Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4295/20.5T8BRG.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
ERRO DE JULGAMENTO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I. Se, ao acolher a tese da desvinculação jurídica entre o trabalhador e o empregador em determinada data, o tribunal se baseou não só mas também na factualidade que provava a ruptura de facto do contrato de trabalho nessa data, invocada pelo empregador como fundamento da prescrição, e que, juntamente com a demais factualidade alegada pelo trabalhador e que se provou, julgou atendível à luz do art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho – como faria ainda que os factos essenciais complementares dos factos essenciais alegados pelo empregador não tivessem sequer sido articulados por nenhuma das partes e resultassem apenas da instrução da causa, atento o comando constante dos arts. 5.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil e 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho –, não há excesso de pronúncia nem violação do princípio do dispositivo.
II. Sendo uma questão decidida favoravelmente ao autor e que, não fora a decisão quanto à prescrição, conduziria à procedência do pedido principal, e não tendo a ré requerido a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 636.º do Código de Processo Civil, de modo a abrangê-la (uma vez que também se defendera por impugnação, refutando-a), para prevenir as consequências decorrentes da eventual revogação daquela decisão sobre a prescrição pela Relação, é irrelevante qualquer erro de julgamento de facto ou de direito em que o tribunal de primeira instância tenha incorrido naquela parte.
III. Se, em virtude da transferência definitiva para outro clube, em 31 de Agosto de 2017, o autor se encontrava na situação prevista em cláusula do Contrato de Trabalho Desportivo que lhe conferia o direito a um prémio de assinatura no caso de “o Jogador não esteja ao serviço da primeira outorgante (tendo-se desvinculado da mesma a título definitivo) após 31 de Agosto de 2017”, não pode senão concluir-se que aquele Contrato cessou nesse momento, de facto e de direito, sendo irrelevante que se tivesse mantido “apenas formalmente” ou “só no plano formal” até 1 de Julho de 2019.
IV. De acordo com o disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, cessado o contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017, o crédito do autor prescreveria em 1 de Setembro de 2018, porém, como devia ser pago em duas prestações com vencimento até aos dias 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018, respectivamente, atento o preceituado no art. 306.º, n.º 1 do Código Civil, deve entender-se que o prazo de um ano iniciou-se a partir da data acordada para o pagamento, isto é, quando o direito passou a poder ser exercido, pelo que se completou no dia 1 de Janeiro de 2019 quanto à primeira prestação e no dia 1 de Janeiro de 2020 quanto à segunda, ou seja, antes da Notificação Judicial Avulsa da ré em 29 de Junho de 2020.
V. Não pode reconhecer-se a cessação da subordinação jurídica inerente à cessação da vigência do contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017, como condição da existência do direito do autor, e simultaneamente que a mesma só cessou em 1 de Julho de 2019, para efeitos de início do prazo da respectiva prescrição.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

L. N. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – FUTEBOL, SAD, alegando, em síntese:

- o Autor é jogador profissional de futebol e a Ré é uma sociedade desportiva que se dedica à exploração da actividade de futebol profissional, bem como ao fomento e desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática do futebol (artigos 1.º e 2.º da petição inicial);
- em 2013, quando contava apenas 13 anos de idade, o Autor ingressou na equipa de juvenis da Ré (artigo 3.º da petição inicial);
- em Março de 2017, não obstante ter já mais de 16 anos de idade, não se encontrava contratualmente vinculado à Ré, pelo que podia a todo o momento, e sem necessitar de autorização daquela, negociar e definir com outro clube os termos aplicáveis (bónus de assinatura incluído) a um contrato que celebrassem;
- em caso de incorporação num novo clube – nacional ou estrangeiro –, este nada teria a pagar à Ré por conta da aquisição dos direitos federativos do Autor;
- consciente desta circunstância, bem como do verdadeiro “assédio” de que o Autor vinha sendo alvo, e de modo a evitar a saída a custo zero, a Ré convenceu o Autor a celebrar contrato de trabalho desportivo com uma proposta que, pelas condições remuneratórias, mas sobretudo pelo prémio de assinatura oferecido, era irrecusável;
- foi assim que o Autor celebrou com a Ré, em 24 de Março de 2017, um Contrato de Trabalho Desportivo, com início em 1 de Julho de 2017 e termo em 30 de Junho de 2020, correspondendo aos meses restantes da época desportiva de 2017/2018 e às épocas desportivas de 2018/2019 e 2019/2020 (artigos 41.º e 42.º da petição inicial);
- nos termos das alíneas a), b) e c) da cláusula quinta do Contrato, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor, a título de retribuição, pelas épocas desportivas de 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, as retribuições de EUR 150.000,00, EUR 200.000,00 e EUR 250.000,00, respetivamente (artigo 43.º da petição inicial);
- de acordo com a cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) do Contrato, a Ré obrigou-se ainda a pagar ao Autor um prémio de assinatura decomposto nos seguintes termos:
i) uma primeira parcela no valor ilíquido de EUR 50.000,00, a ser paga em 4 (quatro) prestações de EUR 12.500,00, a primeira a 10 de Abril, a segunda a 10 de Maio, a terceira a 10 de Junho e a quarta a 10 de Julho de 2017;
ii) uma segunda parcela, correspondente, alternativamente: à quantia líquida de EUR 200.000,00, a ser paga em prestação única, no dia 10 de Setembro de 2017, no caso de o jogador vir a continuar ao serviço da Ré após 31 de Agosto de 2017; ou à quantia ilíquida de EUR 1.000.000,00, a ser paga em duas prestações de EUR 500.000,00, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda no dia 31 de Dezembro de 2018, no caso de o jogador deixar de estar ao serviço da Ré após 31 de Agosto de 2017 (artigos 44.º a 46.º da petição inicial);
- tal como se antevia, o Autor viria a ingressar noutro clube no Verão de 2017, na medida em que, em 31 de Agosto de 2017, a Ré celebrou com a Y ., clube de futebol sediado na cidade de ..., Itália, o seguinte acordo:
i) a Ré obrigou-se a ceder temporariamente à Y, até 30 de Junho de 2019, os direitos federativos do Autor, pelo montante total de EUR 7.500.000,00, a ser pago do seguinte modo: EUR 5.000.000,00, correspondentes à época desportiva de 2017/2018, no ou antes do final de Janeiro de 2018; EUR 2.500.000,00, correspondentes à época desportiva de 2018/2019, no ou antes do final de Janeiro de 2019;
ii) a Y assumiu outrossim a obrigação de aquisição definitiva dos direitos federativos do Autor, no final da época desportiva de 2018/2019, caso se qualificasse para a Liga Nacional Profissional Série A do futebol italiano, vindo a disputar tal competição na época desportiva seguinte (2019/2020), mediante pagamento à Ré da quantia adicional de EUR 4.500.000,00 (artigos 49.º a 53.º da petição inicial);
- como resulta claro da leitura do acordo, o que verdadeiramente foi acertado entre a Ré e a Y foi a venda, com efeitos imediatos e a título definitivo, dos direitos de inscrição desportiva do Autor;
- sucede que, para cumprimento das regras de fair play financeiro da União das Associações Europeias de Futebol (“UEFA”), a Y necessitava de diferir no tempo o pagamento do preço acordado pela aquisição dos direitos de inscrição desportiva do Autor, razão pela qual as partes celebraram um contrato que previa a cedência temporária dos referidos direitos por dois anos e depois a obrigação de aquisição (note-se, obrigação, e não opção!) sujeita ao advir dum evento de verificação certa, pois nos últimos 30 anos a Y qualificou-se sempre para a Liga Nacional Profissional Série A do futebol italiano e nos últimos dez anos ficou sempre classificada nos dez primeiros lugares;
- na mesma data (31 de Agosto de 2017) em que a Ré celebrou com a Y o contrato referido supra, o Autor celebrou com a Y contrato de trabalho desportivo mediante o qual se obrigou a prestar-lhe a sua actividade profissional por cinco épocas desportivas (2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022), pagando-lhe a Y a remuneração fixa bruta de EUR 172.650,00, na época desportiva de 2017/18, e de EUR 550.000,00 nas épocas restantes (artigos 72.º a 74.º da petição inicial);
- o Autor passou, deste modo, a estar vinculado à Y, para todo e qualquer efeito, no tocante ao exercício da sua actividade desportiva, prestando a sua actividade a favor do aludido clube, recebendo da respectiva equipa técnica todas as instruções relevantes, treinando e jogando sempre que a isso chamado e auferindo do clube, a título exclusivo, a retribuição devida pela prestação da sua atividade desportiva (artigos 75.º a 79.º da petição inicial);
- no dia 1 de Julho de 2019, após qualificar-se (como sempre se soube que aconteceria) para a Série A italiana na época seguinte, a Y formalizou a aquisição dos direitos federativos do Autor, pagando à Ré o valor remanescente (EUR 4.500.000,00) do preço, e, em 2 de Agosto de 2019, alienou esses mesmos direitos ao W, clube ao serviço do qual o Autor vem prestando, desde então, a sua actividade profissional (artigos 80.º a 85.º da petição inicial);
- assim, formalmente, o Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre o Autor e a Ré cessou no dia 1 de Julho de 2019, porém o jogador passou a estar ao serviço da Y a partir de 31 de Agosto de 2017, entidade com a qual celebrou o vínculo contratual acima descrito e da qual passou a auferir a remuneração devida pela prestação da sua actividade profissional;
- tanto a Ré como a Y sabiam bem o sentido e alcance do acordo celebrado, que, tal como atrás se alegou, só pode ter sido este: pese embora sob a capa de uma cedência temporária, o Autor foi transferido para a Y em 31 de Agosto de 2017;
- neste sentido, o Autor deixou de estar ao serviço da Ré em 31 de Agosto de 2017 (art. 94.º da petição inicial);
- ficando a Ré obrigada a pagar-lhe, a título de segunda parcela do prémio de assinatura devido nos termos do Contrato, o valor de EUR 1.000.000,00;
- perante a falta de regularização da obrigação em apreço, o Autor interpelou informalmente a Ré, sempre sem sucesso, para liquidar a quantia em dívida, e em 15 de Junho de 2020, através do seu advogado, enviou carta de interpelação à Ré, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para regularizar a situação, sob pena de recorrer aos tribunais para reclamar e cobrar coercivamente o seu crédito;
- no dia 25 de Junho de 2020, o Autor requereu, no Juízo do Trabalho e, bem assim, no Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a notificação judicial avulsa da Ré, exprimindo a intenção de exercer contra esta todos os direitos que se constituíram na sua esfera jurídica mercê do incumprimento do Contrato de Trabalho Desportivo, vindo ambas as notificações a ser efetuadas, por Oficial de Justiça, no dia 29 de Junho de 2020 (artigos 98.º e 99.º da petição inicial);
- apesar disso, a Ré não efetuou, até ao momento, o pagamento da quantia de EUR 1.000.000,00;
- o evento de que a Ré e a Y fizeram depender a constituição da obrigação de aquisição definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Autor configura, pelas razões já expostas, um evento de verificação certa, pelo que, ainda que no plano formal o Autor tenha permanecido contratualmente ligado à Ré, vindo tal vínculo a cessar apenas em 1 de Julho de 2019, o certo é que, de 31 de Agosto de 2017 em diante, o Autor deixou de estar ao serviço daquela, passando a prestar a sua actividade desportiva – com efeitos imediatos, exclusivos e definitivos – à Y;
- mercê desta circunstância, a Ré constituiu-se na obrigação de pagar ao Autor, em duas prestações de EUR 500.000,00, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda no dia 31 de Dezembro de 2018, a segunda parcela do prémio de assinatura no montante de EUR 1.000.000,00, que permanece por liquidar;
- a entender-se – hipótese que se equaciona por mera cautela no exercício do patrocínio, e sem conceder – que o Autor continuou ao serviço da Ré após 31 de Agosto de 2017, assim tendo permanecido até 1 de Julho de 2019, data em que a Y teria adquirido definitivamente os direitos de inscrição desportiva do Autor, será forçosamente aplicável o previsto na cláusula 7.ª n.º 1, alínea a), ii), ii.i) do Contrato, e, nessa medida, sempre teria a Ré de ser condenada a pagar ao Autor o montante de EUR 200.000,00.

