Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2381/19.3T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: CADUCIDADE
NEGOCIAÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA IN CONTRAHENDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No âmbito do “depósito bancário” estabelece-se uma relação obrigacional complexa, de confiança mútua dominada pelo “intuitu personae”, que impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (cfr. arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil; e arts. 73º e segs. do D.L. n.º 292/98, de 31.12, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF), mormente, deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de descrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a “uberrima fides” do cliente e o “intuitu personae” da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente.
II- Um dos deveres por que se concretiza o instituto dito “culpa in contrahendo” é o de informar, o qual será tanto mais intenso e extenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida; assim como quanto mais inexperiente ou ignorante for a contraparte (princípio da proporcionalidade inversa).
III- A responsabilidade do “intermediário financeiro”, aludida no art. 304-A, do CVM, trata-se de uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do C. Civil; constituindo fonte de tal responsabilidade designadamente a violação do “dever de informação” a que estão obrigados os Bancos.
IV- Estando em causa o incumprimento de deveres de informação e de esclarecimento adequado em relação às caraterísticas e riscos de uma operação financeira, traduzida em “Oferta Pública de Troca Valores Mobiliários”, o mesmo poderá ser imputado ao Banco oferente, enquanto “intermediário financeiro” da mesma operação (arts. 113º, 304º, 304-A e 312º, do CVM).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

M. R. intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco ..., S.A., através da qual pede que:

a) Se condene o Banco réu a pagar ao autor de todas as quantias de capital e juros perdidos em troca das obrigações de caixa subordinada de que era titular (4.000) pelas ações ordinárias do Banco ..., a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros legais, até efetivo e integral pagamento;
b) Se condene o Banco réu a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00, a título de danos de natureza não patrimonial.

Alegou para tanto, e em síntese, que através da presente ação pretende ser indemnizado pelo Banco réu, com fundamento em responsabilidade e incumprimento por parte deste relativamente a um contrato celebrado com o mesmo, em 28.05.2015, traduzido na troca de valores mobiliários subordinados por ações desta última. Alegou que em nenhum momento o contrato em apreço foi lido, dado a conhecer, explicado, informado e comunicado o teor, conteúdo e contornos das cláusulas contratuais gerais apostas no mesmo, ou sequer procedeu o Banco réu a uma explicação clara e adequada do conteúdo do contrato. A assinatura aposta pelo autor no doc. 2, por falta da comunicação, esclarecimento e leitura do seu texto, não comporta qualquer declaração confessória ou o reconhecimento por ele da veracidade do seu conteúdo, designadamente da sua efetiva comunicação e seu esclarecimento quanto à natureza e características das ações envolvidas no contrato em apreço. Nunca o autor foi informado e advertido, assim como não aceitou os riscos acrescidos que o contrato e investimento em causa envolviam. O Banco réu não cumpriu o seu dever de comunicação, de modo adequado e com a antecedência necessária, para que o autor tivesse conhecimento completo do teor e conteúdo das cláusulas, da sua importância, extensão e complexidade. Incumprimento doloso do Banco réu, que tinha interesse, para se financiar, em empurrar os clientes a converter as aplicações de capital garantido, com pagamento de juros, de que eram titulares, em ações do próprio Banco, cujo valor depende exclusivamente do jogo do mercado bolsista, de que o autor era e é, completamente desconhecedor. As cláusulas constantes do contrato não são cláusulas de leitura simples, tratam-se de textos técnicos, com alusões a conceitos jurídicos complexos e têm, inclusivamente, referências a disposições legais, o que, tudo junto, emprestam-lhe uma densidade técnica bastante complexa para quem não seja versado em direito contratual.

O Banco réu contestou, impugnando a versão dos factos alegados pelo autor, tanto mais que o autor bem conhecia o conteúdo do contrato celebrado em 28.05.2015, tendo para tal sido devidamente informado e elucidado por parte do Banco réu em relação, designadamente, aos riscos que corria com a subscrição daquele contrato e troca das obrigações subordinadas que possuía pelas ações do Banco réu, inexistindo assim qualquer incumprimento contratual ou cumprimento contratual ilícito por parte do Banco réu.
A título de exceção, invocou que o autor atua com abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, na medida em que invoca uma falta de perfil que afinal tem. Mais invocou a exceção da caducidade do pretenso direito do A., na medida em que, quando a ação foi intentada, já se tinha verificado o prazo de caducidade consagrado no art. 243º do CVM, aplicável ex vi do disposto no art. 251º, do mesmo Corpo de Leis.

O autor respondeu às exceções, tendo concluído pela sua improcedência.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho de saneamento do processo, fixando-se, de seguida, o objeto do litígio e selecionando-se os temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 19 de Março de 2020, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decidiu-se “condenar o R. no pagamento ao A. de todas as quantias de capital e juros perdidos com a troca das obrigações de caixa subordinada de que era titular (4.000), pelas acções ordinárias do Banco ..., a liquidar em execução de sentença (cf. arts. 569.º CC e 556.º/1-b) e 609.º/2 CPC), acrescidas tais quantias dos juros legais, até efectivo e integral pagamento; e bem assim na quantia de € 1.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial suportados pelo autor.

Inconformado com o assim decidido, veio o réu Banco ..., S.A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1º. O presente recurso tem por objeto convencer que a sentença recorrida deve ser revogada, seja para efeito de, em sua substituição, se sancionar a procedência da exceção de caducidade deduzida pelo Recorrente, com a sua consequente absolvição do pedido, seja para se obter a modificação do julgamento da matéria de facto, erradamente levado a cabo pela Instância.
2º. Da leitura que se faça do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida, mostra-se que esta deu como provados os factos da causa tal como o Autor os alegou na petição e mostra-se, do elenco dos factos dados como não provados, que o Tribunal, justamente porque deu como provada a versão do autor, considerou, sem mais, como não provados os factos em que se consubstanciava a versão factual do Recorrido.
3º. A audição da prova gravada nos autos permite concluir que a convicção do Tribunal a quo procede do depoimento de testemunhas que confessadamente a nada assistiram dos factos da ação e das declarações de parte do autor, as quais, por procederem dele, não podem alicerçar convicção alguma, seja porque se mostram desacompanhadas de prova complementar que as consolide, seja porque se lhes opõe a prova testemunhal oferecida pelo Banco que, vinda das pessoas que viveram os factos, destroem completamente a nenhuma prova produzida pelo autor.
4º. A convicção do Tribunal recorrido apoiou-se, assim, na ponderação do que tomou por mérito de uma prova testemunhal que o não tinha e, mutatis mutandis. do que tomou por demérito da prova testemunhal produzida pelo Banco e esse foi o seu erro, violando a objetividade de avaliação contida no princípio da livre convicção do julgador.
5º. A audição da prova gravada em que se funda especificadamente o presente recurso é a que se identifica: M. J. (min. 14:30 a 15:19 e 17:57 a 18:19), C. L. (min. 06:24 a 07:00, 16:05 a 16:50, 16:52 a 17:03, 17:13 a 17:57 e 18:05 a 18:49), Dra. M. N. (03:06 a 09:15), R. B. (min. 06:49 a 09:30), Dra. S. C. (min. 06:23 a 07:01, 13:22 a 14:12 e 14:21 a 15:51) e A. L. (min. 00:58 a 02:41, 03:49 a 11:33, 17:09 a 23:25, 26:53 a 27:10, 32:15 a 33:44 e 42:51 a 43:47).
6º. Reapreciada a prova, não pode senão concluir-se que o Tribunal recorrido errou gravemente no julgamento que fez da matéria de facto e que, avaliando corretamente a prova testemunhal produzida nos autos, acompanhada da documental a eles junta, na procedência do recurso, deve ser havida como não provada a matéria dada por provada nos Pontos 1.14 (1º trecho) 1.15. 1.16. 1.17, 1.24, 1.25, 1.26, 1.27, 1.28, 1.29, 1.31, 1.32 (o advérbio “apenas”), 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38, 1.39, 1.40, 1,42, 1.43 e 1.44 (o segmento “foi levado a investir”) da sentença e havida como provada a dos Pontos 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8, 2.9, 2.10, 2.11, 2.12, 2.13, 2.14, 2.15, 2.16, 2.17, 2.18, 2.19 e 2.20 dos não provados constantes da mesma sentença.
7º. No casso limite de este Tribunal, avaliada a prova, se ficar por um non liquet no que respeita aos factos que estão no centro da divergência entre as partes, sempre a solução de direito será a da absolvição do Recorrente por, sendo o caso de responsabilidade civil do emitente de valores mobiliários e não de responsabilidade civil do intermediário financeiro, a ilicitude sempre terá, por ausência de presunção, a prova a cargo do lesado e, do non liquet em que se ficasse, resultaria forçosa a absolvição do Banco.

