Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5927/18.0T8VNF-B.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A comunicação ao agente de execução do acordo de pagamento em prestações da totalidade da dívida exequenda, celebrado entre exequente e executado, antes de ter sido feita qualquer penhora, determina a extinção da execução.
2 – Padece de inexistência jurídica a penhora de imóvel realizada pelo agente de execução depois de lhe ter sido comunicado o acordo de pagamento sobre a totalidade da dívida exequenda.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – Relatório

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A. I., Lda., move a J. L., na qual intervém I. M. enquanto cônjuge do executado, a Caixa ..., Caixa A..., SA, reclamou espontaneamente, em 03.03.2020, a verificação e graduação de um crédito hipotecário no valor total de € 78.804,19 (setenta e oito mil, oitocentos e quatro euros e dezanove cêntimos), invocando que o mesmo se encontra garantido por duas hipotecas incidentes sobre a fracção autónoma penhorada nos autos, designada pela letra L do prédio urbano sito na Rua ..., Bloco .., …, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ../19860116-L, da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e … sob o artigo ….
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1.2. Na ausência de impugnação à reclamação de créditos, foi proferida sentença a julgar verificado o crédito reclamado e a graduar «o crédito reclamado no confronto com o exequendo, da seguinte forma:
1º Crédito hipotecário reclamado pela CAIXA ...;
2º CRÉDITO EXEQUENDO».
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1.3. Inconformados com aquela decisão, os Reclamados J. L. e I. M. interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1. O acordo no pagamento em prestações da quantia exequenda celebrado nos autos principais - autos de execução ordinária nº 5927/18.0T8VNF - entre Exequente e Executados, ora Recorrentes, determinou a imediata extinção da instância executiva.
2. A qual ocorreu no passado dia 30 de Janeiro de 2019, data em que a Ilustre Mandatária da Exequente remeteu a juízo o mencionado acordo, através do requerimento, ref.ª 31385530, denominado" Comunicação a Agente de Execução".
3. Extinção da execução que se invoca para todos os efeitos legais, e que é do conhecimento oficioso.
4. De todo modo, sempre se dirá, que posteriormente não ocorreu qualquer facto que fundamente ou permita a renovação da execução.
5. Pois, os Executados, ora Recorrentes, cumprem religiosamente o mencionado acordo de pagamento em prestações.
6. A penhora do bem imóvel - fracção autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ../19860116 ... L, hipotecada a favor da Recorrida - é ilegal, por ter sido realizada em data em que a execução estava já extinta.
7. A reclamação de créditos apenas foi deduzida pela Recorrida em 03.03.2020, ou seja, mais de um ano após ter ocorrido a extinção da execução.
8. A qual ocorreu, no passado dia 30 de Janeiro de 2019, nos termos referidos nas conclusões supra.
9. Por isso, a reclamação de créditos deduzida pela ora Recorrida, em 03.03.2020, não é processualmente admissível.
10. Pelo que, deveria ter sido indeferida liminarmente pelo Meritíssimo Juiz "a quo”.
11. A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 8060 do C.P.C.».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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1.4. Questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, ambos do CPC).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
i) Verificar se a execução já se mostrava extinta quando foi apresentada a reclamação de créditos e se «posteriormente não ocorreu qualquer facto que fundamente ou permita a renovação da execução» (conclusões 1ª e 4ª);
ii) No caso de proceder a questão anterior, importa apurar da admissibilidade e consequência da dedução de reclamação de créditos em execução extinta (conclusão 9ª).
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

Os factos relevantes para a apreciação da apontada questão são os descritos no relatório que antecede e ainda os seguintes, emergentes de actos praticados no processo:
2.1.1. A execução foi instaurada em 21.09.2018.
2.1.2. Em 30.01.2019, sob a referência nº 31385530, foi comunicado ao Agente de Execução que a Exequente, o Executado e o cônjuge deste haviam acordado no «pagamento em prestações», estipulando-se no acordo escrito que então juntaram aos autos:
«(…)
A quantia exequenda, taxa de justiça e nota de despesas e honorários do Agente de Execução, da qual o executado será notificado, serão pagas da seguinte forma:
a) Uma primeira prestação, no valor de 6.500,00 €, em numerário, a ser paga na data da assinatura do presente acordo, dando desde já o exequente a respectiva quitação;
b) As prestações subsequentes serão em prestações mensais, iguais e sucessivas de 500,00 € nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Outubro, Novembro e Dezembro e de 1.000,00 € nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro;
- As prestações subsequentes à primeira prestação, serão pagas até ao dia vinte de cada mês, vencendo-se a primeira em Fevereiro de 2019 e as restantes e, igual dia dos meses subsequentes, a pagar através de transferência bancária para a conta com o NIB …………. 51 do Banco ….
- A falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento imediato das restantes, bem como o pagamento de juros de mora vencidos desde a entrada da ação executiva até efectivo e integral.
A Exequente declara expressamente que não prescinde da penhora do imóvel efectuada nos presentes autos, pelo que requere a V. Ex.a se digne converter a mesma em hipoteca, nos termos do disposto no artigo 807.º/1 do C.P.C., sendo o Executado responsável pelo pagamento das custas e despesas a tal acto inerente.».
2.1.3. Pela apresentação nº 619, de 01.02.2019, foi registada a penhora, realizada nos autos de execução, da fracção autónoma designada pela letra L, correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano sito na Rua ..., Bloco .., em …, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ../19860116-L, da freguesia de ....
2.1.4. A realização da penhora foi notificada a J. L. e a I. M. por carta registada expedida em 27.04.2020, bem como «para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora».
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Extinção da execução
É de difícil percepção o sentido útil da tramitação ocorrida na execução posteriormente ao acordo sobre o pagamento em prestações da dívida exequenda, o qual foi comunicado ao Agente de Execução e também imediatamente documentado no processo.
Um acordo dessa natureza, nos termos do artigo 806º, nº 2, do CPC, «determina a extinção da execução», ou seja, constitui causa de extinção da instância executiva.
No Código anterior, exequente e executado requeriam ao agente de execução a suspensão da instância executiva, apresentando o plano de pagamento acordado – art. 882º, nº 2, do anterior CPC. Era o despacho do agente de execução que ditava a suspensão da instância.
No actual CPC é a comunicação do acordo de pagamento da totalidade da dívida exequenda, contendo o respectivo plano de pagamento, que determina a extinção da execução. Já não uma suspensão da instância executiva dependente de despacho do agente de execução, mas sim uma extinção da execução (2).
Portanto, a comunicação ao agente de execução do acordo de pagamento tem como efeito automático a extinção da execução, embora carecida de ser declarada para o processo pelo agente de execução (3), pois é a este que está deferida a competência para constatar a extinção da execução. Verificada a extinção da execução, compete ao agente de execução, nos termos do nº 3 do artigo 849º do CPC, comunicá-la, por via electrónica, ao tribunal.
Como refere Rui Pinto (4), «[n]o novo artigo 806º assiste-se a um reforço do princípio dispositivo: as partes comunicam – não requerem – o seu acordo ao agente de execução na mesma janela temporal anterior (i.e., até à transmissão do bem penhorado ou a aceitação da proposta em carta fechada). Por outro lado, essa comunicação determina a extinção da execução. (…)
Estamos, pois, perante um acto processual bilateral de comunicação ao agente de execução da prévia celebração de um acordo de pagamentos, a qual comunicação tem a virtualidade de determinar a produção de efeitos de fonte legal. A saber, não apenas “determina a extinção da execução”, como determina a sujeição a regras específicas constantes dos artigos 807º e 808º, maxime, quanto à conversão das penhoras em garantias reais».
Assim sendo, comunicado o acordo de pagamento sobre a totalidade da dívida, que tem como efeito legal a imediata extinção da instância executiva, a execução não pode prosseguir com a penhora de bens ou, caso esta já tenha sido realizada antes daquela comunicação, com a venda de um bem penhorado. O propósito da lei é precisamente o de evitar qualquer acto posterior de agressão do património do devedor, realizado que está o interesse do exequente em face do acordo para pagamento da quantia exequenda.

No caso dos autos, em vez de declarar a extinção da execução, o Sr. Agente de Execução, posteriormente à data em que lhe foi comunicado o acordo de pagamento, levou a cabo a penhora de um imóvel e todo um subsequente conjunto de actos que conduziram à apresentação de uma reclamação de créditos por parte da Caixa ..., como se a lei não determinasse a extinção da execução. Ou seja, o processo prosseguiu como se não tivesse havido acordo de pagamento e a comunicação deste não produzisse a apontada consequência legal.
Segundo vemos nos actos documentados no processo executivo, a Exequente defende que a execução tinha que prosseguir com a penhora do imóvel em virtude de no acordo de pagamento ter declarado que «não prescinde da penhora do imóvel efectuada nos presentes autos, pelo que requere a V. Ex.a se digne converter a mesma em hipoteca, nos termos do disposto no artigo 807.º/1 do C.P.C.».
Sucede que a Exequente produziu a aludida declaração partindo de um pressuposto que não se verificava: a existência de «penhora do imóvel efectuada nos presentes autos». Não existia, em 30.01.2019, qualquer penhora de imóvel efectuada nos autos de execução.
Tal declaração não torna admissível ou lícita a posterior realização (em 01.02.2019) de uma penhora, à revelia da disposição legal que determina automaticamente a extinção da execução. Se não existe penhora à data da comunicação do acordo e a lei determina a extinção da execução, não se pode realizar posteriormente uma penhora.
A possibilidade de o exequente produzir uma declaração com o aludido teor sobre uma penhora já feita na execução, ao tempo da comunicação do acordo, tem como único escopo possibilitar a sua conversão automática em hipoteca ou penhora, beneficiando assim das garantias da prioridade que a penhora tenha. Não visa permitir, nem pode face ao efeito determinativo da extinção da execução, a posterior realização de uma penhora, bem como viabilizar, subsequentemente a tal acto (penhora), a declaração, já não automaticamente, de conversão dessa nova penhora em hipoteca ou penhor.
É isso que resulta do artigo 807º, nº 1, do CPC: «se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha, sem prejuízo do disposto no artigo 809º» (quanto à tutela dos direitos dos restantes credores).
Recorrendo ao mesmo autor, enfatiza Rui Pinto que «a execução não se mantém se não estiver gerando actos de execução (a menos que tenha sido suspensa ao abrigo de oposição à execução (cf. Artigo 733º n.º 1)), foi alterado o regime de garantias, atenta a necessária extinção da execução por força do acordo prestacional».
A razão de ser do actual regime é fácil de perceber. No direito anterior, a penhora já feita na execução valia como garantia do crédito exequendo, mantendo-se, em princípio, até integral pagamento, salvo convenção em contrário (tanto podiam as partes acordar no levantamento da penhora, como na substituição desta por outra garantia ou no aditamento de outras garantias à já resultante da penhora). No actual regime, como a execução se extingue com a comunicação do acordo de pagamento, a penhora já efectuada na execução não vale, enquanto tal, como garantia do crédito exequendo: a lei protegeu a posição do exequente de outra forma, possibilitando-lhe o exercício da faculdade de «declarar que não prescinde da penhora já feita na execução» ao tempo da realização da comunicação ao agente de execução, caso em que que tal penhora – já feita, sublinhe-se – se converte automaticamente em hipoteca ou penhor. Sendo produzida tal declaração, ao efeito de extintivo da execução acresce o da conversão automática da penhora então já efectuada em hipoteca ou penhor, consoante o objecto daquela.
Naturalmente que a realização de uma penhora posteriormente à comunicação ao agente de execução nem é admissível por a execução já estar extinta nem é susceptível de produzir o efeito de conversão em hipoteca ou penhor, uma vez que este decorre da extinção da execução.

Tendo concluído pela inadmissibilidade da penhora após a comunicação do acordo de pagamento – sobre a totalidade da dívida exequenda – ao agente de execução, carece agora de análise a consequência de um tal acto praticado depois de extinta a execução.
No nosso entender, estamos perante uma situação de efectiva inexistência jurídica do acto por não ter nenhum processo (juridicamente falando) a sustentá-lo, na medida em que findou a relação processual materializada na execução. Após a ocorrência do acto determinativo da extinção da execução não há mais actos de penhora que se possam praticar por não haver relação processual juridicamente subsistente entre exequente e executado. Daí que qualquer acto praticado depois disso, destinado ao prosseguimento do processo como se não tivesse ocorrido a extinção da execução e a satisfação do interesse do exequente, é um não-acto, ou seja, um acto juridicamente inexistente (5).