Termina, pedindo que:
i) Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia ilíquida de EUR 1.000.000,00 (um milhão de euros), a título de prémio de assinatura devido nos termos da cláusula sétima, n.º 1, alínea a), ii), ii.ii) do Contrato, acrescida de juros de mora vencidos no valor de EUR 88.712,32 (oitenta e oito mil, setecentos e doze euros e trinta e dois cêntimos) e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento da sobredita soma pela Ré;
ii) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia líquida de EUR 200.000,00 (duzentos mil euros), a título de prémio de assinatura devido nos termos da cláusula sétima, n.º 1, alínea a), ii), ii.i) do Contrato, acrescida de juros de mora vencidos no valor de EUR 24.197,26 (vinte e quatro mil, cento e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento da referida soma pela Ré.
A Ré contestou, dizendo, em síntese:
- com relevo para a excepção de prescrição, que invoca, e por ser verdade, aceita que:
a) A 24 de Março de 2017, o Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho desportivo (parte do artigo 41.º da petição inicial);
b) O período de vigência inicialmente estipulado no Contrato foi de três anos, com início em 1 de Julho de 2017 e termo em 30 de Junho de 2020, correspondendo aos meses restantes da época desportiva de 2017/2018 e às épocas desportivas de 2018/2019 e 2019/2020 (artigo 42.º da petição inicial);
c) No dia 31 de Agosto de 2017, o Autor celebrou com a Y contrato de trabalho desportivo, através do qual se obrigou a prestar a sua atividade profissional à Y por cinco épocas desportivas (2017/2018, 2018/2018, 2019/2020, 2020/2021 e 2021 /2022), recebendo a remuneração fixa bruta de € 172.650,00, na época desportiva de 2017/18, e de € 550.000,00, nas épocas restantes. O Autor passou, deste modo, a estar vinculado à Y, para todo e qualquer efeito, no tocante ao exercício da sua atividade desportiva: prestando a sua actividade a favor do aludido clube, recebendo da respectiva equipa técnica todas as instruções relevantes, treinando e jogando sempre que a isso chamado e auferindo do clube, a título exclusivo, a retribuição devida pela prestação da sua actividade desportiva (razão pela qual a Ré aceita, para nunca mais ser retirada, a confissão constante dos artigos 72.º – parte – a 79.º da petição inicial);
d) O Autor deixou de estar ao serviço da Ré em 31 de Agosto de 2017 (razão pela qual a Ré aceita, para nunca mais ser retirada, a confissão constante do artigo 94.º da petição inicial);
e) No dia 25 de Junho de 2020, o Autor requereu, no Juízo do Trabalho e, bem assim, no Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a notificação judicial avulsa da Ré, exprimindo a intenção de exercer contra esta todos os direitos que se constituíram na sua esfera jurídica mercê do incumprimento do Contrato de Trabalho Desportivo, tendo ambas as notificações sido efetuadas, por Oficial de Justiça, no dia 29 de Junho de 2020;
f) Nos presentes autos, o Autor peticiona a condenação da Ré no pagamento da quantia de um milhão de euros (acrescida de juros de mora) ou, subsidiariamente, no pagamento da quantia de duzentos mil euros (acrescida de juros de mora), créditos emergentes do acordado no contrato de trabalho desportivo que manteve com a Ré (cuja celebração e execução se descrevem nas alíneas antecedentes);
- assim, o direito de o Autor peticionar quaisquer créditos laborais emergentes da relação laboral que manteve com a Ré já se encontrava prescrito no momento em que o mesmo requereu a Notificação Judicial Avulsa da Ré, que ocorreu a 29/06/2020, nos termos do disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, uma vez que o Autor, desde o dia 31 de Agosto de 2017, deixou de executar quaisquer funções em benefício da Ré, deixou de estar sob a sua autoridade, não recebendo da mesma quaisquer ordens, nomeadamente quanto à execução das suas funções, e deixou de ter qualquer dependência financeira da Ré, pelo que o prazo para o Autor peticionar os créditos emergentes desse contrato que vigorou entre o mesmo e a Ré cessou no dia 02/09/2018;
- ou seja, o início do decurso do prazo prescricional ocorre quando se verifica a ruptura de facto da relação contratual entre as partes – no caso, não resultam quaisquer dúvidas de que essa ruptura de facto ocorreu a 31 de Agosto de 2017;
- por outro lado, no que respeita ao alegado nos artigos 34.º, 42.º a 46.º, 50.º a 53.º, 56.º, 80.º a 85.º, a Ré aceita o que resulta exclusivamente dos documentos juntos e referenciados em cada artigo, não aceitando, e impugnando, tudo o que extrapole o que consta dos mesmos;
- a Ré aceita também o alegado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 32.º (com o seguinte esclarecimento: apenas se aceita que a Ré abordou o Autor para que este prosseguisse a sua carreira ao seu serviço); 34.º (na medida em que a Ré ofereceu as condições que constam do contrato); 35.º, 41.º (nos mesmos termos supra referidos); 80.º a 85.º;
- a Ré entende ser irrelevante para a decisão da causa o alegado nos seguintes artigos da petição inicial: 4.º, 5.º a 23.º, 26.º a 31.º, 33.º; 37.º, 38.º, 39.º, 40.º (estes são factos pessoais do Autor, que não obstante não terem relevo para a presente acção, se impugnam, por serem desconhecidos da Ré, que não tem obrigação de os conhecer), 47.º, 48.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º;
- posto isto, aquando da saída do Autor para a Y, o Autor e a Ré falaram sobre o pagamento do prémio de assinatura que o mesmo vem agora peticionar, pois o Autor acompanhou toda a negociação e fez parte da mesma, relativamente à sua ida para a Y, estando o contrato de transferência dos direitos desportivos do Autor, celebrado entre a Ré e a Y, também assinado pelo Autor, com a declaração de que concordava com o teor do mesmo;
- no âmbito dessa negociação e acordo, ficou claro entre as partes que, atentos os contornos da transferência que estava a ser acordada com a Y, ao Autor não era devido o prémio de assinatura, já que, sendo temporária a transferência, não se encontrava preenchido o pressuposto (de desvinculação definitiva) de que dependia o pagamento do prémio de um milhão de euros;
- o pressuposto da determinação daquele prémio era o de que a Ré tivesse transferido a totalidade dos direitos desportivos do Autor, e, como consequência, tivesse a certeza do recebimento do valor correspondente à venda dos direitos desportivos do Autor;
- mas não foi isso que sucedeu: a Ré acordou um preço, devido pela cedência temporária do Autor, sendo que a Y apenas lhe pagaria a totalidade do valor dos direitos desportivos do Autor se se viesse a concretizar a aquisição definitiva dos mesmos, aquisição que dependia da verificação de uma condição;
- quando o Autor celebra contrato de trabalho desportivo com a Y, a Ré não tinha assegurado o recebimento do valor integral da transferência – razão pela qual as partes esclareceram, à época, que o valor não era devido ao Autor;
- por outro lado, o Autor não permaneceu na equipa de futebol da Ré, não fez parte do seu plantel, não sendo opção do treinador da Ré da equipa sénior de futebol para a época desportiva de 2017/2018, razão pela qual não se verificam os pressupostos de pagamento do prémio de € 200.000,00 previsto na Cláusula 7.ª, a), ii), que pressupõe que o Autor continuasse a jogar pela Ré;
- ou seja, o contrato de trabalho desportivo outorgado entre o Autor e a Ré previu o pagamento de um prémio de assinatura ao Autor em duas situações:
a) Aquela em que o Autor saía definitivamente, e como consequência, a Ré transferia definitivamente os direitos desportivos do Autor, assegurando recebimento integral dos mesmos;
b) Aquela em que o Autor não saía, não recebendo, desse modo, a Ré qualquer valor respeitante aos direitos desportivos do Autor, mas ficando com o Autor na equipa, podendo contar com o mesmo nas competições, fazendo o mesmo parte das opções possíveis do treinador da equipa de futebol;
- o que a realidade trouxe – sendo que, conforme acima se referiu, essa realidade foi debatida com o Autor, que a aceitou sem reservas – não foi nenhuma das mencionadas opções;
- assim, nem a cedência dos direitos do Autor foi definitiva, nem o Autor permaneceu jogador da Ré, pelo que nenhum prémio de assinatura é devido ao Autor, já que não foram previstas terceiras circunstâncias que a tanto dessem lugar;
- resulta do exposto, para efeitos do art. 236.º do Código Civil, que o Autor era conhecedor da vontade real da Ré quanto a esta interpretação da Cláusula em questão, e, mesmo que assim não fosse, a leitura da cláusula em apreço não permite outra interpretação.
Termina, pedindo que a excepção peremptória de prescrição seja declarada procedente, ou, assim não se entendendo, que a acção seja declarada improcedente, em qualquer dos casos com a absolvição da Ré do pedido.

O Autor veio apresentar resposta à matéria da excepção, dizendo, em síntese:
- o art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho não alude à ruptura de facto da relação, mas sim à cessação do contrato, sendo que o contrato de trabalho desportivo dos autos apenas cessou, formalmente, a 1 de Julho de 2019;
- acresce que o princípio subjacente ao instituto da prescrição é o de sancionar a inércia do titular do direito, e, no caso vertente, precisamente pelo facto de o Contrato se ter mantido em vigor até 1 de Julho de 2019, ainda que só no plano formal, só então, com a cessação do Contrato e a formalização da aquisição dos seus direitos de inscrição desportiva pela Y, o Autor passou a estar em condições de aquilatar efectivamente da sua posição e, em particular, dos direitos que lhe assistiam e a exercê-los livre e plenamente contra a Ré;
- causaria repugnância que, depois de aliciar o Autor com o pagamento de um prémio de assinatura e assegurar, por esse meio, o encaixe pretendido com a alienação dos seus direitos de inscrição desportiva, a Ré pudesse, a pretexto de uma alegada prescrição, sem cobertura na letra e espírito da norma do 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, furtar-se ao pagamento da quantia que lhe prometera e que contratualmente se obrigou a pagar;
- a invocação da prescrição do crédito do Autor em tais termos é até passível de configurar abuso do direito;
- acresce que, nos termos da cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) do Contrato, o aludido prémio de assinatura foi decomposto em duas parcelas e que, no que tange à última, tinha como data de vencimento 31 de Dezembro de 2018, ou seja, bem depois de iniciado e esgotado o prazo prescricional invocado pela Ré, o que bastaria para demonstrar o desacerto e até artificialismo da sua tese.
- face ao exposto, conclui-se que o prazo de prescrição do crédito do Autor se iniciou em 2 de Julho de 2019 e que, como tal, quer na data em que o Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré, quer na data em que propôs a presente acção, o crédito invocado não se encontrava prescrito.
Proferiu-se despacho saneador-sentença, no qual, para conhecimento da excepção de prescrição invocada pela Ré, após indicação sumária do pedido formulado e respectivos fundamentos constantes da petição inicial, se fundamentou e concluiu nos seguintes termos:
«(…)
O autor é bem claro quanto à circunstância de ter sido acordada a sua transferência definitiva. A este propósito, alega que 'como resulta claro da leitura do acordo, o que, verdadeiramente foi acertado entre a ré e a Y foi a venda, com efeitos imediatos e a título definitivo, dos direitos de inscrição desportiva do autor', 'o que foi acordado entre a ré e a Y foi a transferência definitiva do autor' e 'o autor passou, deste modo, a estar vinculado à Y para todo e qualquer efeito no tocante ao exercício da sua actividade desportiva' (cfr. os art. 54º, 65º e 75º da petição inicial).
Analisando todos estes elementos, temos que ocorreu uma simulação relativa.
A simulação verifica-se quando, por acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, existe divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante (art. 240º nº1 do Cód. Civil). Por seu lado, a simulação relativa ocorre quando sob o negócio simulado existe outro que as partes quiseram celebarar (art. 241º nº1 do mesmo diploma).
Como afirma ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, na simulação relativa 'é declarada a celebração de um determinado negócio jurídico (o negócio simulado), muito embora, na realidade, as partes tenham celebrado um outro negócio jurídico de tipo, natureza, objecto ou conteúdo jurídico diverso ou concluído com sujeitos diversos (negócio dissimulado)'.
Foi precisamente isto que se passou. A ré e o clube de futebol italiano Y pretendiam a transferência definitiva do autor. Todavia, como tal não era possível para cumprimento das regras do fair-play financeiro, acordaram na formalização de uma cedência temporária. Esta cedência temporária não correspondia à vontade real da ré e do clube de futebol italiano Y, sendo um negócio simulado. Sob este negócio existia outro que pretendiam celebrar e que correspondia à sua vontade que era a transferência definitiva do autor e que consistia no negócio dissimulado.
Tratou-se daquilo que HEINRICH EWALD HÖRSTER designa de simulação relativa objectiva sobre a natureza do negócio.
A simulação e, fundamentalmente, o sentido do negócio dissimulado são claramente assumidas pelo autor quando afirma que 'tanto a ré como a Y sabiam bem o sentido e alcance do acordo celebrado que, tal como atrás se alegou, só pode ter sido este: pese embora sob a capa de uma cedência temporária, o autor foi transferido para a Y em 31 de Agosto de 2017' (cfr. o art. 93º da petição inicial).
Importa acrescentar que o autor não era alheio a este acordo, uma vez que sabia que estava a ser acordada a sua transferência definitiva. É isto que resulta da leitura da petição inicial, mas também da génese do contrato de trabalho desportivo que o autor celebrou com a ré no dia 24 de Março de 2017. Nesta altura, o autor já sabia que, com toda a probabilidade, iria ser contratado por um clube de futebol estrangeiro, tendo celebrado o contrato com a ré apenas para acautelar que esta recebesse uma contrapartida pela sua transferência e o autor recebesse a quantia de € 1.000.000,00. Não estava no pensamento do autor uma simples cedência temporária, mas a sua passagem definitiva para o futebol internacional, tanto mais que, como reconhece, já havia estabelecido contactos com o clube de futebol espanhol B..
O negócio simulado é nulo (art. 240º nº1 do Cód. Civil). O que pode ser válido é o negócio dissimulado, desde que tenha sido respeitado o respectivo regime legal (art. 241º nº1 do Cód. Civil).
Neste sentido pode ver-se HEINRICH EWALD HÖRSTER para quem 'a solução da lei é clara: o negócio simulado é sempre nulo (...); o negócio dissimulado, por sua vez, sendo salvo da simulação, é tratado de forma autónoma e tem o destino que o regime do seu tipo negocial lhe reserva'.
A transferência definitiva do autor para o clube de futebol italiano Y respeitou o respectivo regime legal, o que não foi questionado pelo autor ou pela ré, pelo que nada obsta à sua validade.
Tendo sido acordada a transferência definitiva do autor, o contrato de trabalho desportivo com a ré cessou no dia 31 de Agosto de 2017. A partir desta data deixou de existir uma relação labroral entre o autor e a ré. O autor deixou de receber qualquer retribuição, prestar qualquer actividade e estar sujeito aos poderes da ré enquanto entidade patronal, especialmente ao poder de direcção, passando a ser exclusivamente jogador do clube de futebol italiano Y. Além disso, não existia qualquer possibilidade de o autor regressar para a ré no âmbito do anterior contrato de trabalho desportivo, uma vez que os direitos de inscrição desportiva e utilização do autor tinham sido definitivamente transferidos para o clube de futebol italiano Y, sendo certo que o autor tinha celebrado imediatamente um contrato de trabalho desportivo com este clube (cfr. fls. 60).
Concretamente, o contrato de trabalho desportivo entre o autor e a ré cessou por caducidade por impossibilidade de superveniente absoluta e definitiva de prestação da actividade laboral pelo trabalhador (art. 23º nº1 al. a) da Lei nº54/2017 de 14 de Julho e art. 343º al. b) do Cód. do Trabalho). A prestação da actividade de jogador de futebol ao serviço da ré deixou de ser possível com a transferência do autor para o clube de futebol italiano Y, não podendo a ré inscrever e utilizar o autor em qualquer competição.
A este propósito, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO afirma que 'no caso do trabalhador, à impossibilidade objectiva de prestação da actividade é equiparada a impossibilidade subjectiva, uma vez que a prestação de trabalho é, por natureza, uma prestação infungível: basta, pois, que a prestação se torne impossível para aquele trabalhador em concreto para que a caducidade opere'.
O autor e a ré acordaram no pagamento da quantia de € 1.000.000,00, a ser paga em duas prestações no valor de € 500.000,00 cada uma, sendo a primeira paga até ao dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda até ao dia 31 de Dezembro de 2018, caso deixasse de estar ao serviço da ré após o dia 31 de Agosto de 2017, e da quantia de € 200.000,00, a ser paga até ao dia 10 de Setembro de 2017, se continuasse ao serviço da ré após o dia 31 de Agosto de 2017.
No que respeita a estas obrigações, deve considerar-se que o prazo de prescrição iniciou-se a partir da data que foi acordada para o pagamento, uma vez que a prescrição apenas tem início quando o direito pode ser exercido (art. 306º nº1 Cód. Civil).
Atendendo a estas datas, verifica-se a prescrição que foi invocada pela ré. A quantia de € 1.000.000,00 podia ser reclamada até ao dia 1 de Janeiro de 2020. A quantia de € 200.000,00, além de não ser devida porque o autor não continuou ao serviço da ré após o dia 31 de Agosto de 2017, podia ser reclamada até ao dia 11 de Setembro de 2018. Sucede que o autor apenas procedeu à notificação judicial avulsa da ré para reclamar o pagamento no dia 29 de Junho de 2020 e apenas intentou a presente acção no dia 18 de Setembro de 2020 (cfr. fls. 91).
A prescrição consiste numa excepção peremptória que implica a absolvição do pedido (art. 576º nº1 e 3 do Cód. de Processo Civil).
II
Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção peremptória de prescrição que foi invocada pela ré e, em consequência, absolvo-a do pedido.
*
Nos termos do art. 306º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil, fixo à causa o valor de € 1.088.712,32 (um milhão e oitenta e oito mil e setecentos e doze euros e trinta e dois cêntimos).
*
Custas a cargo do autor.»

O Autor interpôs recurso do despacho saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões:

«A. Na sentença recorrida o Tribunal a quo julga procedente a exceção perentória de prescrição invocada na Contestação, desconsiderando, porém, os factos em que a Recorrida fundamentou tal exceção.
B. A tese do Tribunal a quo, malgrado conduzir ao mesmo resultado prático, qual seja, o de julgar prescritos os créditos laborais invocados pelo Recorrente, não só não tem apoio, como contraria frontalmente a matéria de facto alegada pela Recorrida.
C. É dos factos alegados pelo Recorrente – que valorou erradamente –, que o Tribunal a quo extrai a conclusão de o contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes em litígio teria terminado e, como tal, que os créditos laborais reclamados pelo Recorrente, em 29 de junho de 2020, já se encontravam prescritos.
D. Os factos alegados na Petição Inicial, que levam o Tribunal a quo a concluir que o negócio de cedência temporária celebrado entre a Recorrida e a Y, tendo por objeto os direitos de inscrição desportiva do Recorrente, foi simulado foram expressa e especificamente impugnados pela Recorrida.
E. Desses factos, expressamente impugnados pela Recorrida e erradamente valorados na sentença recorrida, o Tribunal a quo retira ainda a conclusão, também ela profundamente errada, de que o Recorrente foi transferido para a Y com caráter definitivo em 31 de agosto de 2017 e que, por conseguinte, o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida cessou os seus efeitos nessa data.
F. Muito embora a exceção invocada pela Recorrida e conhecida pelo Tribunal a quo seja formalmente a mesma – a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Recorrente – na prática, o Tribunal a quo conheceu de matéria diferente da alegada pela Recorrente.
G. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo.
H. Nos termos da aplicação e conjugação dos artigos 5.º, n.º 1 e 579.º CPC e 303.º do CC, para ser eficaz, a prescrição necessita de ser invocada pela parte a quem aproveita, sendo certo que o tribunal tem que conhecer da prescrição nos exatos termos dessa invocação.
I. O tribunal, muito embora livre na indagação, interpretação e aplicação do direito, no que tange aos factos essenciais do pedido ou das exceções invocadas, está limitado pela alegação das partes.
J. Assim não aconteceu neste caso: a prescrição de que o Tribunal a quo tomou conhecimento não tem a mínima correspondência com a exceção de prescrição invocada pela Recorrida.
K. O Tribunal a quo veio assim a conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento (engendrou uma prescrição diferente da que foi invocada).
L. Certo é que houve neste ponto excesso de pronúncia, pelo que invocada vai assim, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.
M. Ainda que se não se entendesse, o que sem conceder apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se imporia concluir que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, violando as sobreditas disposições legais (artigos 5.º, n.º 1 e 579.º do CPC e o artigo 303.º do CC), o que, em qualquer caso, levaria à revogação da sentença recorrida.
N. O Tribunal a quo laborou ainda em grande equívoco ao ter julgado procedente a exceção perentória invocada pela Recorrida com base em factos controvertidos.
O. Os factos em que o Tribunal a quo (em violação do dispositivo e procedendo a errada valoração) fundamenta a procedência da exceção perentória de prescrição sendo controvertidos, careciam de ser sujeitos a prova para poderem ser levados em consideração.
P. Logo, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador sentença sem que, para o efeito, estivessem reunidos os requisitos previstos na lei, ou seja, a possibilidade de apreciação da exceção perentória de prescrição «sem necessidade de mais provas» (cfr. artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Q. Ao fazê-lo o Tribunal a quo praticou ato que não podia praticar, o que, tendo tido influência na decisão da causa, constitui nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
R. É evidente que a prática desse ato – prolação de despacho saneador sentença – que a lei não admitia teve influência na decisão, na medida em que veio a determinar improcedência do pedido do Recorrente.
S. De notar que ainda que o Tribunal a quo não tivesse seguido “caminho” diferente no que tange à suposta prescrição dos créditos do Recorrente, ignorando os fundamentos de facto e de direito em que o Recorrida baseou a invocação dessa exceção, sempre à mesma conclusão se imporia chegar.
T. Isto porque ainda que a invocação da prescrição pela Recorrida assente fundamentalmente em factos alegados pelo Recorrente, teria sempre de haver lugar à produção de prova porquanto esses factos não só não têm o valor confissório que a Recorrida deles tenta extrair, com são por esta valorados de forma diametralmente oposta ao sentido e ao contexto em que foram alegados.
U. Muito embora coincidentes quanto à celebração e termos dos negócios que deram causa ao litígio, a versão dos factos do Recorrente e da Recorrida não poderiam ser mais opostas, pelo que a apreciação cabal da exceção de prescrição implicaria sempre a produção de mais prova.
V. Estava o Tribunal a quo impedido – por a tanto se opor o previsto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC – de proferir despacho saneador sentença.
W. Arguida vai, assim, a nulidade do processo, por prática de ato que a lei não admite, in casu despacho saneador sentença, nos termos do disposto no artigo 195.º, n. 1, do CPC.
X. Consequentemente, deve a sentença recorrida ser anulada, baixando os autos para a realização da audiência de julgamento.
Y. Caso assim não se entenda, o que sem se conceder apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre teria este Venerado Tribunal de revogar a sentença recorrida por violação do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Z. É manifesto que o Tribunal a quo violou o referido preceito normativo ao proferir despacho saneador sentença quando se revelava imprescindível a produção de prova adicional.
AA. Por conseguinte, ainda que se entenda que tal decisão não constitui nulidade de processo, sempre se terá de entender que ao assim decidir o Tribunal a quo incorreu num grosseiro erro de julgamento.
BB. Não assiste razão ao Tribunal a quo no entendimento que sustenta segundo o qual se verificou, no presente caso, uma simulação relativa, no que se refere ao negócio relativo aos direitos de inscrição desportiva do Recorrente, celebrado entre a Recorrida e a Y.
CC. O entendimento do Tribunal a quo não podia estar mais incorreto, sendo certo que não tem apoio nos factos alegados pelo Recorrente ou tão pouco nos alegados pela Recorrida.
DD. É certo que o Tribunal a quo faz apelo aos factos vertidos pelo Recorrente na Petição Inicial, dando a entender que é da alegação do próprio Recorrente que se retira a simulação do negócio, o que não corresponde à verdade.
EE. Nunca, em momento algum, o Recorrente afirmou, alegou ou sugeriu que o contrato celebrado entre a Y e a Recorrida relativo tendo por objeto os seus direitos de inscrição desportiva se tratasse de negócio simulado.
FF. Tal conclusão não só não resulta, como antes contraria a versão dos factos apresentada pelo Recorrente, só podendo resultar de uma leitura desatenta (para não dizer mesmo leviana) da Petição Inicial por parte do Tribunal a quo
GG. O negócio celebrado entre a Recorrida e a Y, com o conhecimento do Recorrente corresponde, nos seus exatos termos, ao negócio que as partes queriam efetivamente celebrar, nunca tendo havido a intenção de o manter oculto.
HH. No presente caso, não se verifica nenhum dos requisitos cumulativos previstos no artigo 240.º do CC: as partes declararam exatamente o que pretendiam declarar, não houve qualquer intenção de enganar terceiros (sejam quem forem esses terceiros, a que o Tribunal a quo alude mas que nunca chega a identificar), nem tão-pouco houve um acordo simulatório.
II. Através do negócio em causa nos autos, as partes pretendiam operar a transferência definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente e foi exatamente isso que fizeram, tendo, para o efeito, estipulado a cedência temporária de tais direitos por um período de tempo determinado findo o qual estava prevista a obrigação da respetiva compra, concretizando-se, dessa forma, a transferência definitiva.
JJ. A vontade real das partes consistia na transferência definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente e foi isso que as partes acordaram, simplesmente essa transferência não se operou no imediato, mas sim ao fim de 2 anos, em julho de 2019, quando a Y cumpriu a obrigação de aquisição dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente.
KK. Não há qualquer divergência entre o tipo, natureza, objeto ou conteúdo jurídico do negócio declarado e o negócio celebrado, sendo certo que não existem dois negócios distintos, pressuposto básico para que se possa considerar que existe simulação.
LL. O facto do cumprimento das regras de fair play financeiro da FIFA não permitir que o pagamento do preço da transferência dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente fosse feito, na íntegra, numa só época desportiva, levou a que as partes estipulassem, no acordo que celebraram, que o preço seria pago em tranches diferidas no tempo
MM. Diferentemente do que o Tribunal a quo entendeu, com tal previsão contratual as partes não pretenderam, porém, enganar terceiros, em particular a FIFA, antes visando, com tal forma de pagamento do preço, cumprir as normas impostas pela FIFA quanto ao fair play financeiro.