Por outro lado,
8º. Tendo o Banco ..., autorizado pela CMVM, lançado no mercado uma operação de reforço de capitais próprios mediante a Oferta Pública de Troca de Obrigações Subordinadas Banco ..., 1ª Série, por acções a emitir, representativas do seu próprio capital social e sendo o Autor titular, por subscrição, de 4.000 Obrigações sobre as quais recaía aquela Oferta Pública de Troca, o contacto pessoal que, pelos serviços do Banco e só por eles, promoveu junto do autor para efeito de saber se estava ou não interessado na troca, não pode ser qualificado como envolvendo intermediação financeira para efeito de, em caso de informação deficiente, se aplicar o regime de responsabilidade civil fixado no artº 304º-A do Código de Valores Mobiliários;
9º. Sendo verdade, como, sem erro, refere a sentença recorrida, que existem dois regimes específicos de responsabilidade civil por violação do dever de informação – o do intermediário financeiro pelo conteúdo da informação prestada ao seu cliente no âmbito da prestação de serviços de intermediação e o do emitente dos títulos objeto da oferta – ao caso dos autos, a ter havido violação de dever de informação, seria aplicável este ultimo por não ter havido prestação de serviços de intermediação financeira.
10º. E, aplicando-se as regras da responsabilidade civil do emitente e não as da intermediação financeira, quando a ação deu entrada em Juízo já o direito estava caducado por força do disposto na alínea b) do artigo 243.º do CVM, aplicável ex vi no artº 251.º deste mesmo Corpo de Leis.
11º. O erro da sentença recorrida é tanto maios lastimável quanto é certo que, em vez de qualificar os factos segundo o pensamento de quem julga, deu sem mais por boa a qualificação do autor vertida nos seus articulados, repetindo, ao menos por três vezes, que a questão estava posta pelo autor como de intermediação financeira, como se devesse ser neste quadro dogmático que tinha de ser trabalhada.
12º. E não tinha, porque a qualificação jurídica dos factos é trabalho do julgador, constituindo decerto a mais nobre tarefa da sentença.
13º. E não é por se dizer, como se diz no acórdão da Relação de Guimarães, que o facto de uma entidade ser simultaneamente emitente e intermediário aporta riscos para o investidor a reclamarem a proteção do artº 304º - A, nº 1 do CVM que as coisas são como as decidiu a sentença recorrida: é que, não existindo intermediação financeira e sendo o contacto pessoal estabelecido pelo emitente igual ao estabelecido através de prospeto, o argumento aduzido não pode ser utilizado por envolver interpretação abrogante de todo proibida.
14º. O entendimento que aqui se sufraga teve agora (em 30 de Abril do corrente ano) mais um apoio e decisivo apoio: o Acórdão desta mesma Relação do Porto, datado daquele dia e que, subscrito sem voto de vencido pelos Ilustres Senhores Desembargadores Dr. Carlos Querido, Dr. António Mendes Coelho e Dr. Joaquim Moura, conclui com o seguinte sumário: “Provando-se a violação por parte do Banco, emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa, dos deveres de informação enunciados no artigo 7.º do CdVM, haverá que aplicar o regime legal de responsabilidade civil especificamente previsto no citado diploma legal, nos termos do qual, por expressa remissão do artigo 251.º, se revela aplicável o regime de caducidade previsto na alínea b) do artigo 243.º.
15º. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros o disposto no art.º 607º do Cód. de Processo Civil e 243º do Código de Valores Mobiliários

Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida, sendo a mesma substituída por acórdão que julgue a ação improcedente ou procedente a exceção de caducidade, absolvendo-se o Banco réu do pedido, com todas as consequências legais.
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O autor apresentou resposta/contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo réu recorrente.
- Saber se ocorre a caducidade do direito de indemnização peticionado.
- Saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS
O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1.1. A ré dedica-se, com carácter permanente e intuito lucrativo, ao exercício da atividade bancária, com a latitude permitida pelas leis.
1.2. O autor nasceu em - de Maio de 1946, em …, Caminha; tem como habilitações literárias a 4.ª classe; foi carpinteiro de profissão e emigrou para França com 17 anos de idade.
1.3. É casado, e a sua mulher, L. L., tem, igualmente, como habilitações literárias a 4.ª classe e é, como sempre foi, doméstica.
1.4. O autor depositou os rendimentos do seu trabalho, angariados como emigrante desde os 17 anos, em França, a trabalhar como carpinteiro, e poupanças com base nos mesmos, no Banco … e no Banco …, hoje integrados no Banco ..., aqui ré.
1.5. O autor não era, como não é, conhecedor do mercado bolsista, nem sabia sequer, como não sabe, acompanhar a evolução da cotação dos valores mobiliários.
1.6. E era, como é, uma pessoa sem experiência em investimentos financeiros com certa sofisticação.
1.7. A gestão da carteira do autor era feita com acompanhamento.
1.8. No exercício da sua atividade, no ano de 1980, a ré celebrou com o autor a abertura de uma conta de depósitos à ordem (n.º ………).
1.9. No dia 25.09.2008, na sucursal de Caminha da ré, o autor celebrou com esta um contrato de compra e venda de obrigações de caixa subordinadas, por subscrição pública, designadas por Banco ... Subordinadas 2008 -1.ª Série, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros). (Doc. n.º 1 – fls. 10 vº e 11)
1.10. O montante mínimo de subscrição do referido contrato era de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), correspondente a 50 (cinquenta) obrigações.
1.11. O autor subscreveu 4.000 (quatro mil) obrigações de caixa subordinadas Banco ... Subordinadas 2008 -1.ª Série.
1.12. O prazo de aplicação das obrigações de caixa subordinadas em apreço era de 10 anos, sendo que o capital era garantido no seu vencimento. (Docs. nºs 1 e 3) – fls. 10 vº e 11, extrato de fls. 15 e vº “produto com capital garantido no vencimento”.
1.13. No dia 11 de Maio de 2015, a ré deliberou em Assembleia Geral o lançamento de uma operação de reforço de capitais próprios, mediante a oferta pública de troca de valores mobiliários subordinados por ações da mesma (Banco ...).
1.14. Por recomendação e conselho de A. L., funcionária da ré, gestora de cliente do autor, no dia 28.05.2015 este trocou as obrigações de caixa subordinadas de que era titular (4.000), supra descritas, por ações ordinárias daquela (Banco ...). (Doc n.º 2 – fls. 12 a 14)
1.15. O autor acreditou, por assim lhe ter sido dito por aquela funcionária da sucursal da ré, que estaria a investir num produto financeiro que era semelhante ao que já tinha, em que se venceriam juros sobre o montante aplicado, que o capital seria garantido e que não comportava riscos, nomeadamente a perda de capital.
1.16. O autor reconhecia à sua gestora elevada competência técnica e idoneidade profissional, nela depositava total confiança, e confiou-lhe a gestão do seu capital, convencido de que ela dele retiraria o melhor rendimento.
1.17. E foi no conforto da confiança assim criada que o autor se limitou a subscrever ou contratar aquilo que a sua gestora lhe disse que subscrevesse ou contratasse.
1.18. As obrigações de caixa subordinadas supra descritas tinham o capital garantido no seu vencimento, menção esta que vinha sendo incluída, expressamente, nos extratos bancários mensais até Maio de 2015. (Doc. n.º 3 – fls. 15 vº, 16 vº, 17 vº).
1.19. A partir de Maio de 2015, com a subscrição desta operação financeira, a menção “*Produto com Capital Garantido no vencimento.” deixou de constar dos extractos bancários. (Doc. n.º 4 – fls. 18).
1.20. Após a subscrição da oferta pública de troca de valores mobiliários em apreço, o valor que a ré havia aplicado reduziu de € 200.000,00 para € 96.492,83. (Doc. n.º 4 – fls. 18 e ss)
1.21. No dia 31.01.2017, o valor das ações (29576), em mercado, era de € 4.625,69. (Doc. n.º 5 – fls. 20 e ss).
1.22. No dia 31 de Dezembro de 2018, o valor das mesmas ações era de € 6.787,69. (Doc. n.º 6 – fls. 21 vº e ss)
1.23. No dia 30 de Abril de 2019, o valor das referidas ações era de € 7.396,96. (Doc. n.º 7 – fls. 23 e ss)
1.24. Assim, em 30 de Abril de 2019, o autor já tinha perdido a quantia de € 192.603,04 = (€ 200.000,00 - € 7.396,969).
1.25. O Réu nunca alertou o A. para a possibilidade da perda de capital, antes lhe tendo sido transmitido, pela funcionária da ré, que a oferta pública de troca de valores mobiliários em apreço não tinha qualquer risco, o capital aplicado iria render juros e no seu vencimento aquele (capital) seria garantido.
1.26. A dita funcionária da ré não informou o autor, nem muito menos este ficou ciente, que a operação em apreço comportava riscos, incluindo a perda de capital.
1.27. A ré tem conhecimento da categoria de perfil de investidor do autor e da vontade deste em não recorrer a instrumentos financeiros complexos, com risco e sem capital garantido.
1.28. O autor não tinha conhecimento e consciência de que estava a trocar obrigações de caixa subordinadas de que era titular (4.000), por ações ordinárias daquele (Banco ...).
1.29. O autor apenas pretendia subscrever um produto financeiro em que o seu capital ficasse garantido e se vencessem juros periodicamente.
1.30. O autor não negociou com a ré o teor e conteúdo das cláusulas do contrato de operação de troca, encontrando-se as mesmas já previamente redigidas antes de qualquer negociação.
1.31. A ré não comunicou, informou e esclareceu a posição contratual do autor e que estaria a trocar as obrigações de caixa subordinadas de que era titular (4.000), por ações ordinárias da mesma (Banco ...), antes e aquando da celebração do contrato supra descrito, isto é, que as obrigações de caixa subordinadas de que era titular (4.000) iriam ser trocadas por ações ordinárias da ré, que o capital não era garantido e que não se venciam juros, periodicamente, pela aplicação realizada.
1.32. No momento da celebração da oferta pública de troca de valores mobiliários em apreço, o autor apenas assinou um formulário previamente elaborado pela ré, sem possibilidade de aditamento ou negociação, tendo-se limitado a assinar o mesmo. (Doc. n.º 2 – fls. 12)
1.33. Não foi dada ao autor, em vez alguma, a cópia do contrato, antes e aquando a data de celebração do mesmo.
1.34. Como não lhe foi informado e comunicado o teor, conteúdo e contornos das cláusulas contratuais gerais apostas no mesmo.
1.35. Antes de assinar (subscrever) o Boletim de Aceitação da Oferta – código ISJNPTBCLWXE0003 – Oferta Pública de Troca de Valores Mobiliários – doc. n.º 2 – o réu não entregou ao autor documentação relativa à operação nem a respetiva ficha técnica.
1.36. A ré não entregou ao autor cópia do contrato, como não o leu, deu a ler ou prestou qualquer esclarecimento sobre o teor e conteúdo das cláusulas, antes e no momento da sua assinatura e outorga pelos mesmos.
1.37. O autor apôs a sua assinatura no doc. n.º 2 – fls. 12 vº - sem o ler e sem perceber o que estava a assinar, por falta do esclarecimento devido.
1.38. Se tivesse sido informado e esclarecido, o Autor não teria realizado ou permitido a troca das obrigações por ações.
1.39. Tudo se tendo passado num ambiente de grande informalidade, fruto da enorme confiança que o autor depositava na sua gestora e no banco (ré), em resultado da qual o autor assinava o que lhe era apresentado de cruz, sem ler o que estava a assinar e sem perguntar o que estava a assinar.
1.40. O autor, a seu pedido, apenas obteve a cópia do contrato no ano transato, quando começou a desconfiar e tomar consciência que o seu capital não se encontrava garantido e que não se venciam juros sobre o montante aplicado.
1.41. A ré foi interpelada para repor a situação da qual o autor beneficiava à data da contratação alegada – 28.05.2015, porém, não o fez até à presente data, nem manifestou qualquer disponibilidade para tal.
1.42. O autor sofreu, e sofre, fortes preocupações e inquietações por se sentir enganado pela ré, sente-se prejudicado, reportando-se a 30 de Abril de 2019, na quantia de € 192.603,04. (Doc. n.º 7 – fls. 23)
1.43. Para além disso, deslocou-se à sucursal de Caminha da ré, por numerosas vezes, para o informarem sobre o que se estava a passar com a perda de dinheiro, mas apenas lhe foi dada a resposta de que iria recuperar o seu dinheiro, nada mais lhe sendo dito.
1.44. Andou, e ainda anda, ansioso, preocupado, angustiado, aborrecido e sem sossego e paz de espírito, desde Setembro de 2015, na esperança de que vai recuperar o dinheiro que foi levado a investir pela ré - € 200.000,00.
1.45. Tomou e toma ansiolíticos para dormir, acorda a meio da noite com pesadelos.
1.46. Em Maio de 2015, o Autor era titular de 4000 obrigações subordinadas Banco ... 1ª Série – obrigações que tinha subscrito no ano da sua emissão, em 2008, e cuja maturidade era de dez anos (2008/2018) (cfr. doc. nº doc. nº 1 e doc. nº 2, primeira página, juntos com a petição).
1.47. Conforme extratos juntos com a petição onde, à frente da identificação das obrigações subordinadas em carteira aparece a referência ao respetivo valor de mercado, simultaneamente com a referência a ser produto de capital garantido no vencimento, como se lê na parte final do capítulo respetivo.
1.48. O valor de mercado mencionado à frente da identificação dos títulos correspondia ao valor da sua cotação em mercado secundário, mercado onde as obrigações podiam ser transacionadas, se aparecesse comprador.
1.49. Possibilidade de negociação esta oferecida àquelas obrigações para efeito de lhes assegurar alguma liquidez e, assim, permitir aos titulares realizarem o respetivo capital, mesmo com algum prejuízo, se acaso ocorresse a necessidade do dinheiro investido antes da maturidade do produto em 2018.
1.50. E isto porque as obrigações tinham uma maturidade de dez anos (2008/2018) não sendo o Banco obrigado a proceder ao seu resgate antecipado a pedido do titular.
1.51. Durante os sete anos em que foi titular das obrigações, recebeu de juros quantia que foi variando por estar indexada à Euribor mas que, no conjunto dos sete anos, foi da ordem dos trinta a trinta e cinco mil euros.
1.52. Em Maio de 2015, o Banco, autorizado pela CMVM e com notícia que foi tornada pública, promoveu uma Oferta Pública de Troca (OPT), entre outros títulos, das obrigações subordinadas que o Autor tinha subscrito em 2008 por ações representativas do capital social do próprio Banco (cfr. doc. nº 2, junto com a petição).
1.53. Posta a operação em marcha, o Banco deu dela notícia a todos os seus clientes e, portanto, também, ao Autor, interrogando-o sobre se estava interessado na sua aceitação.
1.54. Avisado, o Autor deslocou-se pessoalmente ao Banco.
1.55. O Boletim que o Autor marido assinou, inclui, na última página e imediatamente antes da assinatura seguir aos seguintes dizeres que textualmente se transcrevem: “O ordenante declara, para todos os efeitos legais, que conhece e aceita as condições da presente Oferta constantes do respectivo Prospeto e documentação complementar, tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos que entendeu solicitar, que não está impedido de alienar e receber por depósito as ações, pela legislação da jurisdição aplicável e que as informações constantes do presente Boletim correspondem à verdade. O Ordenante declara ainda que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no prospeto”.
1.56. A não ocorrer insolvência do Banco ..., esta pagaria no vencimento, em Outubro de 2018, o capital nominal das obrigações subscritas pelo Autor.
1.57. O Banco promoveu uma Oferta Pública de Troca das obrigações que emitira em 2008, de que o A. era titular, por ações do capital do próprio Banco.
1.58. A referência a capital garantido, próprio das obrigações, deixou de aparecer nos extratos por o Autor passar a deter ações em vez de obrigações.
1.59. A presente ação deu entrada em Juízo no dia 5 de Julho de 2019.
*
FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, julgou como não provada a seguinte factualidade:

2.1 Sendo que tudo foi feito na precedência de completo e cabal esclarecimento prestado ao Autor pelos funcionários do Banco que o atendeu.
2.2 O autor conhecia bem a natureza das obrigações descritas em 1.46. dos factos provados, ou seja, sabia perfeitamente que se tratava de obrigações subordinadas que, “pagando” um juro muito mais elevado do que o juro do melhor depósito a prazo, todavia em caso de insolvência da Instituição o seu capital só seria reembolsado depois de pagos os credores comuns e, portanto, só depois de pagos, entre outros, os titulares de depósitos a prazo.
2.3 Quer dizer: sabia que a referência a ser um produto de capital garantido no vencimento, significava apenas que o Banco, como emitente, apenas as pagava pelo respetivo valor nominal se, ocorrendo insolvência, à massa falida restassem ativos depois de pagos todos os credores comuns.
2.4 E se sabia isto, bem sabia o Autor também que a referência à natureza de produto de capital garantido no vencimento, constante dos extratos que mensalmente recebia, se destinava a mostrar que, apesar de serem objeto de cotação em mercado secundário que lhe dava uma cotação abaixo do par, também constante dos extratos, o reembolso seria feito ao par no vencimento, se não houvesse insolvência do Banco.
2.5 O Autor sabia e de tudo teve sempre pleno conhecimento ao longo dos sete anos que decorreram entre a subscrição em 2008 e a troca por ações em 2015.
2.6 O Autor conhecia bem a natureza das obrigações subordinadas de que era titular desde 2008, sabendo perfeitamente que, por serem subordinadas, as obrigações eram um produto que envolvia o risco de perda do capital se, ocorrendo insolvência da instituição emitente, não sobrasse à massa insolvente ativo que permitisse o seu pagamento depois de pagos os credores comuns.
2.7 Só que o Autor, conhecedor do risco, aceitou e quis este risco, por confiar na solidez do Banco ... e preferir uma aplicação que, como as obrigações, “pagavam” um juro superior, e cerca de três vezes superior, aos juros do mais bem remunerado depósito a prazo. 2.8 Os funcionários que o atenderam, confirmando o que constava da comunicação que antes o Banco remetera ao Autor e é a que constitui a última folha do doc. nº 2, junto com a petição, deram-lhe notícia da Oferta Pública de Troca, tendo sido explicado todos os contornos da operação.
2.9 Foi-lhe dito, entre o mais, que, do que se tratava, era de trocar, querendo, as obrigações por ações do próprio Banco, segundo um rácio de troca que, à data, lhe não causava qualquer prejuízo e até lhe valorizava a aplicação à face do respetivo valor de mercado a que atrás se fez já referência.
2.10 Dizendo isto, disseram-lhe ainda, tornando-o bem consciente, de que as ações que recebessem em troca eram ações representativas do capital do próprio Banco e, como tal, sujeitas ao risco de variarem de cotação que, podendo envolver subida, também podia envolver descida.
2.11 Foi então que, inequivocamente ciente do risco de hipotética baixa de cotação, o Autor declarou querer a troca.
2.12 E ficando ciente disto, ciente ficou ainda ciente de que, se quisesse vender as ações que recebesse em troca das obrigações, podia fazê-lo em qualquer altura porque as mesmas tinham na bolsa grande liquidez, sendo, de todos os títulos cotados, o mais líquido de todos.
2.13 Naquela ocasião e depois de o Autor ter declarado querer a troca, o funcionário que o atendia fez entrega ao Autor do denominado Boletim de Aceitação da Oferta (cfr. as quatro primeiras folhas do doc. nº 2, ao diante junto e aqui dado por reproduzido).
2.14 Já de posse do Boletim, foi explicado o seu conteúdo – conteúdo que incluía as condições e os riscos de que instantes antes o funcionário tinha posto o Autor ao corrente e de que lhe voltou a falar, alertando-o para o risco das ações e, designadamente, para o risco de baixa de cotação.
2.15 Voltando a dizer que queria a troca que lhe era proposta, mesmo conhecedor dos riscos inerentes, o Autor apôs então resolutamente a sua assinatura na última página do Boletim, tal como se vê do documento nº 2 junto com a petição.
2.16 Fê-lo a saber o que assinava e consciente do que assinava.
2.17 Do ponto de vista do perfil de investidor, tanto o investimento em obrigações, mesmo que subordinadas, como em ações de sociedades cotadas como as do Banco ..., está classificado pelas autoridades de supervisão como pertencendo ao Grupo 1, isto é, ao grupo não profissional.
2.18 Vale isto por dizer que, tendo o Autor sido titular de obrigações subordinadas desde 2008 até 2015, estava por este facto automaticamente classificado como tendo perfil para investir em ações do Banco ....
2.19 O Autor estava, pois, classificado no Banco com sua concordância para ser investidor não profissional onde se integram as ações do Banco ... que subscreveu.
2.20 O funcionário do Banco explicou ao autor o teor do próprio boletim, tendo ele ficado perfeitamente conhecedor de que tinha investido em ações do próprio Banco, cujo risco de diminuição ou perda de valor conhecia, tanto como sabia que em vez de baixarem de cotação, podiam subir.
*

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas pelo Banco recorrente, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação (1), sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”. (2)

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes (3), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto.” (4)
Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos.” (5)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, o recorrente cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da decisão que incidiu sobre a factualidade dada como provada e não provada, de modo que a factualidade contida nos nºs 1.14, (1º trecho), 1.15, 1.16, 1.17, 1.24, 1.25, 1.26, 1.27, 1.28, 1.29, 1.31, 1.32 (o advérbio “apenas”), 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38, 1.39, 1.40, 1.42, 1.43 e 1.44 (o segmento “foi levado a investir”) dos factos provados deverá ser dada como não provada.
Por seu turno, entende que deverá ser considerada como provada toda a facticidade dada como não provada.

Para o efeito, o recorrente invoca em sua defesa que se deve dar especial relevo o depoimento das testemunhas por si arroladas, conhecedoras do negócio de Oferta de Troca de Obrigações Banco ... por ações Banco ... levada a cabo, na ocasião, pelo Banco recorrente e que foi aceite pelo autor; em contraponto com o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor recorrido, quando é certo que estes desconheciam aquele negócio, tanto mais que não estiveram presentes no Banco no momento em que o autor aceitou a referida Oferta, assinando o respetivo Boletim.
Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelo recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (6), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (7), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (8)
Com efeito, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (9), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, no momento em que o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (10)
Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.” (11)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente.

O tribunal a quo, na sua motivação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto, salientou, designadamente, o seguinte (que aqui se transcreve na íntegra):
Quanto aos factos provados desde logo na prova documental junta aos autos pelas partes, oportunamente indicada e descrita ao lado do respectivo facto considerado provado por tal meio de prova.

Depois considerou os depoimentos das seguintes testemunhas:

- a testemunha M. J., cunhado e amigo do A., de forma objectiva e isenta referiu que o A. possui como habilitações literárias a “3ª ou 4º classe”, exerceu a profissão de carpinteiro como emigrante em França, tendo regressado reformado definitivamente a Portugal. Descreve-o como uma pessoa que não é de investir ou pôr em risco as poupanças de trabalho de uma vida. Viu, porque vive perto dele, que a partir de certa altura, por volta do ano de 2015, o A. começou a andar nervoso e alterado, afirmando “que estava a ver o dinheiro economizado em França a desaparecer da conta”; andava preocupado e nervoso “com o dinheiro a desaparecer, a fugir da conta” e que ia ao Banco muitas vezes para tentar ter informações.
- a testemunha C. L., sobrinha do A., depôs de forma objectiva, firme e segura, descrevendo o estatuto familiar, social e económico do seu tio: ele esteve ausente em França, com a esposa e filhos, durante 40 anos, onde exerceu a profissão de carpinteiro; descrevendo a vida do tio como uma “vida inteira de trabalho, de luta e sacrifício”; veio reformado e definitivamente para Portuga há cerca de 10 anos. Descreveu que, a partir de Setembro de 2015 (recorda-se porque foi o mês do falecimento do pai da testemunha) passou a ver o A. nervoso e preocupado, tendo ficado a saber que o motivo era porque o A. começou a perder gradualmente as poupanças de uma vida de trabalho. A partir da referida data e dessa situação passou a acompanhar mais de perto o tio e constatou que o mesmo “só falava desse assunto, não dormia, não comia, tomava medicação; chegando a temer o pior…” Referiu que o A. passou a deslocar-se com frequência ao Banco, tendo chegado a acompanhar o tio, tentando que lhe devolvessem o dinheiro que tinha perdido, “tratando-se das poupanças de uma vida inteira de trabalho”.

De seguida, no seu depoimento sincero, directo e objectivo, esta testemunha descreve a personalidade do seu tio – que o Tribunal pôde constatar, percepcionar em directo, em sede de declarações de parte do mesmo: “o meu tio é uma pessoa boa, demais, é mole, flexível, manipulável, e confiou que o seu dinheiro estava em boas mãos”; “ele não tinha consciência das operações que fazia”; “ele confiava no Banco e na sua gestora, dizendo que era a A. L.”; “ele mal escreve o seu próprio nome; ouve mal e não lê”. Perante o quadro pessoal que traçou do tio não hesitou em afirmar: o meu tio apenas percebe basicamente que o dinheiro está no banco, a render uns juritos, que parte está à ordem e outra a prazo” – ele só sabe lidar com esta situação. Terminou o depoimento de forma elucidativa, firme e sem dúvidas: “Se fosse explicado ao tio que corria o risco de perder o dinheiro poupado de uma vida inteira de trabalho, se tivesse percebido o que lá estava”, ele não teria assinado.
Com estes depoimentos, e para formar a convicção quanto aos factos provados, o Tribunal acolheu igualmente as declarações de parte: teve à sua frente pessoa idosa, de aparência humilde, afável, inocente e educada (postura que não perdeu quando teve de responder às questões do Réu, aliás, revelando-se perdido e confuso com as mesmas, nem sequer as entendendo). Referiu que trabalhou 45 anos como emigrante na França onde exerceu a profissão de carpinteiro, mandando o dinheiro que poupava para Portugal para aforrar numa conta a prazo. Em 2008, foi o próprio Banco quem lhe propôs alterar o aforro que estava numa conta de depósito a prazo, dizendo-lhe que recebia melhores juros; mas que tinha que estar à espera 10 anos; porque confiava aceitou mudar.
Anos depois recebeu um telefonema da sua gestora que lhe disse que tinha uma boa oportunidade de obter melhor rendimento das suas poupanças, “mas que continuava tudo na mesma”. Foi ter com ela ao Banco, e acreditando nestas palavras (“ela dizia que eu ia perder a oportunidade que não ia ter mais”), e porque “ela tanto insistiu comigo e eu fazia confiança nela”, limitou-se assinar folhas que a gestora lhe apresentou para assinar, sendo que a mesma nada lhe deu a ler previamente à assinatura, nada lhe explicou acerca do conteúdo, nem sequer lhe deu cópia de nada, tendo ficado com tudo. Referiu que “eu apenas sabia que tinha dinheiro, não sabia que tinha obrigações”; “ninguém me explicou a diferença de obrigações e acções”; após ter assinado ficou convicto que ia continuar como estava, só depois, mais tarde, começou a ver cair o dinheiro nos extractos que recebia. Passou então a deslocar-se com frequência ao banco para falar com gestora, e tentar perceber o que estava a passar e reaver o dinheiro descrevendo: “quando ia falar com ela (gestora A. L.) ela começava a chorar”.
Perante este quadro o Tribunal não teve dúvidas em afirmar os factos provados, sendo que os não provados resultaram da não realização de prova suficiente e credível sobre os mesmos. De resto, e em apreciação crítica, à prova testemunhal produzida pela Réu refere-se que a testemunha que poderia ter esclarecido o contexto da operação posta em causa, A. L., nada esclareceu, aparecendo com um postura e produzindo o depoimento receoso e acanhado, quase de temor, limitando-se a responder “sim” e “não” às perguntas explicativas que lhe eram colocadas. Esta testemunha, e tal como as restantes apresentadas pelo Banco réu nenhum conhecimento directo e concreto revelaram, esclareceram ou quiseram esclarecer quanto questão colocada em juízo pelo A, para além do que resultava já da prova documental, limitando-se a descrever o que em teoria e abstracto teriam sido as instruções dadas para implementar junto dos clientes a operação em causa.

Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída nos factos provados é, no seu essencial, lógica e completa, seguindo sempre um raciocínio consistente e devidamente estruturado.
Segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova, o tribunal a quo expôs, de forma clarividente, a sua convicção, conjugando e sopesando assertivamente toda a prova produzida, muito em especial aquela que lhe afigurou mais convincente, coerente e objetiva, relevando os depoimentos das indicadas testemunhas do autor que coadjuvaram as suas próprias declarações de parte, em contraponto com a prova testemunhal produzida pelo Banco réu, mormente da testemunha A. L. (funcionária do Banco réu e que teve intervenção direta na subscrição do Boletim de fls. 12 e 13 por parte do autor), cujo depoimento se revelou nada esclarecedor quanto ao contexto da operação posta em causa, analisando-a criticamente, de acordo com as regras da experiência e da verosimilhança dos factos, em conjugação com a prova documental que enunciou.

Enfatize-se, desde já, que impondo-se ao Banco recorrente a indicação dos concretos meios probatórios que impunham (e não apenas que permitiam) decisão sobre pontos da matéria de facto impugnados diversos da recorrida, teria que ter contrariado a apreciação crítica da prova realizada pelo tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas. Ora, a simples reiteração do conteúdo, e indicação do sentido, da prova pessoal já antes vista e apreciada pelo dito tribunal a quo, nos concretos moldes aqui sindicados, é claramente inidónea para este efeito.

Ouvidos os depoimentos gravados, desde já se salienta que o tribunal a quo não incorreu em nenhuma infidelidade em relação aos depoimentos prestados pelas testemunhas que identificou na motivação sobre a decisão da matéria de facto.
Salientou, e bem, a descrição familiar, social, cultural e económica do autor dada pelas testemunhas M. J. e C.L., descrevendo a personalidade simples e humilde do autor, sem conhecimentos mínimos sobre os produtos financeiros em causa, o que pôde ser confirmado abundantemente por via das declarações de parte do próprio autor, conforme decorre da sentença recorrida.
Ademais, importa salientar que, sendo certo que o autor já era detentor de Obrigações de Caixa Subordinadas do Banco ... – o que em bom rigor não se trata de um simples Depósito a Prazo, sendo portanto um produto financeiro mais complexo –, tal não nos permite concluir que o autor era conhecedor deste mesmo tipo de produtos financeiros, designadamente quando se dispôs a trocar aquelas Obrigações por Ações, sendo mesmo de concluir, face à prova testemunhal produzida e a resultante das declarações de parte, que sequer o autor sabia o que se tratava de Obrigações, quais os riscos que as mesmas envolviam, se é que envolviam, pois que do teor dos extratos bancários que lhe eram enviados mensalmente resultava a menção de “Produto com Capital Garantido no vencimento”, para além de vencerem-se juros periodicamente.
Por seu turno, as testemunhas M. N., R. B. e S. C. (funcionários do Banco réu) limitaram-se a descrever a operação financeira em causa e as instruções que possuíam tendo em atenção a implementação e execução dessa mesma operação, sendo certo igualmente que nenhuma delas demonstrou ter conhecimento direto e pessoal com o aqui autor.
Por último, importa ter presente que a testemunha A. L. – funcionária do Banco réu e que tratou diretamente com o autor a operação financeira em causa, conforme melhor resulta do “Boletim de Aceitação de Oferta” junto a fls. 12 e 13 – não depôs de forma esclarecer convenientemente que tipo de esclarecimento foi então prestado ao autor nessa ocasião e se o mesmo ficou devidamente ciente dos riscos que corria ao trocar as mencionadas Obrigações por Ações.
De facto, se é certo que, na parte final do seu depoimento acabou por afirmar que o autor “ficou esclarecido”, não se nos afigura que tal tenha sido efetivamente assim, tanto quanto é certo que o seu depoimento se revelou bastante hermético e defensivo.
De facto, na parte inicial do seu depoimento a mesma testemunha limitou-se a responder afirmativamente às perguntas que lhe iam sendo colocadas pelo mandatário do Banco réu, sem entrar em grandes esclarecimentos sobre aquilo que efetivamente sucedera no momento da subscrição do referido Boletim por parte do autor.
Outrossim, já na fase da instância do mandatário do autor, quando questionada sobre a operação em causa e sobre a forma como o autor foi abordado para a subscrição daquele Boletim afirma que lhe foi apresentado um “simulador” dando conta, por um lado, da desvalorização das ditas Obrigações no mercado e, por outro lado, do valor das Ações que se prepunha adquirir, sendo certo que estas detinham uma liquidez imediata – induzindo-se claramente a conclusão que, com a troca daqueles títulos, o autor estaria a “fazer um grande negócio”; sem, contudo, nunca afirmar que o autor foi devidamente avisado que perderia todas as garantias de capital na data de vencimento que possuía com as ditas Obrigações (com exceção de risco de falência do Banco emitente) e que deixaria de ter qualquer tipo de juros, para além do risco de desvalorização das mesmas Ações, conforme infelizmente veio a acontecer.
Com efeito, quando confrontada com a pergunta de se o autor ficara claramente esclarecido da operação que fizera, limitou-se a responder obscuramente de que; “este cliente nunca teve depósitos a prazo…” (cfr. 23.10 m do seu depoimento gravado); ou “se não tivesse ficado esclarecido estaríamos lá todos para o poder ajudar, para o poder esclarecer…” (cfr. 37,20 m do seu depoimento gravado); ou quando questionada sobre se o autor lhe suscitou algumas dúvidas respondeu defensivamente que “não lhe consigo precisar exatamente tudo ao pormenor …” (cfr. 38,20 m do seu depoimento gravado); sendo certo igualmente que chegou a afirmar que “nós não fazemos aconselhamento…” (cfr. 50,15 m do seu depoimento gravado).

Analisámos, pois, toda a prova produzida e gravada, em especial o depoimento da apontada testemunha A. L., assim como toda a prova documental junta, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados, sendo certo igualmente que, conforme decorre da própria sentença recorrida, não podemos concluir que estamos perante uma situação de non liquet no que respeita aos factos essenciais em questão.
Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável face à prova produzida.

Soçobra, assim, integralmente a pretensão recursiva de alteração da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo recorrente.
*
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B) Da nova fundamentação de direito
B.1) Da caducidade

Do ponto de vista da subsunção jurídica operada, insurge-se o Banco recorrente contra a decisão recorrida na medida em que, sendo verdade que existem dois regimes específicos de responsabilidade civil por violação do dever de informação, o que está em causa nesta ação não é atividade do Banco recorrente enquanto intermediário financeiro, mas como emitente dos títulos objeto da oferta, pelo que, quando a ação deu entrada em juízo, já o direito do autor recorrido se encontrava caducado, por força do disposto no art. 243º, al. b), aplicável ex vi do art. 251º, ambos do Código de Valores Mobiliários. (12)
Vejamos então se lhe assiste razão.

António Meneses Cordeiro (13) afirma que: “um dos deveres por que se concretiza o instituto dito culpa in contrahendo é o de informar. Trata-se mesmo de um dever envolvente: a própria deslealdade analisa-se, afinal, numa falta de informação. O dever de informar in contrahendo assume as mais diversas configurações: tudo depende do contrato em jogo.
(…) À partida, o dever de informação tenderá a abranger tudo quanto, pela natureza da situação considerada, não seja conhecido pela contraparte. Assim ele será tanto mais intenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida.
Em termos descritivos, o dever de informar poderá recair: sobre o objeto do contrato (…); sobre aspetos materiais conexos com esse objeto (….); sobre a problemática jurídica envolvida (…); sobre perspetivas contratuais ou sobre condutas relevantes de terceiros (…); sobre a conduta do próprio obrigado (…).
O dever de informar não é, apenas, conformado pelos elementos objetivos acima enunciados.
(…) A doutrina e a jurisprudência têm vindo a focar o relevo da pessoa da contraparte nessa conformação. Ou seja: o dever de informar é tanto mais intenso e extenso quanto mais inexperiente ou ignorante for a contraparte.

Sendo assim, atuando no campo do direito privado, as instituições bancárias sujeitam-se, em princípio, ao dispositivo dos arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil: devem nas fases pré-contratuais e no cumprimento dos contratos atuar de boa-fé.
Para além deste dever geral de boa-fé existem normas específicas dirigidas à atividade bancária.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (14) contém um título (Título VI) dedicado às regras de conduta das instituições de crédito.
Assim, decorre do disposto no art. 73º do RGICSF (15) que: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”
O art. 74º do RGICSF estabelece que: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”
E o art. 75º do mesmo diploma legal, estabelece que: “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que neles exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.”

No âmbito da legislação da defesa do consumidor (16) Lei n. 24/96, de 31.07 (17) – consagra, mormente, nos seus artigos 3.º e 9.º a defesa dos interesses económicos dos consumidores.
Na verdade, pelo art. 3º da LDC é visível todo um conjunto de direitos do consumidor, entre os quais se destacam a informação para o consumo e a proteção dos interesses económicos – cfr. als. d) e e).

Por sua vez, o art. 8º da LDC define sob a al. a) do n.º 1 que: “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre:

a) As caraterísticas principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa.(…)
O n.º 4 do art. 8º da LDC estipula que: “Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retratação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de receção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de serviços.
O n.º 1 do art. 9º da mesma LDC define que: “O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.

No que se refere aos valores mobiliários, como princípio geral, estabelece o art. 312º do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo D.L. 486/99, de 13.11) (18) que:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) (…)
2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3- A circunstância dos elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4- A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob a forma padronizada. (…) (sublinhámos)

Especificamente sobre o “dever de informar”, dispõe o art. 7º do CVM que:
1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco. (…)

De acordo com o disposto no art. 304º, do mesmo Código, estipula-se que:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3- Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente. (…)”

Esta norma (art. 304º, do CVM) consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487º do C. Civil, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam. (19)

Sob a epígrafe “Responsabilidade civil”, dispõe o art. 304-A, do CVM, que:
1- Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhe sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.” (nosso sublinhado)

Estipula, ainda, o art. 324º do citado CVM que:
1 - São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por atos praticados por seu representante ou auxiliar.
2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.” (sublinhámos)

De igual modo, estando em causa a negociação de valores mobiliários (cfr. art. 1º do CVM), dispõe o art. 243º, do CVM, que:

À responsabilidade pelo conteúdo do prospeto aplica-se o disposto nos artigos 149º a 154º, com as devidas adaptações e as seguintes especialidades:
a) São responsáveis as pessoas referidas nas alíneas c), d), f) e h) do n.º 1 do artigo 149º;
b) O direito à indemnização deve ser exercido no prazo de seis meses, após o conhecimento da deficiência do prospeto ou da sua alteração e cessa, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do prospeto de admissão ou da alteração que contém a informação ou previsão desconforme.

Por sua vez, o art. 251º, do CVM, dispõe que: “À responsabilidade pelo conteúdo da informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 243º.

Face à factualidade dada como assente, poderemos afirmar, desde logo, que entre o autor e o Banco réu existia uma relação contratual já devidamente consolidada, demonstrado como ficou que o autor é cliente do Banco réu, desde 1980, data em que aquele procedeu à abertura de uma conta de depósitos à ordem naquele Banco.

Seguindo de perto a opinião de Calvão da Silva (20), no âmbito do “depósito bancário”, estabelece-se uma relação obrigacional complexa e duradoura, assente na estreita confiança pessoal entre as partes (uberrima fides), que pode originar, mesmo no silêncio do contrato, a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, se não cumprir, entre outros, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2, do C. Civil), os deveres de informação ou de proteção dos legítimos interesses do cliente.
Na concordância com tal posição doutrinária, vem igualmente sendo defendido pela jurisprudência do STJ que esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua dominada pelo intuitu personae, impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (cfr. arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil; e arts. 73º e segs. do RGICSF), mormente, deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de descrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitu personae da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente. (21)
Particularizando a responsabilidade do “intermediário financeiro” veio igualmente a jurisprudência maioritária do STJ caraterizá-la como contratual; salientando-se, de entre outros, o Ac. STJ de 06.02.2014 (22), onde se preconiza que “a responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do C.C; sendo certo que constitui “fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Bancos.”
Também, no Ac. STJ de 17.03.2016 (23) defende-se que: “Tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor, nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu.
É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Bancos, definido no artigo 75º, n.º 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redações introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).
Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.” (24)
Nos termos do disposto no art. 799º, n.º 1, do C. Civil, cabe assim ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Neste particular, Menezes Cordeiro (25) refere que estamos perante uma dupla presunção de ilicitude e culpa: “Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa.
Precisando o mesmo Autor, que, “na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, na de vínculos obrigacionais específicos, a simples falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade.
Assim, “numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado: joga, contra ele, a presunção de “culpa” – portanto de” faute” ou de culpa/ilicitude – prevista no artigo 799.º/1 do Código Civil. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa.
Justificando a estrutura obrigacional do dever de informar, afirma que “numa situação que relacione particularmente duas pessoas – culpa in contrahendo ou execução contratual, por exemplo – as partes são levadas a confiar uma na outra. Quando o façam elas baixam as suas defesas naturais, tornando-se mutuamente vulneráveis. Gera-se uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. (…)
Por isso se gera uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.

Aqui chegados, contrariamente ao defendido pelo Banco recorrente não vemos em que medida é que poderemos concluir redutoramente que a eventual responsabilidade civil resultante da descrita atuação do Banco réu deverá ser unicamente aferida à luz do disposto no art. 7º do CVM.
Neste conspecto, invoca o Banco recorrente que, estando em causa a alegada deficiência de informação prestada pelo Banco réu, a responsabilidade daí resultante para o réu trata-se de responsabilidade na qualidade de emitente, justamente porque não houve intermediário financeiro entre os interlocutores.
Estaríamos assim perante uma responsabilidade do Banco réu por violação do disposto no art. 7º do CVM, não sujeita por isso ao disposto nos arts. 304º e 304-A, do CVM.
Em sua defesa, o recorrente veio chamar à colação os Acs. do STJ de 05.04.2016 (26), e da RP de 15.11.2018 (27) e de 30.04.2020 (28), lendo-se, designadamente, neste último aresto, no seu sumário, o seguinte: “Provando-se a violação por parte do Banco, emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa, dos deveres de informação enunciados no artigo 7º do CdVM, haverá que aplicar o regime legal de responsabilidade civil especificamente previsto no citado diploma legal, nos termos do qual, por expressa remissão do artigo 251º, se revela aplicável o regime de caducidade previsto na al. b) do art. 243º.
Realce-se, desde já, que não é esta a posição que seguimos, em face do que, concretamente, está em causa nesta ação.
Antes sufragamos o entendimento perfilhado por esta Relação, mormente no Ac. RG de 10.07.2019 (29) e no Ac. RG de 14.11.2019 (30), e que veio a ser acolhido na sentença recorrida.
De facto, conforme melhor resulta do citado Ac. RG de 10.07.2019… não se vê razão para limitar a responsabilidade prevista no artigo 304º-A do CVM para o intermediário financeiro aquando da violação dos seus deveres no exercício da sua atividade e no âmbito das relações contratuais que estabeleceu, à que é aplicável ao emitente, porquanto a sua atividade não se esgotou na assistência à oferta a que alude o n.º 1 alínea g) do artigo 149º do CVM, mas se baseou noutra causa, centrada na relação com o cliente, ora Autora.
Destarte, entende-se que a sentença tem razão quando afasta no caso a aplicação do artigo 243º do CVM por se estar nesta ação no âmbito da violação dos deveres de informação a que o Réu estava sujeito enquanto entidade bancária e intermediário financeiro e não no âmbito da responsabilidade relativa à publicitação de informação relativa à emissão ou oferecimento do instrumento financeiro.” (31)

Outrossim, afigura-se-nos evidente que a posição subscrita nos citados acórdãos da RP (15.11.2018 e 30.04.2020) vem, no seu essencial, decalcada daquilo que foi defendido no citado Ac. STJ de 05.04.2016, o que, porém, não se nos afigura correto, pois que as situações sob apreciação não são sequer similares.
Na realidade, o que estava em causa neste aresto do STJ era a imputação de responsabilidade civil do Banco emitente de ações, tendo por base um processo de contra-ordenação, de acordo com o qual a CMVM deliberou aplicar àquele Banco diversas coimas, designadamente derivadas do mesmo Banco, entre 1999 e 2006, “ter omitido o dever de informar o mercado, de forma “completa, verdadeira, actual, clara, objetiva e lícita”, prosseguindo o propósito de se dar uma imagem de desempenho melhor do que tinha na realidade e com isso sobreavaliar os resultados líquidos e os capitais próprios.” (32)
Na sequência, perante a dificuldade resultante do disposto no art. 251º, do CVM, que apenas remete para o disposto no art. 243º, do CVM, no que se refere à responsabilidade “pelo conteúdo da informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores”, concluiu-se nesse aresto que também devemos abranger nesta “informação desconforme” não somente aquela que resulta dos arts. 244º e segs., do CVM, mas igualmente toda a informação desconforme, divulgada ou omitida pela entidade emitente, socorrendo-se então do disposto no art. 7º, do CVM (tanto quanto é certo que esta norma refere-se designadamente à informação relativa a ofertas públicas de valores mobiliários”, onde se incluem as “ações” – art. 1º, al. a), do CVM).
Deste modo, concluiu-se, então no mesmo aresto (33), que: “O regime da responsabilidade do emitente aplica-se, nas suas linhas gerais, não só aos deveres de informação através do prospecto (quer seja um prospecto de oferta ou de admissão à negociação), como também aos diversos deveres de informação relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, previstos nos arts. 244º a 251º.
A nosso ver, a violação dos deveres de informação, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal da norma. Assim, se deve concluir que as imputações dirigidas à R. nos referidos processos contra-ordenacionais estariam abrangidas pelo regime especial dos deveres de informação que vimos analisando, designadamente o disposto no art. 7º do CdVM e, consequentemente, deve concluir-se que o art. 251º se refere a toda a falta de informação.” (sublinhámos)

Claro está que o que o mesmo aresto pretende vincar, assim concluindo nessa conformidade (cfr. igualmente os pontos II e III do respetivo sumário), é que a responsabilidade da entidade emitente, emergente do disposto no art. 251º, do CVM, englobará a informação desconforme, publicada ou omitida pela entidade emitente nessa mesma qualidade; o que, salvo melhor opinião, não é extensível ao caso em apreço, onde o autor não aponta qualquer “informação desconforme” do Banco réu enquanto emitente ou oferente da operação financeira em causa, mas antes o incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento adequado em relação às caraterísticas e riscos da operação financeira em discussão, mormente em relação ao produto financeiro proposto à troca, na qual o Banco réu, como é palmar, só poderia operar nas “vestes” de “intermediário financeiro” (arts. 304º e 312º, do CVM) e não, conforme é defendido pelo recorrente, nos termos de simples “contacto pessoal estabelecido pelo emitente igual ao estabelecido através de prospeto” (cfr. conclusão n.º 13).
Ademais, conforme resulta do teor do “Boletim de Aceitação de Oferta” de fls. 12 e 13 e da factualidade assente (cfr. ponto 1.13), a operação financeira lançada pelo Banco réu, e a que o autor aderiu, tratou-se de uma “Oferta Pública de Troca de Valores Mobiliários” – neste caso de troca de “Obrigações de Caixa Subordinadas” por “Ações” do mesmo Banco –, sendo certo que tal oferta pública de valores mobiliários (34), em que era exigível prospeto (cfr. citado Boletim de fls. 12 e 13), pressupõe obrigatoriamente a intervenção de “intermediário financeiro” (art. 113º, n.º 1, do CVM), podendo a mesma ser levada a cabo pelo oferente, quando este seja intermediário financeiro autorizado (art. 113º, n.º 2, do CVM); o que foi, no fundo, o que sucedeu in casu.

Nestes termos, bem andou o tribunal a quo ao não aplicar, no caso em presença, o regime da caducidade emergente do disposto no art. 243º, al. b), aplicável ex vi do art. 251º, ambos do CVM, assim julgando improcedente tal exceção perentória suscitada pelo Banco réu, o que aqui se confirma.
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B.2) Da improcedência da ação (conhecimento prejudicado)

Dependendo o demais peticionado pelo recorrente quanto à alteração do decidido na sentença proferida nos autos (mais concretamente quanto à decretada procedência da ação), no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
De todo modo, sempre se dirá que a sentença recorrida cuidou de efetuar uma correta subsunção jurídica à factualidade dada como assente, para efeitos de procedência da ação, sendo certo igualmente que o Banco recorrente, nesta fase, nenhuma violação invoca de disposições legais aplicadas, no que a esta mesma matéria respeita.

Termos em que cumpre concluir pela total improcedência da presente apelação.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada pelo Banco réu, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pelo apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 17.12.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.



1. Por todos, neste sentido, vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. n.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 159.
3. Ob. citada, pág. 164.
4. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
5. Abrantes Geraldes, ob. citada, pág. 166.
6. Ob. citada, págs. 274 e 277.
7. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
8. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
9. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
10. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
12. Aprovado pelo D.L. n.º 486/99, de 13.11., doravante, designado abreviadamente por CVM.
13. In Manual de Direito Bancário, Almedina, 3ª edição, págs. 358-359.
14. Aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31.12, doravante designado RGICSF.
15. Sempre na redação aplicável à data dos factos.
16. Doravante designada por LDC.
17. Também na versão aplicável à data dos factos.
18. Igualmente na versão aplicável à data dos factos.
19. Neste sentido, cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro, Almedina, 2008, pág. 210.
20. In Direito Bancário, Almedina, 2001, págs. 334 a 336.
21. Neste sentido, cfr. por todos, Ac. STJ de 18.12.2008, proc. n.º 08B2688, relator Santos Bernardino; e Ac. STJ de 16.09.2014, proc. n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1, relator Paulo Sá, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
22. Proc. n.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, relator Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt.
23. Proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.
24. No mesmo sentido, cfr. por todos, Ac. STJ de 10.01.2013, proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, relator Tavares de Paiva, disponível em www.dgsi.pt. 25. Ob. cit., págs. 313-315.
26. Proc. 127/10.0TBPDL.L1.S1, relator Garcia Calejo, acessível em www.dgsi.pt.
27. Proc. 485/17.6T8PVZ.P1, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt.
28. Proc. 718/18.1T8PRT.P1, relator Carlos Querido, acessível em www.dgsi.pt.
29. Proc. 5764/17.0T8BRG.G1, relatora Sandra Melo (aqui 2ª Adjunta), disponível em www.dgsi.pt.
30. Proc. 3527/18.4T8VCT-A.G1, relatora Margarida Sousa, disponível em www.dgsi.pt.
31. Também no citado Ac. RG de 14.11.2019 se concluiu que “… estando em causa, segundo a versão apresentada pelos demandantes, uma atuação no âmbito da atividade de intermediação financeira, não há qualquer razão para recorrer ao regime da responsabilidade do emitente de títulos mobiliários – e à norma da caducidade para ele prevista – só pelo facto de o intermediário financeiro em causa ser, no caso concreto, também emitente. Pensamos, aliás, que o facto de uma entidade ser simultaneamente emitente e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM.
32. Cfr. citado Ac. STJ de 05.04.2016.
33. Mormente após se fazer alusão no mesmo aresto do STJ de que: “Concretizações da obrigação de informação de qualidade por parte do emitente podem ser encontradas ao longo de todo o Código da Valores Mobiliários. Com efeito, para além de aí se prever um quadro sancionatório derivado da violação deste dever (art. 389º), disciplina-se de forma específica a qualidade da informação a prestar pelos emitentes de valores mobiliários admitidos a negociação em mercado regulamentado. É, assim, a propósito do prospecto, visto como paradigma geral dos deveres de informação dos emitentes, que se encontram regulados, designadamente, os princípios gerais a que se encontra sujeita a informação que deve ser prestada (art. 135º), quem são os responsáveis pelos danos causados pela desconformidade do seu conteúdo (art. 149º), o regime e natureza dessa responsabilidade (arts. 150º e 151º), quais os danos indemnizáveis (art. 152º) e o regime de cessação do direito à indemnização (art. 153º).” (sublinhámos)
34. Que poderá igualmente se estender à oferta pública de aquisição e distribuição de valores mobiliários.