Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
483/14.1IDBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DE SENTENÇA
EXAME CRÍTICO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FRAUDE FISCAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Não ocorre a falta de fundamentação da sentença, imposta pelo art. 374º do CPP, na vertente do exame crítico das provas, se o teor da decisão impugnada permite inferir que juiz ficou convencido da realidade dos factos que arrolou como assentes e indicou o percurso ou o raciocínio lógico que o conduziu a essa convicção, de modo bastante ao tribunal de recurso poder aferir da sua adequação (substancial) e essa possibilidade se estende a qualquer destinatário directo e aos demais cidadãos: o exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

II. Sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não impede o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.

III. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, dependendo os respectivos funcionamento e creditação da convicção do julgador, a qual, sendo pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável: a sua valoração suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao julgador os meios de prova, que depende substancialmente da imediação e nela intervêm elementos não racionais explicáveis, e, num segundo nível, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo que, agora, estas inferências já não dependem substancialmente da imediação, uma vez que se baseiam na correcção do raciocínio, que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.

IV. No caso, os factos inequivocamente adquiridos e conhecidos, porque evidenciados por outros meios de prova, facultam a passagem para a aquisição de um facto desconhecido, com a intervenção, como (mero) instrumento metodológico de aquisição da prova, de «presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido».
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório

No identificado processo, do Juízo Local Criminal de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida e depositada a 20-04-2017, o arguido L. L., entre outros, foi condenado, como co-autor material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º n.º 1, al. a) e 104º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período, sob a condição de o mesmo, dentro do período da suspensão, pagar ao Estado o montante dos benefícios indevidamente obtidos em resultado do crime (€ 174.023,93).

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal, pedindo a sua absolvição, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões:

«I. O Tribunal recorrido julgou erradamente a matéria de facto, designadamente a factualidade decorrente do depoimento das testemunhas S. M., R. F., G. C., C. C., S. R. e J. L., bem como da testemunha N. P..
II. Do depoimento das testemunhas S. e R. F., no que à inspecção e vigilância diz respeito, não pode o Tribunal tirar ilações para todos os restantes anos;
III. O depoimento da testemunha S. R. e J. L., contrariam os depoimentos dos inspectores, porquanto afirmam perentoriamente que sempre existiram peles nas instalações da arguida X e X II;
IV. Do depoimento da testemunha R. F., resulta evidente que não foi verificada qualquer incorrecção nas facturas constantes dos autos, quanto à data de emissão em contraponto com a data de fiscalização, contrariamente ao que resulta da sentença;
V. Do depoimento da testemunha S. M. conclui-se que a arguida X, pelo menos até ao final de 2011 ter entregue as declarações de impostos e ter liquidado os mesmos. Facto de evidente importância quanto aos movimentos financeiros dessa sociedade, bem como ao seu movimento comercial.
VI. Não foi produzida qualquer prova na audiência de julgamento que permita concluir que o arguido recorrente conhecesse a sociedade X ou o seu gerente. Antes pelo contrário, como decorre das declarações da testemunha S., que não são contraditadas e que o Tribunal sem qualquer mínimo de justificação, desvaloriza não se pronunciando sobre tal facto.
VII. O Tribunal “a quo” não faz qualquer apreciação crítica sobre as margens de lucro da arguida LT, em contraponto com o facto de a mesma só laborar para um único cliente, tal qual afirmado por diversas testemunhas.
VIII. O Tribunal, com a sua gritante falta de fundamentação, também se esqueceu de fazer um análise, sumária que fosse, sobre a necessidade de tais peles para a produção de botas. Produção essa que nunca foi colocada em causa pela AT.
IX. Não foi produzida qualquer prova na audiência de julgamento que permita concluir que as vendas não foram efectivamente efectuadas e que como tal, as facturas em causa nos autos não têm na sua génese qualquer negócio.
X. Pelo que a matéria da acusação deveria ter sido considerada como não provada e em consequência o arguido absolvido, designadamente os pontos l), m), n), o), p), q), r), s) e t), os quais deveriam, pelo exposto, ser considerados como não provados.
XI. Mas, caso assim não se entenda, sempre deveria o Tribunal “a quo”, face ao depoimento das testemunhas indicadas, ter-se socorrido do princípio “in dubio pro reo”.
XII. Manifestamente, o Tribunal “a quo” socorre-se de critérios diferentes para análise da prova da acusação e da defesa.
XIII. Sendo considerados provados os factos supra referidos, tinha o arguido de ser absolvido do crime de que vinha acusado
XIV. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 127º do CPP, artigo 32º, n.º 2 da CRP e 374º, n.º do CPP, bem como o princípio in dúbio pró reo.
XV. A exigência legal de fundamentação das decisões judiciais, em particular das sentenças, só é cabalmente satisfeita se contiver uma exposição completa, mas concisa, dos motivos de facto e a indicação do elenco de provas que serviram para formar a convicção do tribunal;
XVI. Não basta elencar, enunciar, enumerar, mais ou menos exaustivamente, com ou sem indicação das razões de ciência (quando se trata de prova subjectiva) e com ou sem reprodução (por súmula) dos depoimentos prestados em audiência, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal, é uma exigência incontornável o seu exame crítico;
XVII. Aponta-se a falta de fundamentação;
XVIII. O Tribunal a quo, na motivação da sua decisão, omitiu o exame crítico da prova, limitando-se exclusivamente a enumerar as fontes de prova;
XIX. Temos a mera alusão das provas que sustentam a decisão, faltando a valoração individualizada de cada prova e a valoração conjunta, essencial à compreensão do raciocínio lógico-cronológico que levou à decisão;
XX. Em lado algum do texto da Sentença de que se recorre é explicado de que forma o Tribunal a quo conclui pela participação dos arguidos, nomeada e concretamente do Recorrente;
XXI. O exame crítico exigido não se basta com a apreciação das provas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada;
XXII. “Do juiz exige-se muito mais que análises fragmentárias, parcelares e descontextualizadas do material probatório que tem à sua disposição”;
XXIII. O Tribunal a quo não efectuou qualquer valoração individual ou conjunta da prova;
XXIV. Da sentença em crise nada se extrai sobre o processo lógico e racional que subjaz à decisão do Tribunal sobre esses factos subjectivos;
XXV. A circunstância de não ser possível (a não ser mediante confissão) a prova directa dos factos de índole subjectiva não dispensa o tribunal de fundamentar a sua decisão;
XXVI. É precisamente nas situações em que não há prova directa, mas existe prova indiciária, que intervêm decisivamente a inteligência e a lógica do juiz;
XXVII. Entende o Recorrente existir Nulidade da Decisão, por manifesta insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 1076.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua total improcedência, por entender que a decisão recorrida fez uma correcta análise dos factos e aplicação do direito, não tendo violado qualquer preceito legal, sendo o recurso claramente infundado.

E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e elaborado parecer, sustentando que a fundamentação da decisão de facto se mostra isenta de qualquer reparo, sendo patente a comprovação dos factos que subjazem à condenação, e contém um exame crítico das provas que permite avaliar cabalmente o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, exibindo cabalmente os motivos pelos quais se convenceu do carácter fictício das facturas, sublinhando os aspectos que suportam esse juízo e mesmo a inidoneidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrente para abalarem tal convicção. Mais aduz que a impugnação da matéria de facto por erro de julgamento deve improceder por corporizar uma discordância quanto aos termos em que foi apreciada a prova, baseada numa sua díspar valoração e numa lógica de quase total obliteração da decisão proferida.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência) de saber se:

1. - a sentença é nula por falta de fundamentação e exame crítico da prova;
2. - a sentença sofre de erro de julgamento, violando o princípio in dubio pro reo.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinente a factualidade considerada na decisão recorrida:

Factos provados:

a) A sociedade “X, Lda.” é uma sociedade por quotas e constitui a pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número e encontra-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), na actividade de comércio, representação, importação e exportação de peles naturais, sintéticas e couros (CAE ...).
b) Esta sociedade declarou, em 29 de Setembro de 2010, o início de actividade, registando-se para o exercício da actividade supra descrita.
c) Aquando da sua constituição o arguido J. C. era o seu único sócio, tendo subscrito o capital social de 10.000,00 Euros.
d) Em 30 de Março de 2012, foi registado, com efeitos retroagidos a 30/08/2011, o aumento de capital que passou a ser de 100.000,00 Euros, cabendo a J. C. uma quota de 99.000,00 Euros e ao arguido J. P., uma quota de 1.000,00 Euros.
e) Em 5 de Abril de 2012, com efeitos retroactivos a 30 de Agosto de 2011, o arguido J. P., passou a figurar, da matrícula respectiva, como gerente da aludida sociedade.
f) Não obstante, desde a data da sua constituição, 29 de Setembro de 2010, J. C. e N. T., vêm exercendo de facto a gerência da sociedade “X, Lda.”, sendo estes quem, conjuntamente, vêm tomando todas as decisões relativas ao normal funcionamento da empresa, incluindo as que se reportam ao pagamento de impostos à emissão de facturas
g) Em 7 de Agosto de 2012, ao abrigo do n.º 2, do art. 34.º do CIVA, foi cessada oficiosamente a actividade da sociedade “X, Lda.”.
h) Em razão dessa cessação oficiosa, em 26 de Setembro de 2012, o arguido N. T. constituiu a sociedade “X II, Lda.”, pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, registada na actividade de comércio, representação, importação e exportação de peles naturais, sintéticas e couros (CAE ...).
i) Desde a data da sua constituição é o arguido N. T. quem vem exercendo a gerência, de facto e de direito, desta sociedade “X II, Lda.”, sendo este quem toma todas as decisões relativas ao normal funcionamento da mesma, incluindo as que se reportam ao pagamento de impostos e à emissão de facturas.
j) Por sua vez, a sociedade “ LT-Produção e Comércio de Calçado, Lda.” é uma sociedade por quotas e constitui a pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), na actividade de produção, comércio e representações de calçado (CAE …).
k) Desde a data da constituição desta é o arguido L. L. quem vem exercendo a gerência da sociedade, sendo este quem toma todas as decisões relativas ao normal funcionamento da empresa, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como do apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela arguida sociedade “LT Produção e Comércio de Calçado, Lda.”.
l) Em dia não determinado do mês de Outubro de 2010, mas seguramente anterior ao dia 27, os arguidos J. C., J. P., N. T. e L. L., os três primeiros em representação da sociedade arguida “X, Lda.” e o último, em representação da arguida “LT Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, elaboraram entre si um plano, a fim de obter benefícios ilegítimos, segundo o qual, os três primeiros elaborariam e emitiriam facturas em nome da “X, Lda.”, referentes a transacções fictícias, forjando para o efeito o seu conteúdo e o último procederia à sua inscrição e inclusão na contabilidade da sociedade“ LT Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, por forma a incluir ali despesas que não foram efectivamente suportadas, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar.
m) Posteriormente, no dia 26 de Setembro de 2012, mas seguramente anterior ao dia 26, os arguidos N. T. e L. L., o primeiro em representação da sociedade arguida “ X II, Lda.” e o último, em representação da arguida “ LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, elaboraram entre si um plano, a fim de obter benefícios ilegítimos, segundo o qual, o primeiro elaboraria e emitiriam facturas em nome da “ X II, Lda.” referentes a transacções fictícias, forjando para o efeito o seu conteúdo e o último, procederia à sua inscrição e inclusão na contabilidade da sociedade“ LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, por forma a incluir ali despesas que não foram efectivamente suportadas, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar.
n) Na execução de tal propósito, os arguidos J. C., J. P. e N. T., em representação das sociedades “X, Lda.” e “X II, Lda.”, elaboraram as seguintes facturas que o arguido L. C., incluiu na contabilidade da “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, como se de verdadeiros custos se tratassem:
Ano de 2010
N.º factura Emitente Data Valor (Base Tributável)
2010023 X, Lda. 27-10-2010 €11.387,20
2010012 X, Lda. 18-10-2010 €9.299,95
2010001 X, Lda. 01-10-2010 €15.829,13
2010030 X, Lda. 04-11-2010 €6.276,83
2010043 X, Lda. 17-11-2010 €7.296,19
2010082 X, Lda. 20-12-2010 €7.146,56
2010076 X, Lda. 16-12-2010 €10.758,03
2010060 X, Lda. 03-12-2010 €8.304,10

Total do ano de 2010 – 76.298,08 Euros.
Ano de 2011
N.º factura Emitente Data Valor (Base Tributável)
2011225 X, Lda. 11-07-2011 €1.147,88
2011214 X, Lda. 04-07-2011 €1.911,44
2011273 X, Lda. 12-08-2011 €1.357,73
2011274 X, Lda. 12-08-2011 €1.878,20
2011272 X, Lda. 12-08-2011 €5.011,52
2011298 X, Lda. 12-09-2011 €1.049,05
2011299 X, Lda. 12-09-2011 €3.218,02
2011307 X, Lda. 15-09-2011 €1.560,37
2011308 X, Lda. 15-09-2011 €378,81
2011313 X, Lda. 19-09-2011 €991,94
2011321 X, Lda. 22-09-2011 €554,92
2011323 X, Lda. 22-09-2011 €3.534,66
2011322 X, Lda. 22-09-2011 €2.283,50
2011334 X, Lda.29-09-2011€2.478,78
2011335 X, Lda. 29-09-2011 €2.892,30
2011333 X, Lda. 29-09-2011 €5.052,53
2011356 X, Lda. 13-10-2011 €5.961,58
2011357 X, Lda. 13-10-2011 €3.394,20
2011354 X, Lda. 13-10-2011 €438,74
2011355 X, Lda. 13-10-2011 €1.417,80
2011370 X, Lda. 21-10-2011 €2.317,45
2011362 X, Lda. 17-10-2011 €4.045,89
2011371 X, Lda. 21-10-2011 €4.347,19
2011386 X, Lda. 27-10-2011 €6.431,99
2011385 X, Lda. 27-10-2011 €2.479,20
2011402 X, Lda. 07-11-2011 €1.126,37
2011422 X, Lda. 18-11-2011 €6.362,70
2011401 X, Lda. 07-11-2011 €3.086,30
2011414 X, Lda. 11-07-2011 €4.747,26
2011413 X, Lda. 14-11-2011 €2.694,48
2011438 X, Lda. 28-11-2011 €371,95
2011439 X, Lda. 28-11-2011 €570,96
2011443 X, Lda. 28-11-2011 €5.308,12
2011442 X, Lda. 28-11-2011 €563,64
2011441 X, Lda. 28-11-2011 €392,99
2011440 X, Lda. 28-11-2011 €618,55
2011459 X, Lda. 07-12-2011 €6.485,28
2011480 X, Lda. 20-12-2011 €2.112,28
2011481 X, Lda. 20-12-2011 €4.371,88
2011460 X, Lda. 07-12-2011 €4.997,06

Total do ano de 2011 – 285.601,68 Euros.

2012
N.º factura Emitente Data Valor (Base Tributável)
2012014 X, Lda. 16-01-2012 €5.383,87
2012025 X, Lda. 23-01-2012 €2.788,80
2012024 X, Lda. 23-01-2012 €765,18
2012016 X, Lda. 16-01-2012€2.867,26
2012036 X, Lda. 27-01-2012 €5.963,22
2012035 X, Lda. 27-01-2012 €4.679,72
2012015 X, Lda. 16-01-2012 €193,58
2012075 X, Lda. 23-02-2012 €8.847,41
2012045 X, Lda. 06-02-2012 €1.596,50
2012051 X, Lda. 09-02-2012 €6.744,40
2012063 X, Lda. 15-02-2012 6.848,02
2012052 X, Lda. 09-02-2012 €1.272,40
2012084 X, Lda. 29-02-2012 €593,17
2012085 X, Lda. 29-02-2012 €2.875,39
2012114 X, Lda. 20-03-2012 €6.413,22
2012121 X, Lda. 27-03-2012 €5.166,39
2012124 X, Lda. 28-03-2012 €1.158,34
2012125 X, Lda. 28-03-2012 €461,16
2012107 X, Lda. 15-03-2012 €7.413,04
2012091 X, Lda. 05-03-2012 €8.933,43
2012099 X, Lda. 09-04-2012 €4.414,49
2012100 X, Lda. 09-03-2012 €1.761,84
2012130 X, Lda. 02-04-2012 €19.403,22
2012150 X, Lda. 18-04-2012 €1.352,83
2012153 X, Lda. 19-04-2012 €8.308,26
2012144 X, Lda. 13-04-2012 €2.067,28
2012143 X, Lda. 13-04-2012 €8.499,13
2012160 X, Lda. 26-04-2012 €3.231,49
2012131 X, Lda. 02-04-2012 €8.718,68
2012163 X, Lda. 30-04-2012 €513,98
2012164 X, Lda. 30-04-2012 €4.592,18
2012187 X, Lda. 18-05-2012 €7.147,89
2012172 X, Lda. 07-05-2012 €966,24
2012196 X, Lda. 25-05-2012 €6.974,13
2012227 X, Lda. 19-06-2012 €5.814,01
2012233 X, Lda. 22-06-2012 €4.272,14
2012207 X, Lda.05-06-2012€9.053,54
2012212 X, Lda. 08-06-2012 €9.128,94
2012241 X, Lda. 28-06-2012 €526,58
2012280 X, Lda. 25-07-2012 €10.758,12
2012251 X, Lda. 05-07-2012 €5.841,83
2012266 X, Lda. 16-07-2012 €471,68
2012276 X, Lda. 23-07-2012 €4.173,74
2012259 X, Lda. 11-07-2012 €3.923,03
2012290 X, Lda. 31-07-2012 €941,09
2012289 X, Lda. 31-07-2012 €259,40

Total do ano de 2012 (X, Lda.) – 213.720,24 Euros.

Ano de 2012 (X II, Lda.)
N.º factura Emitente Data Valor (Base Tributável)
2012323 X II, Lda. 26-09-2012 €4.471,15
2012325 X II, Lda. 26-09-2012 €10.482,95
2012324 X II, Lda. 26-09-2012 €2.129,21
2012322 X II, Lda. 26-09-2012 €8.735,75
2012384 X II, Lda.30-10-2012€3.454,54
2012370 X II, Lda. 19-10-2012 €1.913,73
2012371 X II, Lda. 19-10-2012 €4.872,83
2012365 X II, Lda. 16-10-2012 €5.703,73
2012364 X II, Lda. 16-10-2012 €882,07
2012363 X II, Lda. 16-10-2012 €379,73
2012357 X II, Lda. 11-10-2012 €3.649,94
2012356 X II, Lda. 11-10-2012 €2.246,20
2012351 X II, Lda. 09-10-2012 €2.423,66
2012346 X II, Lda. 04-10-2012 €3.353,77
2012347 X II, Lda. 04-10-2012 €8.570,35
2012411 X II, Lda. 22-11-2012 €5.873,63
2012410 X II, Lda. 22-11-2012 €117,93
2012408 X II, Lda. 19-11-2012 €4.836,99
2012407 X II, Lda. 19-11-2012 €1.092,51
2012392 X II, Lda. 06-11-2012 €752,59
2012391 X II, Lda. 06-11-2012 €1.263,16
2012416 X II, Lda. 04-12-2012 €3.449,87
2012415 X II, Lda. 04-12-2012 €417,81

Total do ano de 2012 (X II, Lda.) – 81.074,10 Euros.

o) Não obstante, as facturas supra não correspondem a serviços efectivamente prestados.
p) Em virtude da emissão e inclusão destas facturas na contabilidade da sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” e a sua inclusão nas declarações fiscais mod.22 IRC, relativas aos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, apresentadas junto da autoridade tributária, em 12 de Maio de 2011, 30 de Maio de 2012 e 28 de Maio de 2013, respectivamente, declarando como custos o valor líquido das facturas, a sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” deixou de pagar ao Estado a título de IRC, as seguintes quantias: Ano de 2010: 20.218,99 Euros; Ano 2011: 75.684,44 Euros; Ano 2012: 78.120, 50 Euros.
q) O arguido L. L. e J. C. e N. T., actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação das sociedades arguidas, bem sabendo todos que as facturas emitidas não correspondiam a transacções reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados da arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, apresentados ao Fisco, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, que sabiam ser fictícios.
r) Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, obtivesse, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, vantagem patrimonial, nos valores de 20.218,99 Euros, 75.684,44 Euros e 78.120, 50 Euros, respectivamente, a que sabiam não ter direito, diminuindo-lhe as receitas tributárias em valor equivalente.
s) Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este devia ser entregue.
t) Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, em nome e no interesse das sociedades arguidas, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei

(Factos relativos à personalidade e condições pessoais dos arguidos)

u) O arguido L. C. enquanto socio gerente da sociedade arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.” aufere mensalmente quantia ilíquida não concretamente apurada mas não inferior a €1500,00, vive com a sua mulher que é operária fabril e aufere quantia não concretamente apurada mas não inferior ao salario mínimo nacional, com uma filha menor de idade, em casa dos sogros.
v) A sociedade arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.” está em laboração, tem cerca de 132 trabalhadores e a facturação do último ano de 2016 foi de cerca de nove milhões de euros.
w) Ao arguido L. L. e às sociedades “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” e “X, Lda.” não são conhecidos antecedentes criminais.
x) Ao arguido J. P. são conhecidos os seguintes antecedentes criminais:

1. Por sentença datada de 31.05.2004, ao abrigo do processo n.º 740/99.5GBBCL do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o arguido foi condenado pela prática, em 09.10.1999, de 3 crimes de ofensa à integridade física qualificada e um crime de dano, na pena única de 400 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
2. Por sentença datada de 08.01.2007, ao abrigo do processo n.º 931/05.1TAVCD do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 06.04.2005, de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 4,00.
3. Por sentença datada de 22.10.2008, ao abrigo do processo n.º 159/06.3TABCL do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o arguido foi condenado pela prática, em 17.01.2006, de um crime de desobediência, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de € 6,50.
4. Por sentença datada de 26.04.2010, ao abrigo do processo n.º 146/07.4IDPRT do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 30.03.2003, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período com a obrigação de pagar ao estado até ao termo do período de suspensão, o montante de € 7282,92.
5. Por sentença datada de 27.10.2010, ao abrigo do processo n.º 6457/08.4TDLSB do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, o arguido foi condenado pela prática, em 17.09.2008, de um crime de burla simples, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, com a condição do arguido pagar à queixosa a quantia de € 1329,28.
6. Por sentença datada de 17.11.2010, ao abrigo do processo n.º 1668/08.5GBBCL do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o arguido foi condenado pela prática, em 29.09.2009, de um crime de falsificação de documentos, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
7. Por sentença datada de 23.11.2010, ao abrigo do processo n.º 291/10.9GTVCT do 1.º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial de Povoa de Varzim, o arguido foi condenado pela prática, em 02.11.2010, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano.
8. Por sentença datada de 19.01.2011, ao abrigo do processo n.º 417/09.5PAVCD do JL Criminal Juiz 2, de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 18.06.2009, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período com a condição de entregar a quantia de € 500,00 a uma associação e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses.
9. Por sentença datada de 03.02.2012, ao abrigo do processo n.º 78/09.1GAALQ do JL Criminal Juiz 2, de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 31.10.2008, de um crime de falsificação de documentos, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 8,00.
10. Por sentença datada de 02.10.2012, ao abrigo do processo n.º 6488/08.4TAMTS do JL Criminal Juiz 2, de Matosinhos, o arguido foi condenado pela prática, em 09.2008, de um crime de falsificação de documentos e um crime de burla simples, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
11. Por sentença datada de 21.01.2013, ao abrigo do processo n.º 7284/08.4TDLSB da Vara de competência Mista de Braga, o arguido foi condenado pela prática, em 22.10.2008, de um crime de falsificação de documentos e um crime de burla simples, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com a condição do arguido pagar à queixosa a quantia de € 338,68.
12. Por sentença datada de 09.03.2012, ao abrigo do processo n.º 2759/09.0TAVLG do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, o arguido foi condenado pela prática, em 2009, de um crime de falsificação de documentos e um crime de burla simples, na pena 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
13. Por sentença datada de 12.07.2013, ao abrigo do processo n.º 122/11.2IDPRT do JL Criminal Juiz 2, de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 2007, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
14. Por sentença datada de 18.12.2014, ao abrigo do processo n.º 930/12.7TAVCD do JL Criminal Juiz 3, de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 2012, de um crime de falsificação de documentos, na pena de 365 dias de prisão substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade.
15. Por sentença datada de 03.02.2015, ao abrigo do processo n.º 166/12.7IDBRG do JL Criminal Juiz 1, de Barcelos, o arguido foi condenado pela prática, em 2008, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com a condição de proceder ao pagamento ao Estado da quantia de € 110.531,14.

Factos não Provados:

1. Desde a data da sua constituição, 29 de Setembro de 2010, o arguido J. P. vem exercendo, de facto e de direito, a gerência da sociedade “X, Lda.”, sendo este quem, conjuntamente com J. C. e N. T., vem tomando todas as decisões relativas ao normal funcionamento da empresa, incluindo as que se reportam ao pagamento de impostos à emissão de facturas
2. O arguido J. P. actuou em comunhão de esforços e acordo de vontades com o arguido L. L. e J. C. e N. T., no interesse e em representação das sociedades arguidas, bem sabendo todos que as facturas emitidas não correspondiam a transacções reais, actuando, ao realizar as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados da arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, apresentados ao Fisco, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, que sabiam ser fictícios
3. Agiu o arguido J. P., ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, obtivesse, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, vantagem patrimonial, nos valores de 20.218,99 Euros, 75.684,44 Euros e 78.120, 50 Euros, respectivamente, a que sabiam não ter direito, diminuindo-lhe as receitas tributárias em valor equivalente.
4. Sabia ainda o arguido J. P. que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este devia ser entregue.
5. Actuou em comunhão de esforços e acordo de vontades, em nome e no interesse das sociedades arguidas, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei

A Fundamentação da decisão de facto (sic):

O Tribunal proferiu a decisão quanto à matéria provada e não provada com base na prova produzida em audiência de julgamento analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência.

Os presentes autos tiveram início numa acção de fiscalização à sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, no âmbito da qual foram detectadas situações duvidosas relativamente a facturas emitidas pelas empresas “X, Lda.” e “X II, Lda.”, também estas já previamente objecto de fiscalização/inspecção, e tendo as mesmas sido registadas na contabilidade da sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”.

Como consta do parecer (cfr. art.º 42.º n.º 3 do RGIT) junto a fls. 421 e ss., segundo apurado pelos serviços de inspecção tributária, a sociedade “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” procedeu à contabilização de determinadas facturas que não titulam operações reais, ou seja, não traduzem a compra/venda de qualquer quantidade de pele e, por isso, facturas falsas.

Deste modo, na sequência dos actos inspectivos encetados às empresas “X, Lda.” e “X II, Lda.”, o Serviço de Finanças recolheu elementos relativos às sociedades e empresas cujas facturas se mostram duvidosas e que foram utilizadas na contabilidade da sociedade “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, as quais se apresentam no quadro inscrito na acusação pública, tendo sido indevidamente deduzido o IVA constante em tais facturas.

Assim,

Considerando a separação de processos ordenada no início da audiência de julgamento, apenas nestes autos temos para apreciação a conduta do arguido J. P. e a sociedade arguida que representa “X, Lda.”, do lado dos alegados emitentes das facturas e, do outro lado (daqueles que utilizaram as alegadas facturas falsas na respectiva contabilidade), o arguido L. C. e a sociedade arguida que representa “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”

Atento o teor do referido parecer, constata-se que o emitente das referidas facturas, a sociedade arguida “X, Lda.”, não tem estrutura material ou humana para ter executado os serviços que são referenciados nas facturas. E isto porque, desde logo, inexistem documentos de compra das peles facturadas que sejam credíveis, inexistem documentos de transporte demonstrativos da origem e destino das mercadorias, se desconhecem os fornecedores e uma parte significativa dos cheques emitidos pelos clientes são levantados ao balcão.

Por outro lado, conjugando tal parecer/relatório vindo a referir, com os depoimentos das testemunhas, S. M. e R. F., inspectores tributários, resulta que existiam indícios que a sociedade “X, Lda.”, era emitente de facturas “falsas”.

Refira-se desde já que estes depoimentos mostraram-se manifestamente desinteressados, escorreitos e coerentes, sendo certo que a prova documental junta aos autos (pelo menos na parte respeitante à sociedade “X, Lda.”), que não foi objecto de reparo nem quanto à sua genuinidade nem quanto à sua autoria/autenticidade e cujo conteúdo foi aliás ponderadamente analisado.

Estas testemunhas atestaram, entre o mais, que em todas as deslocações feitas às instalações físicas da aludida sociedade arguida não foi possível presenciar qualquer movimentação de pessoas e bens subjacente à actividade de comércio de peles, na dimensão traduzida pelo volume de facturação conhecida, pois evidenciaram ausência de rotação de mercadoria em armazém e a inexistência de pessoal de armazém.

De igual forma também asseveraram tais testemunhas que identificaram a emissão de facturas de venda de peles que indicavam que a carga tinha ocorrido nas instalações da empresa, em dia e hora em que as testemunhas se encontravam no local, não tendo sido visualizada qualquer movimentação física passível de ser associada a essas operações.

Mais explicaram tais testemunhas que não obstante ter sido referido que a aquisição de peles era efectivada através do pagamento em numerário ao fornecedor e através da entrega da respectiva factura, foi verificado (na correspondente data) que relativamente aos meses de Março e Abril de 2012, ainda não existiam facturas de fornecedores em arquivo, para fazer face à facturação já concretizada nesse período.

Por outro lado, mais confirmaram tais testemunhas que, relativamente aos fluxos financeiros associados aos fluxos económicos, foi possível aferir que todos os pagamentos aos fornecedores de peles são efectuados em dinheiro, não obstante estarem envolvidas avultadas quantias. Os pagamentos dos clientes não obstante estarem documentados por transferência bancarias e cheques emitidos à ordem da sociedade arguida “X, Lda.”, quando levados às contas bancarias tituladas pelo sujeito passivo, são levantados de imediato ou em dias subsequentes, em numerário. Outros cheques acabam por ser endossados pelo sujeito passivo e levantados à boca do balcão, em numerário.

A testemunha S. M. ainda acrescentou que não obstante tal cenário supra descrito, a sociedade arguida “X, Lda.” entregava declarações de IVA e durante muito tempo, pelo menos até ao 3.º trimestre do ano de 2011, pagava o IVA correspondente.

Sem prejuízo, tais testemunhas ainda acrescentaram que das diligências de investigação que concretizaram, concluíram que a gerência de facto da sociedade arguida “X, Lda.” cabia ao N. T. (que não é já arguido nos presentes autos, dada a separação de processos), sendo este a quem competia a decisão de compra e venda de peles, definição de preços e condições de pagamento.

Em relação a esta última parte, à mesma conclusão chegamos quando analisados os depoimentos das testemunhas P. P., TOC da sociedade arguida “X, Lda.”, que referiu no essencial sempre tratar de assuntos com o N. T. e o sócio gerente J. C. e não com o arguido J. P., que segundo o que lhe fora transmitido por aqueles era apenas trabalhador, e das testemunhas S. R. e J. L.. Aquela trabalhou cerca de dois anos na sociedade arguida “X, Lda.” como empregada de escritório, sendo que referiu que o seu patrão era o N. T. e nunca viu o arguido J. P. e este último trabalhou dois ou três meses na referida sociedade, a pedido do N. T., como empregado de armazém, limitando-se a ir lá arrumar paletes e peles quando necessário, sendo que também não conhece o arguido J. P..

Em declarações, o arguido explicou que no ano de 2010 se encontrava desempregado e que o N. T. o contactou para trabalhar na sociedade arguida “X, Lda.”, para exercer funções de vendedor de peles. Admitiu que nunca vendeu qualquer produto, que nunca se deslocou às instalações da empresa e que o N. T. lhe propôs ficar como sócio da empresa para, em contrapartida, não lhe pagar comissões pelas vendas efectuadas.

Sem prejuízo de tais declarações serem para nós pouco críveis, o certo é que da prova assim produzida não resulta, com a evidência penal necessária, que o arguido J. P. exercia de facto a gerência da sociedade arguida “X, Lda.” e que, nessa qualidade, elaborou e emitiu facturas em nome da “X, Lda.”, referentes a transacções fictícias, forjando para o efeito o seu conteúdo, pelo que, cremos que quanto à conduta do arguido J. P., outro não poderia ser o sentido senão o dado aos respectivos factos como não provado.

No mais, também as apontadas testemunhas S. R. e J. L. auxiliaram na convicção do tribunal no que respeita ao assentimento de que as facturas descritas na acusação pública, e que foram emitidas pela “X, Lda.”, não titulam operações reais, ou seja, não traduzem a compra/venda de qualquer quantidade de pele e, por isso, facturas falsas.

Veja-se que a testemunha S. R., não obstante ter trabalhado como empregada de escritório durante cerca de dois anos, disse não se recordar da identificação de nenhum fornecedor da empresa “X, Lda.” e que de facto não via grande circulação de peles, nem a circulação de camiões ou outros veículos. Apenas fez referência à existência de um outro trabalhador da empresa, a saber, a testemunha J. L., que apesar de empregado de armazém apenas esteve com ele uma ou duas vezes nas instalações da sociedade.

Desta feita, perante tal prova produzida, não nos resta senão concluir que as facturas emitidas pela “X, Lda.” (conforme vêm descritas na acusação pública) não titulam na verdade, pelos motivos supra aduzidos, operações reais, ou seja, não traduzem a compra/venda das quantidades de pele ali descritas e nas condições indicadas. Não é crível que perante o cenário descrito pelas testemunhas supra indicadas e plasmado no aludido relatório/parecer a empresa “X, Lda.” movimente e transaccione o volume de produtos descrito nas facturas e daí que outra, cremos, não pode ser a conclusão a retirar.

Continuando,

E desde logo na sequência de tal conclusão e não obstante os elementos de prova trazidos pela defesa do arguido L. C. e da sociedade arguida que representa, também só podemos concluir que estes necessariamente tinham de ter conhecimento de que tais facturas não titulavam qualquer transacção. A não ser assim, a incoerência e a falta de lógica eram latentes. Ora, se consideramos, perante a prova produzida, que quanto a nós foi clara e evidente, de que aqueles produtos descritos nas facturas não foram transaccionados, não podemos, ao mesmo tempo, sequer considerar, que os mesmos produtos (descritos nas facturas) afinal foram comprados e entregues na sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” e que os pagou. Tal é contraditório e não é sequer lógico.

A defesa do arguido L. C. e da sociedade arguida que representa indicou as testemunhas G. C., TOC, C. C., empregada de escritório da sociedade arguida e M. F., escriturária da sociedade arguida. No essencial tais testemunhas vieram relatar ao tribunal que o fornecimento de peles descrito nas facturas em causa foi efectivamente feito pela empresa “X, Lda.”, pois se tal não tivesse ocorrido a sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” não tinha conseguido fabricar o número de sapatos que fabricou nos meses e anos mencionados.

Sem prejuízo tais testemunhas desconhecem a forma e modo como tais produtos eram entregues na sociedade arguida e por quem.

Destarte e não obstante tal defesa, como se disse supra, estes elementos de prova não são suficientes para abalar a convicção supra acertada de que aquelas facturas, dado o panorama descrito da empresa “X, Lda.”, não correspondem a transacções reais.

Além do mais, a par dos indicados inspectores tributários, também a testemunha N. P., inspector tributário, o qual teve intervenção na fiscalização/investigação que respeita à sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, manifestou a mesma convicção.

O seu depoimento mostrou-se desinteressado e coerente, sendo que ainda salientou que a generalidade das facturas registadas na contabilidade do sujeito passivo “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.” em nome da “X, Lda.” e da “X II, Lda.” indicam a viatura com a matrícula ZK como tendo efectuado o transporte das mercadorias supostamente transaccionadas. Todavia, essa viatura não circulou sequer um sétimo do que teria de fazer para cobrir os quilómetros necessários para entregar todos os pés de pele mencionados nas facturas que indicam essa viatura como meio de transporte. Mais referiu que as facturas registadas na contabilidade da sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, tituladas em nome da “X, Lda.”, que não indicam a referida viatura com a matrícula ZK, têm mencionadas a viatura de matricula GD como tendo efectuado o transporte das mercadorias supostamente transaccionadas e a mesma é um veiculo ligeiro de mercadorias, com peso bruto de 1.685kg.

Por fim, tal testemunha ainda se referiu, conforme vem por si redigido no respectivo relatório/parecer, que a margem bruta declarada pela sociedade arguida “LT - Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012 é bastante inferior à margem bruta declarada pela média das empresas congéneres do seu sector que operam na mesma unidade orgânica no mesmo período.

Da prova documental, mostrou-se essencial para a formação da convicção do Tribunal:

- Facturas constantes do Anexo I dos autos;
- Certidão matrícula “X, Lda.” - fls. 48 a 52;
- Relatório inspecção tributária - fls. 66 a 118;
- Certidão matrícula “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.” - fls. 123 a 126;
- Certidão matrícula “X II, Lda.” - fls. 131 a 133;
- Declarações mod.22 IRC de 2010, 2011 e 2102 - fls. 512 a 561;
- Parecer final, datado de 21.12.2015, junto a fls. 573 a 598, concluindo que a vantagem patrimonial ilegítima da “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.” correspondente a € 20.218,99 no ano de 2010, de €75.684,44 no ano de 2011 e de € 78.120,50 no ano de 2012.

No que respeita às declarações prestadas pelo arguido L. C., diga-se que as mesmas vão no mesmo sentido daquelas que foram prestadas pelas testemunhas de defesa, ou seja, pugnando pela veracidade de tais fornecimentos, sendo que não obstante o seu conteúdo sempre não podemos considerar abalada a convicção já supra exaustivamente explanada.

Desta feita, de tais declarações não podemos sem mais dar como assente que o arguido não tinha conhecimento da existência de tais facturas na sua contabilidade. Nem cremos que tais declarações sejam suficientes para criar dúvida quanto a tal.

Ora,

Cumpre salientar que nos autos não existe prova directa dos factos que integram a prática dos crimes pelos quais os arguidos vêm acusados, existindo apenas prova indiciária que deve ser apreciada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.10.2013, in www.dgsi.pt, relatora: Maria Luísa Arantes, “é clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária”. Ora, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.01.2009, in www.dgsi.pt, relator: Cruz Bucho, cuja clareza impõe a sua transcrição, “Ao contrário do que por vezes se pensa e se ouve a todo o tempo, a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cfr., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83 Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel. Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. da Rel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º 1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º 501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006, proc.º n.º 2429/05-1, de 29-1-2007, proc.º n.º 2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, todos relatados por Cruz Bucho).

Em muitos casos, nomeadamente no âmbito da criminalidade organizada, económica e financeira, a prova indiciária, circunstancial ou indirecta é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores (cfr., v.g., Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado - procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, págs. 154-157, Fábio Brumana, Autonomia do Crime de Lavagem e Prova Indiciária, in Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n.º41, abri.-jun. 2008, págs. 11-14 e Euclides Dâmaso Simões, Prova Indiciária - contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo urgente, in Julgar, n.º2, 2007, págs. 203- 215).

(...) Segundo a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, com o aplauso geral da doutrina, a eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos:

- Prova dos indícios: Os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova directa e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre simples probabilidades;
- Concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra “indicium unus indicium nullus” seja cada vez mais questionada (cfr., criticamente, Miranda Estrampes, La minima actividad probatoria en el proceso penal Barcelona, 1997, págs. 233-240), salvo em casos excepcionais, um único facto (indício) impede a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;
- Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional. A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado.
- Motivação da sentença: o tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido. Por isso, “a sentença baseada em indícios deve ter uma extensa e abundante motivação” (Francisco Pastor Alcoy, Prueba Indiciaria y Presuncion de Inocencia, cit. pág. 63).

Ora, deve o Tribunal ponderar os factos indiciários que, conjugados com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, permitem, ou não, ao Tribunal concluir quanto à prova dos factos essenciais descritos no despacho de pronúncia.

Desde logo, há que ponderar que o emitente das referidas facturas, a sociedade arguida “X, Lda.”, não tem estrutura material ou humana para ter executado os serviços que são referenciados nas facturas, inexistem documentos de compra das peles facturadas que sejam credíveis, inexistem documentos de transporte demonstrativos da origem e destino das mercadorias, desconhecem-se os fornecedores e uma parte significativa dos cheques emitidos pelos clientes são levantados ao balcão, o que, perante o volume supostamente transaccionado, tal não é habitual à luz das regras da normalidade do acontecer.

Por outro lado, também não se pode olvidar que os emitentes das facturas em causa nos autos e que foram contabilizadas na “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, a saber J. C. e N. T., se encontram indiciados em práticas de fraude fiscal, bem como as características das empresas envolvidas, as quais não dispunham de estruturas humanas e materiais para executar os serviços constantes nas facturas.

Continuando.

Deste modo, o tribunal convenceu-se com a segurança exigível em processo penal que tais facturas que constam dos autos são falsas, na medida em que não titulam nem correspondem a quaisquer reais negócios, nomeadamente os nelas descritos, celebrados entre as partes nelas identificadas (as facturas em causa não têm subjacente qualquer relação comercial, não existindo qualquer serviço prestado entre eles) e que apenas serviram os fins provados (daí a resposta positiva também aos factos integradores do elemento subjectivo do ilícito) – quais sejam, sobrevalorizar os custos e, assim, fazer diminuir os impostos a pagar pela “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”.

Por outro lado, considerando os elementos probatórios vindos a referir, o Tribunal também ficou convencido que o arguido L. C. decidiu utilizar na contabilidade, ou pelo menos, assim permitiu e com tal se conformou, da sociedade arguida “LT, Lda.” facturas emitidas por terceiros que não se reportavam a qualquer negócio ou prestação de serviços, com o propósito concretizado de as preencher e as introduzir na respectiva contabilidade para suporte de serviços fictícios, por forma a incluir ali despesas que não foram efectivamente suportadas, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar.

Mais se provou que pelo menos o N. T., enquanto gerente de facto das sociedades “X, Lda.” e “X II, Lda.” emitiu a favor da sociedade “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.” facturas em nome daquelas, nas quais fez constar transacções que nunca existiram, que foram registadas na contabilidade da “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, conseguindo desse modo o referido individuo, em representação das mencionadas sociedades, induzir em erro a administração fiscal e, em consequência permitir falsear os resultados da arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, apresentados ao Fisco, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, que sabia ser fictícios. Mais se provou que ao emitir e preencher as referidas facturas, bem sabia o referido individuo, por si e na qualidade de legal representante da sociedade “X, Lda.”.

Relativamente aos elementos subjectivos do crime em apreço, o Tribunal considerou os mesmos como demonstrados fazendo uso de um juízo de verosimilhança, sendo certo que “o dolo não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Maio de 1994, in www.dgsi.pt, agindo os arguidos voluntária e conscientemente, com intenção de obterem proveitos económicos ilegítimos.

No mais e quanto à situação pessoal e económica dos arguidos, valoraram-se as suas declarações, o teor dos certificados de Registo criminal juntos aos autos e as certidões de matrícula actualizadas das sociedades arguidas.

Quanto aos demais factos que foram considerados como não provados tal ocorreu por não ter existido prova suficientemente convincente quanto aos mesmos.

Com efeito, conforme supra se explicou, ficou demonstrado que o arguido J. P. nunca exerceu a gerência de facto da sociedade arguida “X, Lda.”, pelo que o Tribunal deu tal factualidade como não provada, ou seja, que o mesmo emitiu ou sabia da emissão das facturas em causa nos autos
*
III- O Direito.

1. A nulidade da sentença por falta de fundamentação e de exame crítico da prova.

Sustenta o recorrente que a sentença é nula por padecer de uma gritante falta de fundamentação e um insuficiente exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal a quo na medida em que se limita a transcrever os factos constantes da acusação pública, sem fazer qualquer exame crítico das provas que serviram de base à formação da sua convicção, ficando sem se saber qual o raciocínio subjacente à convicção, designadamente a razão pela qual se valorizou um meio de prova em detrimento do outro.

Vejamos.

A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade (1). Por isso, todas as decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas (2) e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos (3). A garantia de fundamentação é, assim, indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz.

A fundamentação adequada da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.

E é compreensível que a lei determine, taxativamente, os requisitos gerais a que, especialmente, a sentença se encontra sujeita, por ser o acto decisório por excelência, o que conhece, a final, do objecto do processo e, por isso, se reveste de crucial importância porque é através dele que, particularmente, o arguido mas também os demais sujeitos processuais ficam a saber se foi proferida uma decisão absolutória ou condenatória e, neste caso, qual a medida concreta da pena.

Assim é que o art. 374º, sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu nº 2, quanto à respectiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Esta norma corporiza a exigência consagrada no artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa - dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.

O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (4).

É ponto assente que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP), é necessário que o processo de formação dessa convicção, porque assente, necessariamente, numa racionalidade prática, seja explicado com suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos, esclarecendo-se, nomeadamente, porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos, é credível porque foi prestado com uma “postura calma” ou com “um raciocínio coerente” e “está de acordo com as regras da experiência”; é preciso, dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras (5).

«A fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.» (6).

«A operação de fundamentação decisória é complexa, já que, nos termos do n.º 2 do art. 374.º do CPP, não prescinde da enumeração dos factos provados e não provados, constando, ainda, de uma exposição tanto possível completa, mas concisa dos motivos de facto e de direito que legitimam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas. É imperativo, em exame crítico das provas, que o tribunal explicite os motivos determinantes da credibilidade dos depoimentos, do valor dos documentos e exames, por que as privilegiou em detrimento de outras, em ordem a que os destinatários e um homem médio fique ciente de que as razões de convicção procedem da lógica de raciocínio, da transparência e do bem senso. Se não é necessário explicitar facto a facto as razões que levaram ao rumo decisório, o que se tornaria uma tarefa quase ciclópica, sem utilidade e mais propiciadora de reparos, não se dispensa que da fundamentação figure, de forma simples, clara e suficiente, o processo encadeado que, em resultado da lógica e da razão nela impressas, levou a tomar-se o sentido decisório expresso, enquanto sua consequência inelutável, à margem da dúvida.» (7).

Também como se anota no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 573/98 (8) a decisão, sobre a matéria de facto tem de «estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado».

Temos assim como certo que a não enumeração na sentença de algumas das provas produzidas e a consequente falta de exame crítico de todas ou de cada uma delas, explicitando as razões que levaram o Tribunal a dar crédito a umas e a descredibilizar outras, gera a nulidade da sentença, por insuficiente fundamentação da mesma (9).

Na situação em apreço, o que resulta da concreta argumentação do recorrente é que este parece não se conformar com o facto de o tribunal se socorrer de prova indirecta/indiciária para alcançar a sua convicção, desvalorizando as suas próprias declarações e os depoimentos das testemunhas que indica.
Em suma, evidencia a falta de prova para considerar como provados determinados factos e não propriamente a omissão de exame crítico da prova, olvidando que se está perante uma matéria muito específica.

Como lucidamente sublinha o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto «(…) factualidades como a dos autos pressupõem, em sede de julgamento, o lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários, nem sequer excessivamente elaborados. Faz, pois, todo o sentido afirmar que o Tribunal “a quo” teve um acesso confortável a uma certeza, para além de dúvida razoável, quanto à natureza ficta de volumosas cifras de faturação utilizada pelo recorrente, na contabilidade da sua representada, aliás não recorrente, inegavelmente abastecida, em alguma medida, por dois entes, aparentemente formados sucessivamente (10), com personalidade quase meramente fiscal, e não empresarial, o que passou, inexoravelmente, como tem de ser nestes casos, pelo percorrer de autênticas “checklist” que, sem envolverem qualquer recurso desmesurado e inadmissível a presunções, constituem o barómetro e o termómetro de aferição da verosimilhança das transações entre entes económicos, que, no setor do calçado, como é o caso, nem sequer se revestem de uma imaterialidade transcendente que torne demasiado extensa a “checklist”.».

Efectivamente, o teor da decisão criticada permite inferir, à luz do acima exposto, que a Senhora Juíza ficou convencida da realidade dos factos que arrolou como assentes e indicou o percurso ou o raciocínio lógico que a conduziu a essa convicção, de modo bastante a este Tribunal de recurso poder aferir da sua adequação (substancial), possibilidade que se estende, inevitavelmente, a qualquer destinatário directo e aos demais cidadãos: a Senhora Juíza esclareceu, no essencial, ainda que com recurso à prova indiciária a que dedicaremos maiores desenvolvimentos, noutra sede, as razões do seu convencimento para dar como provado que as facturas que enumera não tiveram como subjacente qualquer transacção, tendo sido emitidas apenas para as finalidades que também assinala.

Tudo isto para concluir que estamos perante uma “motivação” apta ao fim a que se destina, porquanto a expressão nela contida do exame crítico das provas indicadas permite alcançar o processo formativo da convicção do Tribunal, relacionando-se a discordância do recorrente com razões de diferente índole, conexas com a impugnação ampla da matéria de facto por erro de julgamento deduzida pelo mesmo.

Assim, improcede, neste segmento, o recurso interposto pelo arguido.

2. O erro de julgamento e o princípio in dubio pro reo.

A verdadeira pretensão do arguido, embora na motivação aluda ao erro notório na apreciação da prova, dirige-se à impugnação, por erro de julgamento, da decisão proferida em 1ª instância sobre os factos enunciados nos pontos l), m), n), o), p), q), r), s), t), que deveriam ser considerados como não provados, na medida em que, segundo aduz, não foi produzida qualquer prova na audiência de julgamento que permita concluir que as vendas não foram efectivamente efectuadas e que, como tal, as facturas não têm na sua génese qualquer negócio. Adindo ainda, que para o caso de assim se não entender sempre deveria ser absolvido com base no princípio “in dubio pro reo”.

A par dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, o regime processual penal consagra a chamada impugnação ampla da matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento, nos termos previstos no art. 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do mesmo código.

Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.

É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (11). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP (12). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (13).

O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.

Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.

Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º. A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Note-se que o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.

Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3).

Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado art. 412º.

É também por isso que se reconhece não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação (14).

E, nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada.

Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.

Acresce que não podemos olvidar que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (15).

Realmente, como se sabe, os meios de prova nem sempre reproduzem por si directamente a imagem da verdade. Conforme refere G. Marques da Silva (16), é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.

O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.

Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.

Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória.

Segundo expõe André Marieta (17), a prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações: «Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova capacidade de convicção.».

A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas até leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente a testemunhal, pois que nesta também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade, sendo, por isso, muito mais difícil de determinar a respectiva credibilidade (18).

Na ausência de referência na nossa lei a quaisquer requisitos especiais da prova indiciária, dependem da convicção do julgador os respectivos funcionamento e creditação, a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.

Conforme menciona G. Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e nele intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível, inerente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora, já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (19).

Nada impedirá, pois, que devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjunção dos indícios, permita fundamentar a condenação.

Contudo, no âmbito penal, o princípio in dubio pro reo – a que o recorrente também aludiu – estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.

É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (20). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (21).

É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (22), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».

Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (23).

E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos factuais da impugnação deduzida.

À luz do que acima expendemos, o recorrente não cumpriu devidamente o apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que formulou: tendo identificado os concretos pontos de facto impugnados, dizendo que o Tribunal os não poderia ter dado como provados, apenas transcreveu pequenos excertos dos depoimentos produzidos em audiência (24). Esta deficiência não deixou, e bem, de ser assinalada pelo Exmo. Sr. Procurador- Geral Adjunto.

Não obstante tal deficiência da impugnação (25), procedeu-se à audição dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, podendo, desde já, adiantar-se, que não detectamos a existência de qualquer erro ou dúvida persistente quanto ao núcleo essencial dos factos em apreciação.

Como se disse, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.

Está em causa a emissão de facturas falsas, tema sobre o qual a pronúncia do acórdão da RP de 09-04-2014 (26) assim se sintetizou:

«Através da emissão de facturas falsas o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, ou porque pura e simplesmente não existem, ou pelo menos não existem nos exactos termos que aparentam. Assim, o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com importantes consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).

Na trilogia proposta por Nuno Sá Gomes (27) tipificam-se três modalidades de facturas falsas: a) facturas falsas stricto sensu – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas inexistentes; b) facturas forjadas – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas existentes mas sem conhecimento destas últimas e c) facturas de favor – emitidas por um terceiro em resultado de acordo com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal, existindo pagamento de uma quantia ao emitente ou mediante faturas emitidas gratuitamente.

Nos dois primeiros casos a emissão de faturas falsas ocorre através de um ato unilateral do infrator e não há qualquer operação/relação económica.

Na última situação, a emissão de faturas falsas pode ocorrer mediante acordo entre duas pessoas para prejudicar o Estado Fiscal.».

(…) «Apurada a utilização de documento falso, para efeitos de determinação da matéria coletável ou de obtenção de reembolso fiscal, acompanhado da consciência e vontade da realização do tipo de ilícito, tanto basta para responsabilizar o utilizador pelo crime de fraude fiscal, verificados que se mostrem todos os restantes elementos objetivos do tipo.»

Resulta da motivação da decisão sobre os factos constantes da sentença recorrida que a Sra. Juíza indicou detalhadamente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito, sendo que, como expressamente o consignou, para tal, o teor do parecer junto a fls. 421 e ss serviu de esteio e guião: a simples leitura dessa motivação inculca que a decisão proferida se estribou no teor do referido parecer, onde se concluiu que o emitente das facturas, a sociedade “X, Lda.”, não tinha estrutura material ou humana para ter executado os serviços que eram referenciados nas mesmas. Contudo, o parecer foi explicitado e concretizado pelos depoimentos das testemunhas N. P., S. M. e R. F., inspectores tributários: foi essencial para corroborar aquela asserção o teor dos depoimentos desses inspectores tributários, que descreveram as suas observações/percepções nas várias deslocações que fizeram às empresas em causa, donde se pôde retirar a inexistência de documentação que sustentasse a aquisição das mercadorias (peles) e o seu transporte, demonstrativos da sua origem/destino e os meios de pagamento utilizados.

É certo que o arguido refuta a conclusão alcançada pelo tribunal recorrido, mas nem ele próprio soube explicar as quantidades de material que supostamente teria adquirido, os respectivos preços, a forma de transporte.
O arguido quedou-se por pretender fazer crer que o pagamento era feito através de cheque ou transferência bancária e por dizer, quando interpelado acerca do modo como estabeleceu contacto com o senhor N. T., que este se deslocou às instalações da sua empresa como vendedor de peles, tendo sido atendido pela sua funcionária C. C., que lhe teria feito a primeira encomenda (em 27/10/2010). Porém, para além de afirmar, insistentemente, que sempre prestou esclarecimentos perante a Autoridade Tributária e que desde o ano de 2008 tem vindo a pagar mais impostos, não conseguiu apresentar qualquer explicação que tornasse plausível a sua versão sobre os factos.

Quanto aos depoimentos das testemunhas G. C. (contabilista) e C. C. (empregada de escritório) não tem correspondência com a realidade o alvitre do arguido de que aqueles teriam colocado em crise os contributos dos inspectores tributários para o esclarecimento dos factos. Na verdade, de tais depoimentos nada se extrai que contrarie estes contributos e, em particular no que concerne às facturas aqui em causa, não facultam um único elemento que pudesse sustentar que as mesmas teriam consubstanciado negócios realmente concretizados: ao invés do ventilado, enquanto a testemunha G. C. disse nunca ter falado com qualquer fornecedor de mercadoria ou presenciado a entrega de qualquer mercadoria por parte da “X, Lda”, a testemunha C. C. limitou-se a afirmar que foi ela quem fez a primeira encomenda de mercadoria ao Sr. N. T., mas nada mais acrescentou que corroborasse a correspondência dessa afirmação ao sucedido ou, ainda menos, que conferisse consistência à verificação de qualquer efectiva entrega de mercadoria nas instalações da sua entidade patronal.

Diferentemente, os inspectores tributários prestaram depoimentos isentos/seguros e forneceram a indicação de um conjunto de factos de que, linearmente, se extrai que as facturas em causa não tiveram na sua génese qualquer transacção.

Efectivamente, N. P. asseverou que a dimensão do valor das facturas (cerca de 7 milhões de euros) pressuporia que a sociedade emitente detivesse uma estrutura minimamente sólida, o que não se verificava, pois não tinha veículos com capacidade para transportar as mercadorias supostamente vendidas e, sobretudo, não tinha motoristas para o efeito nem, aliás, quaisquer outros funcionários, para além da (única) já referenciada.

A testemunha enunciou, ainda, o conjunto de anomalias e factores estranhos que verificou, para os quais o recorrente, notificado para o efeito, não ofereceu qualquer explicação e que o levaram a concluir pelo caracter fictício das facturas.
Assim, sobre esse contexto, apontou, desde logo o facto de o Sr. N. T. nunca ter feito qualquer transporte de peles ou visitado cliente algum e relatou que a generalidade das facturas registadas na contabilidade da “LT, Lda.” em nome da “X, Lda.” e da “X II, Lda.” indicavam a viatura com a matrícula ZK como tendo sido a que havia sido utilizada no transporte das mercadorias supostamente transaccionadas, quando a mesma viatura não circulou, sequer, numa sétima parte das distâncias necessárias para efectuar a entrega de todos os pés de pele mencionados nas facturas que a referenciavam.

Mais observou que noutras facturas registadas na contabilidade da sociedade “LT”, tituladas em nome da “X, Lda.”, não era indicada a referida viatura com a matrícula ZK como tendo efectuado o transporte das mercadorias supostamente transaccionadas, mas, sim, um veículo ligeiro de mercadorias, com peso bruto de 1.685kg, de matrícula GD.

Reportou-se, ainda, ao meio de pagamento, tendo constatado que os cheques eram realmente emitidos em nome da “X, Lda”, depositados na conta e automaticamente levantados, ou depositados na conta de terceiros para desconto.

Por sua vez, a testemunha S. M. confirmou que a fiscalização se iniciou numa empresa denominada RT. Unipessoal Lda., auditada nos anos de 2008 a 2010, tendo sido no decurso dessa auditoria que se apercebeu da existência de facturas que não consubstanciavam operações verdadeiras. Nessa altura, já a RT. era fornecedora da “LT, Lda.”, sendo que nessa ocasião já o Sr. N. T. tinha intervenção nesses negócios, por se encontrar mandatado para o exercício de funções de gerente da LF Unipessoal Lda. Entretanto a LF Unipessoal Lda, cessou funções e foi criada a “X Unipessoal Lda.”, com o Sr. N. T., que foi mudando a sede das referidas empresas, tendo sido possível apurar, através das várias visitas que fizeram às instalações, que não havia qualquer tipo de movimentação de mercadoria, havendo apenas uma funcionária, tendo também constatado que, não obstante essa falta de movimentação, eram emitidos cheques em nome da “X Unipessoal Lda.” que eram logo descontados. De igual forma asseverou que identificaram a emissão de facturas que indicavam que a carga tinha ocorrido nas instalações da empresa, em dia e hora em que inspectores se encontravam no local, não tendo sido visualizada qualquer movimentação física susceptível de ser associada a essas operações.

Concluiu que todos os dados constantes na contabilidade da “X Unipessoal Lda. “ que auditou até Março de 2012 eram falsos.

Ambas as testemunhas N. P. e S. M. atestaram, entre o mais, que em todas as deslocações feitas às instalações físicas da aludida sociedade arguida não foi possível presenciar qualquer movimentação de pessoas e bens subjacente à actividade de comércio de peles, na dimensão traduzida pelo volume de facturação conhecida, pois evidenciaram ausência de rotação de mercadoria em armazém e a inexistência de pessoal no mesmo.

Também a testemunha R. F. fiscalizou a empresa “X Unipessoal Lda. a partir de Junho de 2012 e depois a “X II”, tendo averiguado que não havia qualquer tipo de movimentação na empresa, cujas portas se encontravam sempre fechadas, apenas lá se deslocando uma única pessoa que era uma funcionária. Quanto ao demais, corrobou o depoimento das testemunhas S. M. e N. P..

A testemunha S. R., empregada de escritório durante cerca de dois anos, na “X, Lda.”, para além de não ter conseguido identificar nenhum fornecedor da empresa, disse que não via grande circulação de mercadoria, nem a circulação de camiões ou outros veículos. Apenas referiu a existência de um outro trabalhador, a testemunha J. L., e que, apesar de empregado de armazém, apenas esteve com ele uma ou duas vezes nas instalações da sociedade.

Perante tais factos inequivocamente adquiridos e conhecidos, porque evidenciados por estes meios de prova, o que se imporia seria, pois, saber se os mesmos facultam a passagem para a aquisição de um facto desconhecido, através do (mero) instrumento metodológico de aquisição da prova, com a intervenção de «presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido», como se conclui no acórdão do STJ de 7/01/2004 (28), em cujo sumário se escreve:

«Na presunção deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in) existência dos vícios do artigo 410°, n° 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).».

A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável» (29).
Ou ainda como se escreveu no sumário do acórdão do mesmo tribunal de 9/11/2017 (30)
«A prova indiciária opera a partir de um facto-base - que no caso de ser único terá de possuir uma especial força de acreditação - ou de uma pluralidade de factos-base mediante um raciocínio indutivo com um determinado grau de razoabilidade, suportado por regras de lógica e de experiência comum para chegar a uma conclusão que com consistência e coerência leve ao afastamento da presunção de inocência.».

Também o Tribunal Constitucional (31) chamado a apreciar esta matéria declarou «quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio “in dubio pro reo”. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.»

Questão é, pois, que essa avaliação suporte a conclusão de que o acusado praticou, sem margem para qualquer dúvida razoável, os factos que lhe são imputados.

O Tribunal explicou o percurso seguido para a formação da sua convicção, essencialmente, pelo seguinte modo: «Desde logo, há que ponderar que o emitente das referidas facturas, a sociedade arguida “X, Lda.”, não tem estrutura material ou humana para ter executado os serviços que são referenciados nas facturas, inexistem documentos de compra das peles facturadas que sejam credíveis, inexistem documentos de transporte demonstrativos da origem e destino das mercadorias, desconhecem-se os fornecedores e uma parte significativa dos cheques emitidos pelos clientes são levantados ao balcão, o que, perante o volume supostamente transaccionado, tal não é habitual à luz das regras da normalidade do acontecer.

Por outro lado, também não se pode olvidar que os emitentes das facturas em causa nos autos e que foram contabilizadas na “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, a saber J. C. e N. T., se encontram indiciados em práticas de fraude fiscal, bem como as características das empresas envolvidas, as quais não dispunham de estruturas humanas e materiais para executar os serviços constantes nas facturas.

Deste modo, o tribunal convenceu-se com a segurança exigível em processo penal que tais facturas que constam dos autos são falsas, na medida em que não titulam nem correspondem a quaisquer reais negócios, nomeadamente os nelas descritos, celebrados entre as partes nelas identificadas (as facturas em causa não têm subjacente qualquer relação comercial, não existindo qualquer serviço prestado entre eles) e que apenas serviram os fins provados (daí a resposta positiva também aos factos integradores do elemento subjectivo do ilícito) – quais sejam, sobrevalorizar os custos e, assim, fazer diminuir os impostos a pagar pela “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”.

Por outro lado, considerando os elementos probatórios vindos a referir, o Tribunal também ficou convencido que o arguido L. C. decidiu utilizar na contabilidade, ou pelo menos, assim permitiu e com tal se conformou, da sociedade arguida “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.” facturas emitidas por terceiros que não se reportavam a qualquer negócio ou prestação de serviços, com o propósito concretizado de as preencher e as introduzir na respectiva contabilidade para suporte de serviços fictícios, por forma a incluir ali despesas que não foram efectivamente suportadas, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar.

Mais se provou que pelo menos o N. T., enquanto gerente de facto das sociedades “X, Lda.” e “X II, Lda.” emitiu a favor da sociedade “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.” facturas em nome daquelas, nas quais fez constar transacções que nunca existiram, que foram registadas na contabilidade da “LT – Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, conseguindo desse modo o referido individuo, em representação das mencionadas sociedades, induzir em erro a administração fiscal e, em consequência permitir falsear os resultados da arguida “LT- Produção e Comércio de Calçado, Lda.”, apresentados ao Fisco, nos anos fiscais de 2010, 2011 e 2012, que sabia ser fictícios. Mais se provou que ao emitir e preencher as referidas facturas, bem sabia o referido individuo, por si e na qualidade de legal representante da sociedade “X, Lda.”.

Relativamente aos elementos subjectivos do crime em apreço, o Tribunal considerou os mesmos como demonstrados fazendo uso de um juízo de verosimilhança, sendo certo que “o dolo não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Maio de 1994, in www.dgsi.pt, agindo os arguidos voluntária e conscientemente, com intenção de obterem proveitos económicos ilegítimos.».

Concordamos com o raciocínio expendido, porquanto dos elementos probatórios produzidos e/ou analisáveis em audiência advém a corroboração de que estamos perante as denominadas facturas falsas e/ou de favor.

Estando nós perante uma convicção cuja formação assentou na imediação e na oralidade, não podemos deixar de observar que às razões pelas quais se confere credibilidade a determinados elementos de prova – sejam declarações do arguido sejam depoimentos de testemunhas – subjazem componentes de racionalidade e da experiência comum, mas nelas também se intrometem factores de que o tribunal de recurso não dispõe.

Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhes aprouvesse e que tivessem por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar a credibilidade ou falta dela dos depoimentos que refere, sem apontar razões ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos. A argumentação desenvolvida no recurso não permite concluir que tenha ocorrido uma incorrecta apreciação das provas pelo Tribunal de cuja sentença sobressai o respectivo convencimento quanto à demonstração dos factos naquela questionados.

Ora, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.

Como tem vindo a referir o Tribunal Constitucional (32), «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.

Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».

Assim, não se detecta qualquer patente irrazoabilidade na convicção probatória expressa pela julgadora com imediação (33): a Senhora Juíza fez um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeu em detrimento de outros. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as ilações extraídas na decisão quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugna o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso.

Por fim, dir-se-á que é certo que, se existisse a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-ia assentar a decisão na que se mostrasse mais favorável ao arguido, de acordo com o aludido princípio in dubio pro reo. Contudo, o apelo a este princípio, fundamentalmente como corolário da apreciação que o recorrente faz da prova, não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de 1ª instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, contra ele resolvida.

Efectivamente, atentando na motivação da decisão de facto, logo se constata que a Senhora Juíza não ficou em estado de dúvida: fica-se a conhecer, cristalinamente, o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foram valorados e tidos em consideração os depoimentos das testemunhas indicadas, em conjugação com os demais meios de prova produzidos, referentes a todos os segmentos da decisão, como se deixou explícito, em detrimento da defesa apresentada pelo arguido/recorrente.
E, não restando dúvidas da prática pelo arguido dos factos assentes, consequentemente, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
IV. Decisão:

Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, por consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).


Guimarães, 25/02/2019

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

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1 cfr. art. 379º, nºs 1, al) a) e 2: «É nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º».
2 Cfr. art. 97º nº 5 do CPP.
3 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito». Também Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter“ seguido no tratamento valorativo da prova». No mesmo sentido salienta Germano Marques da Silva, In Curso de Processo Penal, III Vol, pág. 289, “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
4 Cfr. também acórdãos do STJ de 11-07-2007 (07P1416) e 29-03-2006 (06P478), ambos relatados por Armindo Monteiro) e de 16-03-2005 (05P662) relatado por Henriques Gaspar.
5 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
6 Sumário do Ac. do STJ de 3-10-2007 (07P1779 - Henriques Gaspar).
7 Sumário do já citado Ac. do STJ de 8-01-2014, em cujo texto se acrescenta: «(…) a exigência de um exame crítico, não definido por lei, das provas que serviram para formar a convicção probatória, de valoração livre, porém racional, à margem do capricho do julgador, mas objectivada e apoiada num processo lógico que inteligência o material recolhido, atentando nas regras da lógica, da experiência comum, ou seja daquilo que comummente sucede, e que, como ser socialmente integrado, aquele deve ter presente, sopesando a valia das provas e opondo – lhe o seu desvalor, face ao que fará a opção final, (…), para não se quedar a um estádio puramente subjectivo, pessoal, emocional, imotivável, tutelado pelo arbítrio, mas antes evidencie o processo lógico-racional proporcionando fácil compreensão aos destinatários directos e à comunidade de cidadãos, que espera dos tribunais decisões credíveis, desde que justas, concorrendo ainda para a celeridade processual na decisão, desse modo fornecida aos tribunais de recurso. E nesse sentido se pronunciam, além do mais, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs, elucidativos, entre tantos, os Acs deste STJ, 23.2.2011 e de 7.4.2010, P.º n.º 3621.7.6TBLRA. O exame crítico funciona como limite ao princípio da livre convicção probatória que emerge da oralidade e acautela a discricionariedade do julgador, legitimando o poder judicial, acautelando os interesses a prosseguir em processo penal, tão indispensável como ar que se respira, na expressão do Prof. Alberto dos Reis; IV, 566 e segs, na esteira de Chiovenda.».
8 Publicado no DR. 2ª Série de 13 de Novembro de 1998.
9 Neste sentido, Ac. da R.L. de 18/01/2011, proc. 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, Ac. da R.E. de 06/11/2012, proc. 220/09.2GAGLG.E1, Ac. da R.G. de 08/02/2016, proc. 285/13.2TAMDL.G1.
10 De acordo com os factos provados - cf. als. a) a d) e h) - a sociedade “X, Lda” existiu entre 29-09-2010 e 07-08-2012; seguindo-se-lhe a “X II, Lda”, a partir de 26-09-2012; ambas do mesmo ramo de actividade.
11 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
12 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
13 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
14 É, aliás, no cumprimento deste último requisito que, segundo parece ser consensual, se deve estabelecer alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, uma vez que se considere que a insuficiência de tal indicação não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal.
15 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ (S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
16 Curso de Processo Penal, p. 82.
17 La Prueba em Processo Penal, p. 59.
18 Cfr. Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.
19 Ainda sobre o recurso a tal espécie de prova, o STJ em Ac. de 8/11/95 (BMJ 451/86) refere que «Um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes» e acrescenta que as regras da experiência a que alude o art. 127º, têm um importante papel na convicção do Tribunal. E o Ac. da RC de 6/3/96, in CJ 2º/44, que: «A prova pode ser directa ou indiciária; A prova indiciária assenta em dois elementos: a) - o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado; b) - a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto; Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação» – doutrina reafirmada no Ac. do mesmo Tribunal de 9/2/2000, também in CJ, 1º/51. Também sobre prova directa, prova indiciária e regras da experiência, os Acs. Do STJ de 25/2/99 (BMJ 484/288) e de 3/3/99 (BMJ 485/248).
20 Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
21 Rev. Min. Pub. 19º, 40.
22 Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».
23 Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.
24 Embora tenha junto um dossiê com várias transcrições, mas que são imprestáveis para os fins em vista.
25 Não olvidando a doutrina fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 3/12, de 8/03/2012, publicado no DR, 1ª Série, de 18/04/2012, também perfilhamos o doutamente decidido no Ac. STJ de 1-07-2010, CJ, 2010, T2, pág.219 onde se asseverou que se o recorrente, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa com indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou, só lhe faltando indicar as «concretas passagens das gravações em que se fundamenta a impugnação e imporia decisão diversa», não se pode dizer que há uma tal falta de especificação, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar».
26 Proc. 31/06.7IDVRL.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo.
27 In Relevância Jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua eventual destruição pelos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, nº 377, DGI, Jan-Mar.1995, pág. 9.
28 Proc. 03P3213, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
29 Ainda o mesmo aresto.
30 Proc. 263/08.3JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva.
31 Acórdão 391/2015 (Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16)
32 Designadamente no acórdão n.º 198/2004, de 24-03-2004, in DR, II Série, n.º 129, de 02-06-2004.
33 Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.