Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2638/16.5T8BCL.1.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE
REVISÃO
AGRAVAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. O art. 146.º do Código de Processo do Trabalho não admite que se volte a discutir a responsabilidade pelo acidente de trabalho, mas, apenas, a responsabilidade pelo agravamento, quando a entidade responsável entende que este traduz total ou parcialmente um desenvolvimento «anormal» das consequências da lesão, designadamente como resultado de conduta culposa do sinistrado, por acção ou omissão, nomeadamente inobservância de prescrições clínicas ou cirúrgicas do médico assistente, ou sujeição a prescrições clínicas ou cirúrgicas de outrem, em ambos os casos fora das situações permitidas nos arts. 26.º e ss. do regime jurídico dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

2. A única finalidade da obrigação de a entidade responsável declarar no processo, dentro do prazo fixado para requerer perícia por junta médica, que pretende discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e para o efeito produzir outros meios de prova, era prevenir que fosse imediatamente proferida sentença, sem atender àquela alegação e àquelas provas, quer no caso de a junta médica não ser requerida por nenhuma das partes, nem determinada oficiosamente pelo tribunal, quer no caso de ser realizada mas o seu resultado não ser notificado às partes, como alguma jurisprudência admitia em face da letra dos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º.

3. Sendo insustentável entender que o resultado da perícia por junta médica não tem de ser notificado às partes, por força do princípio do contraditório plasmado nos arts. 3.º, n.º 3, 415.º e 485.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, conclui-se que aquela declaração apenas tem razão de ser no caso de o responsável não pretender requerer a realização de perícia por junta médica, a fim de prevenir que, não sendo a mesma requerida pelas demais partes, nem determinada oficiosamente, seja imediatamente proferida sentença que não tenha em conta a pretensão de discussão da responsabilidade pelo agravamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado E. D., patrocinado pelo Ministério Público, e responsável X - Companhia de Seguros, S.A., foi proferida sentença em 22/02/2018, transitada em julgado, que considerou que aquele, em resultado de acidente de trabalho sofrido em 24/07/2014, ficou curado sem desvalorização desde 3/08/2014.
Através de requerimento de 11/04/2018, veio o sinistrado requerer a revisão da incapacidade que lhe foi fixada, com fundamento em que houve agravamento das sequelas resultantes do acidente.
Submetido o sinistrado a exame médico, o Sr. perito foi de parecer que aquele está afectado da IPP de 4,5%.
Notificada do relatório do exame médico de revisão, a seguradora veio requerer perícia por junta médica, formulando os seguintes quesitos:

1 - Quais as sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado no acidente dos autos?
2 - Comparando as sequelas actuais com as anteriormente diagnosticadas, nomeadamente no que diz respeito ao auto de exame por junta médica de 08/01/2018 (que concluiu pela ausência de sequelas), existe agravamento clínico?
3 - Em caso afirmativo, a que se deve, em que consiste e qual o nexo de causalidade?

Fundamentem.

4 - Qual o actual enquadramento das sequelas na TNI? Justifiquem.
5 - Qual a IPP actual a considerar? Justifiquem.
6 - Quais os períodos de incapacidade temporária a considerar?

Realizada a junta médica, a mesma deliberou por maioria que o sinistrado está afectado da IPP de 4,5% (3% x 1.5), por enquadramento das sequelas no capítulo I-12,1,4-a) da TNI, com a seguinte fundamentação:

«Por maioria dos Srs. Peritos médicos do Sinistrado e do Tribunal respondem aos quesitos formulados da seguinte forma:

Quesitos de fls. 224:
Quesito 1.º - Hidrartrose Crónica Pós-Traumática.
Quesito 2.º - Sim.
Quesito 3.º - O agravamento devesse à evolução natural da lesão (o nexo de causalidade não é matéria a apreciar nesta junta médica).
Quesito 4.º - Conforme quadro anexo
Quesito 5.º - Conforme quadro anexo
Quesito 6.º - Não existem.