Resta apreciar se ocorreu a renovação da instância.
Compulsados os autos de execução, verificamos, por um lado, que a Exequente não deu conta da falta de pagamento de qualquer das prestações e que não requereu a renovação da execução para satisfação de remanescente do seu crédito (artigo 808º do CPC); por outro lado, nenhum credor requereu a renovação da instância ao abrigo do disposto no artigo 809º do CPC.
Portanto, tendo ocorrido o facto determinante da extinção da execução sem que tenha sido requerida a renovação da instância, a reclamação de créditos revela-se um acto insusceptível de produzir o seu efeito normal, sendo inviável e até inútil quanto ao pedido de graduação do crédito. Para chegar a essa conclusão basta atentar na circunstância de na sentença se proceder à graduação do crédito reclamado, garantido por hipoteca, com o crédito exequendo, partindo do pressuposto de que este se mostra garantido por penhora, quando a que está em causa nos autos é juridicamente inexistente.

Mais: nem sequer se pode falar em concurso de credores, o qual pressupõe o confronto entre credores que gozem «de garantia real sobre os bens penhorados» (art. 788º, nº 1, do CPC). Nem existe crédito exequendo que goze de qualquer garantia nem bem penhorado. Só a Reclamante é titular de um crédito que goza de garantias reais sobre uma concreta fracção autónoma; a Exequente não.
Finalmente, importa referir que estando comprovada documentalmente a causa de extinção da execução, independentemente de qualquer consideração sobre a validade da penhora realizada posteriormente, é completamente destituída de fundamento o prosseguimento da execução pelo agente de execução. Mesmo que houvesse uma penhora válida e subsistente, comunicado o acordo de pagamento sobre a totalidade da dívida exequenda, com a produção do efeito extintivo da execução decorrente da lei, findavam também necessariamente, por inutilidade superveniente da lide, os apensos declarativos pendentes, como a oposição à execução, os embargos de terceiro e a reclamação de créditos. Se assim é no caso de efectiva existência de uma penhora ao tempo da comunicação do acordo ao agente de execução, por maioria de razão, no caso de uma penhora juridicamente inexistente, é destituído de sentido que sejam posteriormente intentados apensos declarativos e muito menos que os mesmos prossigam até à prolação de uma sentença que aprecia do mérito e até gradua um crédito no confronto com outro relativamente ao qual a execução se mostra extinta. Isso é absolutamente descabido face à acessoriedade, material e formal, do apenso/enxerto declarativo perante a execução.
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2.2.2. Reclamação de créditos na execução extinta

Como já enfatizamos, a fonte de eficácia do efeito extintivo da execução é a própria lei, apenas se tornando necessário que a extinção seja constatada pelo agente de execução.
No caso dos autos, o Sr. Agente de Execução não fez aquilo que a lei lhe impunha, antes tendo prosseguido com a execução, realizando, posteriormente à comunicação do acordo de pagamento, uma penhora e um conjunto de actos indevidos e injustificados e, com isso, dando azo a que fosse apresentada a reclamação de créditos em causa no presente recurso.
É inquestionável que o crédito reclamado existe nos precisos termos em que foi alegado e que goza de garantias reais, o que os Reclamados e ora Recorrentes aceitam pacificamente. Portanto, está verificado o crédito: a Reclamante é titular de um direito de crédito com garantia real sobre o imóvel em causa.
Mas o problema é outro.
O artigo 788º, nº 1, do CPC enuncia que «só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos».
A reclamação de créditos pressupõe a existência de um nexo directo e necessário entre a execução actual e a possibilidade de uma diminuição relevante da sua garantia patrimonial. Tal nexo decorre da verificação da titularidade de uma garantia real sobre um bem penhorado que caduque com a venda ou adjudicação, pois os bens são vendidos livres de garantias reais, as quais caducam, em conformidade com o disposto no artigo 824º, nº 2, do Código Civil.
Dito de outra forma, só pode reclamar créditos quem, com a venda do bem penhorado, corra o risco de perder a garantia real, a benefício de credor comum ou credor preferente menos graduado.
Ora, na execução de que a reclamação é apenso nem existe bem penhorado nem estão verificados os pressupostos para ela prosseguir, pois em 30.01.2019 ocorreu um facto determinativo de extinção da execução, até agora completamente ignorado.
Portanto, inexistindo juridicamente penhora não poderá haver venda. Sendo o bem imóvel insusceptível de venda nesta concreta execução, é de impossível verificação a caducidade das garantias reais de que a Reclamante é titular por efeito do disposto no artigo 824º, nº 2, do CPC.
Nesta ordem de ideias, o fundamento último do concurso de credores e da necessidade de deduzir reclamação de créditos para não ver preterido o seu direito de obter o pagamento pelo património do credor (que é a garantia geral dos credores – art. 601º do CCiv.), que emerge de os bens serem transmitidos em acção executiva livres dos direitos de garantia que os oneram, não se verifica. É que a convocação dos credores depende necessariamente do acto de penhora dos bens (6) e este é juridicamente inexistente nos autos de execução em que se mostra enxertado o procedimento de natureza declarativa aqui em causa.
Por conseguinte, não se verificavam os pressupostos do concurso de credores, que se traduz na prática num concurso de preferências e no caso a Exequente nenhuma preferência possui.
Tendo a reclamação de créditos sido apresentada e prosseguido, face à não impugnação, até à fase de sentença, cabe agora apurar das consequências da inexistência de penhora.
Como resulta da própria epígrafe do artigo 791º do CPC e, sobretudo, do que aí se dispõe, no processo estão em causa duas questões distintas. Uma é a verificação do crédito reclamado e outra é a sua graduação no confronto com o crédito exequendo e os demais créditos que eventualmente tenham sido reclamados.
Numa reclamação de créditos o credor reclamante pede a verificação e graduação do seu crédito, ou seja, dois pedidos distintos: a) que seja reconhecido o seu crédito; b) que seja graduado no pagamento do produto da venda em conformidade com a sua garantia real.
Portanto, em função dos efeitos jurídicos que visa produzir, o processo apresenta um duplo objecto, «traduzido em duas decisões separadas em relação de prejudicialidade, compondo formalmente uma única sentença: a decisão prejudicial de verificação de créditos e a decisão prejudicada da sua graduação em concurso com o crédito exequendo» (7).
In casu, o primeiro pedido formulado pela Reclamante foi julgado procedente na sentença recorrida e está demonstrado, face à ausência de impugnação e aos documentos juntos, que o crédito existe nos termos em que foi alegado: a Reclamante é efectivamente titular de um direito de crédito com garantias reais sobre o imóvel em causa. Daí que inexista fundamento para revogar a sentença na parte em que julga verificado o crédito reclamado.
Mas já o mesmo não se pode dizer da sua graduação com o crédito exequendo, na medida em que não havia que determinar a posição relativa da preferência dada pelas garantias reais de que beneficia. Isto porque se mostrava extinta a execução, inexistia juridicamente penhora e era impossível a execução prosseguir com a venda de um bem imóvel não penhorado (8).

Termos em que procede parcialmente a apelação, devendo revogar-se parcialmente a decisão recorrida na parte em que procede à graduação do crédito reclamado com o crédito exequendo pelo fundamento exposto.
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2.3. Sumário

1 – A comunicação ao agente de execução do acordo de pagamento em prestações da totalidade da dívida exequenda, celebrado entre exequente e executado, antes de ter sido feita qualquer penhora, determina a extinção da execução.
2 – Padece de inexistência jurídica a penhora de imóvel realizada pelo agente de execução depois de lhe ter sido comunicado o acordo de pagamento sobre a totalidade da dívida exequenda.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida na parte em que procede à graduação do crédito reclamado com o crédito exequendo e, em sua substituição, atenta a inexistência jurídica de penhora, julga-se improcedente o correspondente pedido de graduação e dele se absolvem os Reclamados.
Custas, na vertente de custas de parte, por Recorridas e Recorrentes em partes iguais.
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Guimarães, 30.09.2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. No regime do artigo 806º do CPC é a comunicação que extingue a instância.
3. Actualmente não existe sentença declarativa de extinção da execução, embora a extinção possa decorrer de actuação do juiz, como sucede com a sentença de procedência de oposição à execução.
4. Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 684.
5. Numa situação similar, mas relativa à extinção por deserção, v. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2004, proferido no processo 04B1472, relatado por Noronha do Nascimento, disponível em www.dgsi.pt.
6. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 5ª edição, Almedina, pág. 200.
7. Rui Pinto, ob. cit., pág. 830.
8. Não se verifica a específica causa de pedir em que se alicerçava o pedido de graduação do crédito exequendo, o qual pressupunha que o crédito da exequente se encontrava garantido por penhora. A garantia emergente da penhora é o fundamento para se estabelecer a relação de prevalência entre créditos.