Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3334/17.1T8GMR.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DO QUANTUM
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Enquanto não for publicada a portaria para a qual remete o art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, a remuneração variável do administrador judicial provisório nomeado em processo especial de revitalização e do administrador de insolvência nomeado por iniciativa do juiz em processo de insolvência, caso este processo envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, deverá ser calculada segundo critérios de equidade, por as tabelas anexas à Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, estarem exclusivamente pensadas para o processo de insolvência e liquidação da massa insolvente.

II – Para a determinação do quantum da remuneração variável concorrem, designadamente, o montante dos créditos reclamados e admitidos e o grau de satisfação deles; os serviços prestados; os resultados obtidos; a complexidade do processo; e o tempo de duração do exercício de funções.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- O Dr. D. M. foi nomeado administrador judicial provisório (AJP) nestes autos de Processo Especial de Revitalização (PER) da X, Ld.ª”, e, homologado o plano de recuperação, veio requerer que lhe fosse atribuída a remuneração a que tem direito, na parte fixa e na parte variável, propondo para esta o valor de € 54.050,42, que calculou com base na tabela anexa (Anexo II) à Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
Notificada, a Devedora nada disse.
A Secretaria Judicial, no cumprimento do que lhe fora ordenado, procedeu à verificação dos cálculos apresentados pelo referido Sr. AJP e concluiu pelo valor de € 44.284,03, com o IVA incluído.
Apreciando o pedido formulado foi proferido douto despacho que, entendendo serem inadequados os critérios da Portaria acima referida, recorreu aos critérios da equidade e fixou a pretendida remuneração variável na importância de € 1.500,00.
Inconformado, traz o Sr. AJP o presente recurso pedindo a revogação do referido douto despacho e lhe seja atribuída a remuneração variável no valor que pediu.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Apelante formulou as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho proferido nos presentes autos, datado de 11-02-2019, com a referência 162021491, que decidiu, em suma, fixar a remuneração variável do Sr. Administrador Judicial Provisório no montante global de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) e fixar apenas o pagamento das despesas incorridas com Correios.
B. Refletindo o ora recorrente sobre o teor de tal despacho proferido de que se recorre, compaginando-o com a legislação que fundadamente considera dever regular-se a remuneração a atribuir ao Administrador Judicial Provisório, parece a decisão a quo resultar de equivocada interpretação dos preceitos legais aplicáveis, consubstanciando, por isso, com a devida vénia, error in iudicando, que importa competente correção.
C. Não pode o ora recorrente concordar nem se conformar minimamente com a decisão sobre tal matéria nele formulada, vale dizer lhe vir a ser paga, ao que depreende, a remuneração variável global na quantia de 1.500,00€, e não aquela que oportunamente impetrou, a remuneração variável, calculada como defende, por aplicação analógica da Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, oportunamente calculada e fundamentada, no valor de 54.503,42€.
D. Conforme resulta dos autos, o ora recorrente foi nomeado Administrador Judicial Provisório da devedora "X, Lda." em substituição da anterior Administradora Judicial Provisória primeiramente nomeada.
E. No exercício das suas funções realizou todos os atos que discriminou no requerimento que apresentou nos presentes autos com a ref.ª 30475894 em 23.10.2018.
F. Assim, ao invés do sustentado pelo Tribunal a quo na decisão, o ora recorrente executou tarefas, elas muito mais densas e complexas do que as efectuadas pela anterior Administradora Judicial Provisória, que apenas procedeu à elaboração da primeira lista provisória de créditos.
G. Sucede que, o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora foi devidamente aprovado e, subsequentemente, homologado judicialmente, prevendo a satisfação de 2.659.679,77€ de um total de créditos reconhecidos de 2.669.289,22€.
H. Nesta senda, o Administrador Judicial Provisório requereu a remuneração que lhe é devida, fundamentando tal pretensão no facto de a remuneração dever ser calculada nos termos do artigo 23.º, n.ºs 1 a 3 da Lei 22/2013, de 26 de fevereiro, com referência à Portaria 51/2005, de 20 de fevereiro e tabelas conexas.
I. Ora, não concorda o recorrente com a decisão que foi proferida sobre a remuneração a assim atribuir-lhe, quando, socorrendo-se o Tribunal a quo de considerações genéricas em detrimento do cálculo matemático ou aritmético a que está ainda vinculado pelo legislador, fixou a remuneração do Administrador Judicial Provisório em apenas 1.500,00 €, utilizando, fundamentou o Venerando Tribunal de 1.ª Instância, os critérios de equidade na fixação da mesma.
J. Confrontou-se, pois, no douto despacho o recorrente com o errado entendimento do direito que julga aplicável para a fixação da remuneração variável ao caso.
K. Ora, tem-se por irrecusável, que o recorrente, por força da sua nomeação pelo juiz da revitalização para o cargo de administrador judicial provisório, ainda que em substituição de uma anterior administradora judicial provisória, tem direito à remuneração (art.º 22.º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela lei 22/2013, de 26 de fevereiro, ao diante por facilidade também designado por EAJ).
L. Essa remuneração comporta duas componentes: uma fixa e outra variável (art.º 23 n.º s 1 e 2 do EAJ).
M. Na fixação de tal remuneração, o juiz não pode deixar de atender às normas que sobre esta matéria regem e que constam do Estatuto do Administrador Judicial, designadamente aos artigos 22.º e seguintes da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, com as necessárias adaptações ao cargo e funções realizadas no âmbito do Processo Especial de Revitalização por contraposto às funções desempenhadas pelo Administrador de Insolvência no âmbito desta.
N. Essa interpretação, tem sido inferida por vasta jurisprudência, sufragada, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.11.2014,disponível em www.dgsi.pt
O. Com efeito, as coordenadas ou critérios a que a determinação do valor da remuneração do administrador judicial, como se conhece, começaram por ser estabelecidas pelo Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei 34/2004, de 22 de Julho, sucessivamente alterada, regulamentada pela Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, emanada dos Ministros das Finanças e da Administração Publica e da Justiça.
