os recorrentes requereram prova pericial do prédio em litígio, tendo formulado quesitos, o que foi secundado pelos recorridos.

Após a apresentação do relatório foram requeridos esclarecimentos.

Na sequência destes, os RR., classificando-os de “lacónicos, vazios, indiferenciados e pouco rigorosos e em nada esclarecem o Tribunal”, com os motivos por si indicados, requereram a realização de uma segunda perícia, o que acabou por ser indeferido, depois de tal requerimento ser reiterado por mais duas vezes e terem sido solicitados mais esclarecimentos que acabaram por não ser prestados.

O relatório pericial é notificado às partes; se estas entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações, o que dá lugar à prestação de esclarecimentos (cfr. art. 485º/2 do CPC).

A reclamação contra o relatório e o requerimento de segunda perícia têm objectivos diversos. A reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar o perito que o elaborou a completá-lo ou a esclarecê-lo.

A segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam (cfr. art. 487º/3 do CPC).

No caso, os recorrentes requereram a realização de outra perícia por outrem.

Os recorrentes requereram tempestivamente a segunda perícia e alegaram fundadamente, na sua perspectiva, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

É certo que pode ocorrer, face à fundamentação apresentada para a segunda perícia, que surja um estado de dúvida que se coloca ao juiz, resultante do facto de não ser possível saber se as razões invocadas para pedir a segunda perícia se confirmarão ou não. Tal só será possível saber conhecendo o resultado da segunda perícia.
Deste modo, este estado de dúvida é suficiente para justificar a segunda perícia, pois a existência da dúvida mostra que a perícia já feita não a dissipa.

Com efeito, a lei processual civil, no nº 1 da norma em causa, apenas se reporta a “alegação fundamentada das razões da discordância” do requerente, não impondo que estas sejam, ainda, razões de “convencimento” do próprio Tribunal, tendo sempre a segunda perícia por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (nº 2 do art. 487º), para além de que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (art. 489º do CPC). A segunda perícia é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação(1).

Por outro lado, dada a natureza da matéria, o juiz só poderá considerar a fundamentação insuficiente quando mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.

Ora no caso entendeu-se que não houve fundamentação no requerimento da segunda perícia, o que não corresponde à realidade, conforme consta do requerimento.

A questão que se coloca é a de saber se os fundamentos e razões invocadas têm razão de ser; mas tal não é fundamento de indeferimento (2).

Aliás, o próprio despacho recorrido não aprofundou as razões apresentadas no requerimento, praticamente se limitando a indeferi-lo recorrendo a expressões tabelares e sem analisar em concreto os seus termos por referência ao teor do relatório pericial e em vista do objecto fixado.

Estando reunidos os requisitos exigidos pelo art. 487º/1 do CPC, a segunda perícia (que não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal), devia ter sido admitida.

Procede, deste modo, o recurso, devendo os autos prosseguir com a realização da segunda perícia.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – O juiz só poderá indeferir a realização da segunda perícia por considerar a fundamentação insuficiente quando se mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.
II – Saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos RR., e consequentemente revogar a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos com a realização da segunda perícia.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 27-09-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Neste sentido, cfr. Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Março de 2015, Almedina, pág. 151 e Ac. da RG de 22-06-2010, proc. nº 1282/06.0TBVCT-A, acessível em www.dgsi.pt.
2.Neste sentido, cfr. Acs. desta relação de 6-02-2014 e 14-04-2016, respectivamente nos procs. nºs. 2847/05.2TBFAF-A.G1 e 2258/14.9T8BRG-B.G1, acessíveis em www.dgsi.pt.