Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
272/14.3T8BGC-K.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
ARTº. 6º DO C.P.C.
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A execução de prestação de facto com a prestação de contas a final é mais célere que a apresentação faseada de faturas no desenvolvimento da execução, que obriga a um escrutínio permanente, e não impedindo a prestação de contas a final, pelo que não se verifica a violação do disposto no artigo 6º do CPC atual.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

No processo acima identificado de execução de prestação de facto, em que é exequente A. N. e outros e executado o Município de …, não se conformando com o despacho proferido a 31/05/2021, dele interpôs recurso de apelação na parte que lhe é desfavorável, formulando as seguintes conclusões:

“O disposto nos artigos 935º, 936º e 937º do CPC/61 ou nos artigos 870º, 871º e 872º do NCPC/13 devem ser analisados casuisticamente, com as devidas adaptações porque havendo trabalhos faseados e contas parciais antecipadas, a conta final no Tribunal da execução ou as contas ao Juiz do processo não trazem nada de novo, até porque será sempre o empreiteiro da obra, como pessoa idónea para valorizar cada lanço ou parte da obra quem também quantificará a conta final no Tribunal de execução, pois será a pessoa mais qualificada de quem se servirão os exequentes para o cabal cumprimento dessa derradeira obrigação, que dessa forma será satisfeita em duplicado.
SEGUNDA
Não é lícito realizar no processo actos inúteis ou absolutamente inócuos (art.º 137º do CPC/61 ou art.º 130º do NCPC/13: princípio da limitação dos actos).
TERCEIRA
Nesta perspectiva, o Despacho ora recorrido de 31/05/2021, de Fls…, sob a referência 23.440.406, ao adiar desproporcional e desnecessariamente, contra a praxis fixada já no processo de execução, o pagamento das obras e trabalhos necessários intermédios para a derradeira prestação de contas ao Juiz do processo é desrazoável, impertinente e meramente dilatório porque contraria o andamento célere do processo e constitui um obstáculo na engrenagem dos mecanismos de simplificação e agilização processual, consubstanciando clara violação da norma do art.º 6º do NCPC/13, cujo dever de gestão processual cumpre ao Juiz observar, dirigindo activamente o processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e providenciando pela remoção dos obstáculos.
QUARTA
O executado Município de … ao contestar ou impugnar o final das obras e trabalhos necessários para a prestação do facto chegará obviamente à mesma conclusão e idêntico resultado que já havia extraído ao sindicar cada uma das fases ou etapas desse empreendimento porque o todo é igual à soma das partes e, por isso, a conta final, nesta situação, será uma manifesta inutilidade ou repetição das contas parciais já devidamente apresentadas.
QUINTA
As contas parciais intermédias e antecipadas não prejudicam a conta final perante o Juiz ou o Tribunal da execução, desde que o processo seja equitativo.
SEXTA
Tanto o Despacho de 22/11/2017 como o Despacho de 19/11/2020 transitarem em julgado, pelo que ambos estão cobertos pelo caso julgado (art.º 277º, 278º, 580º e 581º do NCPC/13)
SÉTIMA
O despacho recorrido não pode ou não deve desconsiderar as prestações parciais de contas atinentes da já prestadas nas 1ª e 2ª Fases e relativamente às duas etapas deve haver idêntico procedimento de pagamento, se necessário com a imposição do reforço da caução.
OITAVA
Efectivamente na Factura A/216, de 02/05/2016 e na Factura A/320, 06/10/2020 foram discriminados os trabalhos realizados e os valores correspondentes que serão tidos em consideração na conta final perante o Juiz da Execução ou do processo.
Donde há que proceder ao pagamento da Factura A/320, de imediato.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso
de Apelação merecer provimento e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada na parte desfavorável ao exequente, com todas as consequências legais, assim se fazendo Justiça.”

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se o despacho recorrido violou o princípio do dever da gestão processual consagrado no artigo 6º do CPC.

Com interesse para a decisão do recurso consignamos a seguinte matéria de facto:

1. A 31/05/2016 a empresa A. A. & Filhos Lda. juntou aos autos a Fatura A/2016, datada de 2/05/2016 e com vencimento na mesma data, no montante de 1.845€, correspondente a trabalhos solicitados no processo.
2. A 11/11/2020 a empresa A. A. & Filhos Lda. juntou aos autos a fatura A/320 emitida a 6/10/2020 com vencimento na mesma data, no montante de 30.135€, respeitante ao preço dos trabalhos executados na habitação referente ao processo mencionado.
3. A 27/11/2017 foi proferido um despacho que destacamos os seguintes excertos:
i “aguardem os autos pela concretização da obra por iniciativa dos exequentes e subsequente prestação de contas, tendo-se em consideração o montante já depositado nos autos e, se necessário, procedendo-se, caso a quantia não se afigurar suficiente, nos termos do disposto no art. 935.º (ex vi artigo 937.º, n.º 1 da redação Código de Processo Civil de 1961)”.
ii “para integral cumprimento do doutamente decidido, deverá ser construída uma casa com características em tudo idênticas à que foi demolida” e não “uma casa com um cariz moderno, dotada de actuais condições de conforto e de habitabilidade”, notando que “do relatório de avaliação efetuado nos autos e constante de fls. 170 e 171 – o qual não foi impugnado – consta o valor necessário para a reconstrução de um casa em pedra com 36m2 e as condições básicas de habitabilidade (como a água, a luz, uma casa de banho)”.
4. A 20/12/2020 foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Cumpra-se o que foi determinado na parte final do despacho antecedente.
Uma vez que, notificada a Executada nada veio a opor ao requerimento dos Exequentes datado de 26/11/2020, deverão estes prosseguir com as obras tendentes a dotar a casa de todas as condições básicas de habitabilidade.”
5. A 31/05/2021 foi proferido despacho que decidiu:
“i) julgo legalmente infundado o pedido do Executado no sentido de que «o valor que o Executado terá de pagar pelas obras realizadas pelos exequentes será de 20.000,00€, por ser o que resultou da avaliação do custo da prestação».
ii determino que os autos aguardem pela conclusão da obra por iniciativa dos Exequentes e subsequente prestação de contas, tendo-se em consideração o montante já depositado nos autos e, se necessário, procedendo-se, caso a quantia não se afigurar suficiente, nos termos do disposto no artigo 935 (ex vi artigo 937 n.º 1 do CPC de 1961).
Pese embora a quantia de 20.000,00€ que se encontra depositada à ordem dos presentes autos, considerando que a factura junta pela empresa empreiteira é no valor de 30.135,00€ ( 24.500,00€ + IVA) e respeita apenas à «execução da moradia» e os Exequentes terão de prestar contas de todas as obras e trabalhos executados para a prestação do facto, em conformidade com o que se determinou no despacho de 22/11/2017, terá o pagamento das obras aguardar pela prestação de contas, o que determino.”

O tribunal, para fundamentar o despacho recorrido, apoiou-se no disposto no artigo 1935, 1936 e 1937 do CPC. de 1961, destacando que, tendo os exequentes tomado a iniciativa de executarem a prestação de facto, terão de o fazer, sendo pagos, a final, com o que estiver depositado em tribunal, depois de prestarem as respetivas contas da execução da obra. E, no caso de ser insuficiente o montante depositado, será realizada uma avaliação ao executado e, em face da decisão sobre a prestação de contas, caso não seja suficiente para suportar os gastos realizados, será ordenado ao Executado o reforço da caução no montante necessário. Seguiu, de perto os fundamentos apontados no despacho que proferiu a 27/11/2017 referido no ponto 3 da matéria de facto provada.

A apelante insurge-se contra o decidido alegando, em síntese, que se quebrou a prática que o tribunal tinha adotado, anteriormente, ao ordenar pagar a fatura de 1.845€, junta aos autos pela empreiteira a 31/05/2016, violando o disposto no artigo 6º do CPC de 2013, que impõe um dever de gestão processual traduzido na flexibilidade, agilização processual, com vista a sanar atos dilatórios que comprometam um processo equitativo. E isto porque a obra em causa é de execução faseada, cabendo à empreiteira apresentar as respetivas faturas, cujo teor representarão o executado e o seu custo, avaliado por pessoa idónea (a empreiteira), que a final traduzem o valor global da obra, sendo inútil, a final, fazer uma nova prestação de contas por parte dos exequentes, uma vez que se socorrerão do apresentado pela empreiteira, que, entretanto, foi escrutinada pelo Executado, ao pronunciar-se sobre cada fatura apresentada. Verifica-se uma duplicação da atividade processual, para atingir o mesmo objetivo, traduzido na determinação do valor global da obra que foi objeto de escrutínio faseado.

Esta atuação é mais complexa que a prevista no artigo 936 e 937 do CPC de 1961 (atual 871 e 872) na medida em que implica uma fiscalização do executado e do tribunal a cada fatura apresentada, quando na prestação de contas imposta pelo artigo 936 e 937 do CPC de 1961 apenas há a apresentação de todos os atos executivos da obra acompanhados de prova documental, a contestação do executado e a decisão do tribunal a considerar prestadas ou não as contas. Além de que o processamento aventado pela apelante não está dispensada de uma prestação de contas para análise de toda a execução no sentido de apurar se foi cumprido o ordenado ou não, inclusive se houve obras a mais ou a menos.

Daí que o despacho proferido a 22/11/2017, além de transitado em julgado e vinculativo das partes no processo, corresponde ao ordenado pela legislação prevista para a execução de facto e que se torna mais ágil e célere processualmente, pelo que o despacho recorrido, tendo-o como fundamento, não viola o disposto no artigo 6º do CPC atual.

Apenas tem um senão, que se traduz na responsabilização do pagamento da exequente perante a empreiteira, vindo a ser ressarcida pelo depositado à ordem do tribunal para suportar todos os custos após a decisão sobre a prestação de contas.

E, talvez por isso, a apelante pretenda a alteração processual para evitar ter de adiantar o dinheiro necessário à execução, cujo pagamento passaria a ser direto pelo tribunal. Mas este procedimento, além de ser ilegal, é mais moroso, não se verificando a violação do disposto no artigo 6º do CPC. atual.

Daí que é de manter a decisão recorrida.

Concluindo: 1. A execução de prestação de facto com a prestação de contas a final é mais célere que a apresentação faseada de faturas no desenvolvimento da execução, que obriga a um escrutínio permanente, e não impedindo a prestação de contas a final, pelo que não se verifica a violação do disposto no artigo 6º do CPC atual.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.
Guimarães,

1 - Apelação 272.14.3T8BGC.K.G1– 2ª
Proc. Execução
Tribunal Judicial Comarca Bragança – Bragança
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos