Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6947/16.5T8GMR.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: VENDA POR AMOSTRA
DEFEITOS
DENÚNCIA
PRAZO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CIVEL
Sumário:
I – Quando alguém se obriga a fornecer um bem fabricado por encomenda com base em amostra, está-se perante um contrato de compra e venda sobre amostra.

II – A interpretação que se tem por correcta para o art. 471º do Código Comercial, em conjugação com o que estabelece o art. 916º/1 e 2 do CC, aplicável ex vi da remissão do art. 3º daquele primeiro Código que manda aplicar subsidiariamente este segundo corpo de normas, é a de que o comprador tem 8 dias, após o conhecimento respectivo ou após o momento em que podia conhecê-los se fosse devidamente diligente, para denunciar os defeitos que detecte na coisa adquirida no âmbito de um contrato de compra e venda comercial, reclamando deles junto do vendedor.

III – Cabe ao comprador a prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, pois só em face de uma denúncia tempestiva poderá o comprador exercer junto do vendedor os direitos daí decorrentes”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*

1 RELATÓRIO

A Autora N. HOME, S.A. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum(1) pedindo a condenação da Ré N. ESTUDOS, S.A. a pagar-lhe a quantia de € 73.844, acrescida dos juros vencidos e vincendos que em 5 de Dezembro de 2016 ascendiam a € 1.144 até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que a Ré lhe encomendou 20.000 toalhas brancas com desenho a definir, ao preço unitário de € 4,55, acrescido de IVA, no valor global de € 119.930, a pagar € 20.000 com a confirmação da encomenda, € 20.000 antes da entrega das primeiras 10.000 unidades produzidas, valores que a mesma pagou, € 30.000 antes da entrega das restantes unidades e o valor remanescente 60 dias após a entrega das restantes; também acordaram que as primeiras 10.000 toalhas seriam entregues na 31ª semana e as restantes 10 a 15 dias depois e após o aludido pagamento; após fornecimento pela Ré da maquete com o desenho, produziu amostras, que a mesma aprovou e, subsequentemente, produziu as toalhas de acordo com a amostra; concluída a produção, a Ré deslocou-se às suas instalações para inspecção e fiscalização da produção, que aprovou; em 26 de Julho de 2016 entregou 10.013 toalhas, a 29 remeteu a factura correspondente, ficando a aguardar instruções e o pagamento acordado para entregar as restantes 10.000 unidades; após ter solicitado informação, em 8 de Setembro a Ré comunicou que tivera um atraso na divulgação e promoção da campanha, esperando o final de Setembro para estar em condições de agendar a entrega da restante encomenda, ao que acedeu; em 4 e 7 de Outubro solicitou o pagamento da factura e solicitou novamente instruções, respondendo a Ré, em 11 de Outubro, que pretendia liquidar o valor remanescente da factura e solicitar a entrega faseada da restante mercadoria contra o pagamento da mesma, ao que acedeu novamente.

Refere que ao fim de três meses relativamente à entrega, a Ré remeteu uma carta apresentando reclamação relacionada com gramagem inferior ao definido, solicitando a reparação ou substituição da mercadoria que estava na sua posse e a redução do valor pago na mercadoria que já não se encontrava consigo, o que repudiou; devido a essa recusa de cumprimento, emitiu a factura do valor de € 57.806,25 concedendo o prazo de quinze dias para o seu pagamento, que enviou, transmitindo que aguardava instruções para o envio das restantes toalhas; a Ré não pagou e mandou responder à sua carta alegando que a reclamação se baseava em relatórios do CT apesar de os mesmos serem posteriores.

A Ré contestou contrapondo que é uma sociedade que se dedica à realização de projectos de arquitectura mas aceitou o desafio de uma plataforma social, em cuja parceria, desenvolveu uma campanha publicitária a favor da Plataforma de Apoio aos Refugiados Linha da Frente que tinha como objectivo a angariação de quantia monetária; contactou a Autora para lhe fornecer toalhas esteticamente compostas por si; levou a cabo uma campanha de divulgação, no entanto, o plano de vendas não produziu os efeitos pretendidos traduzindo-se em vendas muito escassas em face do esperado; em finais de Setembro encontrava-se com mais de 7.000 toalhas em stock e mais de 10.000 encomendadas, pelo que encetou contactos com empresas do ramo de comercialização têxtil para proceder à sua venda ainda que a preço inferior ao contratado com a demandante, o que conseguiu pelo preço de € 3,50; contudo, quando, em meados de Outubro levou amostras à interessada, esta referiu que não tinham a gramagem que a Autora assegurara; em 27 de Outubro submeteu as toalhas à apreciação do CT, remeteu àquela carta dando nota da eventual desconformidade; em 4 de Novembro, recebido o resultado da análise constatou que as toalhas produzidas e vendidas pela Autora possuem uma gramagem de 297gr/m2 em vez das 400gr/m2 e apresentam desconformidade no tamanho, o que implica uma desvalorização, reduzindo o preço de mercado a retalho para cerca de € 1,50/toalha.

Deduziu reconvenção pedindo que, julgada provada a excepção de não cumprimento do contrato, a Autora seja condenada na eliminação dos defeitos de que padecem os bens em crise, e em alternativa, se tal não se afigurar possível, a sua condenação na redução do preço dos bens, atentos os defeitos de que padecem e sua condenação no pagamento da quantia de € 24.500.

Alega que se comprometeu a pagar à Autora € 4,55 por unidade produzida e fornecida, o que era aceitável para toalhas com gramagem na ordem de 400gr/m2; ao produzir os bens com menos gramagem, por cada três toalhas, a Autora ganhou matéria-prima para outras sem qualquer custo, sendo que os defeitos influenciam o seu preço de mercado, impediu-a de realizar a venda em Outubro de 2016 por € 3,50/unidade e determina que valham cerca de 1,50/unidade; devido ao defeito ficou impedida de realizar a venda de 7.000 toalhas pelo valor total de € 24.500, causando a Autora prejuízo desse valor.

A Autora replicou argumentando que o método de ensaio seguido no relatório não é aplicável às toalhas prontas a usar e o número de amostras não respeita o estabelecido para a realização do teste; chama a atenção que o felpo das toalhas produzidas não é homogéneo, contendo partes com menos e outras com letras, conforme expressamente encomendado; refere desconhecer se o relatório se refere a toalhas por si produzidas e que partes; acrescenta que a produção respeitou a maquete fornecida pela Ré.

Realizada a audiência prévia e não tendo sido possível a conciliação das partes, foi transmitida a intenção de proferir saneador-sentença, atenta a extensão da matéria de facto assente e o regime da venda, sobre amostra.

Seguiu-se saneador sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

I. Julgando a ação parcialmente provada e procedente condena a Ré N. ESTUDOS, S.A. a pagar à Autora N. HOME, S.A. a quantia de € 73.844, acrescida de juros de mora calculados à taxa prevista no artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto até integral e efetivo cumprimento:

i) desde 3 de Novembro de 2016 sobre € 16.037,75;
ii) desde 18 de Novembro de 2016 sobre € 57.806,25.
II. Julgando a reconvenção não provada e improcedente absolve a reconvinda N. HOME, S.A. dos pedidos formulados pela reconvinte N. ESTUDOS, S.A..
Custas da ação e da reconvenção a cargo da Ré.
Registe e notifique.
*

Inconformada com essa sentença, apresentou a R. N. ESTUDOS, S.A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença de fls., que julgou parcialmente procedente a ação declarativa sob a forma de processo comum e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 73.844, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, até integral e efetivo cumprimento, desde 3 de novembro de 2016 sobre a quantia de € 16.037,75 e desde 18 de novembro de 2016 sobre a quantia de € 57.806,25 e, consequentemente, julgou não provada e improcedente a reconvenção.
II. No que respeita aos factos que integram a relação material controvertida em crise, os mesmos encontram-se devidamente explanados no acervo factual dado como provado na Sentença do Tribunal a quo, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
III. Por seu turno, quanto à caracterização do contrato celebrado entre as partes, andou bem o Tribunal a quo, considerando que “ (…) quando esteja em causa um tal negócio jurídico celebrado entre duas sociedades comerciais, no âmbito do qual uma encomenda à outra, sobre amostra pela primeira apresentada, produto final – tecidos, calçado, etc. –, destinado a revenda às suas clientes, o mesmo assume a veste de contrato de compra e venda de natureza comercial, regulado nos artigos 874.º do Código Civil, 2º, 13º § 2º e 463º § 1.º do Código Comercial.”
IV. Todavia, andou mal o Tribunal a quo ao considerar o contrato em crise nos presentes autos como “perfeito e eficaz” pois observou que “com a aprovação das toalhas produzidas de acordo com a maquete fornecida pela Ré e com as amostras a partir desta desenvolvidas, após inspeção, o contrato de compra e venda comercial sobre amostra tornou-se perfeito e eficaz, bem como ao considerar como verificada e procedente a exceção de caducidade de denúncia dos defeitos que padecem os bens produzidos e comercializados pela Apelada, bem como, a considerar que tal circunstância obsta ao conhecimento das demais questões invocadas pela Ré.
V. Para tal, o Tribunal a quo entendeu que a aqui Apelante reclamou da falta de gramagem de que padecem as referidas toalhas, por referência às características contratadas, “num momento em que o direito de denúncia de defeitos há muito havia caducado.” e que o direito à eliminação de defeitos, à redução do preço e ao pagamento de indemnização de prejuízos não contemplados pelos mecanismos de suprimento do vício, que a Ré pudesse ter tido extinguiram-se pelo não exercício tempestivo.”
VI. Ora, tal entendimento, resulta de uma interpretação dos artigos 469.º e 471.º do Código Comercial, violadora dos princípios gerais do Direito e da legislação substantiva respeitante ao exercício da denúncia dos defeitos da coisa objecto do contrato em crise, pelo que nessa medida se impugna.
VII. De acordo com o entendimento do Tribunal a quo, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda comercial na modalidade de venda sobre amostra, regulado no artigo 874.º do Código Civil.
VIII. Dispõe o artigo 919.º do Código Civil que “sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se de convenção ou usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objeto.”, acrescendo ainda os artigos 2º, 13º § 2º e 463º § 1.º todos do Código Comercial, aplicáveis à relação material em crise.
IX. Dispõe o artigo 469.º do Código Comercial que: “as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada.”
X. Conforme considera Cunha Gonçalves, in Tratado do Direito Civil, 8º - 424 e seguintes, “para haver uma venda sobre amostra é indispensável que o vendedor se tenha obrigado a entregar uma coisa exatamente igual à amostra sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos. A amostra deve ser em tudo igual à mercadoria que se há-de entregar.” – vide Acórdão da Relação de Lisboa de 11-04-2013, disponível em www.dgsi.pt.
XI. Nesta senda, a “venda sobre amostra é aquela que se realiza em face de uma parcela da mercadoria, ou de um tipo predeterminado desta, parcela ou tipo que devem ser aprovados pelo comprador antes da conclusão do contrato, devendo ser-lhe exatamente igual a mercadoria total, mais tarde entregue pelo vendedor” – vd. Baptista Lopes, “Do Contrato de Compra e Venda”, pág. 182.
XII. Na verdade, as partes acordaram na produção e fornecimento por parte da Apelada de 20.000 unidades de toalha que deveriam possuir as características descritas na Fatura Proforma, datada de 23-05-2016, junta aos autos com a petição inicial como DOC. 4, nos termos, condições, prazo de entrega e pagamento que demonstra o referido documento.
XIII. Aliás, do acervo factual dado como provado pela Sentença em crise resulta que a Autora se obrigou a produzir os bens em crise com as características e qualidades contratadas e que integram o conteúdo da referida Fatura Proforma – Cfr. Ponto 2 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XIV. Acresce que, a intervenção da Ré, aqui Apelante, na produção dos bens teve relevo apenas no que respeitou ao design do produto contratado, tendo em conta a finalidade do mesmo – Cfr. Pontos 5 e 6 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XV. Atento o exposto, cumpre verificar se a Apelante exerceu o seu direito de denúncia dos defeitos dos bens produzidos em prazo e tempo que lhe confira legitimidade de se arrogar da exceção ao não cumprimento alegada, bem como à responsabilidade contratual peticionada.
XVI. Partindo da Sentença em crise, na qual o Tribunal a quo, considera que “o artigo 471.º do mesmo diploma (leia-se Código Comercial) esclarece que a condição referida naquele preceito se terá por verificada e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no ato da entrega e não reclamar dentro de oito dias, acrescentando o § único do referido preceito que o vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no ato da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado. ”
XVII. Na verdade, o referido preceito legal gera o ónus de o comprador invocar e demonstrar a desconformidade entre o produto efetivamente entregue e a amostra que serviu de base ao contrato, sendo o prazo previsto no artigo 471.º do Código Comercial um prazo de caducidade, nos termos dos artigos 298.º n.º 2 e 328.º e seguintes do Código Civil.
XVIII. Assim, considerando o prazo fixado no artigo 471.º do Código Comercial para a denúncia dos defeitos, cumpre aferir qual o momento relevante para o início da sua contagem.
XIX. A Sentença em crise e proferida pelo Tribunal a quo, sustenta que tal prazo “ter-se-á de contar da data da entrega da coisa.”, prevalecendo o entendimento de que o regime previsto na legislação comercial é diverso do regime que resulta dos artigos 916.º n.º 2 e 925.º n.º 2, ambos do Código Civil, “apresentando-se como claramente mais restritivo” – Cfr. Sentença em crise.
XX. Porém, andou mal o Tribunal a quo ao sufragar o entendimento de que o prazo para denúncia dos defeitos dos bens em crise, iniciou-se na data da entrega de 10.013 unidades, isto é, 26/07/2016 – data da única entrega de bens da Apelada à Apelante.
XXI. Contudo, tal entendimento do Tribunal a quo é violador da correta e legal interpretação do artigo 471º do Código Comercial, pelo que nessa medida se impugna.
XXII. A este respeito cumpre invocar o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo nº 7232/04.0TVLSB.L1-1, que se refere em particular à questão em apreço, no sentido que: “pronunciou-se Vaz Serra, ao considerar que “a razão do art. 471º está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor a reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial: deve, portanto, o comprador examinar tão depressa quanto possível a coisa comprada, a fim de verificar se ela tem vícios, e denunciá-los tão depressa quanto possível ao vendedor”, tanto mais que apesar daquele normativo não dizer “desde quando se conta o prazo de oito dias”, parece “que deve contar-se da data em que o comprador descobre o vício da coisa comprada ou, ao menos, daquela em que o teria descoberto se agisse com a diligência exigível no tráfico comercial”. – Cfr. Acórdão disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso).
XXIII. Neste seguimento, prossegue o douto Acórdão supra identificado, “(…) também Romano Martinez defende que “(…) sendo o art. 471º CCom. omisso quanto a este aspeto, há quem considere que o prazo, na compra e venda comercial, se inicia com a entrega. (…). De facto, a lei comercial é mais exigente do que a civil, mas desse aspeto não se pode concluir no sentido de que a denúncia do defeito deva ser feita antes de ele poder ser descoberto. Por outro lado, a letra do artigo em causa nada esclarece, nem num sentido nem noutro, pois limita-se a dispor que, a partir do momento em que o comprador recebe a mercadoria, o contrato haver-se-á como perfeito, se os defeitos não forem reclamados dentro de oito dias; da letra da lei não se pode inferir que esse prazo esteja relacionado com a entrega. Perante a omissão do diploma mercantil, são de aplicar as correspondentes disposições do Código Civil (art. 3º CCom.). Acresce, que sendo este último diploma posterior, e tendo nele o legislador assentado, claramente, no sentido de que o prazo se inicia com a descoberta, a unidade do sistema jurídico leva a interpretar o art. 471º CCom. de forma análoga ao estabelecido no(s) art(s). 916º nº 2 (e 1220º nº 1)”. – Cfr. Acórdão disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso).
XXIV. Ora, conforme a Jurisprudência citada, das regras de interpretação do artigo 471º do Código Comercial, deverá o prazo de oito dias ter o seu início a partir do momento em que o comprador tomou conhecimento dos defeitos ou, por outro lado, do momento em que podia ter tomado conhecimento deles se usasse da normal e devida diligência.
XXV. Destarte, o momento que releva para a contagem do prazo de oito dias para denúncia dos defeitos nos termos do artigo 471º do Código Comercial é a data de conhecimento dos defeitos pelo comprador e não do momento da receção da mercadoria, pelo que enferma em nulidade a sentença em crise por incorreta interpretação do referido preceito legal.
XXVI. Assim, considerando que a Apelante apenas tomou conhecimento dos defeitos dos bens adquiridos à Apelada e aqui em crise, no dia 27-10-2016, sempre teria 8 (oito) dias a contar da referida data para fazer a reclamação dos defeitos detetados, o que efetivamente fez no próprio dia 27-10-2016 e dentro do hiato temporal de 6 meses após a entrega das 10.013 unidades de toalhas efetuado pela Apelada em 25-07-2016 - Cfr. Pontos 9 e 22 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XXVII. Por outro lado, não resulta da factualidade dada como provada que a aqui Apelante não atuou com a diligência que se lhe imponha para a verificação do defeito que invoca, nem tao pouco se poderá retirar do tempo decorrido que a Apelante negligenciou as diligências que se lhe impunham em tal desiderato.
XXVIII. Na verdade, a possibilidade de exame dos bens pela Apelante apenas ocorreu em 25-07-2016 aquando da entrega das primeiras 10.013 toalhas, únicos bens entregues até ao momento.
XXIX. Nem diferente conclusão se poderá retirar da factualidade dada como provada, em especial no que respeita ao ponto 7, referindo-se tal factualidade ao momento em que foi exibida a amostra dos bens à Apelante, relevando ainda a especificidade técnica do defeito denunciado, apenas possível de conhecer com recurso a análise laboratorial, e impossível de detetar no momento de análise da amostra.
XXX. Aliás, salvo o devido respeito, entende a ora Apelante que é evidente, de acordo com a dialética da lei substantiva, que a denúncia dos defeitos só pode ter lugar após a possibilidade de conhecimento efetivo dos mesmos.
XXXI. Por seu turno, considerou o Tribunal a quo, que “a rescisão de um contrato pode causar ao comércio entorpecimento ou danos, no sentido que envolve insegurança para os direitos, perturba a rapidez das atividades, e, ao originar a ineficácia de mera operação já realizada, transforma ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas.
XXXII. De facto, não se questiona que o exercício do direito de denúncia dos defeitos e suas respetivas consequências pode prejudicar a celeridade das transacções comerciais, porém, apesar da ratio subjacente à Lei Comercial, o exercício do direito de denúncia dos defeitos não pode ser afastado nem limitado com o mero intuito de garantir a celeridade dos negócios comerciais.
XXXIII. O defeito invocado pela Ré consiste na discrepância da gramagem que foi contratualizada para cada unidade de toalha, isto é 400g/m2, com a gramagem real, a saber 297 g/m2, de acordo com a Cópia de Relatório de Análise realizado pelo CT junto à contestação como DOC.4.
XXXIV. O defeito ao nível da gramagem que enferma cada uma das unidades de toalha produzida pela Apelada não pode ser considerado como defeito aparente, do qual pudesse a Ré, ora Apelante, ter tomado conhecimento sem recurso à análise laboratorial.
XXXV. À cautela e sem prescindir do alegado supra, mesmo que se entenda que a Apelante realizou a inspeção dos bens produzidos em 25-07-2016, atenta a especificidade do defeito invocado, a mesma nunca teria possibilidade de conhecer daquele sem recurso a meios tecnológicos e técnicos.
XXXVI. Destarte, andou mal o Tribunal a quo ao entender que a aprovação das amostras pela Ré e a sua fiscalização implicou necessariamente a contagem do prazo para denúncia dos defeitos em 25/07/2016 (data da entrega) e consequentemente a caducidade de tal direito de denúncia, não obstante admitir que a provação versou apenas sobre o design pretendido para o produto em crise – Cfr. fundamentação de facto da sentença em crise.
XXXVII. Conforme o acervo factual dado como provado na Sentença proferida pelo Tribunal a quo e aqui em crise, a entrega das 10.013 toalhas ocorreu a 26-07- 2016, conforme o acordado entre as partes – Cfr. Pontos 10 e 11 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XXXVIII. A denúncia do defeito ao nível da gramagem das toalhas ocorreu a 27-10-2016, por ter sido este o momento em que a Apelante tomou conhecimento da existência do defeito – Cfr. Ponto 22 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XXXIX. Na verdade, a Ré, ora Apelante, procedeu à denúncia dos defeitos logo que deles tomou conhecimento, na sequência da advertência para a desconformidade da gramagem das toalhas por comerciantes com experiência no setor.
XL. Deste modo, é evidente que a denúncia dos defeitos de gramagem teve lugar assim que a ora Apelante deles tomou conhecimento e em respeito dos 8 dias a contar deste facto e não teve lugar após o decurso do prazo de seis meses contados da data da entrega da mercadoria, conforme o número 2 do artigo 916.º do Código Civil - Cfr. Pontos 10 e 22 da “Fundamentação de Facto” da Sentença em crise.
XLI. Destarte, in caso, a Ré, ora Apelante, usou de normal e devida diligência na denúncia dos defeitos, assim que destes teve desconfiança e efetivo conhecimento, tudo dentro do máximo legal considerável para o efeito, relevando ainda que o defeito invocado tem um cariz técnico e específico, eventualmente só alcançável, sem mais testes, a entidades ou pessoas cuja atividade comercial se enquadre na produção e comercialização destes produtos.
XLII. Por tudo o quanto exposto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que “o prazo ter-se-á de contar da data da entrega da coisa, ficando precludido o direito de invocar os defeitos que o comprador venha a descobrir posteriormente e de beneficiar do respetivo regime jurídico.” e em consequência “não pode a Ré opor à Autora a exceção do não cumprimento da sua prestação de pagamento do preço.
XLIII. Na verdade, não se verificando a caducidade do direito de denúncia de defeitos invocados pela Apelante, é legítima a invocação da exceção do não cumprimento, de acordo com o disposto no artigo 428.º do Código Civil.
XLIV. A este respeito, cumpre invocar o doutro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22-01-2013, no sentido de que“(…) também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual, assumindo-se, então, como exceptio non rite adimpleti contractus, podendo, consequentemente, o contraente recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou retificada. Neste caso, estamos perante uma verdadeira exceção em sentido técnico, correspondendo a um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição – a prestação devida não é negada em termos definitivos, ficando, apenas, suspensa, no que diverge da resolução por incumprimento.” – Acórdão disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso).
XLV. Ora, não se verificando a exceção de caducidade de denúncia de defeitos e não tendo a Apelada cumprido escrupulosamente a obrigação que lhe está contratualmente adstrita, por verificação de defeitos nos bens por ela produzidos, confere à ora Apelante a exceção de não cumprimento do contrato enquanto tais defeitos não forem sanados.
XLVI. Tudo visto, considerando que a Apelante denunciou defeitos nos bens entregues e produzidos pela Apelada dentro do prazo de 8 dias a partir do momento em que tomou conhecimento dos mesmos, e ainda em respeito dos seis meses após a data de entrega da mercadoria em crise, deverá considerar-se como improcedente a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos pela Apelante e em conformidade revogar a Sentença recorrida, seguindo os presentes autos os seus demais termos.
ASSIM DECIDINDO, SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, UMA VEZ MAIS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
*

Notificada do recurso interposto pela R., a A. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*

A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
*

Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*

2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que se reaprecie a decisão de mérito da acção, designadamente no que concerne ao prazo para denúncia dos defeitos.
*

3 – OS FACTOS

Das confissões da Ré e da Autora, contidas, respetivamente, no artigo 1º da contestação e no artigo 1º da réplica, bem como da análise dos documentos de fls. 17 vº a 24 e 40 a 43, resultaram provados os seguintes factos:

1. A Autora dedica-se ao comércio e indústria têxtil.
2. Em 23 de Maio de 2016, e após negociação das respetivas condições, a Ré encomendou à Autora 20.000 toalhas brancas com desenho a definir, ao preço unitário de € 4,55 acrescido do IVA e a que se refere a fatura proforma no valor global de € 111.930,00 que a Autora enviou à Ré.
3. Autora e Ré acordaram que o pagamento do preço convencionado deveria ser realizado nos seguintes termos:

- a quantia de € 20.000, com a confirmação da encomenda que a Ré pagou;
- a quantia de € 20.000, antes da entrega das primeiras 10.000 unidades produzidas, que a Ré também pagou à autora;
- € 30.000 antes da entrega das restantes 10.000 unidades;
- o valor remanescente, deveria ser pago 60 dias após a entrega das restantes 10.000 unidades.
4. Autora e Ré acordaram que as primeiras 10.000 unidades seriam entregues na 31.ª semana de 2016 e as restantes 10.000 unidades entre 10 a 15 dias depois da data da primeira entrega e após o pagamento da quantia de € 30.000 referida em 3).
5. Antes do início da produção, a Ré forneceu à Autora a maquete com o desenho da toalha encomendada.
6. A Autora produziu amostras de acordo com a maquete fornecida, que foram aprovadas pela Ré e de acordo com as quais a Autora produziu as toalhas.
7. Concluída a produção das toalhas, a Autora informou a Ré, que se deslocou às instalações da Autora para inspecionar e fiscalizar a mercadoria produzida, antes de proceder ao segundo pagamento acordado.
8. A Ré aprovou a produção e, inclusive, levou consigo algumas unidades para inspeccionar e fotografar para um catálogo, antes da primeira entrega.
9. A aprovação da produção por parte da Ré, consta no reconhecimento expresso via e-mail de 25-7-2016, remetido pela Ré após a inspeção da mercadoria referida em 7), no qual dava instruções do local para a entrega das primeiras 10.000 unidades: “Deixo assim o nosso feedback relativamente ao vosso produto que ficou excelente, ficamos muito satisfeitos com a qualidade e celeridade do produto produzido, assim como a qualidade do atendimento da N. HOME”.
10. Em 26 de Julho de 2016, a Autora entregou à Ré 10.013 unidades de toalhas conforme o acordado, e que a Ré aceitou.
11. Em 29 de Julho de 2016 a Autora emitiu e enviou à Ré a fatura nº 2016.000512 referente àquelas 10.013 unidades entregues.
12. A Autora ficou a aguardar as instruções e o pagamento acordado para proceder à entrega das restantes 10.000 unidades.
13. Por mail de 5 de Agosto, a Autora perguntou à Ré se havia alguma previsão quanto à entrega da restante encomenda, lembrando que as suas instalações estariam encerradas entre 13/8 e 5/9.
14. Em 5 de Setembro de 2016, solicitou novamente instruções quanto à entrega das restantes toalhas.
15. Em 8 de Setembro a Ré respondeu, dizendo que teve de alterar e reconfigurar a distribuição da campanha à qual se destinavam as toalhas, o que obrigou a alterar toda a logística e timing da distribuição, o que originou um atraso de praticamente um mês, tanto na divulgação como na promoção.
16. A Ré mais adiantou que esperava no final desse mês de Setembro, estar em condições de agendar a entrega da restante encomenda, conforme o combinado, agradecendo a compreensão da Autora.
17. A Autora acedeu.
18. Face à ausência prolongada de notícias da Ré, a Autora por email de 4 de Outubro de 2016, reiterado em 7 de Outubro de 2016, solicitou o pagamento da fatura supra referida e solicitou novamente instruções quanto à expedição das restantes 10.000 toalhas encomendadas e produzidas.
19. Em 11 de Outubro de 2016, via email, a Ré respondeu que pretendia liquidar o valor remanescente daquela fatura e em seguida solicitar a entrega da restante mercadoria faseadamente contra o pagamento da referente quantidade.
20. Mais solicitava novamente a compreensão da Autora para “criar condições para cumprir o acordado”.
21. Mais uma vez, a Autora foi compreensiva e lá acedeu novamente ao solicitado.
22. Com data de 27 de Outubro de 2016, a Ré enviou à Autora carta registada com aviso de receção a apresentar reclamação quanto ao produto referido em 11) com o seguinte conteúdo:

“as toalhas encomendadas pela n/ empresa, teriam que ter uma gramagem de 400 gr/m2, tal como consta da fatura proforma 23-05-16. Não obstante, essa característica não se verifica, tendo as tolhas já entregues uma gramagem inferior, sendo dessa forma imputável inteira responsabilidade a V. Exas, qualquer reclamação adveniente das entregues como sendo das características encomendadas.

Assim, deverão V. Exas reparar ou substituir a mercadoria entregue que ainda se encontra em nossa posse e, concomitantemente, reduzir o valor pago na mercadoria que já não se encontra na nossa posse. Após isso se verificar, procederemos de imediato ao pagamento do valor remanescente que se encontrar em falta.
A referida mercadoria com defeito que ainda se encontra na nossa posse, estará disponível para levantamento da v/ parte na morada da nossa sede”.
23. Com data de 3 de Novembro de 2016, a Autora enviou carta registada com aviso de receção de resposta à missiva referida em 22) na qual enunciou o histórico da encomenda e contrapôs, além do mais, que “ em momento algum V. Exas referiram qualquer problema com o peso das toalhas, nem, em boa verdade, o poderiam fazer pois a toalha foi desenhada e aprovada por V. Exas e a sua produção cumpriu os justos requisitos da Norma Portuguesa NP EN 14697:2006, que refere as especificações e métodos de ensaio para toalhas e tecidos em felpo. (…) Face à vossa recusa em cumprirem o acordado, junto remetemos a fatura nº 2016.000691, no montante de € 57.806,25 relativa à mercadoria que está no nosso armazém, aguardando o respetivo pagamento e ordens para procedermos ao seu envio para a morada que for indicada. Agradecemos o imediato pagamento do montante em dívida de € 73.844, referente ao remanescente em dívida da primeira fatura e ao montante integral da que agora remetemos”.
24. A fatura referida em 23) foi emitida com data de 3 de Novembro de 2016, indicando como data de vencimento 18 de Novembro de 2016.
25. A Ré incumbiu Dr. José de responder à missiva aludida em 23) o que este fez por carta datada de 18 de Novembro de 2016 afirmando “a /constituinte não denunciou defeitos na mercadoria de forma leviana, mas sim com base em relatórios dos laboratórios de … do Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CT)” e remeteu em anexo “os relatórios dos ensaios efetuados onde poderão verificar que a gramagem apresenta valores completamente díspares daqueles que se encontra na v/ fatura proforma, disparidade que também se verifica no tamanho dos fios, como podem constatar do ensaio da massa linear”.
26. Os testes referidos em 25) foram realizados relativamente a amostras enviadas em 27 de Outubro e 9 de Novembro de 2016.
27. A Ré tem por objeto, entre outras, atividades de arquitetura, engenharia e técnicas afins, fiscalização e coordenação de obras, segurança e saúde no trabalho, ensaios e análises técnicas, comércio por grosso e a retalho, de modo tradicional e via internet, importação e exportação, de calçado, malas, carteiras, marroquinaria, artigos de viagem, têxteis, vestuário, artigos de pronto a vestir e acessórios diversos.
28. O plano de vendas delineado pela Ré e pelos seus parceiros na campanha que levaram a cabo, não produziu os efeitos pretendidos, por causas que a mesma desconhece, o que se traduziu em vendas muito escassas face ao expetável.

[transcrição de fls. 86 a 89].
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Analisemos então a questão relativamente à qual existe desacordo da apelante, que entende ter havido erro do Tribunal a quo, quando concluiu que o contrato em causa (compra e venda sob amostra) é perfeito e eficaz, tendo ocorrido caducidade da denúncia dos defeitos de que padecem os bens produzidos, já que o prazo de 8 dias se conta a partir da data em que o comprador descobre o vício e não da data da entrega, desde que dentro do prazo de 6 meses da entrega da mercadoria em crise aludido no art. 916 º do CC.
Diga-se, desde já que não tendo a recorrente impugnado a matéria de facto dada como provada, não é possível a este Tribunal indagar da justeza ou não da mesma, razão pela qual, esta Relação considera como assentes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
E face a essa concreta factualidade, antecipando desde já a decisão, diga-se que não nos merece qualquer censura a decisão recorrida.~

Com efeito, não vem posta em causa a qualificação do tipo e da natureza do contrato celebrado entre A. e R., que as partes convergentemente consideraram constituir uma compra e venda comercial por amostra (arts. 469º e 471º do Código Comercial) - um contrato tipi­camente oneroso e sinalagmático, com obrigações recíprocas para ambas as partes: a da entrega da coisa encomendada (toalhas) para a vendedora (A.) e a de pagar o preço para a com­pra­dora (R.); as partes estão de acordo a esse respeito.

Tratando-se dum contrato celebrado entre duas sociedades comerciais, no âmbito do qual a R. encomendou à A., sobre amostra por aquela apresentada, 20.000 toalhas brancas com desenho a definir, dúvidas não há de que se trata de um contrato de compra e venda de natureza comercial (art. 874º do CC e arts. 2º, 13º, § 2º e 463º, § 1º do Código Comercial). Regulando duas das modalidades da compra e venda mercantil, dispõe o art. 469º do Código Comercial que as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou deter­mi­nando-se só uma qualidade conhecida no comércio, se consideram sempre como feitas debaixo da condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada; por seu turno, o art. 471º do mesmo diploma esclarece que a condição referida naquele pre­ceito se terá por verificada e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar dentro de oito dias, acrescentando o § único do referido preceito que o vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado.

Ora, provou-se que a R., na sequência de negociações, em 26 de Maio de 2016, encomendou à A., sobre amostra por aquela apresentada, 20.000 toalhas brancas com desenho a definir, ao preço unitário de € 4,55 acrescido de IVA, no valor global de € 111.930, tendo sido acordado que o seu pagamento deveria ser fraccionado, sendo € 20.000, com a confirmação da encomenda, outro tanto, antes da entrega das primeiras 10.000 unidades produzidas, € 30.000 antes da entrega das restantes 10.000 unidades e o valor remanescente de € 41.930, 60 dias após a entrega das restantes 10.000 unidades, estipulando ainda que as primeiras 10.000 unidades seriam entregues na 31ª semana de 2016 e as restantes, entre 10 a 15 dias depois da data da primeira entrega e após o pagamento da quantia de € 30.000.

Antes do início da produção, a R. forneceu à A. a maquete com o desenho da toalha encomendada, tendo esta produzido amostras de acordo com a mesma; tais amostras foram aprovadas pela R.; produzidas as toalhas em conformidade com as amostras, a R. deslocou-se às instalações da A., onde inspeccionou e fiscalizou a mercadoria, aprovou a produção e teceu elogios, designadamente, no que diz respeito à qualidade do produto.
A demandada cumpriu os dois primeiros pagamentos tendo-lhe sido entregues 10.013 toalhas em 26 de Julho de 2016.

De acordo com o fraccionamento do preço que fora convencionado, as restantes 10.000 toalhas deveriam ser entregues entre os dias 5 e 10 de Agosto de 2016 e o montante de € 30.000 pago nesse período; contudo, apesar dos pedidos de instruções quanto à data da entrega da segunda remessa, a 5 de Agosto e 5 de Setembro, apenas a 8 do segundo mês a R. comunicou que tivera de reconfigurar e alterar a logística e timing da distribuição, o que originara atraso de cerca de um mês, esperando estar em condições de agendar a entrega da restante encomenda no final do mês em curso, ao que a demandante acedeu; em 4 e 7 de Outubro de 2016 a A. solicitou o pagamento da factura nº 2016.000512 que emitira em 29 de Julho e reiterou o pedido de instruções quanto à expedição das restantes toalhas, obtendo resposta da R. em 11 de Outubro que afirmava pretender realizar o pagamento do valor remanescente da factura e a entrega da mercadoria de forma faseada contra o pagamento das restantes.

No entanto, com data de 27 de Outubro de 2016, a R. enviou à A. uma carta registada com aviso de recepção reclamando que as toalhas produzidas tinham uma gramagem inferior às 400 gr/m2, acordadas, exigindo a reparação ou substituição da mercadoria que ainda tinha na sua posse, responsabilizava-a por eventuais reclamações surgidas com as toalhas que já tinham sido distribuídas e pretendia a redução do preço destas, admitindo só então pagar o valor que se encontrasse em falta, o que mereceu a rejeição da A., a qual salientou que em nenhum momento fora referido problema com o peso das toalhas, que haviam sido desenhadas e aprovadas pela R., contrapondo que a produção cumprira os requisitos da Norma Portuguesa NP EN 14697:2006, que refere as especificações e métodos de ensaio para toalhas e tecidos em felpo.

A A. invocou na petição inicial, desde logo, a caducidade da denúncia dos defeitos.
Tendo na decisão recorrida e proferida pelo Tribunal a quo sido entendido estar a razão do seu lado: com a aprovação das toalhas produzidas de acordo com a maquete fornecida pela R. e com as amostras a partir desta desenvolvidas, após inspecção, o contrato de compra e venda comercial sobre amostra tornou-se perfeito e eficaz. Se é certo que cabe ao vendedor a prova de que o prazo para o exercício da denúncia já decorreu, nos termos do artigo 343º n º 2 do Código Civil, impende sobre o comprador comercial a obrigação de examinar a mercadoria e reclamar os defeitos ao vendedor no momento do exame ou, não o realizando, apresentar reclamação no prazo de oito dias, ou seja, em período de tempo mais restrito do que o estabelecido no artigo 916º do Código Civil, atenta a necessidade de conferir fluidez ao tráfego comercial.
As toalhas foram entregues à Ré em 26 de Julho de 2016, pela mesma examinadas, aprovadas e elogiadas, surgindo a reclamação relativa ao peso apenas em 27 de Outubro desse ano, num momento em que o direito de denúncia de defeitos há muito havia caducado.
Assim, o direito à eliminação de defeitos, à redução do preço e ao pagamento de indemnização de prejuízos não contemplados pelos mecanismos de suprimento do vício, que a Ré pudesse ter tido extinguiram-se pelo não exercício tempestivo.

Entendimento este que respeita a melhor interpretação que é feita pela doutrina e jurisprudência, face à lei vigente.

De facto, segundo Ferrer Correia relativamente ao momento da perfeição do contrato, este preceito define uma solução bastante diferente da civil (art. 925º/2 do CC), pois “ao impor ao comprador o ónus de analisar a mercadoria e de a denunciar ao vendedor no acto da entrega ou no prazo de oito dias, qualquer diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar, sob pena de o contrato ser havido como perfeito, pretende a lei fundamentalmente tornar certo num prazo muito curto a compra e venda mercantil (…)”, acrescentando ainda que “este regime tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato pode causar ao comércio entorpecimentos ou danos no sentido de que envolve insegurança para os direitos, perturba a rapidez das actividades e, ao originar a ineficácia de uma operação já realizada, transtorna ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas”. (2)

Na esteira deste pensamento, pronunciou-se Vaz Serra, ao considerar que “a razão do art. 471º está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor a reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial: deve, portanto, o comprador examinar tão depressa quanto possível a coisa comprada, a fim de verificar se ela tem vícios, e denunciá-los tão depressa quanto possível ao vendedor”, tanto mais que apesar daquele normativo não dizer “desde quando se conta o prazo de oito dias”, parece “que deve contar-se da data em que o comprador descobre o vício da coisa comprada ou, ao menos, daquela em que o teria descoberto se agisse com a diligência exigível no tráfico comercial”. (3)

Também Romano Martinez defende que “(…) sendo o art. 471º CCom. omisso quanto a este aspecto, há quem considere que o prazo, na compra e venda comercial, se inicia com a entrega. Em defesa desta tese têm sido apresentados dois argumentos: a lei comercial é mais exigente do que a civil no que respeita ao dever de exame do comprador; o prazo de oito dias não se pode contar do conhecimento do defeito, porque tal interpretação não tem correspondência com a letra do art. 471º CCom.. De facto, a lei comercial é mais exigente do que a civil, mas desse aspecto não se pode concluir no sentido de que a denúncia do defeito deva ser feita antes de ele poder ser descoberto. Por outro lado, a letra do artigo em causa nada esclarece, nem num sentido nem noutro, pois limita-se a dispor que, a partir do momento em que o comprador recebe a mercadoria, o contrato haver-se-á como perfeito, se os defeitos não forem reclamados dentro de oito dias; da letra da lei não se pode inferir que esse prazo esteja relacionado com a entrega. Perante a omissão do diploma mercantil, são de aplicar as correspondentes disposições do Código Civil (art. 3º CCom.). Acresce, que sendo este último diploma posterior, e tendo nele o legislador assentado, claramente, no sentido de que o prazo se inicia com a descoberta, a unidade do sistema jurídico leva a interpretar o art. 471º CCom. de forma análoga ao estabelecido no(s) art(s). 916º nº 2 (e 1220º nº 1)”. (4)