P. Com a superveniência do Processo Especial de Revitalização e do órgão específico da revitalização - o administrador judicial provisório - houve que regular os critérios de fixação da respetiva remuneração, regulação essa concretizada pelo EAJ.
Q. Nessa regulação, tudo faz transparecer, o EAJ orientou-se pela equiparação do Administrador Judicial Provisório ao Administrador da Insolvência e pelo reconhecimento do direito deste perceber uma remuneração variável também no caso de recuperação do devedor, resultante da aprovação, no processo de insolvência, de um plano de recuperação.
R. Assim, depois de reconhecer a qualquer deles o direito à remuneração pelo exercício das respetivas funções, entendeu que essa remuneração seria determinada por ato regulamentar - Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, Justiça e Economia - e que, para além de uma retribuição fixa, ambos terão direito a uma remuneração variável, calculada em função do resultado da liquidação - no caso do Administrador da insolvência - ou do resultado da recuperação do devedor - tanto no caso do Administrador Judicial Provisório como no do Administrador da Insolvência - considerando-se como resultado da recuperação, o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer integrados no plano – de insolvência ou de recuperação - aprovado, conforme tabela constante do apontado ato regulamentar (art.º 22 e 23 n.º 1 a 3 do EAJ).
S. E a equiparação, no plano remuneratório, entre o Administrador da insolvência e o Administrador Judicial Provisório vê-se que é absoluta no caso de aprovação, no processo de insolvência ou no processo de revitalização, de um plano de recuperação: em qualquer deles, a remuneração variável é computada com base no resultado da recuperação, entendendo-se como tal o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, em conformidade com a tabela constante da mencionada Portaria (art.º 23.º n.ºs 2 e 3 do EAJ). O valor alcançado por aplicação das tabelas é, em qualquer dos casos, majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação de fatores fixados na mencionada Portaria (art.º 23.º n.º 5 do EAJ).
T. De harmonia com a sua lei estatutária, a remuneração do administrador judicial - provisório ou não - é, assim, obtida por aplicação de critérios puramente aritméticos ou matemáticos (cfr. in www.dgsi.pt Acordão da Relação do Porto de 03.07.2014), e não por aplicação de critérios deixados ao prudente alvedrio do juiz.
U. Na sequência da aprovação do EAJ, que revogou o Estatuto do Administrador da Insolvência, ainda não tendo sido publicada qualquer Portaria de regulamentação, tem suscitado o delicado problema de saber se a Portaria 51/2005 de 20 de janeiro, para regulamentar o Estatuto do Administrador de Insolvência cessou ou não a sua vigência.
V. A solução deve ser alcançada, então, pela aplicação designadamente hierárquica, entre atos legislativos e regulamentares.
W. Ao caso, o regulamento deve considerar-se tacitamente revogado se revogado for ou substancialmente modificado o ato legislativo regulamentado; se, porém, houver apenas incompatibilidade parcial entre a nova lei e o regulamento precedente, este sobreviverá na medida em que se harmonizar com ela, salvo se outra for a vontade, apurada, do legislador.
X. Nestas condições, sustenta-se que a revogação pela Lei 22/2013, de 26 de fevereiro (EAJ) da Lei 32/2004, de 22 de Julho (que aprovou o Estatuto do Administrador da Insolvência), não importou a revogação tácita da Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, uma vez que este ato regulamentar se harmoniza por inteiro com o EAJ, no segmento relativo aos critérios de determinação da remuneração do administrador da insolvência, no caso de liquidação da massa insolvente, posto que se conduzem na mesma direção daqueles que estavam fixados na lei por ela regulada.
Y. Portanto, não tendo cessado a sua vigência a Portaria 51/2005, de 20 de janeiro.
Z. Sucede, porém, que só previa essa Portaria a remuneração nos casos em que houve lugar, no processo de insolvência à declaração correspondente e à liquidação dos bens apreendidos para a massa, não também a remuneração devida ao administrador da insolvência nos casos em que, no processo de insolvência era aprovado um plano de recuperação e, muito menos, à remuneração devida ao administrador judicial provisório, pelo exercício das funções correspondentes, no processo de revitalização - que lhe é superveniente - não regulando nem um caso nem o outro.
AA. Nestes casos, falta, pois, ato regulamentar indispensável à execução dos critérios de determinação do valor daquela remuneração fixados na lei estatutária, Portaria conjunta a emanar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, Justiça e Economia.
BB. Perante a supracitada lacuna, há-de socorrer-se ao critério de integração de lacunas disponibilizado pela analogia jurídica, de harmonia com o qual o caso omisso deve ser regulado segundo a regra aplicável ao caso análogo (art.º 1O.º do Código Civil).
CC. Nesta senda vide Acórdão do Tribunal da Relacão de Coimbra, Proc. n.º 4725/14.
DD. Pela aplicação dos precedentes postulados jurídicos, deve, pois, dar-se que à determinação da remuneração a que o recorrente tem direito a receber, são aplicáveis por integração analógica, os parâmetros antes dispostos para o cálculo da retribuição do administrador de insolvência.
EE. E por aplicação dos indicados critérios, o recorrente tem direito a receber, pelo desempenho das apontadas funções, a remuneração global, correspondente à soma da retribuição fixa, no valor de 2.000,00 €, e da retribuição de variável, no valor de 54.503,42€. A decisão de que se recorre é, por isso, incorreta e deve, por via disso, ser revogada e substituída por outra que fixe a retribuição devida nos termos que vão defendidos pelo ora recorrente.
FF. Caso assim não se entenda, o que, apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que para o caso de considerar este Tribunal da Relação a tese sufragada pelo despacho ora recorrido, verifica-se, então, uma inconstitucionalidade por omissão do artigo 23º, n.º l da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
GG. Isto porque se verifica uma omissão de uma medida legislativa, designadamente a elaboração de uma Portaria elaborada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, necessária para tornar exequível a norma do artigo n.º 23º, n.º l da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro (art.º 283º da Constituição da República Portuguesa), que até ao momento ainda não foi concretizada.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Não havendo questões de que deva conhecer-se oficiosamente, consideradas as conclusões acima transcritas o objecto do presente recurso circunscreve-se aos critérios que deverão ser adoptados na fixação do quantum da remuneração variável do administrador judicial provisório, nomeado num PER.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Ao que acima se deixou referido em I, cumpre acrescentar que:

1. – O ora Apelante foi nomeado AJP por decisão proferida por este Tribunal da Relação de 31/07/2017, que deu provimento ao recurso interposto pela Devedora, que pretendia a nomeação daquele, em detrimento do escolhido por sorteio.
2.- Quando o Apelante interveio nos autos já a anterior AJP, nomeada por sorteio, havia praticado diversos actos relativos ao início do processo, designadamente recepcionado e analisado as reclamações de créditos, havendo elaborado a lista de credores, publicando-a no CITIUS; apreciou as reclamações apresentadas fora do prazo; e recepcionou e analisou diversas comunicações de credores, designadamente os que manifestaram vontade de participarem nas negociações; mais recebeu e tratou a documentação relativa a dois trabalhadores da Devedora, que rescindiram o contrato de trabalho.
3.- O ora Apelante fez contactos com Credores; rectificou a lista de credores em conformidade com os elementos contabilísticos da Devedora; auxiliou na elaboração, revisão, conclusão e submissão do Plano de Recuperação; em 23/10/2017, elaborou a minuta para notificação dos Credores; e submeteu a versão final do Plano em 06/11/2017, o qual veio a ser homologado, tendo efectuado todas as diligências atinentes à homologação.
4.- Foram reconhecidos créditos no valor global de € 2.669.289,22, prevendo-se que sejam satisfeitos € 2.659.679,77.
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V.- É pacífico nos autos que o AJP nomeado num PER tem direito a ser remunerado pelos actos praticados.

