Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
405/18.0GAEPS.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: CRIME DE FALSAS DECLARAÇÕES
ACIDENTE DESPISTE AUTOMÓVEL
DECLARAÇÃO FALSA
CONDUTOR DO VEÍCULO
ELEMENTOS TÍPICO DO ILÍCITO
ARTº 348-A
Nº 1
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Para efeitos da previsão do crime de falsas declarações (art.º 348º-A, C.P.), alguém intitular-se falsamemte como condutor de um veículo integra a previsão do referido crime.
2 - Com efeito, a referida condição integra-se no conceito de qualidade do agente, a que a lei atribui efeitos jurídicos.
Decisão Texto Integral:
Proc.º 405/18.0GAEPS.G1

1 – Relatório

Por sentença proferida nestes autos em 3 de Maio de 2 019, foi o arguido A. B. condenado pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 348º-A, n.º 1), C.P., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 7€ (sete euros), num total de 840€ (oitocentos e quarenta euros).

Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso o arguido Apresentou, no mesmo, as seguintes conclusões:

1- O arguido não cometeu o crime de falsas declarações punido e previsto pelo artigo 348-A do Código Penal.

2- Não colocou ninguém em perigo, pois como já afirmou encontrava-se com o veículo imobilizado.

3- Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do
artigo 1º nº1 do Código Penal.

4- Consideramos incorretamente julgada a decisão sentenciada pelo tribunal “a quo” .

5- A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127º do Código de Processo Penal. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efetivamente produzida, mormente pelas declarações das testemunhas de acusação.

6- O Acórdão recorrido viola os princípios do artigo 1º nº1 do código penal, princípio da legalidade, devendo pois, ser a única decisão, a absolvisão.

7- O facto de o Arguido ter prestado declarações em sede de audiência de julgamento, e as mesmas terem sido utilizadas como suporte para o incriminar, viola o principio da livre apreciação da prova, na medida em que só foram valoradas na parte em que o poderiam incriminar.

8- O facto de o Arguido ter prestado declarações em sede de Audiência e Julgamento, e ter afirmado que presenciou os factos descritos na acusação, não pode levar a que seja presumida a sua participação como co- autor, até porque o mesmo afirmou veementemente a sua inocência.”

O M.P. contra-alegou. Entende que os factos foram corretamente fixados e que o arguido mentiu quanto a uma “qualidade” – a de condutor do veículo acidentado, pelo que terá cometido o crime imputado. Considera pois, que deve ser negado total provimento ao recurso.

Já neste Tribunal da Relação teve vista no processo o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que aderiu à resposta dada antes pelo M.P., mais referindo que o recorrente é genérico quanto à impugnação da matéria de facto, não cumprindo os legais ónus de impugnação. Entende ainda que o ser ou não condutor do veículo acidentado constitui uma qualidade do agente nos termos do disposto no art.º 348º-A, C.P., pelo que o arguido foi corretamente condenado pelo crime de falsas declarações. Considera pois que o recurso não merece provimento.
Notificado o arguido para responder (art.º 417º/2 C.P.P.), este não o fez.
O recurso vai ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos

Para uma melhor apreciação da matéria em causa nos autos, transcrever-se-á de seguida a decisão em causa nos autos:
“SENTENÇA

I - Relatório

Para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, foram pronunciados:

A. B., casado, filho de R. B. e de M. A., nascido em - de Julho de 1974, natural de …, Esposende, residente na Praceta ..., Esposende, titular do cartão de cidadão nº ……,

C. B., solteiro, filho de A. B. e de S. L., nascido em - de Setembro de 1997, natural de, residente na Praceta ..., Esposende, titular do cartão de cidadão nº ……

Foi imputado aos arguidos A. B. e C. B., em co-autoria material e na forma consumada, a prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artigo 348º-A, nº 1, do Código Penal.
*
Os arguidos não deduziram contestação escrita.
*
Realizou-se audiência de julgamento com observância do pertinente formalismo legal.
*
Depois de proferido o despacho a que alude o art. 311.º do Código de Processo Penal, mantiveram-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, nada obstando à decisão do mérito da causa.

