Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
19/20.5T8PTB.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
CONVOLAÇÃO
DECRETAMENTO DE PROVIDÊNCIA DIVERSA
ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tendo os requerentes invocado, como fundamento para o embargo de obra nova, que o requerido está a construir uma casa, em parte, no prédio daqueles, tese factual que não se demonstrou, constitui facto essencial não alegado a invocação, em sede de recurso, que a casa está a ser erigida em terreno do domínio público.
II- A norma do artigo 376º, nº 3, do CPC, na parte em que dispõe que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida», não versa sobre o erro da qualificação dada pelo requerente, mas sim sobre o erro na escolha da providência.
III- O erro de qualificação é solucionado pela norma geral do artigo 193º, nº 3, do CPC, que impõe que um tal erro seja corrigido oficiosamente pelo juiz.
IV- A primeira parte do nº 3 do artigo 376º do CPC permite o aproveitamento do procedimento cautelar para decretamento de uma providência diferente da requerida, mediante o exercício pelo juiz de um poder de adequação material, com base nos factos alegados pelo requerente e no conteúdo do direito por ele invocado. Visa suprir a inadequação da providência requerida face aos factos alegados e ao direito invocado e não admitir uma convolação para um objecto diferente daquele que foi concretizado pelo requerente.
V- A possibilidade de convolação do procedimento cautelar especificado requerido para um outro procedimento cautelar, designadamente o comum, não pode ser motivada pela não demonstração tanto da tese factual alegada como da violação do direito invocado como fundamento para a providência concretamente requerida. Se não se demonstra a tese factual do requerente e a ofensa ao direito real ou de direito equiparado (posse ou direito pessoal de gozo) invocado como fundamento do embargo de obra nova, a questão é de improcedência do procedimento cautelar e não de inadequação da providência requerida.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – RELATÓRIO

1.1. L. L. e mulher, V. A., instauraram procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra M. M., alegando, em síntese, que são donos do imóvel identificado no artigo 1º da petição e que o logradouro desse prédio confina a norte com um prédio pertencente ao Requerido e com o denominado “Largo C” – sendo que entre ambos existe o denominado “Caminho do Cemitério” –, e que aquele iniciou uma obra de construção de uma casa de habitação no seu prédio ampliando a respectiva área coberta – e acrescentando-lhe um andar – até ao limite norte do prédio de que os requerentes são donos, obra essa que prejudica quer a entrada para este prédio, quer a estética do mesmo.
Mais alegam que a parede em tijolo agora erigida pelo Requerido no seu prédio contém uma abertura que não existia e que tudo indica vir a constituir uma janela que ficará a menos de 1,5 m de distância da sua propriedade, e que a distância deixada entre os dois prédios, ao longo do lado norte do prédio identificado no artigo 1º da petição, é de apenas 38 cm, o que levará, provavelmente, a que a água da chuva que caia no telhado pingue directamente para a dita propriedade dos Requerentes.
Alegam ainda que no passado dia 18.01.2020, pelas 15 horas, embargaram extrajudicialmente a obra em causa.
Terminam requerendo a ratificação do aludido embargo extrajudicial, ordenando-se a imediata suspensão da obra.
*
O Requerido deduziu oposição, onde concluiu pela improcedência do procedimento cautelar.
Sustenta que a obra está a ser construída nos limites do seu prédio, sendo certo que a mesma não estreita ou prejudica a entrada dos Requerentes no seu prédio ou mesmo a estética deste último.
Alega ainda que a abertura existente na parede sul da obra em construção levará blocos de vidro fosco para permitir apenas a entrada de claridade para o interior da habitação, e que a quelha onde tal parede foi erigida tem largura suficiente para receber as águas das chuvas através do telhado e que, por conseguinte, as mesmas não pingarão para o prédio dos Requerentes.
*
Realizada a audiência final, foi proferida decisão a julgar improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, não ratificar o embargo de obra nova.
*
1.2. Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1. O MM. juiz do tribunal de que se recorre julgou improcedente o procedimento cautelar de embargo de obra nova, e em consequência não ratificou judicialmente o embargo.
2. Em suma, por considerar que os factos sumariamente apurados não permitem concluir que a obra em curso cause ofensa ao direito de propriedade de que os recorrentes são titulares relativamente ao prédio identificado em 1.º do elenco dos factos indiciariamente provados.
3. Dispõe o artigo 397 n.º 1 do CPC que “ Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”
4. Ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que o local onde a parede /Norte que foi construída pelo requerido não é propriedade dos recorrentes;
5. Mas sim pertence ao domínio público; razão pela qual não são proprietários;
6. A construção erigida pelo requerido “ocupa” o caminho publico que os requerentes vinham utilizando há mais de 10, 20 e 30 anos em toda a sua extensão, incluindo o local onde agora está construída a parede objeto dos presentes autos.
7. E embora os requerentes não detenham o direito de propriedade nos termos supra referidos,

Em bom abono da verdade sempre ficou demonstrado que;
8. O prédio dos Embargantes, há mais de 20, 30, 50 e 60 anos, tem acesso independente àquela via pública onde o requerido fez a construção ora embragada, através de um portão em ferro, ladeado por dois pilares em pedra, e que liga diretamente com esse caminho público.
9. Tal portão em ferro colocado no prédio dos embargantes conduz directamente ao caminho público e “Largo C”, que existe há pelo menos 50 anos, o qual há muito é usado pelos aqui Recorrentes, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal caminho, encontrando-se este em bom estado de conservação, em toda a sua extensão, inclusive no local onde o requerido construiu a parede paralela ao “Largo C” e/ou caminho do cruzeiro.
10. As mais recentes interpretações restritivas feitas pelo Supremo Tribunal de Justiça ao Assento deste Tribunal de 19 de abril de 1989, hoje com valor de Acórdão de uniformização de jurisprudência, e segundo o qual “são públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso direto e imediato do público”, têm considerado que está preenchido o requisito da imemorialidade, para efeitos de classificação de um caminho como público, desde que o uso deste ocorra há mais de 50 ou 60 anos - conforme explanado nos Acórdãos de 13 de janeiro de 2004, Proc. 03A3433, disponível em www.dgsi.pt. de 8 de maio de 2007, Proc. 07A981, disponível em www.dgsi.pt, de 14 de fevereiro de 2012, Proc. 295/04.OTBOFR.C1.S1, disponível em www.stj.pt. e de 18 de setembro de 2014, Proc. 44/1999.E2.S1, disponível em www.stj.pt.
11. Ficou provado, repita-se, que o caminho onde o requerido erigiu uma parede do lado Norte (tendo por referência o largo da aldeia) invade-o na sua largura!
12. O caminho existe há pelo menos 50 anos, é de utilização pública, há muito usado pelos aqui Recorrentes em toda a sua extensão, bem como pelos vizinhos, que ali têm as suas moradias.
13. E o uso das expressões de que tal caminho existe “há pelo menos 50 anos” e que “há muito são usados pelos Recorrentes, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal caminho” pretende significar que as pessoas se lembram da utilização de tal acesso, pelo público, pelo menos desde há 50 anos, constituindo estes 50 anos o limite mínimo de tempo de utilização pública que os vivos recordam e já não um limite máximo que é ignorado por ser desconhecido.
14. Destarte, na saída do logradouro do prédio dos recorrentes, pelo lado norte, o portão colocado por estes, conduz diretamente a tal caminho, que, em face da matéria dada por provada na instância, para além de ser um caminho de utilização pública é usado há pelo menos 50 anos, significando estes 50 anos um limite mínimo de utilização que o leva a considerar com um uso imemorial.

Acresce que, não se concebe que:
15. O Meritíssimo juiz do tribunal “A Quo” tenha dado como não provado que:
- “Tal ampliação prejudica a entrada dos requerentes no prédio referido em 1, estreitando-a”
16. Resulta claro das fotografias juntas pelo requerido (designadamente fotografia n.º 4) que a entrada dos requerentes ficará com a presente obra mais estreita.
17. O que cai no âmbito do direito privado.
18. E ainda que se concebesse que não estariam preenchidos os requisitos para que fosse decretado a providência cautelar de embargo de obra nova; sempre o MM. Juiz poderia e deveria fazer uso do disposto no artigo 376 n.º 3 do CPC;
19. Que preceitua que “O tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida…….”
20. Nestes termos o MM. Juiz do tribunal de que se recorre, poderia e deveria convolar o procedimento cautelar de embargo de obra nova, num procedimento cautelar comum, previsto no artigo 362 do CPC.
21. Por se encontrarem preenchidos os requisitos do mesmo;
Assim,
22. Dispõe o artigo 362 n.º 2 do CPC que: “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”
23. O procedimento cautelar comum tem como pressuposto o periculum in mora (perecimento do direito pelo decurso do tempo).
24. A continuação da obra por parte do requerido leva a que o direito que assiste aos recorrentes pereça com o decurso do tempo;
25. Designadamente o uso da entrada privada sita a Norte com camiões para descarregar material para o café/mercearia em toda a sua extensão;
26. E a utilização do caminho em toda a sua largura….
27. Exige-se como segundo pressuposto o fumus bonis júris (probabilidade séria da existência do direito).
28. Existe o direito de propriedade dos Recorrentes quanto ao uso da entrada em toda a sua extensão, como o vem fazendo há mais de 20, 30 anos!
29. O que se prova facilmente pelos documentos fotográficos juntos aos autos!
30. E por último o summaria cognitio (conhecimento sumário pelo tribunal).

Nestes termos e nos demais de direito que V. (s) Exa.(s) doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se a decisão que ordenou o indeferimento do embargo.
Se assim não se entender; deverá a decisão proferida ser convolada num procedimento cautelar comum, seguindo o processo os seus termos até final».
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
**
1.3. Questões a decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso. Por outro lado, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, não podendo o tribunal ad quem analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes ao tribunal a quo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes – artigo 5º, nº 3, do CPC.

Neste enquadramento, são questões a decidir:

i) Verificar se existiu erro no julgamento da matéria de facto, no que respeita ao ponto de facto nº 8 dos factos não provados;
ii) Quanto à matéria de direito, saber se a decisão recorrida deve ser revogada, substituindo-se por outra que julgue procedente o procedimento cautelar;
iii) No caso de improceder a questão anterior, se deve ser ordenada a convolação do procedimento cautelar especificado em procedimento cautelar comum.
***

II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto
2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se sumariamente provados os seguintes factos:

1. Os Requerentes são proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano sito no lugar do C, freguesia de ..., concelho de Ponte da Barca, inscrito na matriz urbana sob o n.º ….
2. O referido prédio é constituído por casa de habitação composta por rés-do-chão e 1º andar, sendo o rés-do-chão destinado a actividades económicas.
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …, a favor do requerido M. M. – por compra –, o prédio urbano sito em …, freguesia de ..., concelho de Ponte da Barca, sendo que, segundo a descrição, é composto por sequeira de rés-do-chão e primeiro andar e terreno anexo, destinado a corte e sequeira, tem a área total de 116,7 m2, confronta do norte com herdeiros de J. R., do sul com J. A., do nascente com J. E. e do poente com caminho público, estando inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ….
4. O logradouro do prédio referido em 1confina a norte com o prédio referido em 3 e com o “Largo C”.
5. Na saída desse logradouro, pelo lado norte, existe um portão para acesso de veículos ligeiros.
6. Trata-se de um portão em ferro, ladeado por dois pilares em pedra, e que liga directamente com o denominado “Largo C”.
7. Ao sair do prédio referido em 1, do lado direito do “Largo C”, encontra-se o prédio referido em 3, o qual era composto por um antigo sequeiro em tijolo.
8. O Requerido iniciou uma obra de construção de uma casa de habitação, ampliando a respectiva área coberta e acrescentando-lhe um andar.
9. Esta ampliação levou ao início de construção de uma parede paralela ao “Largo C”.
10. A parede referida em 9 contém uma abertura, que tudo indica vir a constituir uma janela.
11. Tal abertura encontra-se a menos de 1,5 m do prédio referido em 1.
12. O Requerido procedeu ainda à construção de uma outra parede perpendicular à referida em 9, ocupando uma extensão de 7,80 m a todo o comprimento do lado norte do prédio referido em 1.
13. Esta parede contém uma reentrância.
14. A distância deixada entre os prédios referidos em 1 e 3, ao longo do lado norte daquele primeiro, é de 69,26 cm na sua parte mais larga e de 38 cm na sua parte mais estreita.
15. O Requerente marido procedeu ao embargo extrajudicial obra referida em 8 a 13 no dia 18 de Janeiro de 2020, pelas 15 horas, frente a um trabalhador, de nome C. S., que se encontrava a construir a referida obra.
16. O prédio referido em 1, na sua confrontação nascente, tem um estabelecimento comercial de mercearia e de café.
17. O prédio referido em 1 confronta a nascente com a estrada nacional que dá ligação a Espanha, e a poente com caminho em terra pedonal.
18. O prédio referido em 1 encontra-se completamente vedado com um muro e com o portão referido em 5.
19. O Requerido ergueu a parede referida em 12 precisamente no local onde existia a parede da sequeira e a parede de pedra de granito que se encontrava ao nível do rés-do-chão e que sustentava a dita sequeira e um terraço ali existentes.
20. E ergueu a parede referida em 9 precisamente no local onde existia o dito terraço, que assentava numa outra parede de granito que se encontra ao nível do rés-do-chão.
21. Entre o muro de vedação do prédio referido em 1 e o prédio referido em 3 existe uma pequena quelha, sita a sul da parede de tijolo da casa do Requerido, identificada em 12.
22. Essa quelha dava acesso no sentido poente/nascente ao prédio referido em 3.
23. A obra referida em 8 a 14 não encobre um dos pilares referidos em 6.
24. A reentrância referida em 13 levará blocos de vidro fosco, para permitir a entrada de claridade para o interior da habitação que o Requerido se encontra a construir.
25. O Requerido irá colocar caleiros no telhado junto à parede referida em 12 para recolha das águas das chuvas.
26. No prédio referido em 3, o Requerido, por si e antepossuidores, cultiva e planta árvores e flores no terreno anexo, trata das árvores existentes no logradouro e colhe os respectivos frutos, utiliza as lojas, o terraço e a sequeira com produtos agrícolas, animais e alfaias agrícolas, faz obras de edificação e ampliação para habitação e custeou as despesas respectivas e paga os impostos devidos.
27. No terraço secavam e colocavam produtos agrícolas, por onde também acediam ao largo público ali existente.
28. O referido em 26 acontece há mais de 20, 30, 50, 60 anos, ininterruptamente, à vista e com o conhecimento e acatamento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, actuando o Requerido e respectivos antepossuidores relativamente ao prédio referido em 3 na convicção de exercerem um direito próprio.
29. A mãe do Requerido vedou o prédio referido em 3 ao nível do primeiro andar, na parte que confrontava com o “Largo C”, com esteios e rede na confrontação poente do prédio, deixando uma entrada para o terraço, por onde acedia à sequeira.
*
2.1.2. Na decisão recorrida considerou-se que não se provaram os seguintes factos:

«1. O prédio referido em 1 tem a área total de 250,0000 m2, sendo a área de implantação do edifício de 100,0000 m2 e a sobrante área (diferencial) constitui o seu logradouro.
2. Os prédios referidos em 1 e 3 confinam o denominado “Caminho do Cemitério”.
3. O portão referido em 5 dá acesso a veículos pesados para carga e descarga de mercadorias destinadas a um estabelecimento de café e mercearia existente no rés-do-chão desse prédio e explorado pelos requerentes.
4. O portão referido em 5 liga directamente com o caminho que dá acesso ao cemitério.
5. Ao sair do prédio referido em 1, o prédio referido em 2 surge do lado direito do caminho do cemitério.
6. A obra referida em 8 ampliou a área edificada até ao limite norte do prédio referido em 1.
7. E assenta, numa das suas extremidades, directamente no prédio referido em 1, junto ao portão deste, encobrindo o respectivo pilar.
8. Tal ampliação prejudica a entrada dos requerentes no prédio referido em 1, estreitando-a.
9. A reentrância referida em 13 será uma outra janela virada para o prédio do referido em 1.
10. Para além do aí referido, a distância referida em 14 é de apenas 38 cm ao longo do lado norte do prédio referido em 1.
11. O referido em 14 levará a que a água da chuva do telhado pingue directamente para o prédio referido em 1.
12. Para além do referido em 18, existe um outro portão na confrontação poente do prédio referido em 1.
13. Os requerentes ocuparam com a construção do muro de vedação do prédio referido em 1 e um anexo entre 30 a 40cm do terreno da quelha referida em 21, estreitando-a sem autorização do requerido e da sua tia Maria, proprietária do prédio que fica a nascente daquele prédio.
14. Entre o largo público e a sequeira, concretamente por cima do muro em granito que existe a poente do prédio referido em 3, o requerido, por si e antepossuidores, cultivava flores e fazia jardim.
15. O “Largo C” foi melhorado à custa de uma parcela de terreno que existia a poente do terraço do prédio referido em 3, que foi doada pelos pais do requerido à freguesia.
16. O presente procedimento cautelar foi instaurado em 23.01.2020».
**
2.2. Do objecto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto

Em sede de recurso, embora de forma imperfeitamente expressa, os Recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que respeita ao ponto nº 8 dos factos não provados, correspondente à alegação, constante do requerimento inicial, de que «tal ampliação prejudica a entrada dos requerentes no prédio referido em 1, estreitando-a».
Deduz-se indirectamente do alegado nas suas conclusões nºs 15 e 16 que pretendem que tal ponto de facto seja considerado como provado, pois afirmam que «16. Resulta claro das fotografias juntas pelo requerido (designadamente fotografia n.º 4) que a entrada dos requerentes ficará com a presente obra mais estreita».

Revistos os meios de prova produzidos, em especial os invocados pelos Recorrentes, esta Relação formula uma convicção idêntica à do Tribunal recorrido no que respeita à não demonstração do ponto nº 8 dos factos não provados.
Entendemos que a prova foi exemplarmente apreciada pelo Tribunal a quo, cuja argumentação, minuciosa, explícita e conforme com a prova produzida, acompanhamos totalmente.

Primeiro, apreciadas as fotografias juntas aos autos, em especial a fotografia nº 4 junta pelo Requerido, que é a invocada expressamente pelos Requerentes para alicerçar a impugnação, não se consegue retirar directamente do que aí se observa a existência do alegado erro apontado à decisão do Tribunal recorrido.

Segundo, para se poder afirmar que a entrada dos Requerentes, em consequência da obra que o Requerido está a realizar, ficará mais estreita, teria que ser concretamente invocado um elemento probatório, designadamente uma fotografia referente à situação anterior, que permitisse fazer a comparação e permitir uma conclusão positiva. Os Requerentes não apontam qualquer elemento que permita fazer a aludida comparação.
Só por si, a análise da fotografia nº 4 não demonstra o estreitamento da entrada dos Requerentes.
Portanto, os Requerentes não demonstram, através de concretos elementos probatórios, o erro por si alegado.

Terceiro, o Tribunal recorrido fundamentou exaustivamente, na motivação da decisão de facto, por que considerava não demonstrado o alegado estreitamento da entrada dos Requerentes, ao explicitar que «[e]m face das considerações tecidas, conclui-se que também não se fez prova (2), ainda que meramente indiciária, de que, por mor da edificação que o requerido se encontra a construir, o acesso ao prédio dos requerentes tenha ficado mais estreito relativamente ao que antes acontecia. As testemunhas arroladas pelos requerentes (I. R. e L. M.) afirmaram que a edificação em discussão foi construída para lá do local onde se recordam ter existido uma rede apoiada em esteios, e que tal circunstância dificulta as manobras de veículos no local, mormente veículos pesados. O depoente I. R. referiu mesmo, a dado passo do seu depoimento, que, sendo motorista profissional, actualmente tem mais dificuldades em fazer manobras no local, mesmo de veículos ligeiros, do que quando existia a citada rede. Mas também referiu que quando a rede lá estava colocada, encostava o pára-choques do veículo à mesma e era desse modo que conseguia fazer a manobra mais facilmente, e que assim “não havia problemas”. Tal afirmação permite perceber que o depoente fazia a manobra do veículo que conduzia com mais facilidade do que hoje sucede porque aproveitava o espaço vazio que a rede lhe oferecia, o que não quer dizer que desse modo a traseira do veículo não invadisse o terreno do prédio do requerido. Bem pelo contrário, analisado o depoimento em questão, a ideia que fica é que era precisamente isso que acontecia. Como é óbvio, estando aquela zona ocupada actualmente por uma parede em tijolos, não pode o depoente manobrar o veículo com a displicência do passado, sob pena de embater com a traseira do veículo na parede de tijolos construída pelo requerido».

Mas já antes do extracto transcrito o Tribunal tinha invocado outros elementos complementares que contribuíram para dar como não demonstrado o ponto nº 8 dos factos não provados, em inteira consonância com a prova produzida. São eles os seguintes:

«Não obstante, sempre se dirá que a prova produzida nos convenceu de que o requerido construiu a parede que está virada para o “Largo C” dentro dos limites do prédio de que é dono, e que não invadiu o dito Largo ou qualquer caminho público que ali existisse (…). As declarações que o requerido prestou a esse propósito são coerentes com a configuração física do local. De feito, aquele explicou que a sua mãe, pelos anos de 1967 e 1968, levantou duas paredes em pedra com cerca de 2,20 cm de altura, e que foi sobre essas mesmas paredes que erigiu as paredes em tijolo da edificação embargada. Essas paredes, ou melhor, a parede construída ao longo da confrontação do prédio com o Largo, antes da construção da obra em causa, é bem visível nas fotografias juntas com a oposição sob os docs. 3 (a segunda), 4 e 9. As testemunhas C. S. (pessoa que está a construir a obra embargada) e N. P. (engenheiro civil contratado pelo requerido para executar o projecto ou desenho da obra) esclareceram de forma credível que as paredes de tijolo da habitação actualmente visível no local em discussão foram assentes nas paredes em pedra supra referida, que o segundo depoente explicou inclusivamente “engatarem” uma na outra, isto é, a parede que corre ao longo da confrontação do prédio do requerido com o Largo flecte, já próximo do portão de acesso ao prédio dos requerentes, para a esquerda onde se encontra a quelha a que já nos referimos (e flecte precisamente na esquina das duas paredes em tijolo visíveis na fotografia junta na oposição sob o doc. 12), o que indicia que foram as duas construídas na mesma altura, como referiu o requerido e também os seus irmãos, R. G. e J. L..
E o requerido explicou que os limites do seu prédio, naquela confrontação, sempre foram fisicamente traçados pela existência de três meios esteios, dois deles junto ao prédio dos requerentes na zona onde actualmente existe o portão de acesso à sua propriedade e respectivos pilares; e um terceiro na parte mais baixa do prédio do requerido (visível na fotografia junta com a oposição sob o doc. 3 – a segunda), estando todos eles perfeitamente alinhados uns com os outros, e passando pela face posterior de cada um deles uns arames ou rede que assinalavam o limite do dito prédio relativamente ao “Largo C”. Esses arames são visíveis na fotografia acabada de identificar, e bem assim na que foi junta naquele mesmo articulado sob o doc. 9. E os dois primeiros meios esteios são também visíveis na fotografia cuja junção aos autos o Tribunal ordenou oficiosamente na última sessão de audiência final, onde se vê o cruzeiro e a habitação dos requerentes, em data em que ainda não existiam o portão nem os pilares que o sustentam, estes visíveis em fotografia mais recente (cfr. docs. 3 e 4 juntos com a p.i., e 1, 2 e 12 juntos com a oposição). A testemunha R. J. também referiu no seu depoimento que o que servia de vedação do prédio do requerido eram arames apoiados em esteios, reconhecendo na fotografia que lhe foi exibida o esteio que ainda hoje ali existe, na parte mais baixa daquele prédio.
Actualmente ainda existem vestígios daquele que será o segundo meio esteio visível naquela fotografia (a que foi junta na última sessão de audiência final), agora partido, conforme resulta da análise das fotografias juntas com a oposição sob os docs. 2, 12 (a segunda) e 16-A. O próprio requerente marido, confrontado com a segunda fotografia junta como doc. 2 com a oposição, reconheceu que a pedra partida aí visível será a do esteio que ali existia, embora não possa asseverar que se encontre no seu local original. E a requerente mulher também referiu que os esteios em causa existiram em tempos, e que tinham arames colocados ao longo dos mesmos, de uns para os outros, reconhecendo inclusivamente aquele que se vê na fotografia junta como doc. 3 com a oposição. Aliás, se observarmos esta fotografia com atenção conseguimos perceber que o esteio aí visível estaria alinhado com os dois que se encontravam em tempos junto ao portão de acesso ao prédio dos requerentes, junto à parede que confronta com o Largo e mais acima flecte para a esquerda, ou seja, para a quelha acima referida.
Note-se ainda que o calcetamento do “Largo C” não ultrapassou a zona de alinhamento dos esteios (vejam-se as fotografias juntas com a oposição sob o doc. 2), situação que aliás é também observável naqueloutra que foi junta aos autos por determinação do Tribunal e que é até bem mais antiga do que aquela.
A ideia que os requerentes defenderam nos seus depoimentos de parte de que aquela parede constituiria um muro de sustentação do caminho público e/ou do “Largo C” não foi corroborada por qualquer outro meio de prova. De resto, essa hipótese não se afigura verosímil porque o muro que flecte para a quelha não sustenta qualquer caminho ou parcela de terreno pública, mas sim particular (que integra, como vimos, o prédio pertencente ao requerido). Como vimos, sobre este conspecto o requerido e os seus irmãos prestaram depoimentos coerentes entre si no sentido de que foi a sua mãe quem mandou fazer tais obras a suas expensas para ganhar mais espaço no seu prédio, destruindo para o efeito, segundo explicaram, um penedo de grandes dimensões que ali existia junto ao denominado “Largo C”».

Por todo o exposto, concordando-se integralmente com o Tribunal recorrido, o ponto de facto em causa não pode ser considerado provado.
Termos em que se julga improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
2.2.2. Substituição da decisão recorrida por outra que julgue procedente o procedimento cautelar

Nas conclusões nºs 1 a 14 das suas alegações, os Recorrentes sustentam, em síntese, que o procedimento cautelar deveria ter sido julgado procedente, uma vez que ficou demonstrado que «o local onde a parede /Norte que foi construída pelo requerido não é propriedade dos recorrentes», «[m]as sim pertence ao domínio público». Como a «construção erigida pelo requerido “ocupa” o caminho público que os requerentes vinham utilizando» e «a entrada dos requerentes ficará com a presente obra mais estreita», assistia-lhes o direito de embargar a obra e de obter do Tribunal a ratificação de tal embargo extrajudicial.

No dizer de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (3), o embargo de obra nova é a providência adequada a evitar a violação, ou a continuação da violação, de um direito, real ou pessoal, de gozo ou da posse de uma coisa, por via de uma obra em curso.
O embargo reconduz-se, simplificando, a uma oposição ao prosseguimento de obra, trabalho ou serviço novo, visando a respectiva suspensão.

São requisitos da providência:
a) O início de uma obra (4);
b) A ofensa de um direito, real ou pessoal, de gozo, ou da posse, em consequência dessa obra.

No caso dos autos é indiscutível que se verifica o primeiro requisito, uma vez que o Requerido deu início à construção de uma casa de habitação.
Quanto ao segundo requisito, verifica-se que, ao contrário do alegado na petição, nenhuma parte da obra foi erigida sobre o prédio dos Requerentes (5), o que estes reconhecem expressamente no recurso, pelo que não foi violado o seu direito de propriedade.
Também não se vislumbra nos factos provados qualquer violação, ou ameaça de violação, do conteúdo material de outros direitos reais ou de direitos equiparados (posse ou direitos pessoais de gozo) de que sejam titulares os Requerentes.

A argumentação dos Recorrentes centra-se na invocação de que a obra do Recorrido, em concreto, uma parede da casa em construção, está a ser edificada num caminho público, com o consequente estreitamento deste e também do acesso ao prédio daqueles.
Nesta parte, cabe desde logo notar que os Requerentes não alegaram na petição tal facto (a construção de uma parede em tijolo num caminho público ou em qualquer outro espaço que constitua domínio público), o qual dificilmente pode deixar de ser considerado um facto essencial, enquanto constitutivo de uma causa de pedir. É completamente diferente uma obra estar a ser construída, em parte, no prédio dos Requerentes ou em parcela do domínio público. No primeiro caso estaria em causa a violação do direito de propriedade dos Requerentes, no segundo a violação de um direito de uma pessoa colectiva pública. Por isso, a causa de pedir seria diferente num caso ou no outro. Sem prejuízo da questão da legitimidade, era insusceptível de ser considerada uma causa de pedir não alegada (pelo menos um facto não alegado estruturante da mesma).
Depois, sem necessidade de outros desenvolvimentos, verifica-se que não foi provado qualquer facto demonstrativo de que a obra está a ser erigida fora dos limites do prédio do Requerido, designadamente que ocupe terreno do domínio público.
A decisão recorrida é perfeitamente clara sobre esse ponto, quando afirma que «a prova produzida nos convenceu de que o requerido construiu a parede que está virada para o “Largo C” dentro dos limites do prédio de que é dono, e que não invadiu o dito Largo ou qualquer caminho público que ali existisse».
A tese de que a parede (seja ela a paralela ao Largo C ou a outra existente do lado do prédio dos Requerentes) ocupa domínio público não tem qualquer apoio nos factos considerados provados na decisão recorrida. Pelo contrário, os pontos nºs 7 a 14, 19 a 23 e 26 a 29 dos factos provados evidenciam que a obra observou os limites do prédio do Requerido. Que não ocupa parte do denominado Largo C ou de qualquer caminho pode retirar-se dos seguintes factos:
«19. O requerido ergueu a parede referida em 12 precisamente no local onde existia a parede da sequeira e a parede de pedra de granito que se encontrava ao nível do rés-do-chão e que sustentava a dita sequeira e um terraço ali existentes.
20. E ergueu a parede referida em 9 precisamente no local onde existia o dito terraço, que assentava numa outra parede de granito que se encontra ao nível do rés-do-chão».

Pelo exposto, é manifesto que não se encontra reunido o segundo requisito necessário ao decretamento da providência.
*

2.2.3. Convolação para procedimento cautelar comum

Nas conclusões nºs 18 a 30, os Recorrentes alegam que o Tribunal recorrido, ao ter entendido que não estavam preenchidos os requisitos para que fosse decretada a providência cautelar de embargo de obra nova, deveria ter ordenado a convolação para procedimento cautelar comum.
A norma cuja aplicação à situação dos autos os Recorrentes reclamam é a do artigo 376º, nº 3, do CPC, na parte em que se dispõe que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida».
A referida disposição consagra uma derrogação ao princípio do dispositivo, na vertente relativa à conformação do objecto da instância, atribuindo-se um poder judicial de adequação material (6).
Esta norma não versa propriamente sobre o erro da qualificação dada pelo requerente, mas sim sobre o erro na escolha da providência.
É que o erro de qualificação já é solucionado pela norma geral do artigo 193º, nº 3, do CPC, que impõe que um tal erro seja corrigido oficiosamente pelo juiz e cujo sentido reside em evitar que, por meras razões de natureza formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo. Por exemplo, o requerente qualifica o procedimento cautelar como de restituição provisória da posse, requerendo a restituição de um prédio, mas como está alegado um acto de esbulho sem violência, o juiz, alterando a qualificação dada pelo requerente, determina que o procedimento cautelar especificado siga termos como procedimento cautelar comum (v. art. 379º do CPC). Outro exemplo: o requerente pede a apreensão dum prédio que alega pertencer-lhe, denominando de arresto tal apreensão, quando se trata duma providência inominada (7).
A situação que o legislador pretendeu solucionar com a primeira parte do nº 3 do artigo 376º foi a possibilidade de «aproveitamento dum procedimento cautelar de outro modo inútil, com base nos factos alegados pelo requerente (art. 5-1) e no conteúdo do direito por ele invocado» (8).
O exercício desse poder de adequação material está circunscrito pela alegação factual feita pelo requerente no requerimento inicial e pelo conteúdo do direito por ele invocado. Está em causa uma inadequação da providência requerida face aos factos alegados e ao direito invocado e não a admissibilidade de uma convolação para um objecto diferente daquele que foi concretizado pelo requerente. Daí resulta uma limitação à adequação judicialmente induzida.
Só nas apontadas condições é que o tribunal não está vinculado à medida cautelar concretamente requerida, podendo adoptar aquela que seja mais adequada a tutelar a concreta situação verificada.

No caso dos autos, a pretendida convolação alicerça-se na circunstância de não ter ficado demonstrada a tese factual alegada no requerimento inicial, segundo a qual a construção do Requerido teria sido erigida numa parcela do prédio pertencente aos Requerentes. Depois de produzida a prova, não se demonstrou que a obra que está a ser levada a cabo pelo Requerido ofende o direito de propriedade de que os Requerentes são titulares.
Ora, a possibilidade de convolação do procedimento cautelar especificado requerido para um outro procedimento cautelar, designadamente o comum, não pode ser motivada pela não demonstração tanto da tese factual alegada como da violação do direito invocado como fundamento para a providência concretamente requerida. Não foi para tutelar essa situação, concedendo ao requerente uma segunda oportunidade de demonstrar uma outra causa de pedir, diferente daquela que não conseguiu provar, que o legislador consagrou o poder judicial de adequação material.
Se não se demonstra a tese factual do requerente e a ofensa ao direito real ou de direito equiparado (posse ou direito pessoal de gozo) invocado como fundamento do embargo de obra nova, a questão é de improcedência e não de inadequação, sendo que apenas esta última justifica a convolação. Em caso de improcedência, emergente do aludido circunstancialismo, o tribunal continua adstrito à providência cautelar concretamente requerida, não lhe sendo lícito convolar o procedimento cautelar para um outro, especificado ou comum, com um objecto diferente daquele que tinha sido concretizado pelo requerente. A admissão de uma tal “convolação” representaria a concessão da possibilidade de o requerente demonstrar uma causa de pedir diferente da inicialmente alegada, bem como invocar um direito diferente daquele que tinha sido alegado, em violação do princípio da estabilidade da instância.
Sendo assim, também improcede a argumentação que alicerçava a questão ora analisada.
Destarte, improcede totalmente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
**
2.3. Sumário

1 – Tendo os requerentes invocado, como fundamento para o embargo de obra nova, que o requerido está a construir uma casa, em parte, no prédio daqueles, tese factual que não se demonstrou, constitui facto essencial não alegado a invocação, em sede de recurso, que a casa está a ser erigida em terreno do domínio público.
2 – A norma do artigo 376º, nº 3, do CPC, na parte em que dispõe que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida», não versa sobre o erro da qualificação dada pelo requerente, mas sim sobre o erro na escolha da providência.
3 – O erro de qualificação é solucionado pela norma geral do artigo 193º, nº 3, do CPC, que impõe que um tal erro seja corrigido oficiosamente pelo juiz.
4 – A primeira parte do nº 3 do artigo 376º do CPC permite o aproveitamento do procedimento cautelar para decretamento de uma providência diferente da requerida, mediante o exercício pelo juiz de um poder de adequação material, com base nos factos alegados pelo requerente e no conteúdo do direito por ele invocado. Visa suprir a inadequação da providência requerida face aos factos alegados e ao direito invocado e não admitir uma convolação para um objecto diferente daquele que foi concretizado pelo requerente.
5 – A possibilidade de convolação do procedimento cautelar especificado requerido para um outro procedimento cautelar, designadamente o comum, não pode ser motivada pela não demonstração tanto da tese factual alegada como da violação do direito invocado como fundamento para a providência concretamente requerida. Se não se demonstra a tese factual do requerente e a ofensa ao direito real ou de direito equiparado (posse ou direito pessoal de gozo) invocado como fundamento do embargo de obra nova, a questão é de improcedência do procedimento cautelar e não de inadequação da providência requerida.
***

III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Condenam-se os Recorrentes no pagamento das custas.
*
*
Guimarães, 01.10.2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)



1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Destaque nosso.
3. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, pág. 163.
4. Abarcando designadamente as obras de construção, de demolição e de escavação ou a plantação e o corte de árvores.
5. A parede cuja construção é posta em causa no recurso – a referida no ponto nº 9 da factualidade apurada – nem sequer confina com o prédio dos Recorrentes, tal como expressamente refere o Tribunal de 1ª instância na decisão recorrida.
6. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L.F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 444.
7. Este último exemplo é apontado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, pág. 84.
8. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 85.