Tal remuneração tem uma parte que é fixa e outra variável, cujo montante deverá ser fixado “em função do resultado da recuperação do devedor”, como tal se considerando “o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”, de acordo com o disposto no art.º 23.º, n.os 1, 2 e 3 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que estabele o estatuto do administrador judicial.

Na Proposta de Lei n.º 107/XII, que veio a dar origem à mencionada Lei 22/2013, explicita-se que o reconhecimento do direito à remuneração variável “radica no pressuposto em que assenta toda a reforma do regime de insolvências e de recuperação de empresas … que procura privilegiar a recuperação de empresas em detrimento da sua liquidação, sendo notória a necessidade de se estimularem os administradores judiciais a promoverem, na medida do possível, a referida recuperação, também por via de incentivos remuneratórios que o potenciem”.

Relativamente à ratio do regime de pagamento da remuneração variável, que veio a ter consagração nos n.os 3 e 4 do art.º 29.º da referida Lei, ficou referido que com ele “se pretende estimular a elaboração de planos efectivos de recuperação dos devedores neles visados”, e, acrescenta-se, por isso é que se diferiu “para o termo do prazo de dois anos, volvidos sobre a aprovação do plano, o pagamento da última prestação remuneratória”, a qual “só será paga na íntegra se o devedor estiver a cumprir cabalmente o plano de recuperação que haja sido aprovado”. Não o estando, o valor da segunda prestação da remuneração é reduzido para um quinto, nos termos previstos no n.º 4 do referido art.º 29.º.

2.- Remetendo a regulamentação das bases de cálculo da remuneração para uma portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, até à presente data a mesma ainda não foi publicada, o que suscita a questão da definição dos critérios que hão-de presidir ao cálculo da remuneração.