Pelo perito da seguradora foi dito que atendendo ao registado a fls. 83 (verso), 152 e 195 dos autos onde não é descrito a existência de qualquer derrame articular do joelho esquerdo entende a hidrartrose agora apresentada não deverá ser imputada ao acidente em analise atendendo a que não existe adequação temporal entre o acidente e a alegada sequela (descrita cerca 4 anos e meia após o acidente nem continuidade sintomatológica de forma a estabelecer nexo causal entre as lesões sofridas no acidente (contusão do joelho esquerdo de acordo com o descrito a fls. 39 e 50). Entende-se que se deve manter a decisão da junta registada a fls. 152 dos autos.»
Notificada do resultado da perícia por junta médica, em 21/02/2019, a seguradora veio em 27/02/2019 deduzir alegação quanto à responsabilidade pelo agravamento, requerendo outros meios de prova, invocando o disposto no art. 146.º, n.º 1, parte final do Código de Processo do Trabalho, e dizendo, em síntese, que a IPP apresentada pelo sinistrado resulta de cirurgia que o mesmo efectuou à revelia da seguradora, mais de um ano após a data da alta.
Notificado o sinistrado nos termos e para os efeitos do n.º 2 do citado art. 146.º, veio opor-se ao requerido.

Seguidamente, em 13/05/2019, foi proferido o seguinte despacho:

«Destinando-se o incidente de revisão de incapacidade, por definição, a apreciar se se verificou um aumento ou diminuição da capacidade laboral do sinistrado – culminando com o despacho do Tribunal a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou a declarar extinta a obrigação de a pagar – conclui-se que a perícia médica a ter lugar neste contexto aferirá apenas se se verificou, ou não, alguma alteração relativamente ao quadro clínico anterior [neste sentido, cfr. Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nuno Vieira, in “A avaliação do dano na pessoa no âmbito dos acidentes de trabalho e a nova Tabela Nacional de Incapacidades”, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 83, 2009, p. 161; Ac. R.G. de 3.11.2016, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf].---
Sucede que é pretensão, neste momento, da ré seguradora a discussão do nexo de causalidade entre o acidente e a lesão, nexo esse que resulta porém já reconhecido pela mesma em sede de tentativa de conciliação levada a cabo nos autos (cfr. acta de fls. 89/90).---
Assim sendo, por se entender legalmente inadmissível a discussão nesta sede da correspondente pretensão, improcede o incidente suscitado pela ré seguradora ao abrigo da previsão do artº 146º, nº 1 do Cód. Proc. Trabalho.---
Custas pela requerente/ré.---
Valor do incidente: € 5.001,00.---»

E, na mesma data, foi proferida sentença que, julgando procedente o incidente de revisão, reconheceu ao sinistrado a IPP de 4,5%, desde 11/04/2018, e condenou a seguradora a pagar-lhe, desde então, a pensão anual de € 404,90, obrigatoriamente remível.

A seguradora, inconformada, interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1) Notificada da decisão da junta médica, a ré veio, nos termos previstos no art.º 146.º n.º 1 do CPT, 2ª Parte, discutir a responsabilidade pelo agravamento, pelo que apresentou alegações e requereu meios de prova, sustentando que, pese embora o recorrido passasse a apresentar a patologia de hidroartrose no joelho, a mesma era decorrente de uma meniscectomia que o mesmo havia efectuado à revelia do processo e da seguradora, por nada tem a ver com o acidente de trabalho e a lesão dele decorrente;
2) o incidente previsto no art.º 146.º do CPT, destina-se, precisamente, a casos em que se confirma uma situação de agravamento sequelar mas que esse agravamento não decorre da lesão do acidente mas de facto diverso, destinando-se, nem mais nem menos a afastar a relação causal da situação resultante do agravamento com o acidente, como no caso pretendia a recorrente;
3) Tendo a Rte, alegado factos e indicado meios de prova, e efectuada a notificação do sinistrado para responder “a partir da resposta, seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum regulados a partir do n.º 2 do artigo 63.º, com salvaguarda do disposto no artigo 134.º e no número seguinte”, pelo que não podia a Mmª Juiz a quo indeferir, como fez, o requerido, privando assim a seguradora de afastar a sua responsabilidade pelo agravamento, como se pressupõe precisamente no incidente em causa;
4) A Mmª Juiz a quo indefere o incidente com fundamento em que está reconhecido na conciliação o nexo causal pelo que não pode mais ser discutido o que não tem cabimento já que não está em causa o nexo acidente/lesão (esse sim reconhecido na conciliação) mas o nexo lesão do acidente/agravamento;
5) Se é verdade que a recorrente na conciliação de fls.89/90, aceitou a lesão de traumatismo da zona anterior do joelho esquerdo sem entrose e sem sequelas, essa lesão nada tem a ver com a sequela de “hidrartrose” que o sinistrado apresenta e na base da qual os peritos fundamentam o agravamento;
6) Violou assim, o despacho recorrido, o disposto no art.º 146.º n.º 3 do CPT, e 70º da LAT Lei n.º 98/2009 de 4/9, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que determine o seguimento do incidente e anule todo o processado subsequente, incluindo a sentença proferida;

Por outro lado,

7) Independentemente, e sem prejuízo da anulação da sentença que se espera como consequência da impugnação do despacho anterior, a recorrente não se conforma com a douta sentença que fixou a pensão correspondente aos 4,5% de IPP resultantes da decisão maioritária da junta médica;
8) Uma decisão judicial deve ser fundamentada na Lei, e não apenas na simples adesão à decisão da maioria dos peritos, sob pena de violação do disposto no art. 154.º do CPCiv e art. 205.º da CRP;
9) No caso, a decisão proferida, assim procede afirmando nada mais existir nos autos a ponderar em sentido diferente, quando efectivamente do laudo resulta um voto de vencido fundamentado do perito da seguradora que explica cabalmente porque a sequela valorizada – hidroartrose do joelho (sequela de lesão articular) - não é nem pode ser considerada sequela (agravada) da lesão do acidente (que não foi lesão articular, mas mera contusão da zona anterior do joelho sem sequelas e sem entorse);
10) Considerando que os peritos “maioritários” não se pronunciaram sobre o nexo causal (eles mesmo o dizem) resta não contrariada a opinião pericial do “perito da seguradora” que afasta de forma fundamentada e não contrariada a possibilidade de relação causal entre a sequela que consubstancia o agravamento da condição clinica do sinistrado e a lesão do acidente de trabalho;
11) A sentença confunde o nexo causal lesão/acidente aceite na conciliação, com o nexo causal lesão/agravamento, sendo que este competia ao sinistrado alegar e provar o que não fez;
12) violou, por isso, a decisão recorrida o disposto no art. 70.º da LAT Lei n.º 98/2009 de 4/9, no art.º 342.º do CCiv e no art. 154.º do CPCiv e art. 205.º da CRP.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E CONSEQUENTEMENTE:

A) SER REVOGADO O DESPACHO PROFERIDO EM 13/5/2019 E CONSEQUENTEMENTE, ORDENAR-SE O SEGUIMENTO DA TRAMITAÇÃO PREVISTA NO ART.º 146.º N.º 3 DO CPT, ANULANDO-SE TODO O PROCESSADO, INCLUINDO A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA QUE DECIDE O INCIDENTE DE REVISÃO; OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA;
B) SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA QUE DECIDE O INCIDENTE DE REVISÃO E SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE MANTENHA A DECISÃO ANTERIOR DE CURADO SEM DESVALORIZAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA PROFERIDA EM 20/2/2018, POR SER DE INTEIRA, J U S T I Ç A !»
O sinistrado apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, atenta a prestação de caução.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e vistos os mesmos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:

- revogação do despacho que não admitiu o prosseguimento de incidente para discussão do nexo de causalidade atinente ao agravamento, com a anulação dos termos subsequentes, inclusive a sentença;
- subsidiariamente, impugnação da IPP fixada na sentença, por insuficiência de fundamentação.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra.

4. Fundamentação de direito

Conforme decorre do Relatório supra, na sequência da notificação do resultado da perícia por junta médica, a seguradora, invocando o disposto no art. 146.º, n.º 1, parte final do Código de Processo do Trabalho, veio deduzir alegação quanto à responsabilidade pelo agravamento, requerendo outros meios de prova, dizendo, em síntese, que a IPP apresentada pelo sinistrado resulta de cirurgia que o mesmo efectuou à revelia da seguradora, mais de um ano após a data da alta.
Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 2 daquela norma, o sinistrado veio opor-se, e, seguidamente, foi proferido despacho que, invocando que «(…) é pretensão, neste momento, da ré seguradora a discussão do nexo de causalidade entre o acidente e a lesão, nexo esse que resulta porém já reconhecido pela mesma em sede de tentativa de conciliação levada a cabo nos autos (…)», julgou improcedente tal pretensão.
É contra este despacho que, em primeiro lugar, a Apelante se insurge, alegando que o mesmo não teve em conta a sua real pretensão, pois a Recorrente não pretendia discutir o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a lesão, que efectivamente aceitou desde o início, mas o nexo de causalidade entre a lesão e o agravamento, visto que a IPP apresentada pelo sinistrado resulta de cirurgia que o mesmo efectuou à sua revelia, mais de um ano após a data da alta.

Vejamos.

Estabelece o art. 146.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção vigente à data da tramitação processual acima descrita:

Discussão da responsabilidade do agravamento

1 - Se a entidade responsável pretender discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e a questão só puder ser decidida com a produção de outros meios de prova, assim o declara no prazo fixado para requerer perícia por junta médica e apresentará dentro de 10 dias a sua alegação e meios de prova; se for requerida perícia, o prazo conta-se a partir da realização deste(1).
2 - Notificado o sinistrado, este pode responder, com indicação dos respectivos meios de prova, no prazo de 10 dias.
3 - A partir da resposta, seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum regulados a partir do n.º 2 do artigo 63.º, com salvaguarda do disposto no artigo 134.º e no número seguinte.
4 - A instrução, discussão e julgamento incumbem sempre ao tribunal singular.

Com o procedimento em apreço, pretende-se permitir à entidade responsável reagir contra um pedido de revisão que tenha por fundamento um agravamento que aquela entenda que é estranho ao acidente, incluindo por ser consequência de conduta culposa do sinistrado.

A reacção da entidade responsável é subsequente ao requerimento apresentado pelo sinistrado nos termos do artigo antecedente (2), e tem como pressuposto que o empregador ou a sua seguradora apenas podem ser responsabilizados por danos ou prejuízos que directa ou indirectamente derivam do acidente.
Trata-se, não de discutir a responsabilidade pelo acidente, mas, apenas, de discutir a responsabilidade pelo agravamento, quando a entidade responsável entende que este traduz total ou parcialmente um desenvolvimento «anormal» das consequências da lesão, designadamente como resultado de conduta culposa do sinistrado, por acção ou omissão, nomeadamente inobservância de prescrições clínicas ou cirúrgicas do médico assistente, ou sujeição a prescrições clínicas ou cirúrgicas de outrem, em ambos os casos fora das situações permitidas nos arts. 26.º e ss. (cfr, em especial, o art. 30.º) do regime jurídico dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Assim, se, notificada do resultado do exame médico, nos termos do n.º 4 do art. 145.º do Código de Processo do Trabalho, a entidade responsável pretender discutir a sua responsabilidade (total ou parcial), e entender que é necessária a produção de outros meios de prova, deve proceder do seguinte modo:

1.º Declarar, no prazo de 10 dias, que pretende discutir a sua responsabilidade;
2.º Apresentar a sua alegação e meios de prova, no prazo de 10 dias a contar da data da apresentação da declaração mencionada no ponto anterior, ou, se for requerida perícia por junta médica, a contar da data da realização desta. (3)
Retornando ao caso em apreço, constata-se, desde logo, que falece a fundamentação do despacho recorrido, uma vez que, ao contrário do ali afirmado, a seguradora não pretendia com o seu requerimento voltar a discutir o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a lesão, que efectivamente aceitou desde o início, mas o nexo de causalidade entre a lesão e o agravamento, visto que sustenta que a IPP apresentada pelo sinistrado resulta de cirurgia que o mesmo efectuou à sua revelia, mais de um ano após a data da alta.

Por outro lado, atendendo às considerações acima tecidas, afigura-se pacífico que a real pretensão da seguradora é, em abstracto, tutelada pelo disposto no art. 30.º do regime jurídico dos acidentes de trabalho, acima citado, e, processualmente, nos termos previstos no acima transcrito art. 146.º do Código de Processo do Trabalho.

Ora, a seguradora requereu perícia por junta médica, formulando quesitos que evidenciam que, em face do resultado do exame médico singular, pretendia esclarecer a questão do nexo de causalidade entre a lesão e o agravamento; e, notificada do resultado da perícia por junta médica, veio apresentar a sua alegação e meios de prova sobre tal questão, dentro do prazo de 10 dias, nos termos da parte final do n.º 1 da citada norma.

Constata-se, todavia, que a seguradora não observou o disposto na primeira parte dessa norma, isto é, não declarou, dentro do prazo para requerer perícia por junta médica, que pretendia discutir a sua responsabilidade pelo agravamento, pelo que importa indagar quais as consequências de tal omissão.

Ora, em 1.º lugar, se a apresentação da alegação em apreço pressupõe, não apenas que a entidade responsável pretenda discutir a sua responsabilidade pelo agravamento, mas, ainda, que para o efeito seja necessária a produção de outros meios de prova, para além da pericial, afigura-se que a oportunidade mais adequada para o avaliar é o da conclusão da perícia por junta médica, caso a mesma se realize, pois esta pode vir tornar desnecessário o que parecia necessário em face do resultado do exame singular, ou – pior –, tornar necessário o que parecia desnecessário em face daquele (no caso de, designadamente na sequência de pedido do sinistrado, a junta médica atender a um agravamento que aquele exame não considerara nem fazia prever). (4)

Em 2.º lugar, atente-se em que a entidade responsável pode apresentar a mencionada declaração num segmento do prazo que inviabiliza que, em face dela, as demais partes tempestivamente requeiram perícia por junta médica, ou formulem quesitos relevantes para a questão, pelo que a sua razão de ser não pode ser aferida nessa perspectiva.
Parece-nos que a única finalidade da obrigação de a entidade responsável declarar no processo, dentro do prazo fixado para requerer perícia por junta médica, que pretende discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e para o efeito produzir outros meios de prova, era prevenir que fosse imediatamente proferida sentença, sem atender àquela alegação e àquelas provas, quer no caso de a junta médica não ser requerida por nenhuma das partes, nem determinada oficiosamente pelo tribunal, quer no caso de ser realizada mas o seu resultado não ser notificado às partes, como alguma jurisprudência admitia em face da letra dos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º.
Como, hoje em dia, é insustentável entender que o resultado da perícia por junta médica não tem de ser notificado às partes, por força do princípio do contraditório plasmado nos arts. 3.º, n.º 3, 415.º e 485.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho (5), conclui-se que aquela declaração apenas tem razão de ser no caso de o responsável não pretender requerer a realização de perícia por junta médica, a fim de prevenir que, não sendo a mesma requerida pelas demais partes, nem determinada oficiosamente, seja imediatamente proferida sentença que não tenha em conta a pretensão de discussão da responsabilidade pelo agravamento.
Assim, se a alegação e meios de prova atinentes àquela questão podem ser apresentados no prazo de 10 dias a contar da notificação do resultado da perícia por junta médica (6), e a própria entidade responsável requer este exame, carece de qualquer efeito útil a apresentação da aludida declaração, que nada acrescenta.

Em face do exposto, a omissão da declaração em tal caso, que é o dos presentes autos, constitui uma mera irregularidade sem qualquer influência na boa condução do processo e na decisão da questão suscitada, não podendo ter uma consequência tão gravosa e desproporcionada como seria a não admissão de incidente tempestiva e fundamentadamente requerido.

Procede, pois, o recurso, no que concerne ao despacho que, após alegação da seguradora e resposta do sinistrado, não admitiu o prosseguimento do incidente para discussão do nexo de causalidade atinente ao agravamento, impondo-se a sua revogação, com a anulação dos termos subsequentes, inclusive a sentença, e o cumprimento do disposto no n.º 3 do art. 146.º.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar o mencionado despacho (de 13/05/2019), com a anulação dos termos subsequentes, inclusive a sentença, devendo dar-se cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 146.º do Código de Processo do Trabalho.
Custas pelo Apelado.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. O art. 146.º do Código de Processo do Trabalho não admite que se volte a discutir a responsabilidade pelo acidente de trabalho, mas, apenas, a responsabilidade pelo agravamento, quando a entidade responsável entende que este traduz total ou parcialmente um desenvolvimento «anormal» das consequências da lesão, designadamente como resultado de conduta culposa do sinistrado, por acção ou omissão, nomeadamente inobservância de prescrições clínicas ou cirúrgicas do médico assistente, ou sujeição a prescrições clínicas ou cirúrgicas de outrem, em ambos os casos fora das situações permitidas nos arts. 26.º e ss. do regime jurídico dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
2. A única finalidade da obrigação de a entidade responsável declarar no processo, dentro do prazo fixado para requerer perícia por junta médica, que pretende discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e para o efeito produzir outros meios de prova, era prevenir que fosse imediatamente proferida sentença, sem atender àquela alegação e àquelas provas, quer no caso de a junta médica não ser requerida por nenhuma das partes, nem determinada oficiosamente pelo tribunal, quer no caso de ser realizada mas o seu resultado não ser notificado às partes, como alguma jurisprudência admitia em face da letra dos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º.
3. Como, hoje em dia, é insustentável entender que o resultado da perícia por junta médica não tem de ser notificado às partes, por força do princípio do contraditório plasmado nos arts. 3.º, n.º 3, 415.º e 485.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, conclui-se que aquela declaração apenas tem razão de ser no caso de o responsável não pretender requerer a realização de perícia por junta médica, a fim de prevenir que, não sendo a mesma requerida pelas demais partes, nem determinada oficiosamente, seja imediatamente proferida sentença que não tenha em conta a pretensão de discussão da responsabilidade pelo agravamento.

Alda Martins


1. Deve ler-se «desta», por referência a «perícia», sendo que o lapso se verifica desde a alteração introduzida pelo DL n.º 295/2009, de 13/10. Na versão original do Código, aprovado pelo DL n.º 480/99, de 09/11, este número tinha a seguinte redacção: «1 - Se a entidade responsável pretender discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e a questão só puder ser decidida com a produção de outros meios de prova, assim o declarará no prazo fixado para requerer exame por junta médica e apresentará dentro de 10 dias a sua alegação e meios de prova; se for requerido exame, o prazo conta-se a partir da realização deste.»
2. Sem prejuízo de, na falta de pedido de revisão pelo sinistrado, a entidade responsável poder deduzir contra aquele acção para declaração de perda de direito a indemnizações que tenham sido fixadas, a qual, com as necessárias adaptações, segue os termos do processo comum (art. 151.º do Código de Processo do Trabalho).
3. Cfr. Carlos Alegre, Código de Processo do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pp. 416 e ss.; e Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Coimbra Editora, pp. 642 e ss..
4. Parecendo acolher o entendimento de que, havendo lugar a realização de perícia por junta médica, é no prazo de 10 dias a contar da notificação do respectivo resultado que o responsável deve declarar no processo que pretende discutir a responsabilidade pelo agravamento e alegar e apresentar os meios de prova, v. o Acórdão da Relação de Évora de 14 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 423/13.5TTSTR.E1, in www.dgsi.pt.
5. Conforme o decidiu também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por Acórdão de 28 de Maio de 2014, proferido na acção aí proposta por MARTINS SILVA contra PORTUGAL (Requête n.º 12959/10), o qual entendeu verificar-se violação do art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e condenou o Estado Português a pagar uma indemnização ao ali demandante (disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-144146).
6. E não da sua realização, como resulta da letra da lei, pelas razões subjacentes à obrigação de tal notificação.