NN. Apesar de sustentar que houve, in casu, uma simulação relativa a verdade é que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, não fundamenta devidamente esse seu entendimento, limitando-se a afirmar que se está perante um negócio simulado porque as partes pretendiam a transferência definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente, mas acordaram na cedência temporária desses direitos.
OO. A análise dos factos alegados pelo Recorrente (e, no tocante a este particular, também pela Recorrida), acompanhada da análise rigorosa dos documentos juntos aos autos, designadamente do documento n.º 9 junto com a PI, torna claro que o juízo do Tribunal a quo é precipitado e, sobretudo, infundado.
PP. Não deixam de causar estranheza as considerações que o Tribunal a quo tece a respeito de uma suposta simulação, maxime se em consideração se tiver que se está em presença de um contrato – o celebrado entre a Recorrida e a Y tendo por objeto os direitos de inscrição desportiva do Recorrente – sujeito aos regulamentos da FIFA e à lei suíça.
QQ. Como se não bastasse arrepiar caminho em termos de produção de prova e ignorar a factualidade alegada pelas partes, o Tribunal a quo aprecia à luz do direito português contrato subordinado a lei e regulamentos emanados de outras jurisdições.
RR. Por ter partido da premissa totalmente errada de que o negócio (como se houvesse dois!) de cedência temporária do jogador foi simulado, o Tribunal a quo chegou a conclusões igualmente erradas quanto à data da cessação do contrato de trabalho desportivo entre o Recorrente e a Recorrida e a suposta prescrição dos créditos laborais de que o primeiro é titular sobre a segunda.
SS. Não obstante ter sido acordada em agosto de 2017, a transferência definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente apenas se operou em julho de 2019, aquando do cumprimento da obrigação de compra, por parte da Y.
TT. Durante o período compreendido entre 31 agosto de 2017 e 30 de junho de 2019, o Recorrente manteve o vínculo laboral com a Recorrida, que continuou a ser titular efetiva dos respetivos direitos de inscrição desportiva.
UU. Só em julho de 2019, quando a Y cumpriu a obrigação de aquisição dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente, é que o contrato de trabalho desportivo entre o Recorrente e a Recorrida cessou formalmente.
VV. Do mesmo passo dir-se-á que é totalmente desacertada a conclusão do Tribunal a quo segundo a qual «não existia qualquer possibilidade de o autor regressar para a ré no âmbito do anterior contrato de trabalho desportivo, uma vez que os direitos de inscrição desportiva e utilização do autor tinham sido definitivamente transferidos para o clube de futebol italiano Y».
WW. Embora o Recorrente tenha ficado sob a direção da Y durante o período de cedência temporária, manteve sempre o vínculo contratual com a Recorrida, sendo certo que se, por qualquer razão, a obrigação de aquisição definitiva não tivesse sido executada (por incumprimento da Y ou não verificação da condição suspensiva), o Recorrente voltaria a ter de apresentar-se à Recorrida e a prestar a sua atividade de jogador profissional ao serviço desta.
XX. Soçobrando a tese do Tribunal a quo quanto à data da cessação do contrato de trabalho desportivo entre o Recorrente e a Recorrida, caem também pela base as considerações expendidas na sentença recorrida a propósito da prescrição dos créditos laborais reclamados.
YY. É sabido que o princípio subjacente ao instituto da prescrição é o de sancionar a inércia do titular do direito.
ZZ. Residindo o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante certo lapso de tempo, lapso esse em que seria razoável e legítimo esperar que o exercesse, a prescrição não pode sancionar quem, por não ser conhecedor ainda da sua posição jurídica, por ter sobre ela dúvidas legítimas ou se encontrar numa situação de desproteção, não pôde atuar a fim de a fazer valer.
AAA. No caso vertente, precisamente pelo facto de o contrato de trabalho desportivo entre o Recorrente e a Recorrida se ter mantido em vigor até 1 de julho de 2019, permanecendo, em consequência, o Recorrente contratualmente ligado à Recorrida, é manifesto que a situação existente não se compadecia com a efetivação plena do direito do Recorrente.
BBB. A natureza híbrida do negócio em causa conjugada com a desproteção do Recorrente, mercê do vínculo contratual que o ligava à Recorrida, em circunstância alguma, pode servir para prejudicar o Recorrente, privando-o de receber os montantes que lhe são devidos.
CCC. Só a partir de 1 de julho de 2019, com a cessação do contrato de trabalho desportivo com a Recorrida e com a formalização da aquisição dos seus direitos de inscrição desportiva pela Y, o Recorrente passou a estar em condições de aquilatar efetivamente da sua posição e, em particular, dos direitos que lhe assistiam e a exercê-los livre e plenamente contra a Recorrida.
DDD. Se vista a esta luz, e conjugada ainda com o princípio basilar do direito do trabalho – a proteção do trabalhador, parte mais débil da relação laboral –, que terá sempre de nortear a interpretação do regime constante do artigo 337.º, n.º 1 do CT, dúvidas não poderão restar acerca do mal fundado do entendimento do Tribunal a quo (e também da Recorrida, embora este sustentado em razões de facto e de direito substancialmente diferentes).
EEE. Acolher tal entendimento, considerando prescritos os créditos laborais cujo pagamento é reclamado nestes autos pelo Recorrente, seria fazer prevalecer a justiça formal sobre a justiça material o que, em caso algum se admite.
FFF. Tanto mais que é sabido que, no presente caso, o prémio de assinatura acordado consistiu na contrapartida devida ao Recorrente pelo facto de este, que podia ingressar livremente em qualquer clube, ter aceitado celebrar contrato de trabalho desportivo com a Recorrida e, com isso, viabilizar àquela, no contexto de transferência futura (que se antevia iminente), encaixe financeiro significativo – o maior da história da Recorrida, sempre se diga.
GGG. Causaria repugnância que, depois de aliciar o Recorrente com o pagamento de um prémio de assinatura e assegurar, por esse meio, o encaixe pretendido com a alienação dos seus direitos de inscrição desportiva, a Recorrida pudesse, a pretexto de uma alegada prescrição, sem cobertura na letra e espírito da norma do 337.º, n.º 1 do CT, furtar-se ao pagamento da quantia que lhe prometera e que contratualmente se obrigou a pagar.
HHH. Ao invocar a prescrição do crédito do Recorrente nos termos em que o faz, a Recorrida agiu em manifesto abuso do direito, o que deveria ter sido suficiente para o que o Tribunal a quo julgasse improcedente, desde logo, a sua pretensão.
III. A jurisprudência convocada pela Recorrida em prol da sua posição quanto ao facto de o cômputo do prazo prescricional se iniciar com a cessação de facto da relação laboral, longe de unânime e sempre discutível, reporta-se à situação típica dos acordos de pré-reforma, tendo-se ali adotado o entendimento de que o prazo de prescrição previsto no 337.º, n.º 1 do CT deveria ter início no primeiro dia da pré-reforma – e não na data da cessação do vínculo jurídico-laboral entre as partes –, precisamente para proteção do trabalhador.
JJJ. Nenhuma identidade – ou sequer afinidade – existe entre estas situações, em que a situação do trabalhador fica, desse logo, estabilizada e clarificada, e o caso dos autos, em que, até 30 de junho de 2019, continuava por formalizar a aquisição dos direitos de inscrição desportiva do Recorrente.
KKK. Por remota que fosse a possibilidade de esta aquisição não vir a ser concretizada pela Y, o certo é que, enquanto não se confirmasse, o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida permaneceria em vigor e o Recorrente, nessa medida, continuaria ligado à Recorrida.
LLL. Esta circunstância inibia e condicionava, obviamente, o exercício da pretensão do Recorrente.
MMM. O espírito da lei, no que tange ao 337.º, n.º 1 do CT, foi, de harmonia com o princípio de proteção do trabalhador, estabelecer regime prescricional específico no interesse do trabalhador, sabendo-se que este, na vigência do vínculo, uma vez que mantém certa dependência jurídica do empregador, não se encontra totalmente livre para invocar e exercer os seus direitos, com receio das repercussões negativas que isso poderá acarretar.
NNN. Por assim ser, isto é, por se estar em presença de regime que visa a proteção do trabalhador, não poderia nunca aceitar-se que tal regime viesse a ser convertido, como pretendido pela Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo, num benefício injustificado à entidade empregadora.
OOO. A lei não alude à rutura de facto da relação, mas sim à cessação do contrato, sendo este inequivocamente o ponto de partida que se impõe adotar.
PPP. Face ao exposto, conclui-se que o prazo de prescrição dos créditos laborais cujo pagamento o Recorrente reclama apenas teve início no dia seguinte à data – 30 de junho de 2019 – da cessação do contrato de trabalho desportivo celebrado com a Recorrida. Nessa medida, quer na data em que o Recorrente requereu a notificação judicial avulsa da Recorrida, quer na data em que propôs a presente ação, os créditos reclamados não se encontravam prescritos.
QQQ. Nestes termos, e com estes fundamentos, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto a este ponto ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção perentória de prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Recorrente, invocada pela Recorrida na sua Contestação.»
A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo o Senhor Juiz a quo se pronunciado no sentido da não verificação das nulidades arguidas.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação do tribunal são as seguintes:
- nulidade da sentença;
- nulidade processual;
- prescrição dos créditos peticionados pelo Autor.

3. Fundamentação de facto

A factualidade provada relevante é a decorrente do Relatório supra, designadamente quanto aos factos alegados pelo Autor na petição inicial e confessados ou admitidos pela Ré na contestação, devidamente assinalados a Bold, sendo que, atenta a ressalva da Ré de que no tocante aos referentes a conteúdo de documentos apenas aceita o respectivo teor, consigna-se que a falada Cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes tem mais precisamente a seguinte redacção (1):

1. Para além da remuneração e dos prémios por objectivos acima referidos, o segundo outorgante terá direito, durante a vigência do contrato de trabalho desportivo e na condição do mesmo estar em vigor nas datas de vencimento abaixo referidas, salvo no que concerne ao prémio de assinatura:
a) Prémio de assinatura que se decompõe nos seguintes termos:
i) A quantia ilíquida de 50.000,00 € a ser paga em 4 prestações na quantia ilíquida de 12.500,00 € cada uma, a primeira a 10 de Abril de 2017, a segunda a 10 de Maio de 2017, a terceira a 10 de Junho de 2017 e a quarta a 10 de Julho de 2017.
ii) Uma das seguintes alternativas:
ii.i) Caso o Jogador continue ao serviço da primeira outorgante após 31 de Agosto de 2017, terá direito a receber a quantia líquida de 200.000,00 €, a ser paga em prestação única, no dia 10 de Setembro de 2017; ou
ii.ii) Caso o Jogador não esteja ao serviço da primeira outorgante (tendo-se desvinculado da mesma a título definitivo) após 31 de Agosto de 2017, terá direito a receber a quantia ilíquida de 1.000.000,00 €, a ser paga em duas prestações na quantia ilíquida de 500.00,00 € cada uma, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda no dia 31 de Dezembro de 2018.
b) (…)

4. Apreciação do recurso

4.1. Em 1.º lugar, o Apelante invoca a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, alegando, em síntese, que, por força dos arts. 5.º, n.º 1 e 579.º do mesmo Código e 303.º do Código Civil, a prescrição necessita de ser invocada pela parte a quem aproveita, tendo o tribunal, muito embora livre na indagação, interpretação e aplicação do direito, que se cingir aos factos essenciais alegados por aquela, o que não foi observado no presente caso, na medida em que o tribunal tomou conhecimento de prescrição diferente da que foi invocada pela Ré.
Vejamos.
Decorre do art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do mesmo Código, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão ou excesso de pronúncia sobre «questões», como tal se entendendo os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a falta de consideração de linhas de fundamentação que as partes hajam invocado ou, pelo contrário, com a invocação e acolhimento de linhas de fundamentação diferentes dessas (2).
Para conhecimento das «questões», assim entendidas, o juiz pode servir-se de factos nos termos permitidos pelo art. 5.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e, em processo laboral, ainda pelo art. 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, sendo certo que, quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do n.º 3 daquele art. 5.º, o juiz não está sujeito às alegações das partes.

Nesta conformidade, compulsados os articulados das partes, constata-se que as questões a decidir na presente acção são, em síntese, as seguintes:
- a título de pedido principal, se o Autor tem direito a prémio de assinatura na quantia ilíquida de 1.000.000,00 €, por se verificarem os pressupostos previstos na Cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) - ii.ii) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes, ou seja, o Autor não estar ao serviço da Ré (tendo-se desvinculado da mesma a título definitivo) após 31 de Agosto de 2017;
- a título de pedido subsidiário, se o Autor tem direito a prémio de assinatura na quantia líquida de 200.000,00 €, por se verificarem os pressupostos previstos na Cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) - ii.i) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes, ou seja, o Autor continuar ao serviço da Ré após 31 de Agosto de 2017;
- a título de prescrição invocada pela Ré, se em 31 de Agosto de 2017 ocorreu a cessação do contrato de trabalho celebrado pelas partes, no sentido que esta figura tem para os efeitos previstos no art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Ora, analisada a fundamentação da sentença recorrida, acima transcrita, constata-se que o tribunal a quo se ateve à apreciação em exclusivo destas questões e se serviu para tanto apenas da matéria factual alegada pelas partes, que qualificou e apreciou juridicamente sem extravasar o efeito prático-jurídico pretendido por cada uma delas.
Na verdade, o que resulta da sentença é que o tribunal considerou que a factualidade provada, no enquadramento jurídico que entendeu correcto, permitia concluir pela transferência definitiva do Autor para a Y em 31 de Agosto de 2017 e por isso se verificavam os pressupostos do direito em que fundamentara o pedido principal (ficando nessa medida prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, nos sobreditos termos legais), após o que considerou tal direito prescrito por verificação dos requisitos previstos no art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, tal como a Ré invocara.
Concretizando, no que concerne à questão da prescrição, decorre do Relatório supra que a Ré fundamentou-a nos factos alegados pelo Autor que expressamente confessou, por entender que os mesmos, ainda que configurando mera ruptura de facto do contrato de trabalho – na medida em que entendia que a transferência para a Y verificada em 31 de Agosto de 2017 era a título temporário –, se reconduziam ao sentido da noção de cessação do contrato de trabalho ínsito na citada norma legal.
Ora, tendo-se entendido que a mencionada transferência foi definitiva, como sustentava o Autor, e não temporária, a inerente ruptura do contrato de trabalho não foi meramente de facto, sem, todavia, deixar de o ser também, tanto assim que o Autor alegara a factualidade em apreço precisamente para fundamentar aquela sua pretensão. Isto é, a transferência definitiva, na própria configuração do Autor, inferia-se não só dos termos do acordo ajustado entre a Ré e a Y, como também daqueles factos atinentes ao modo como o mesmo foi executado pelas partes, e que a Ré confessou para fundamentar a arguição da prescrição.
Assim, ao acolher a tese da desvinculação jurídica entre o Autor e a Ré em 31 de Agosto de 2017, o tribunal a quo baseou-se não só mas também na factualidade que provava a ruptura de facto do contrato nessa data, invocada pela Ré como fundamento da prescrição, e que, juntamente com a demais factualidade alegada pelo Autor e que se provou, julgou atendível à luz do art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como faria ainda que os factos essenciais complementares dos factos essenciais alegados pela Ré não tivessem sequer sido articulados por nenhuma das partes e resultassem apenas da instrução da causa, atento o comando constante dos citados arts. 5.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil e 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Pode ter havido erro de julgamento – o que infra se apreciará –, mas de modo algum excesso de pronúncia ou violação do princípio do dispositivo.
Improcede, pois, a nulidade da sentença arguida.

4.2. Em 2.º lugar, o Apelante sustenta que os factos em que o Tribunal a quo fundamenta a procedência da excepção peremptória de prescrição, sendo controvertidos, careciam de ser sujeitos a prova para poderem ser levados em consideração, pelo que proferiu despacho saneador-sentença sem que, para o efeito, estivessem reunidos os requisitos previstos na lei, ou seja, a possibilidade de apreciação sem necessidade de mais provas, como estabelece o art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, cometendo nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art. 195.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Antes de mais, diga-se que, não obstante seja controvertido que a arguição de nulidades processuais possa ser efectuada em sede de recurso (3), a polémica não releva para a situação colocada pelo Recorrente, uma vez que, no nosso entender, a mesma é regulada por norma própria, a saber, a constante do art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, segundo a qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto.
Posto isto, cabe dizer que não se justifica que este tribunal faça uso de tal poder-dever.
Com efeito, salvo o devido respeito, o Apelante confunde os factos alegados pelas partes com as conclusões e valorações de direito que as mesmas deles pretendem retirar, e, bem assim, os factos provados (por confissão ou admissão pela Ré) com as conclusões e valorações de direito que o próprio tribunal a quo deles retirou, aliás essencialmente coincidentes com as de cada uma das partes quanto ao pedido principal e à excepção de prescrição, respectivamente.
Assim, por um lado, o tribunal apreciou o direito invocado pelo Autor como fundamento do pedido que formulou a título principal (como pressuposto da apreciação da excepção da prescrição) e considerou que a factualidade provada, no enquadramento jurídico que entendeu correcto, permitia concluir – como sustentado pelo Autor nos articulados – pela sua transferência definitiva para a Y em 31 de Agosto de 2017, verificando-se a hipótese prevista na Cláusula 7.ª, n.º 1, alínea a) - ii.ii) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes.
Ora, tratando-se de questão decidida favoravelmente ao Autor e que, não fora a decisão quanto à prescrição, conduziria à procedência do pedido principal, e não tendo a Ré requerido a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 636.º do Código de Processo Civil, de modo a abrangê-la (uma vez que também se defendeu por impugnação, refutando-a), para prevenir as consequências decorrentes da eventual revogação daquela decisão sobre a prescrição por esta Relação, é irrelevante qualquer erro de julgamento de facto ou de direito em que o tribunal a quo tenha incorrido naquela parte (4).
Por outro lado, quanto à questão da prescrição, em que o Autor decaiu, tinha e tem de ser apreciada em face do alegado pela Ré e pelo Autor na contestação e na resposta a esta, respectivamente, sendo certo que, no que respeita a factos, nenhuns foram alegados que não estejam provados, nem o Apelante, aliás, os identifica – pura e simplesmente porque não existem.
Conclui-se, pois, que não ocorre o vício processual invocado.

4.3. Importa, finalmente, decidir se, ao contrário do entendimento do tribunal recorrido, não ocorreu a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor.

Está provado por confissão e admissão pela Ré que:

a) O Autor celebrou com a Ré, em 24 de Março de 2017, um Contrato de Trabalho Desportivo, com início em 1 de Julho de 2017 e termo em 30 de Junho de 2020, correspondendo aos meses restantes da época desportiva de 2017/2018 e às épocas desportivas de 2018/2019 e 2019/2020.
b) Nos termos das alíneas a), b) e c) da cláusula 5.ª do Contrato, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor, a título de retribuição, pelas épocas desportivas de 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, as retribuições de EUR 150.000,00, EUR 200.000,00 e EUR 250.000,00, respetivamente.
c) De acordo com a cláusula 7.ª do Contrato, a Ré obrigou-se ainda nos seguintes termos:
1. Para além da remuneração e dos prémios por objectivos acima referidos, o segundo outorgante terá direito, durante a vigência do contrato de trabalho desportivo e na condição do mesmo estar em vigor nas datas de vencimento abaixo referidas, salvo no que concerne ao prémio de assinatura:
a) Prémio de assinatura que se decompõe nos seguintes termos:
i) A quantia ilíquida de 50.000,00 € a ser paga em 4 prestações na quantia ilíquida de 12.500,00 € cada uma, a primeira a 10 de Abril de 2017, a segunda a 10 de Maio de 2017, a terceira a 10 de Junho de 2017 e a quarta a 10 de Julho de 2017.
ii) Uma das seguintes alternativas:
ii.i) Caso o Jogador continue ao serviço da primeira outorgante após 31 de Agosto de 2017, terá direito a receber a quantia líquida de 200.000,00 €, a ser paga em prestação única, no dia 10 de Setembro de 2017; ou
ii.ii) Caso o Jogador não esteja ao serviço da primeira outorgante (tendo-se desvinculado da mesma a título definitivo) após 31 de Agosto de 2017, terá direito a receber a quantia ilíquida de 1.000.000,00 €, a ser paga em duas prestações na quantia ilíquida de 500.00,00 € cada uma, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda no dia 31 de Dezembro de 2018.
d) O Autor viria a ingressar noutro clube no Verão de 2017, na medida em que, em 31 de Agosto de 2017, a Ré celebrou com a Y ., clube de futebol sediado na cidade de ..., Itália, o seguinte acordo:
i) a Ré obrigou-se a ceder temporariamente à Y, até 30 de Junho de 2019, os direitos federativos do Autor, pelo montante total de EUR 7.500.000,00, a ser pago do seguinte modo: EUR 5.000.000,00, correspondentes à época desportiva de 2017/2018, no ou antes do final de Janeiro de 2018; EUR 2.500.000,00, correspondentes à época desportiva de 2018/2019, no ou antes do final de Janeiro de 2019;
ii) a Y assumiu outrossim a obrigação de aquisição definitiva dos direitos federativos do Autor, no final da época desportiva de 2018/2019, caso se qualificasse para a Liga Nacional Profissional Série A do futebol italiano, vindo a disputar tal competição na época desportiva seguinte (2019/2020), mediante pagamento à Ré da quantia adicional de EUR 4.500.000,00.
e) Na mesma data (31 de Agosto de 2017) em que a Ré celebrou com a Y o contrato referido supra, o Autor celebrou com a Y contrato de trabalho desportivo mediante o qual se obrigou a prestar-lhe a sua actividade profissional por cinco épocas desportivas (2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022), pagando-lhe a Y a remuneração fixa bruta de EUR 172.650,00, na época desportiva de 2017/18, e de EUR 550.000,00 nas épocas restantes.
f) O Autor passou, deste modo, a estar vinculado à Y, para todo e qualquer efeito, no tocante ao exercício da sua actividade desportiva, prestando a sua actividade a favor do aludido clube, recebendo da respectiva equipa técnica todas as instruções relevantes, treinando e jogando sempre que a isso chamado e auferindo do clube, a título exclusivo, a retribuição devida pela prestação da sua atividade desportiva.
g) No dia 1 de Julho de 2019, após qualificar-se (como sempre se soube que aconteceria) para a Série A italiana na época seguinte, a Y formalizou a aquisição dos direitos federativos do Autor, pagando à Ré o valor remanescente (EUR 4.500.000,00) do preço, e, em 2 de Agosto de 2019, alienou esses mesmos direitos ao W, clube ao serviço do qual o Autor vem prestando, desde então, a sua actividade profissional.
h) Neste sentido, o Autor deixou de estar ao serviço da Ré em 31 de Agosto de 2017.

Desta factualidade, por si alegada na petição inicial, o Autor concluiu que, como resulta claro da leitura do acordo, o que verdadeiramente foi acertado entre a Ré e a Y foi a venda, com efeitos imediatos e a título definitivo, dos direitos de inscrição desportiva do Autor. Sucede que, para cumprimento das regras de fair play financeiro da União das Associações Europeias de Futebol (“UEFA”), a Y necessitava de diferir no tempo o pagamento do preço acordado pela aquisição dos direitos de inscrição desportiva do Autor, razão pela qual as partes celebraram um contrato que previa a cedência temporária dos referidos direitos por dois anos e depois a obrigação de aquisição (note-se, obrigação, e não opção!) sujeita ao advir dum evento de verificação certa, pois nos últimos 30 anos a Y qualificou-se sempre para a Liga Nacional Profissional Série A do futebol italiano e nos últimos dez anos ficou sempre classificada nos dez primeiros lugares. Assim, formalmente, o Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre o Autor e a Ré cessou no dia 1 de Julho de 2019, porém o jogador passou a estar ao serviço da Y a partir de 31 de Agosto de 2017, entidade com a qual celebrou o vínculo contratual acima descrito e da qual passou a auferir a remuneração devida pela prestação da sua actividade profissional. Tanto a Ré como a Y sabiam bem o sentido e alcance do acordo celebrado, que só pode ter sido este: pese embora sob a capa de uma cedência temporária, o Autor foi transferido para a Y em 31 de Agosto de 2017. O evento de que a Ré e a Y fizeram depender a constituição da obrigação de aquisição definitiva dos direitos de inscrição desportiva do Autor configura, pelas razões já expostas, um evento de verificação certa, pelo que, ainda que no plano formal o Autor tenha permanecido contratualmente ligado à Ré, vindo tal vínculo a cessar apenas em 1 de Julho de 2019, o certo é que, de 31 de Agosto de 2017 em diante, o Autor deixou de estar ao serviço daquela, passando a prestar a sua actividade desportiva – com efeitos imediatos, exclusivos e definitivos – à Y.
Conforme resulta da sentença, o tribunal recorrido acolheu no essencial estas considerações e – enquadrando-as juridicamente nas figuras e regime da simulação relativa e da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação do trabalho, decorrente da demonstrada transferência definitiva sustentada pelo Autor –, concluiu que este tinha direito ao que peticionou a título principal, ou seja, a quantia ilíquida de 1.000.000,00 €, a ser paga em duas prestações na quantia ilíquida de 500.00,00 € cada uma, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2017 e a segunda no dia 31 de Dezembro de 2018, em virtude de se verificar a situação prevista na cláusula 7.ª, n.º 1, al. a)-ii)-ii.ii) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes (não ter ficado ao serviço da Ré, por se ter desvinculado da mesma a título definitivo, após 31 de Agosto de 2017).
Como já se referiu acima, estando em causa um fundamento decidido favoravelmente ao Autor, como pressuposto da apreciação da excepção da prescrição, e que, a não ser esta procedente e atenta a inércia da Ré, conduz à procedência do pedido principal, é irrelevante que o tribunal recorrido tenha divergido ou errado quanto às razões de facto ou de direito pelas quais o julgou atendível, posto que o que importa é que acolheu a pretensão do Autor de que foi transferido definitivamente para os efeitos da citada cláusula, isto é, com o mesmo efeito jurídico-prático.
O recurso não serve para “(…) satisfazer interesses meramente subjectivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final, com o cortejo de efeitos que dela emanam.” (5)
Em face do exposto, dispensamo-nos de quaisquer outras considerações sobre o arrazoado que o Apelante, na sua alegação, tece sobre a bondade do enquadramento jurídico conferido pelo tribunal recorrido no julgamento da sua pretensão como procedível, se não fosse a sua dedução extemporânea.
Por seu turno, a Ré, na sua contestação, invocou a excepção de prescrição com base nos factos acima enunciados sob as alíneas a), e), f) e h) e no disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, uma vez que daqueles resulta que o Autor, desde o dia 31 de Agosto de 2017, deixou de executar quaisquer funções em benefício da Ré, deixou de estar sob a sua autoridade, não recebendo da mesma quaisquer ordens, nomeadamente quanto à execução das suas funções, e deixou de ter qualquer dependência financeira da Ré. Ou seja, acrescenta, o início do prazo prescricional ocorre quando se verifica a ruptura de facto da relação contratual entre as partes, que sem quaisquer dúvidas ocorreu a 31 de Agosto de 2017. Assim, o prazo para o Autor peticionar os créditos emergentes desse contrato que vigorou entre o mesmo e a Ré terminou no dia 2/09/2018, sendo certo que aquele apenas requereu Notificação Judicial Avulsa efectuada em 29 de Junho de 2020.
O Autor veio apresentar resposta à matéria da excepção, dizendo, em síntese, que o art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho não alude à ruptura de facto da relação, mas sim à cessação do contrato, sendo que o Contrato de Trabalho Desportivo dos autos apenas cessou, formalmente, a 1 de Julho de 2019. Acresce que o princípio subjacente ao instituto da prescrição é o de sancionar a inércia do titular do direito, e, no caso vertente, precisamente pelo facto de o Contrato se ter mantido em vigor até 1 de Julho de 2019, ainda que apenas no plano formal, só então, com a sua cessação e a formalização da aquisição dos seus direitos de inscrição desportiva pela Y, o Autor passou a estar em condições de aquilatar efectivamente da sua posição e, em particular, dos direitos que lhe assistiam e a exercê-los livre e plenamente contra a Ré. Assim, o prazo de prescrição do crédito do Autor iniciou-se em 2 de Julho de 2019, pelo que, quer na data em que o Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré, quer na data em que propôs a presente acção, o crédito invocado não se encontrava prescrito.
Na sentença, veio a considerar-se que, uma vez que o Contrato de Trabalho Desportivo entre as partes cessou pela transferência definitiva do Autor para a Y em 31 de Agosto de 2017 e a quantia devida pela Ré ao Autor por tal facto, no valor de € 1.000.000,00, devia ser paga em duas prestações no valor de € 500.000,00 cada uma, com vencimento até aos dias 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018, o prazo de prescrição de um ano iniciou-se a partir da data acordada para o pagamento, uma vez que a prescrição apenas tem início quando o direito pode ser exercido, nos termos do art. 306.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que se completou no dia 1 de Janeiro de 2020, isto é, antes da Notificação Judicial Avulsa da Ré em 29 de Junho de 2020.
Vejamos.
Nos termos do art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Assim, tendo-se acolhido o entendimento do Autor de que, em virtude da transferência definitiva para a Y em 31 de Agosto de 2017, se encontrava na situação prevista na cláusula 7.ª, n.º 1, al. a)-ii)-ii.ii) do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes (“o Jogador não esteja ao serviço da primeira outorgante (tendo-se desvinculado da mesma a título definitivo) após 31 de Agosto de 2017”), não pode senão concluir-se que aquele Contrato cessou nesse momento, de facto e de direito, sendo irrelevante que se tivesse mantido “apenas formalmente” ou “só no plano formal”, como diz o Autor.
Repare-se que na mencionada cláusula se esclarece que “(…) o segundo outorgante terá direito, durante a vigência do contrato de trabalho desportivo e na condição do mesmo estar em vigor nas datas de vencimento abaixo referidas, salvo no que concerne ao prémio de assinatura (…)”, e, lidas as várias hipóteses depois elencadas, não pode deixar de concluir-se que a inexigência ressalvada foi prevista precisamente para salvaguardar a parcela do prémio de assinatura de 1.000.000,00 €, ora em apreço, pois é a única susceptível de ser devida sem ser “durante a vigência do contrato de trabalho desportivo e na condição do mesmo estar em vigor nas datas de vencimento abaixo referidas”. Aliás, seria absurdo que se estipulassem os dias 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018 como datas de vencimento das prestações do prémio se a cessação da vigência do Contrato ocorresse posteriormente.
Em suma, a transferência definitiva em 31 de Agosto de 2017, sustentada pelo Autor e considerada demonstrada pelo tribunal recorrido, sob pena de contradição, não pode senão significar a desvinculação jurídica das partes a título definitivo, a cessação da vigência do Contrato de Trabalho Desportivo.
Acresce que o acordo de transferência definitiva do Autor na aludida data foi executado de modo conforme a essa vontade negocial, pois se provou também que, apesar de o Autor ter celebrado com a Ré um Contrato de Trabalho Desportivo que terminava em 30 de Junho de 2020, e de a Ré ter celebrado com a Y um acordo de cedência supostamente temporária que terminava em 30 de Junho de 2019, simultaneamente o Autor celebrou com a Y um contrato de trabalho desportivo até à época desportiva de 2021/2022, e desde a respectiva assinatura em 31 de Agosto de 2017 passou a estar vinculado à Y, para todo e qualquer efeito, no tocante ao exercício da sua actividade desportiva, prestando a sua actividade a favor do aludido clube, recebendo da respectiva equipa técnica todas as instruções relevantes, treinando e jogando sempre que a isso chamado e auferindo do clube, a título exclusivo, a retribuição devida pela prestação da sua atividade desportiva.
Portanto, como acima se salientou, a ruptura do contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017 não foi meramente de facto, sem, todavia, deixar de o ser também. A desvinculação jurídica entre o Autor e a Ré naquela data é indiciada não só mas também pela ruptura de facto que então se verificou.
De acordo com o disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, cessado o contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017, o crédito do Autor prescreveria em 1 de Setembro de 2018. Não obstante, tal crédito devia ser pago em duas prestações no valor de € 500.000,00 cada uma, com vencimento até aos dias 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018, respectivamente, pelo que, atento o preceituado no art. 306.º, n.º 1 do Código Civil, deve entender-se que o prazo de um ano iniciou-se a partir da data acordada para o pagamento, isto é, quando o direito passou a poder ser exercido, pelo que se completou no dia 1 de Janeiro de 2019 quanto à primeira prestação e no dia 1 de Janeiro de 2020 quanto à segunda, ou seja, antes da Notificação Judicial Avulsa da Ré em 29 de Junho de 2020.
Conclui-se, pois, pela verificação da prescrição.
Posto isto, não pode proceder a argumentação do Recorrente no sentido de que “(…) só a partir de 1 de Julho de 2019, com a cessação do contrato de trabalho desportivo com a Recorrida e com a formalização da aquisição dos seus direitos de inscrição desportiva pela Y, o Recorrente passou a estar em condições de aquilatar efetivamente da sua posição e, em particular, dos direitos que lhe assistiam.”
O direito que invoca e lhe foi reconhecido, pressupondo a cessação da vigência do contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017 e o vencimento das primeira e segunda prestações em 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018, respectivamente, significa que o Autor podia e sabia que podia exercê-lo desde tais datas, tanto assim que reclama juros de mora desde as mesmas.
Também não procede a invocação do princípio da protecção do trabalhador ínsito no art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, uma vez que o mesmo se extrai de o prazo precricional não começar a correr enquanto não cessa o contrato de trabalho, por muito antigos que sejam os créditos, em atenção à subordinação jurídica do trabalhador ao empregador, mas não mais releva a partir de então. Ora, no caso em apreço, o contrato de trabalho cessou a sua vigência em 31 de Agosto de 2017, e não em 1 de Julho de 2019, apesar da aparência que, no plano meramente formal – passe a redundância –, se quis dar. Não poderia admitir-se que se reconhecesse a cessação da subordinação jurídica inerente à cessação da vigência do contrato de trabalho em 31 de Agosto de 2017, como condição da existência do direito do Autor, e simultaneamente que a mesma só cessou em 1 de Julho de 2019, para efeitos de início do prazo da respectiva prescrição.
Finalmente, não se entende a alusão ao abuso de direito da Ré na invocação da prescrição, por referência à motivação que alegadamente presidiu à outorga do Contrato de Trabalho Desportivo com o Autor, no sentido de permitir àquela um encaixe financeiro elevado pela iminente transferência deste. Em 1.º lugar, o abuso de direito supõe que este direito exista, e o Apelante nunca o admite, nem sequer a título cautelar. Depois, qualquer obrigação contratual tem uma contrapartida como fundamento e, por mais peso que esta tenha, tal não tem qualquer influência na isenção, início, suspensão ou interrupção dos prazos de prescrição. Não está em causa o direito do Autor, mas a necessidade de exercício do mesmo dentro de determinado prazo, e, inclusivamente, até se constata que só no dia 1 de Janeiro de 2020 se completou o prazo de prescrição quanto à segunda prestação, no valor ilíquido de 500.000,00 €, ou seja, 6 meses depois de o Autor ter deixado de estar sob o pretenso condicionalismo que alega…
Por todo o exposto, improcede também este fundamento do recurso, como os demais já apreciados.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar inteiramente o despacho saneador-sentença recorrido.
Custas pelo Apelante.
2 de Dezembro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Não se detectando na alegação do Autor reportada a conteúdo de documentos quaisquer outras diferenças de redacção relevantes para o caso.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, p. 737.
3. Cfr., a título exemplificativo, o Acórdão desta Relação de 13 de Julho de 2021, proferido no processo n.º 2195/20.8T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
4. Sobre esta temática, v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 90 e ss..
5. Abrantes Geraldes, op. cit., p. 64.