E se relativamente à parte fixa tem a jurisprudência invariavelmente recorrido à Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, e ao disposto no seu art.º 1º, já quanto à parte variável não há unanimidade de critérios, havendo surgido, no essencial, duas correntes: uma defendendo o recurso às tabelas anexas à referida Portaria e a outra, que é claramente maioritária, optando pelo recurso à equidade.

O Tribunal a quo seguiu esta segunda posição enquanto que o Apelante propugna para que se considere a primeira, com a aplicacção das tabelas anexas ao referido Diploma Legal.

O art.º 23.º da Lei n.º 22/2013 reproduz o art.º 20.º da Lei n.º 32/2004, mas neste apenas se referia o administrador da insolvência nomeado pelo juiz, elegendo como critério de cálculo da remuneração variável “o resultado da liquidação da massa insolvente”, como tal se devendo entender “o montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa”, não se levando em conta a remuneração variável nem “as custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.”, enquanto que aquele art.º 23.º estabelece critérios de determinação da remuneração também para as situações em que, no PER, tenha sido aprovado o plano de revitalização e no Processo de Insolvência tenha sido aprovado um plano de recuperação do insolvente, estabelecendo que o valor seja determinado “com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano – cfr. n.º 3.

E por isso é que se defende que são realidades distintas, porque diferentes são as funções do administrador de insolvência na liquidação da massa insolvente e as funções do AJP no PER, ou do administrador de insolvência quando tenha sido aprovado plano de recuperação, não podendo, por isso, aplicar-se a ambas a tabela constante do Anexo I da mencionada Portaria 51/2005 (a tabela constante do Anexo II refere-se à majoração que o n.º 4 do art.º 20.º da Lei n.º 32/2004 previa, e a Lei n.º 22/2013 manteve, no n.º 5 do art.º 23.º, mantendo-se o critério do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos para o apuramento do respectivo valor).

Como refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 13/11/2018, “em relação à remuneração variável tem sido afastada a aplicação analógica da mesma portaria (n.º 51/2005), na medida em que não procedem as razões justificativas da regulamentação daquela portaria (cfr. art. 10.º, n.º 2, a contrario, do Código Civil), por as respetivas tabelas estarem exclusivamente pensadas para o processo de insolvência e liquidação da massa insolvente, sendo distintas as funções do administrador judicial naquele processo e no processo especial de revitalização. Deste modo, tem sido entendido que, enquanto não for publicada a tabela específica destinada a determinar o montante da remuneração variável a atribuir ao administrador judicial provisório, a mesma deverá ser fixada em função do resultado da recuperação e com recurso à equidade”, e prossegue referindo ainda que “As tabelas previstas na Portaria n.º 51/2005, como base de cálculo para a remuneração variável, consistindo num coeficiente a incidir sobre o valor que se vem a apurar da liquidação da massa insolvente, mostram-se inadequadas para servir de base ao cálculo da remuneração da atividade do AJP, num tipo de processo em que não há liquidação de bens, mas sim e apenas uma eventual aprovação e homologação de um plano de recuperação” (in https://www.direitoemdia.pt/s/58a328), citando jurisprudência de todas as Relações do País, tal como, de resto, o fez o Tribunal a quo, podendo acrescentar-se o Acórdão da Relação de Évora de 7/12/2017 (ut Proc.º 1035/15.4T8OLH.E1, in https://www.direitoemdia.pt/s/dc5ecd ou em www.dgsi.pt), e o recente Acórdão desta Relação de Guimarães de 28/02/2019, subscrito, como adjunto, pelo ora relator (ut proc.º 288/18.7T8CMN, relatora - Desembª Maria Amália Santos).

3.- Será, pois, a equidade o critério que vai adoptar-se para a fixação do montante da remuneração variável a receber pelo Apelante.

O Tribunal a quo ponderou: “o período de tempo que decorreu entre a nomeação e o efectivo exercício de funções do Sr(a) Administrador(a) de Insolvência (durante cerca de quatro meses que mediaram entre a prolação do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto (singelo lapso de escrita já que a decisão é desta Relação de Guimarães) de 31/07/2017 e o despacho de nomeação datado de 25/08/2017 e a sentença homologatória do acordo de recuperação proferida a 18/12/2017), o número de credores, o facto da lista provisória de créditos ter sido elaborada pela Sr.(a) Administrador(a) Judicial Provisório(a) anteriormente nomeada e que antecedeu a nomeação do ora Requerente, o valor dos créditos em causa, o grau de satisfação dos respectivos créditos, tal como previsto no Plano apresentado (cfr. fls. 21 do plano junto aos autos) e todo o trabalho desenvolvido pelo mesmo, comprovado nos autos” – cfr., designadamente, o que acima se deixou consignado em IV, n.os 3 e 4.
Não se olvida que o julgamento segundo a equidade permite uma decisão apenas fundada em critérios da justiça do caso concreto, sendo o valor justo da remuneração aquele que represente a contrapartida adequada do trabalho efectivamente prestado pelo Sr. AJP, que se revelou proveitoso para a Devedora.

Deve sublinhar-se que, como fez anotar o Tribunal a quo, está ora em causa o pagamento do trabalho realizado pelo Apelante desde a data em que foi nomeado para o exercício das funções até à data em que foi proferida a decisão de homologação do plano de recuperação, na qual cessam as suas funções, nos termos do disposto no art.º 17.º-J, n.º 2, alínea a) do C.I.R.E., o que perfaz cerca de quatro meses, ainda que se obtempere serem estes os mais trabalhosos.

Tudo ponderado decide-se fixar na importância de € 8.000,00 (oito mil euros), acrescida de IVA à taxa em vigor, a remuneração variável devida ao Apelante.
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VI.- Defende o Apelante que a entender-se não ter aplicação a Portaria n.º 51/2005, “verifica-se” uma “inconstitucionalidade por omissão” do art.º 23.º, n.º 1.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
A inconstitucionalidade por omissão, a que se refere o art.º 283.º da Constituição, reporta-se à inactividade do Estado em relação às medidas legislativas necessárias a tornar exequíveis as normas constitucionais.

Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “A inconstitucionalidade por omissão é um corolário lógico do princípio da constitucionalidade”, o qual “não diz respeito apenas às acções do Estado; abrange também as omissões ou inacções do Estado. A Constituição não é somente um conjunto de normas proibitivas e de normas de organização e competência (limite negativo da actividade do Estado): é também um conjunto de normas positivas, que exigem do Estado e dos seus órgãos uma actividade, uma acção (limite positivo da actividade do Estado, ou seja, por falta total de medidas (legislativas ou outras) ou pela sua insuficiência, deficiência ou inadequação, traduz-se igualmente numa infracção da Constituição – inconstitucionalidade por omissão” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. II, 4.ª ed. revista, pág. 987).

Como se sabe, a Lei n.º 22/2013 não contém normas positivas da Constituição.

Quando muito poderia invocar-se a inconstitucionalidade do referido preceito legal se, com o fundamento na falta de regulamentação, se recusasse a remuneração variável ao AJP, já que, constituindo ela a compensação ou contrapartida do trabalho ou serviço prestado, sempre terá natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Mas, como vem de ser decidido, não foi este o entendimento das decisões que, não negando aquele direito, elegeram o critério que tiveram por mais adequado para assegurar a justa remuneração.
Termos em que se considera não estar ferida de inconstitucionalidade a norma legal em questão.
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C) DECISÃO

Tendo presente tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, decidindo fixar a remuneração variável devida ao Apelante na importância de € 8.000,00 (oito mil euros), acrescida de IVA à taxa em vigor.
Custas da apelação pelo Apelante, na proporção do vencido.
Guimarães, 10/07/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho