Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
511/14.0TMBRG-D.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MAIORIDADE OU EMANCIPAÇÃO DO FILHO
EXTINÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Se durante a menoridade do filho (ou filhos) tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito de processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade, ou emancipação, do filho (ou filhos) que ocorra posteriormente a tal fixação (e independentemente de ter sido atingida antes ou depois da entrada em vigor da Lei nº122/2015) não determina a extinção da prestação de alimentos, devendo os incidentes posteriores, quer sejam alteração quer sejam cessação dos alimentos, ser interpostos e correr por apenso àquele processo de regulação.
II – Na situação referida em «I», inaplicável o processo especial para a cessação ou alteração de alimentos previsto no art. 936º do C.P.Civil de 2013.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (1)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Na data de 30/01/2020, por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais, o Requerente A. J. instaurou contra a Requerida E. C., nos termos do art. 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, acção de alteração do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença de 08/10/2014, pedindo que se «decrete a alteração do exercício das responsabilidades parentais em vigor, extinguindo as obrigações alimentares do Requerente para com os filhos maiores, porque estes já estão em condições de prover ao seu próprio sustento» e «a alteração da regulamentação do exercício das responsabilidades parentais sobre a M. C., nos termos expostos», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: nestes autos foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos três filhos do Requerente e da Requerida; actualmente, a A. C. tem 23 anos de idade e o J. A. tem 21 anos; a A. C. continua a estudar na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, mas encontra-se a trabalhar, há mais de um ano, obtendo rendimentos próprios que lhe permitem custear as suas despesas, o que fundamenta o presente pedido de extinção da obrigação de alimentos do Requerente; o J. A. encontra-se a concluir a sua formação académica, mas está empregado e aufere vencimento mensal que não é inferior ao salário mínimo nacional, não sendo razoável exigir ao Requerente que mantenha a obrigação alimentar; o Requerente só tem tido contactos breves e esporádicos com a M. C., a qual faz 14 em breve, e o Requerente quer exercer o seu direito/dever de conviver com a sua filha, para tal é essencial concretizar a regulamentação desse exercício, fixando-se os períodos de visitas, com fins-de-semana alternados e estabelecendo-se um período de convívio durante as férias escolares, e considerando a extinção das prestações alimentares aos filhos maiores, deve ser fixada à M. C., uma pensão de 120,00€ mensais, a atualizar a partir de Janeiro de 2021, à taxa de inflação não inferior a 3%.

Sobre esta pretensão do Requerente foi proferido, em 10/02/2020, o seguinte despacho (que se transcreve na parte que para o caso releva):
“… o demandante interpôs a presente acção contra E. C., sua ex-mulher e mãe dos seus três filhos (dois deles maiores) e pede a alteração do regime de visitas e da prestação de alimentos relativamente à filha menor de ambos M. C. e a cessação da prestação de alimentos devidos aos filhos maiores A. C. e J. A.. No que respeita ao pedido relativo aos filhos maiores, o demandante deveria ter interposto acção contra os mesmos nos termos do art. 936º do CPCivil, o que não fez tendo inclusive cumulado o pedido com o supra referido (alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha menor), os quais não são cumuláveis ou compatíveis entre si já que não lhes corresponde o mesmo formalismo processual na medida em que à alteração da regulação das responsabilidades parentais é aplicado o disposto no art. 42ºss do RGPTC enquanto que à cessação da prestação de alimentos a filho maior é aplicado o disposto no art. 936ºss do CPCivil. Atento o exposto, os presentes autos não prosseguirão quanto aos pedidos relacionados com as prestações de alimentos devidas aos filhos maiores do demandante que nem sequer são parte nos presentes autos…
… uma vez que a presente acção foi interposta contra a progenitora, em conformidade com o exposto e atendendo à causa de pedir e ao pedido formulados pelo demandante quanto à menor M. C. (alteração do regime de visitas e da prestação de alimentos), a esta acção cabe a forma de alteração da regulação das responsabilidades parentais – como, de resto, aquele menciona no cabeçalho da petição inicial.
Custas do incidente pelo requerente (quanto à cumulação incompatível dos pedidos)…”.
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1.2. Do Recurso do Requerente

Inconformado com o despacho na parte em que «determinou o não prosseguimento dos autos quanto aos pedidos relacionados com as prestações de alimentos devidas aos filhos maiores», o Requerente interpôs recurso de apelação, pedindo que “substituam o despacho recorrido, no segmento posto em evidência, por outro que admita ambos os pedidos, a tramitar nos termos do artigo 42º do RGPTC”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“1ª. O Recorrente requereu a alteração da regulação das responsabilidades parentais fixada no Proc. 511/14.0TMBRG, ao abrigo do disposto no artigo 42º do RGPTC, pedindo em relação aos dois filhos maiores pediu que fosse decretada a cessação das respetivas prestações alimentares e, em relação à filha menor pediu a alteração do regime de convívio/visitas.
2ª. O despacho recorrido entendeu não conhecer do primeiro pedido por lhe corresponder a forma processual diferente prevista no artigo 936º do CPC.
3ª. Dos artigos 1905º e 1880º do CC resulta que a regulação das responsabilidades parentais que disponha quanto a alimentos mantem­se para a maioridade e até aios 25 anos de idade enquanto não estiver completa a formação profissional do filho.
4ª. Logo, pretendendo a cessação da obrigação alimentar regulada na menoridade dos filhos, o Recorrente tem de pedir a alteração da mesma ao abrigo do artigo 42º do RGPTC, sob pena de violação dos normativos referidos.
5ª. E esta pretensão corre como incidente apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais, por aplicação dos artigo 91º e 989º, nº2 do CPC.
6ª. O tribunal de 1ª instância violou o prescrito no nº 3 do artigo 193º do CPC ao recusar conhecer do pedido de cessação dos alimentos aos filhos maiores do Recorrente, uma vez que devia e podia ter feito a adequação formal que eventualmente entendesse adequada”.
A Requerida não contra-alegou.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (2) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (3)).
Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso interposto pela Autora, é uma a questão a apreciar por este Tribunal ad quem: tendo havido decisão a fixar alimentos no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, o pedido de cessação dos alimentos relativamente a filhos que atingiam a maioridade posteriormente a tal fixação, deve ser formulado em incidente que corre por apenso àquele processo ou deve ser formulado no processo especial previsto no art. 936º do C.P.Civil de 2013.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede, e ainda os seguintes:

1) Nos autos principais de acção de regulação das responsabilidades parentais e que constituem o proc. nº511/14.0TMBRG, na data de 08/10/2014, na conferência de pais, a agora Requerida, na qualidade de mãe, e o agora Requerente, na qualidade de pai, acordaram no exercício das responsabilidades parentais relativas aos seus filhos menores, A. C. nascida a -/10/1996, J. A. nascido a -/09/1998, e M. C. nascida a -/02/2006,
2) Tendo sido estabelecido no âmbito desse acordo que “I - QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA: - Todas as decisões de maior relevo para a vida dos menores serão tomadas conjuntamente pelo pai e pela mãe, ressalvados os casos de urgência manifesta, em que qualquer deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível. II - RESIDÊNCIA dos menores e atos da vida corrente: - Os menores residirão com a mãe, a cuja guarda ficam confiados, que fica incumbida de zelar e acautelar pelo respetivo bem-estar, a ela cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos menores. III - Direito de VISITAS: - O pai poderá visitar e contactar os menores sempre que quiser, sem prejuízo do respeito pelas atividades escolares, lúdicas e pelas demais rotinas dos menores atinente ao descanso e refeições e desde que combine previamente com a mãe. IV - ALIMENTOS aos Menores: - A título de pensão de alimentos o pai pagará à mãe-guardiã a quantia de €83,33 mensais, para cada menor, num total de €250,00 mensais, até ao dia 8 de cada mês. - A aludida pensão será atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2015, à taxa de inflação publicada pelo I.N.E., não inferior a 3%. - As despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas e as despesas escolares (manuais e material escolar do início do ano escolar) serão comparticipadas em partes iguais por ambos os progenitores”,
3) E tendo esse acordo sido objecto de homologação por sentença.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos termos do art. 36º/5 do C.R.Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e, em consonância com este princípio constitucional, o art. 1878º/1 do C.Civil estatui que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Por sua vez, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº141/2015, de 08/09, estabelece como uma das providências tutelares cíveis, para efeitos desse mesmo RGPTC, a “fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos” [cfr. art. 3º/d)].
O referido art. 1880º do C.Civil dispõe que “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Este preceito gerou controvérsia doutrinal e jurisprudencial (até à publicação da Lei nº122/2015, de 01/09), existindo uma orientação maioritária que sustentava que a prestação de alimentos estipulada na menoridade caducava automaticamente logo que o filho atingisse os 18 anos (data a partir da qual este devia requerer contra os progenitores os alimentos devidos até à conclusão da sua formação profissional), e uma corrente minoritária que defendia que tal pensão de alimentos não cessava de forma automática, antes se estendendo para lá da maioridade até que o filho completasse a sua formação profissional.
Tal controvérsia findou com o regime introduzido pela Lei nº122/2015, por força das alterações que provocou no art. 1905º do C.Civil e no art. 989º do C.P.Civil de 2013. Com efeito, por força dessa alteração, o referido art. 1905º passou a estatuir: “1. Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor. 2. Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência” (o sublinhado é nosso, e deu-se consagração legal ao entendimento que vinha sendo minoritário - a maioridade não extingue automaticamente a prestação de alimentos fixada a filho menor, mantendo-se até aos 25 anos de idade). Por seu turno, o referido art. 989º passou a estabelecer: “1. Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores. 2.Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso…”.
Como tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência, na parte em que alterou o art. 1905º do C.Civil, a Lei nº122/2015 tem natureza interpretativa, aplicando-se a todas as obrigações de alimentos anteriormente constituídas e que subsistiam à data da sua entrada em vigor. Como de decidiu no Ac. do STJ de 08/02/2018 (4), «I - A Lei n.º 122/2015, de 01-09, é lei interpretativa, conforme disposto no art. 13.º, n.º 1 do CC, na parte em que alterou o art. 1905.º do CC que passou a prescrever no aditado n.º 2 que “para efeitos do disposto no artigo 1880. ° entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade”. II - Assim sendo, o n.º 2 abrange todos aqueles que viram a sua pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de outubro de 2015».
Neste “quadro jurídico”, afigura-se-nos que a única interpretação que se pode formular, em consonância com as regras impostas pelo art. 9º do C.Civil, é no sentido de que, se durante a menoridade do filho (ou filhos) tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito de processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade do filho (ou emancipação) que ocorra posteriormente a tal fixação (e independentemente de ter sido atingida antes ou depois de 01/10/2015) não determina a extinção da prestação de alimentos e implica mesmo que os incidentes posteriores, quer sejam alteração quer sejam cessação dos alimentos, tenham que ser interpostos (e corram) por apenso àquele processo de regulação.
Tem sido, aliás, este o entendimento que têm vindo a ser prosseguido pela Jurisprudência. Com efeito, no Ac. da RC de 22/01/2019 (5), decidiu-se que “por um lado, o procedimento destinado a realizar o direito de alimentos dos filhos que atinjam a maioridade e careçam de alimentos lato sensu para completarem a sua formação profissional segue, sob adaptação, tenha ou não havido sentença a fixar alimentos em razão da sua maioridade, o regime processual relativo aos menores. E, por outro, tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a sua maioridade não impede que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos, corram por apenso”, e explica-se: “Assim, “mutatis mutandis”, perfilha-se, agora por reporte aos artºs 989.º do NCPC e 45º e ss. RGPTC, o entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 19/11/2013 (Apelação nº 119-B/2001.P1), que - embora versando as normas correspondentes da pretérita legislação processual e das leis de organização judiciária então vigentes – considerou: «[…] não só o nº 1 do art. 1412º do CPC determina que a fixação de alimentos devidos a filhos maiores ao abrigo do art. 1880º do CC - prolongamento da obrigação alimentar para completar a formação profissional – seguirá, a nível processual, o regime previsto para os menores – e o regime previsto para o incumprimento ou a alteração de alimentos consta dos arts. 181º e 182º da OTM –, como o nº 2 do art. 1412º, inculca precisamente a ideia de que, atingida a maioridade, a alteração ou a cessação de alimentos deverá ser decidida através de incidente a processar por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais… Nesse sentido se pronuncia Lopes do Rego… referindo que o processo regulado no art. 1412º continuará a ser aplicável quando os pedidos de alimentos a maiores ou emancipados constituam incidente ou dependência de ação pendente, constituindo o pedido de alimentos ao filho maior incidente do precedente processo de fixação de alimentos a menor. Tal opinião é partilhada por Maria Clara Sottomayor: “Tendo havido decisão de alimentos relativos a menores, sobrevinda a maioridade o pedido de alimentos, nos termos do art. 1880º, deve ser formulado com o incidente de alteração de alimentos, por apenso àqueles, dispondo o/a filho/a de legitimidade processual exclusiva…”. E no Ac. da RE de 09/03/2017 (6), decidiu-se que “VII - Da interpretação do artigo 983.º, n.º 2, do CPC, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre que: a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade; b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação… IX - Já nos casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, e após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais”.
Perante as considerações jurídicas supra expostas e perante a factualidade relevante para a apreciação do presente recurso, temos necessariamente que concluir que, na decisão recorrida, o Tribunal a quo errou na determinação da norma jurídica aplicável. Concretizando.
Como resulta do manancial factual provado, os dois progenitores, o ora Requerente e a ora Requerida, no âmbito de acção de regulação das responsabilidades parentais, acordaram sobre o exercício de tais responsabilidade relativamente aos seus três filhos, então todos menores, exercício esse que, para além do mais, incluía a prestações de alimentos pelo Requerente a cada filho, sendo o respectivo valor pago à mãe (a ora Requerida).
E como mais resulta do manancial factual provado, por apenso ao supra referido processo de regulação das responsabilidades parentais, o Requerente instaurou contra a Requerida acção de alteração do acordo das responsabilidades parentais, no âmbito da qual, relativamente aos filhos A. C. e J. A., que atingiram a maioridade antes da instauração do processo aqui em causa, peticiona a cessação das respectivas prestações de alimentos, e relativamente à filha Maria, que continua a ser menor, peticiona a alteração dos períodos de visitas e do valor da prestação de alimentos.
Nestas circunstâncias, uma vez que, durante a menoridade de todos os filhos, houve uma decisão, em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que também abrangeu a fixação de prestação de alimentos, e uma vez que a maioridade que os filhos A. C. e J. A. não determina a extinção dessa prestação, então a pretensão do pai progenitor no sentido de que seja declaração a cessação da sua obrigação de prestar alimentos aos dois filhos maiores tem que ser formulada em incidente instaurado por apenso àquele processo de regulação, inexistindo, em absoluto, qualquer fundamento legal para tal pretensão seja formulada no âmbito do processo especial para a cessação ou alteração de alimentos previsto no art. 936º do C.P.Civil de 2013, como se considerou na decisão recorrida (“… No que respeita ao pedido relativo aos filhos maiores, o demandante deveria ter interposto acção contra os mesmos nos termos do art. 936º do CPCivil…”).
Não sendo aplicável à pretensão deduzida pelo Requerente relativa à cessação da prestação de alimentos aos dois filhos maiores o processo especial (para a cessação ou alteração de alimentos) previsto no art. 936º do C.P.Civil de 2013, e devendo sim tal pretensão ser deduzida como incidente apenso ao anterior processo de regulação das responsabilidades parentais, como efectivamente foi, impõe concluir-se que foi errado o entendimento do Tribunal a quo quando sustentou que “No que respeita ao pedido relativo aos filhos maiores, o demandante deveria ter interposto acção contra os mesmos nos termos do art. 936º do CPCivil, o que não fez”, e, por via disso, resulta também errado o entendimento do mesmo Tribunal quando sustentou que existe uma cumulação incompatível (ilegal) de pedidos [“… tendo inclusive cumulado o pedido com o supra referido (alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha menor), os quais não são cumuláveis ou compatíveis entre si já que não lhes corresponde o mesmo formalismo processual na medida em que à alteração da regulação das responsabilidades parentais é aplicado o disposto no art. 42ºss do RGPTC enquanto que à cessação da prestação de alimentos a filho maior é aplicado o disposto no art. 936ºss do CPCivil…”].
Por conseguinte, o despacho recorrido não pode ser mantido na parte em que determinou que “os presentes autos não prosseguirão quanto aos pedidos relacionados com as prestações de alimentos devidas aos filhos maiores do demandante”, devendo ser revogado nesta parte que, embora não denominado como tal, corresponde a um indeferimento liminar parcial e devendo os autos prosseguirem também quanto à pretensão formulada pelo Requerente relativamente à cessação de prestação de alimentos dos filhos maiores A. C. e J. A..
Impõe-se, no entanto, fazer a seguinte: embora não tenha sido objecto de qualquer conctreta apreciação e decisão em termos de legitimidade (ou falta dela), certo é que a decisão recorrida faz uma «alusão» a que os filhos maiores “nem sequer são parte nos presentes autos”. Não tendo o Tribunal a quo tomado qualquer posição e decisão sobre tal «falta de demanda directa dos filhos maiores» e sobre que vício processual poderá a mesma consubstanciar, não pode este Tribunal ad quem pronunciar-se sobre tal questão, devendo sim o Tribunal a quo, na sequência do prosseguimento dos autos também quanto aos pedidos formulados pelo Requerente relativamente à prestação de alimentos dos filhos maiores, apreciar e decidir se tal «falta de demanda» constitui um vício processual, se o mesmo é susceptível de ser sanado e, em caso negativo, quais são as respectivas consequências processuais, salientando-se que, manifestamente, a Requerida foi demandada pelo Requerente (independentemente, de estar ou não correcto) na qualidade de representante de todos os filhos e também como sendo a pessoa a quem, por força do regime anteriormente fixado, o Requerente paga as respectivas prestações de alimentos, tudo sem prejuízo de que não existem dúvidas de que o titular do direito a alimentos são os filhos.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, deverá julgar-se procedente o recurso interposto pelo Requerente/Recorrente e, por via disso, deverá revogar-se a decisão recorrida na parte em que decidiu que “os presentes autos não prosseguirão quanto aos pedidos relacionados com as prestações de alimentos devidas aos filhos maiores do demandante” e determinar-se que os autos prosseguirem também quanto à pretensão formulada pelo Requerente relativamente à cessação de prestação de alimentos dos filhos maiores A. C. e J. A., mas sem prejuízo do Tribunal a quo apreciar outros eventuais vícios processuais que se verifiquem quanto à demanda dos mesmos (de legitimidade ou de outra natureza processual).
Procedendo o recurso e não tendo a Requerida contra-alegado, as custas do presente recurso ficarão a cargo da parte vencida a final, ou caso as partes fiquem parcialmente vencidas, ficarão a cargo das partes vencidas na proporção do respectivo decaimento - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Requerente/Recorrente e, em consequência:

1) revoga-se a decisão recorrida na parte em que decidiu que “os presentes autos não prosseguirão quanto aos pedidos relacionados com as prestações de alimentos devidas aos filhos maiores do demandante”;
2) e determina-se que os autos prossigam também quanto à pretensão formulada pelo Requerente/Recorrente relativamente à cessação de prestação de alimentos dos filhos maiores A. C. e J. A., mas sem prejuízo do Tribunal a quo apreciar outros eventuais vícios processuais que se verifiquem quanto à demanda dos mesmos.
Custas do recurso pela parte vencida a final, ou caso as partes fiquem parcialmente vencidas, as custas do recursão serão na proporção do respectivo decaimento.
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Guimarães, 04 de Novembro de 2021.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - José Fernando Cardoso Amaral.


1. A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
3. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
4. Juiz Conselheiro Salazar Casanova, proc. 1092/16.6T8LMG.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido, entre outros, Ac. RE de 05/11/2020, Juiz Desembargador Tomé de Carvalho, proc. nº416/17.3T8FAR-E.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre, e Ac. RG de 05/11/2020, Juíza Desembargadora Rosália Cunha, proc. nº1188/03.4TBBCL-C.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
5. Juiz Desembargador Falcão Magalhães, proc. nº16/03.5TBSPS-E.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
6. Juiz Desembargador Falcão Magalhães, proc. nº16/03.5TBSPS-E.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.