I – Fundamentação de Facto

Factos provados

1) No dia 16 de Junho de 2018, entre as 23.10 h. e as 23.20 h., em Esposende, o arguido C. B. conduziu na via pública o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, cor vermelha, de matrícula AV, mais concretamente na Avenida ..., tendo-se despistado e sofrido um acidente.
2) Porquanto o arguido C. B. havia ingerido bebidas alcoólicas e, tendo receio que ao ser sujeito ao teste de álcool pelas autoridades acusasse uma taxa de álcool no sangue que viesse a acarretar para si uma sanção contra-ordenacional ou criminal, encontrando-se ainda no período de regime probatório da sua carta de condução, de imediato contactou telefonicamente com o arguido A. B. a quem deu conta do estado em que se encontrava e que tinha sido interveniente em acidente de viação, e acordou com o mesmo um plano, o qual foi aceite pelo arguido A. B., segundo o qual, o arguido A. B. assumiria ser o condutor da viatura perante as autoridades policiais.
3) Assim e na execução do aludido plano, o arguido A. B. de imediato se deslocou ao local do acidente, ali aguardando pela chegada da GNR, enquanto o arguido C. B. se ausentou para parte incerta.
4) m virtude do aludido acidente, deslocou-se ao local o militar B. R., Guarda da GNR, o qual se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, a fim de tomar conta da ocorrência.
5) Quando o militar da GNR B. R. aí se encontrava, o arguido A. B., perante esse militar, com vista a ser elaborada a participação de acidente de viação, declarou ser ele o condutor da viatura de matrícula AV nas circunstâncias descritas em 1º.
6) Em virtude das informações prestadas pelo arguido A. B., o militar da GNR B. R. elaborou a participação de acidente de viação com o nº de registo G0002799/18.220030353, onde fez constar como condutor da viatura de matrícula AV, nas circunstâncias descritas no artigo 1º, o arguido A. B., o qual forneceu todos os respectivos elementos de identificação em conformidade.
7) O arguido A. B. assinou ainda pelo seu punho a declaração de fls. 17, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, onde o mesmo declarou que na qualidade de condutor do veículo de matrícula AV, nas circunstâncias de tempo e lugar descritos em 1º, “circulava na Avenida ... em direcção (centro) quando fiquei sem travões na viatura e me despistei”.
8) O arguido A. B. prestou declaração falsa perante militar da GNR, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, ao afirmar que era o condutor da viatura de matrícula AV, nas circunstâncias descritas supra no artigo 1º, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que tal afirmação resultava apenas da combinação que fez com o arguido C. B., descrita no artigo 2º, com vista a evitar que este fosse alvo de fiscalização rodoviária.
9) Os arguidos A. B. e C. B. agiram de forma concertada e em comunhão de esforços, com a intenção concretizada de declarar perante autoridade pública, a fim deste exarar em documentos, mormente na participação de acidente de viação, que o condutor do veículo nas circunstâncias descritas em 1º, era o arguido A. B., bem sabendo que tal facto não correspondia à verdade e que a lei atribuía efeitos jurídicos a tal declaração.
10) Agiram ainda de forma concertada e em comunhão de esforços, com o propósito de levar aquele militar a elaborar a participação de acidente de viação com dados falsos sobre a identidade da pessoa que realmente exercia a qualidade de condutor, e assim evitar que o arguido C. B. viesse a ser submetido a fiscalização legal.
11) Agiram ambos os arguidos sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
12) O arguido A. B. é casado.
13) É motorista de pesados e aufere o salário mensal de € 900,00.
14) Vive em casa da irmã, com um filho de 21 anos – o arguido C. B. -, uma filha de 11 anos de idade, a mãe e a irmã.
15) Completou o 6º ano de escolaridade.
16) O arguido C. B. é solteiro.
17) Encontra-se desempregado.
18) Vive em casa da tia, com esta, a avó, uma irmã de 11 anos de idade e o pai – o arguido A. B..
19) Completou o 12º ano de escolaridade.
20) Dos certificados de registo criminal dos arguidos nada consta.
*
III - Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento, designadamente;
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Antes de mais, importa sublinhar que quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, vide RICCI BITTI/BRUNA ZANI, A comunicação como processo social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997).
O juiz deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber (vide Acórdão de 17 de Janeiro de 1994, publicado na revista Sub Judice, nº6-91).
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.
Obviamente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, desde logo, como decorrência do disposto no artigo 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o princípio da livre apreciação das provas, previsto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.
Cumpre, ainda, salientar, na sequência do que vem de expor-se, que a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano.
A vivência social e conhecimento da realidade, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem.
Outro sistema, que não este, que tem consagração no já referido princípio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça.
Deste modo, a matéria de facto tida como provada pelo tribunal resultou da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros vindos de referir.
Desde logo, teve-se em conta o depoimento circunstanciado e que se afigurou credível das testemunhas A. Z. e B. C., que, de forma circunstanciada, desinteressada e credível descreveram como na data dos factos estavam a passar de carro na EN13 na altura em que o veículo que estava a ser conduzido pelo arguido C. B. sofreu um acidente. Pararam, por serem bombeiras, tendo ido perto do veículo onde se encontrava C. B., como condutor, para oferecer assistência, assistência essa que foi recusada pela outra ocupante do veículo.
Presenciaram a chegada do arguido A. B., num carro branco, cuja matrícula neste momento já não se recordavam, que junto da GNR veio a assumir ser o condutor do veículo acidentado. A testemunha A. Z. não se recordava do momento em que o arguido C. B. se ausentou, e a testemunha B. C., afirmou ter visto o arguido C. B. a ausentar-se no mesmo carro branco em que apareceu o arguido A. B., tendo o arguido C. B. vindo a aparecer novamente mais tarde, no local do acidente. Ouviu, ainda, a testemunha B. C. um indivíduo a dizer ao arguido C. B. para ligar ao pai, porque este não tinha carta.
As testemunhas, ao verem que quem se identificava como condutor não tinha sido efectivamente o condutor do veículo no momento do acidente, informaram a GNR que não era aquele o condutor, mas o arguido C. B..
A testemunha A. Z. referiu apenas conhecer o arguido C. B. de nome e de vista, e o arguido A. B. de vista, de os ver em Esposende, e a testemunha B. C. afirmou apenas ter visto os arguidos na data dos factos, ou seja, nenhuma das testemunhas tem qualquer interesse na causa e em vir apresentar um depoimento não coincidente com a realidade. Pelo contrário, depuseram de forma segura e desinteressada, tendo o seu depoimento sido valorado.
Considerou-se o depoimento credível do militar da GNR B. R., que corroborou o depoimento das testemunhas anteriormente referidas, no sentido de ter sido por estas abordado e por elas informado no sentido de que o condutor do veículo acidentado não era o arguido C. B. mas o arguido A. B., que naquele momento se estava a apresentar como o condutor de tal veículo. A testemunha insistiu junto de A. B., perguntando-lhe se era mesmo ele o condutor e, perante a confirmação de que era, fez exarar tais informações na participação de acidente de viação junto aos autos. Avistou o arguido C. B. no local, que aparentava estar embriagado, pela forma como cambaleava.
Recorda-se, ainda, de lhes ter sido dito pelas testemunhas A. Z. e B. C. que viram o condutor do veículo acidentado a pegar no telemóvel e a ligar para alguém, tendo o arguido A. B. chegado passado algum tempo, num veículo branco, que sabiam ter as letras OM na matrícula, tendo sido nesse veículo que o arguido C. B. se ausentou, tendo vindo a aparecer no local do acidente mais tarde, estando a testemunha presente. Quando o arguido C. B. regressou em tal veículo, as testemunhas A. Z. e B. C. disseram à testemunha que era o mesmo veículo em que aquele se tinha ausentado, tendo a testemunha feito exarar a matrícula completa desse veículo no auto de notícia.
Por outro lado, o arguido apresentou a sua versão, segundo a qual era o condutor do veículo de matrícula AV, tendo-o feito em moldes que não mereceram qualquer credibilidade, face à prova testemunhal considerada credível, anteriormente referida, e face ao teor das suas próprias declarações.
Com efeito, por um lado o arguido referiu não se recordar de em algum momento ter chegado uma ambulância, ao contrário do referido pelas testemunhas A. Z. e B. C., o que seria fácil de recordar se, efectivamente, estivesse no local no momento em que tal sucedeu. Referiu ter sido abordado por três pessoas, de nome S. L., T. e Rita, que seriam ocupantes do veículo que seguia atrás de si imediatamente antes do acidente, que lhes deram o seu contacto logo no dia dos factos. Tais nomes constaram efectivamente no rol de testemunhas apresentado pelos arguidos, mas vieram a ser prescindidas, não tendo vindo a testemunhar o que, aparentemente, seria fácil e no interesse do arguido de o fazer, se, efectivamente, tivessem presenciado o acidente e a condução do arguido no veículo acidentado. Num primeiro momento do seu depoimento i arguido relatou que não se aproximou ninguém do veículo acidentado para além dos três indivíduos que referiu e apenas no decurso do mesmo já veio a admitir que por ali também passaram duas pessoas que disseram ser socorristas, tendo este respondido “o condutor sou eu”, o que representa uma resposta completamente fora do contexto perante quem ali se apresentava a prestar auxílio.
Por outro lado, numa versão não credível segundo as regras da experiência comum, teria pedido à pessoa de nome S. L., que não conhecia, para ir buscar outra viatura onde o arguido tinha os seus documentos, e esta ter-se-ia deslocado a pé até à residência do arguido, que fica a cerca de 2 km e, aí, encontrado o seu filho C. B., aqui igualmente arguido, tendo sido aquela, uma estranha, a conduzir tal veículo até ao local onde o arguido se encontrava.
Lidas as declarações prestadas pelo arguido em sede de inquérito, a fls. 29, incorreu o mesmo em contradição, na medida em que anteriormente afirmara que a “S. L.” teria ido a sua casa buscar os documentos, mas desta feita de carro, acompanhada com o “T.”.
Não se considera minimamente credível que tenham existido tais testemunhas a que o arguido se refere, porque nem sequer foram por si mencionadas ao Guarda para elaboração do auto de notícia, nem foram por si indicadas nas declarações para elaboração da participação do acidente.
Do cotejo de toda a prova, não tem o tribunal qualquer dúvida, para além do acto de condução do veículo de matícula AV pelo arguido C. B., que perante o facto do arguido C. B. ter ingerido bebidas alcoólicas e, tendo receio que ao ser sujeito ao teste de álcool pelas autoridades acusasse uma taxa de álcool no sangue que viesse a acarretar para si uma sanção contra-ordenacional ou criminal, e porque se encontrava ainda no período de regime probatório da sua carta de condução (era titular de licença de condução de veículos ligeiros desde o início de 2018), veio a contactar telefonicamente com o arguido A. B., combinando entre ambos que este se identificaria como o condutor do veículo AV.

Considerou-se, ainda, o auto de notícia de fls. 4 a 6, a participação de acidente de viação de fls. 12 a 14 e 16, a declaração de fls. 17, a informação do IMT de fls. 44, os prints de fls. 46 a 48 e os certificados de certificados de registo criminal juntos aos autos.
*
Enquadramento jurídico

Do crime de falsas declarações

Dispõe o art.º 348.º A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal o seguinte:

“1. Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa.”

No caso concreto, provou-se que no dia 16 de Junho de 2018, entre as 23.10 h. e as
23.20 h., em Esposende, o arguido C. B. conduziu na via pública o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, cor vermelha, de matrícula AV, mais concretamente na Avenida ..., tendo-se despistado e sofrido um acidente.
Porquanto o arguido C. B. havia ingerido bebidas alcoólicas e, tendo receio que ao ser sujeito ao teste de álcool pelas autoridades acusasse uma taxa de álcool no sangue que viesse a acarretar para si uma sanção contra-ordenacional ou criminal, encontrando-se ainda no período de regime probatório da sua carta de condução, de imediato contactou telefonicamente com o arguido A. B. a quem deu conta do estado em que se encontrava e que tinha sido interveniente em acidente de viação, e acordou com o mesmo um plano, o qual foi aceite pelo arguido A. B., segundo o qual, o arguido A. B. assumiria ser o condutor da viatura perante as autoridades policiais.
Assim e na execução do aludido plano, o arguido A. B. de imediato se deslocou ao local do acidente, ali aguardando pela chegada da GNR, enquanto o arguido C. B. se ausentou para parte incerta.

Em virtude do aludido acidente, deslocou-se ao local o militar B. R., Guarda da GNR, o qual se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, a fim de tomar conta da ocorrência.
Quando o militar da GNR B. R. aí se encontrava, o arguido A. B., perante esse militar, com vista a ser elaborada a participação de acidente de viação, declarou ser ele o condutor da viatura de matrícula AV nas circunstâncias descritas em 1º.
Em virtude das informações prestadas pelo arguido A. B., o militar da GNR B. R. elaborou a participação de acidente de viação com o nº de registo G0002799/18.220030353, onde fez constar como condutor da viatura de matrícula AV, nas circunstâncias descritas no artigo 1º, o arguido A. B., o qual forneceu todos os respectivos elementos de identificação em conformidade.
O arguido A. B. assinou ainda pelo seu punho a declaração de fls. 17, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, onde o mesmo declarou que na qualidade de condutor do veículo de matrícula AV, nas circunstâncias de tempo e lugar descritos em 1º, “circulava na Avenida ... em direcção (centro) quando fiquei sem travões na viatura e me despistei”.
O arguido A. B. prestou declaração falsa perante militar da GNR, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, ao afirmar que era o condutor da viatura de matrícula AV, nas circunstâncias descritas supra no artigo 1º, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que tal afirmação resultava apenas da combinação que fez com o arguido C. B., descrita no artigo 2º, com vista a evitar que este fosse alvo de fiscalização rodoviária.
Conforme refere António Latas, in “As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 19/2013 de 21 de Fevereiro”, Revista do CEJ nº 1, 2004, págs. 55-103, a doutrina e jurisprudência desempenham “um papel importante na definição precisa dos respetivos elementos típicos, nomeadamente em função das situações que nos diversos domínios da atividade administrativa do Estado possam a convocar a aplicação do novo tipo penal.”
O legislador concebeu o novo crime de falsas declarações exclusivamente como um crime de perigo abstracto, na medida em que a efectiva lesão do bem jurídico protegido – a autonomia intencional do Estado – ou a sua concreta colocação em perigo não integra o tipo legal. E, continua o Autor, “no que respeita ao elemento objetivo do tipo, qualquer pessoa que emita declaração ou ateste sobre algum dos factos referidos no tipo pode ser seu agente., mas a Lei limita os respetivos destinatários às categorias de intervenientes passivos referidos no art. 348º-A, ou seja, autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, circunstância esta que gera uma especial força probatória para a declaração.” (…)
“Está em causa, pois, desde logo, a tutela da integridade da função administrativa nas suas diversas manifestações e da capacidade funcional da administração, exercida em conformidade com as exigências de legalidade e objetividade que num Estado de Direito devem presidir às funções públicas. Ao declarar ou atestar falsamente identidade, estado ou outra qualidade própria ou de terceiro, o agente induz a autoridade ou funcionário a quem se dirige a praticar ato objectivamente viciado nos seus pressupostos, pondo em causa a própria administração e a sua imprescindibilidade para a realização ou satisfação de finalidades fundamentais, indispensáveis em qualquer sociedade organizada.
(…) está em causa o estado ou outra qualidade em que o próprio ou outra pessoa é tomada pela lei para determinado efeito jurídico (v.g. estado civil, nacionalidade, residência, maioridade, ser proprietário), o que não se confunde com afirmações do agente sobre factos concretos que não correspondam necessariamente àquelas qualidades típicas, ainda que deles, juntamente com outros, possam retirar-se conclusões sobre as mesmas.”

Veja-se, a propósito, o Acórdão da Relação de Évora de 16-06-2015, sobre situação factual semelhante à dos presentes autos, e que aqui seguimos de perto:

Atentando na factualidade que vem descrita no requerimento do MºPº, temos que os arguidos não prestaram ao militar da GNR que estava a tomar conta da ocorrência declarações inverídicas acerca da identidade da pessoa que afirmaram/confirmaram ser o condutor da viatura interveniente no acidente de viação. Mas afirmaram/confirmaram que se tratava de pessoa diferente daquela que estava a conduzir tal viatura antes do acidente. Ou seja, produziram afirmações falsas acerca de uma qualidade – a de condutor da viatura, à qual a lei atribui efeitos jurídicos, nomeadamente quanto à necessidade de habilitação legal para o exercício da condução, à obrigação de sujeição a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas e eventual responsabilidade criminal pela prática de crimes no exercício da condução – atribuindo-a a um deles, quando sabiam perfeitamente que não era esse, mas sim um outro, o condutor da viatura. Tudo de forma concertada e com o claro propósito de levar aquele militar a elaborar o auto de notícia e a participação de acidente com dados falsos sobre a identidade da pessoa, não da pessoa que ali ficou a constar como sendo o condutor da viatura, mas sim acerca de quem exercia realmente a condução, e evitar, como veio a suceder, que esta viesse a ser submetida a fiscalização legal e a sofrer eventuais consequências advenientes da prática de alguma infracção/crime em que pudesse ter incorrido.”

Do mesmo modo, provou-se que os arguidos A. B. e C. B. agiram de forma concertada e em comunhão de esforços, com a intenção concretizada de declarar perante autoridade pública, a fim deste exarar em documentos, mormente na participação de acidente de viação, que o condutor do veículo nas circunstâncias descritas em 1º, era o arguido A. B., bem sabendo que tal facto não correspondia à verdade e que a lei atribuía efeitos jurídicos a tal declaração.
Agiram ainda de forma concertada e em comunhão de esforços, com o propósito de levar aquele militar a elaborar a participação de acidente de viação com dados falsos sobre a identidade da pessoa que realmente exercia a qualidade de condutor, e assim evitar que o arguido C. B. viesse a ser submetido a fiscalização legal.
Agiram ambos os arguidos sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Deste modo, praticaram os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada, o crime de falsas declarações por que vêm acusados.
*
IV - Determinação e medida da pena

Quanto à determinação da pena a aplicar, importa, antes de mais, ter presente a norma do art. 70.º do Código Penal: - «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Realizado pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora proceder à determinação da natureza e medida das sanções a aplicar.
No caso em apreço, as exigências de prevenção geral impõe-se de forma relevante.
Relativamente às necessidades de prevenção especial, diremos que as mesmas não assumem especial relevo, tendo em conta que os arguidos são primários.
Face ao exposto, e tudo ponderado, cremos que não se justifica recorrer à ultima ratio do sistema penal, optando-se pela aplicação de uma pena de multa relativamente a ambos os arguidos.
*
Importa agora concretizar a medida da pena a aplicar aos arguidos.

Conforme dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal para determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, deve o julgador atender à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial. Para tal operação deverão ainda ser atendidas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, disponham a favor ou contra o arguido (n.º 2), elencando a lei, a título meramente exemplificativo, algumas dessas circunstâncias.
A moldura abstracta do crime de falsas declarações é de pena de multa entre 10 e 360 dias de multa – cfr. artigos 348.º-A, nº 1, 41, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal.

Atendendo às considerações tecidas quanto às exigências de prevenção geral e especial positivas e, ainda, a que:

- o grau de ilicitude se situa num plano médio;
- o dolo dos arguidos foi directo, tendo actuado com a forma mais grave de culpa;
- a inexistência de antecedentes criminais.

A favor do arguido C. B. milita o facto de ser ainda jovem e encontrar-se familiarmente inserido.
A favor do arguido A. B. milita a correcta inserção profissional e familiar.
Assim, entendo ser de aplicar aos arguidos A. B. e C. B. a pena concreta de 120 (cento e vinte) dias de multa, pena adequada à culpa dos arguidos e que satisfaz, simultaneamente, as referidas necessidades de prevenção.
Cotejadas as suas condições sócio-económicas e familiares e encargos pessoais, critérios que se impõe chamar à colação na fixação da taxa diária a aplicar, nos termos do previsto no art. 47º do Código Penal, entende-se ser justo e adequado fixar a taxa diária ao arguido A. B. o montante de 7,00 (sete euros) e ao arguido C. B. o montante de € 5,00 (cinco euros).
O que importa, para o arguido A. B., uma pena de multa no montante global de € 840,00 e, para o arguido C. B., uma pena de multa no montante global de € 600,00.
*
V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar provados os factos constantes da acusação pública e, em consequência:

a) Condenar o arguido A. B., em co-autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de falsas declarações, p. p. pelo art. 348º-A, nº 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 euros, no montante global de € 840,00.
b) Condenar o arguido C. B., em co-autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de falsas declarações, p. p. pelo art. 348º-A, nº 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 euros, no montante global de € 600,00.
c) Condenar cada um dos arguidos no pagamento de 2 [duas] U.C. de taxa de justiça.
*
Após trânsito remeta boletins ao Registo Criminal. Comunique.

Lida, será depositada. Notifique.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Impugnação da Matéria de Facto
2.1.2. – Da Previsão do Crime de Falsas Declarações (art.º 348º-B, C.P.)

2.2. – Da Impugnação da Matéria de Facto

Pretende o arguido recorrente pôr em causa, através do recurso apresentado, a matéria de facto fixada na sentença.
Fá-lo porém de uma forma árida e genérica, de onde não constam os factos em concreto, que considera incorretamente fixados, os meios de prova que invoca em benefício do que defende e assim, muito menos as passagens das declarações/depoimentos que, em seu entender determinam decisão diferente.
Ora, a possibilidade de impugnação de matéria de facto no recurso vem prevista no art.º 412º/3 e 4), C.P.P., comumente designada de “impugnação ampla da matéria de facto”.

Nos termos do disposto no art.º 412º/3, C.P.P. e quando impugna a matéria de facto, deve o recorrente:

- indicar os factos que considera incorretamente fixados (al. a);
- indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b);
- indicar as provas que pretende ver renovadas no Tribunal de recurso, se disso for caso (al. c).

Com efeito, não se pretende que a instância de recurso faça um novo julgamento, mas que analise em concreto anteriores e eventuais erros de julgamento.
O recurso, para ser percetível e possibilitar também o exercício do contraditório, deve pois concretizar os referidos pontos, o que o recorrente não faz quanto a qualquer deles, quer na motivação, quer nas conclusões do recurso apresentado.
O que poderia pôr a questão do convite ao aperfeiçoamento do recurso, nos termos do disposto no art.º 417º/3, 1ª parte, C.P.P.

Porém, constitui já Jurisprudência sedimentada que, quando os ónus não são cumpridos não só nas conclusões, como na motivação do recurso, entende-se que não deve ser feito o convite ao aperfeiçoamento, sob pena de o recorrente ter um duplo prazo para preparar o seu recurso – cfr., de entre outros, os Acs. S.T.J. de de 13/5/2 014, Pereira Madeira e de 9/3/2 006, Simas Santos, ambos em www.dgsi.pt.
Também esta interpretação da lei foi apreciada pelo Tribunal Constitucional (que esteve na origem da atual redação do art.º 417º C.P.P., ao referir em sucessivos Acórdãos que, quando a omissão ocorresse apenas nas conclusões deveria haver lugar ao convite para aperfeiçoamento), que considerou não inconstitucional, que em tais casos não fosse proferido despacho de aperfeiçoamento – cfr. Ac. T.C. n.º 140/04, 10/3, publicado na 2ª Série do D.R., de 17/4/2 004.

Ora, como se decidiu no Ac. S.T.J. 9/3/2006, Simas Santos e no Ac. Relação de Guimarães 25/6/2007, Cruz Bucho, ambos em www.dgsi.pt, o incumprimento daqueles ónus deve levar à rejeição do recurso.

Com efeito, nem são percetíveis os argumentos do recorrente, nem o mesmo possibilita o exercício do contraditório ao sujeito processual afetado pelo recurso. Pelo que o recurso só pode improceder. Tanto mais, quando no caso concreto não foi cumprido qualquer dos referidos ónus.

Não pode pois, o recurso apresentado quanto à impugnação da matéria de facto proceder, em qualquer parte. Pelo que é, nesta parte, improcedente.

2.3. – Do Crime de Falsas Declarações (art.º 348º-B, C.P.)

O antecedente legislativo deste tipo legal era o art.º 22º, D.L. n.º 33 725, de 21/6/1 944. Este normativo foi porém expressamente revogado pelo art.º 53º/a, L. n.º 33/99, 18/5, que regulou a identificação civil e a emissão de B.I.
Desde então e em alguns dos casos que anteriormente cabiam na previsão deste normativo, considerou-se que a conduta não poderia subsumir-se ao crime de falsificação, por muitas vezes a declaração ser oral e não se inserir em documento (art.º 256º C.P.), nem aos de falsidade de depoimento ou declarações (art.º 359º C.P.) ou de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução (art.º 360º C.P.), por a declaração não ser feita em Tribunal. O que levava, em alguns desses casos, a que a conduta não fosse crime sendo o arguido absolvido.
Porém, a L. n.º 19/13, 21/2, reintroduziu este crime, em moldes idênticos ao anterior, introduzindo no novo Código Penal um novo dispositivo normativo – o art.º 348º-A, C.P.
Cabe pois interpretar este normativo, sendo que como decorre das alegações, contra-alegações e parecer existe divergência Jurisprudencial, quanto ao facto de a conduta do arguido constituir ou não crime – por um lado, o Acórdão da Relação de Évora de 16/6/2 015, Maria Leonor Esteves que, em situação idêntica, entendeu que a conduta cabe na previsão daquele normativo e, por outro lado, o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 23/1/2 017, Alda Casimiro, que entendeu que conduta semelhante não constituía crime.
Relembre-se que, no caso concreto, ficou provado que o filho do arguido e seu coarguido C. B. teve um acidente por despiste no automóvel matrícula “AV” e que o ora recorrente, combinado com seu filho, aparece no local a dizer falsamente que era ele quem conduzia o veículo, assinando também a declaração de fls. 17 em tal sentido. Visava evitar que o filho sofresse as consequências jurídicas de tal desastre e nomeadamente, que lhe fosse pesquisada a taxa de álcool no sangue.

No âmbito da previsão do referido normativo, cabem as condutas que – tipo objetivo:
- declarem ou atestem falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios.
A primeira premissa é pois, que se declare ou ateste falsamente, perante autoridade pública ou funcionário, no exercício das suas funções. Ora, a conduta do arguido cabe nesta previsão pois o mesmo referiu a autoridade pública (membro da G.N.R.), que era ele quem conduzia um veículo que se despistou, o que é juridicamente relevante, quer no âmbito da responsabilidade pelos danos causados, quer no da fiscalização da T.A.S. com que conduziam (art.º 156º/1 C.E.), quer no da eventual responsabilização penal pelos crimes de condução sem habilitação legal, condução sob o efeito do álcool, ofensas corporais negligentes ou na responsabilização meramente contraordenacional. A previsão desta primeira parte da norma verifica-se pois, no caso concreto, tanto mais que a falsa declaração até foi incorporada no documento de fls. 17, em que o arguido recorrente assume por escrito que, no momento do acidente, era ele quem conduzia o veículo.

Nos termos da segunda parte do dispositivo legal, é necessário que que essa falsa declaração incida sobre a identidade, estado ou outra qualidade, do próprio ou de terceiro.

Ora, o “estado” do arguido não está nitidamente em causa.

Também o não está a sua “identidade”, pois o arguido não se identificou falsamente através de identidade falsa, apenas disse que ia a conduzir o veículo, quando efetivamente não ia.

A questão que se põe pois, é a de saber se o facto de se ter afirmado como condutor do veículo acidentado não pode ser considerada como questão relativa à “qualidade do arguido, a que a lei atribua efeitos jurídicos”.

Debatendo a previsão deste normativo, disse António Latas, “As Alterações ao Código Penal Introduzidas pela Lei n.º 19/13, 21/2”, “Revista do C.E.J.”, n.º 1, 2 014, págs. 55/103, que a “nacionalidade, residência, maioridade, ser ou não proprietário de um bem” se reconduzem ao referido conceito de qualidade, cabendo na previsão do tipo de crime de falsas declarações.

Bem se pode pois dizer que, no âmbito da referida norma, “qualidade” é uma característica, predicado ou condição de um agente, que pode até nem ser pessoal – aliás e nos casos referidos por António Latas, a nacionalidade ou maioridade serão qualidades pessoais, mas a propriedade de um bem já não o será. No que cabe a condição de condutor de um veículo.

Pelo que se entende que o arguido cometeu o crime imputado, considerando-se pois, que o mesmo foi corretamente condenado pelo crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 348º-A, n.º 1), C.P.

Termos em que, também aqui o recurso do arguido A. B. não merece provimento.
**
Termos em que, se decide

3 – Decisão

a) julgar totalmente não provido, o recurso apresentado pelo arguido A. B. , por via disso se mantendo na íntegra, a decisão recorrida.
b) Custas pelo arguido recorrente com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
c) Notifique.
Guimarães, 25 de Maio de 2 020

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)