A solução defendida por estes Autores de que o prazo de oito dias, fixado no art. 471º do Código Comercial, deve contar-se a partir do momento em que o comprador tomou conhecimento dos defeitos da coisa ou do momento em que podia ter tomado conhecimento deles se usasse da normal e devida diligência (e não do momento da recepção da mesma), tem também sido a adoptada de modo unânime pelos nossos Tribunais Superiores. (5)

A nós, também nos parece ser esta a solução mais coerente com a realidade da vida pois, muitas vezes, o defeito não é imediatamente detectável, não fazendo sentido, nesses casos, que se exija ao comprador que reclame no acto da entrega/recepção da coisa ou nos oito dias seguintes de defeitos que não sabe se se verificarão.

Em conclusão, a interpretação que se tem por correcta para o art. 471º do Código Comercial, em conjugação com o que estabelece o art. 916º/1 e 2 do CC, aplicável ex vi da remissão do art. 3º daquele primeiro Código que manda aplicar subsidiariamente este segundo corpo de normas, é a de que o comprador tem 8 dias, após o conhecimento respectivo ou após o momento em que podia conhecê-los se fosse devidamente diligente, para denunciar os defeitos que detecte na coisa adquirida no âmbito de um contrato de compra e venda comercial, reclamando deles junto do vendedor. No entanto, tal denúncia ou reclamação nunca pode exceder o prazo de seis meses, contado após a data da entrega/recepção da coisa. (6)

Cabendo ao comprador a prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, já que só em face de uma denúncia tempestiva poderá o comprador exercer junto do vendedor os direitos daí decorrentes: opor-lhe os vícios para obstar ao pagamento do preço da coisa, exigir a eliminação desses vícios e/ou exigir dele uma indemnização por prejuízos derivados dos mesmos. (7)

Assim, no caso sub judice, competia à ré tal prova, o que não logrou como bem se alude na sentença recorrida.

Deste modo, face à factualidade dada como assente, outro desfecho não poderia ter o processo, por terem caducado todos os direitos que a Ré poderia invocar com base nos defeitos das toalhas encomendadas, se as tivesse denunciado/reclamado tempestivamente.

Improcede, assim, o recurso.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Quando alguém se obriga a fornecer um bem fabricado por encomenda com base em amostra, está-se perante um contrato de compra e venda sobre amostra.
II – A interpretação que se tem por correcta para o art. 471º do Código Comercial, em conjugação com o que estabelece o art. 916º/1 e 2 do CC, aplicável ex vi da remissão do art. 3º daquele primeiro Código que manda aplicar subsidiariamente este segundo corpo de normas, é a de que o comprador tem 8 dias, após o conhecimento respectivo ou após o momento em que podia conhecê-los se fosse devidamente diligente, para denunciar os defeitos que detecte na coisa adquirida no âmbito de um contrato de compra e venda comercial, reclamando deles junto do vendedor.
III – Cabe ao comprador a prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, pois só em face de uma denúncia tempestiva poderá o comprador exercer junto do vendedor os direitos daí decorrentes.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
*
Guimarães, 10-05-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães – JC Cível – Juiz 1
2. In “Reforma da Legislação Comercial Portuguesa”, Rev. da Ord. dos Advogados, Maio/1984, pg. 26, nota 1 e in “Lições de Direito Comercial”, vol. I, 1973, pg. 26.
3. In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 104º, pg. 254.
4. In “Cumprimento Defeituoso – Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Colec. Teses, Almedina, 2001, pgs. 375 e 376.
5. A título de exemplo, seguiram esta tese os Acs. do STJ de 23/11/2006, in CJ-STJ ano XIV, 3, 132; de 28/03/2001, relator: Cons. Abílio Vasconcelos, in www.dgsi.pt/jstj; de 26/01/1999, nº convencional JSTJ00035426, in www.dgsi.pt/jstj, bem como os Acs. do TRP de 15/01/2008, in CJ ano XXXIII, 1, 167; de 09/05/2002, in CJ ano XXVII, 3, 174; de 14/07/1987, in CJ ano XII, 4, 206 e ainda o Ac. de 06/01/2009 nº convencional JTRP00042038; do TRC, o Ac. de 27/05/1993, CJ ano XVIII, 3, 115 e de 24/01/1989, in CJ ano XIV, 1, 46 e do TRL de 06/12/1988, in CJ ano XIII, 5, 114.
6. É este o entendimento perfilhado por Romano Martinez na ob. citada em 3. e é esta também a orientação perfilhada nos citados Acs do TRP de 09/05/2002 e 15/01/2008. De facto, defende-se no primeiro destes arestos que “seria incongruente admitir a inexistência de qualquer limite temporal para o exercício do direito de denúncia dos defeitos e para a subsequente acção judicial” não obstante a “maior exigência da lei comercial, revelada pelo encurtamento do prazo de denúncia para oito dias, e uma mais premente relevância, neste domínio, das razões que justificam a aludida brevidade de prazos”.
7. Neste sentido, vejam-se, designadamente, os Acs. do STJ de 23/11/2006, de 28/03/2001 e de 26/01/1999 e do TRP de 15/01/2008 e de 09/05/2002, todos já supra mencionados.