Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3359/14.9TBBRG-E.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Até 01/07/2017, havendo bens da massa insolvente por liquidar, o período de cessão do rendimento disponível iniciava-se no momento imediatamente a seguir ao encerramento do processo de insolvência fundado na realização do rateio final.

II – Após a supramencionada data, o juiz, se o não declarou antes, deve declarar encerrado o processo de insolvência no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, existam ou não bens ou direitos da massa insolvente por liquidar, sendo que caso existam, o encerramento do processo, assim declarado, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- Por sentença proferida 02/07/2014 nos autos de insolvência de pessoa singular acima referidos foi declarada a insolvência da Devedora Maria, tendo sido decretada a apreensão de todos os seus bens “ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no art. 150, nº 1, do CIRE”.

Em 22/08/2014 teve lugar a Assembleia de Credores, que apreciou o relatório, tendo sido deliberado proceder de imediato à liquidação do activo e, a requerimento de uma das Credoras, respondeu Sr.ª Administradora da Insolvência que “iria diligenciar no sentido de o 1/3 do rendimento líquido da insolvente que está a ser penhorado à ordem de um processo executivo, seja penhorado à ordem da massa insolvente”.

Por despacho proferido em 14/04/2015, foi decidido deferir o pedido de exoneração do passivo restante que havia sido formulado pela Devedora acima referida, ficando aí determinado que “com exclusão dos créditos a que se refere o artigo 115.º do CIRE, e das despesas de saúde devidamente comprovadas, durante o período de cinco anos posteriores ao encerramento do presente processo, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir em montante líquido superior a setecentos euros mensais, encontra-se cedido ao fiduciário”.

Por requerimento apresentado em 09/12/2016 a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou requerimento para prestação de contas.

Por requerimento apresentado nos autos em 15/05/2017, a Insolvente, afirmando que “tem procedido à entrega de 1/3 do seu vencimento em benefício da massa”, e porque até àquela data ainda não tinha sido declarado “o início da cessão do rendimento disponível, pediu que fosse “determinado como início do período de cessão do rendimento disponível a data de 24/09/2014, nos termos do art.º 239.º do CIRE”.

Foram ouvidos os Credores, e com data de 25/10/2017, foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos do art.º 230.º, n.º 1, alínea a) do CIRE, declaro encerrado o processo ressalvando-se que se mostra, ainda em curso, o prazo de 5 anos relativo à exoneração do passivo restante. ____

Cessam as atribuições da comissão de credores e administrador de insolvência, ressalvando as funções de fiduciária”.

Por requerimento apresentado em 06/12/2017, a Insolvente, invocando a falta de resposta dos credores, renovou o seu pedido do início da contagem do período de cessão do rendimento disponível ser a data de 24/09/2014.

Responderam as duas Credoras, em 22 e 23 de Janeiro de 2018, que estavam presentes na Assembleia de Credores pedindo que fosse determinado como início do período de cessão a data do encerramento do processo, considerando-se “apreendidas” para a massa insolvente todas as importâncias entregues até então.

Respondeu igualmente a Sr.ª Administradora da Insolvência, pronunciando-se no sentido de se fazer coincidir o início do período da cessão com a data do encerramento do processo – 26/10/2017.

Decidindo, foi proferido despacho do seguinte teor: “Uma vez que o encerramento do processo apenas ocorreu a 29.10.2017, será a partir dessa data que se contam os 5 anos da exoneração – artº 239º nº 2 do CIRE”.
Inconformada, traz a Insolvente o presente recurso, pedindo a revogação deste despacho e a sua substituição por outro que fixe como termo inicial do período de cessão do rendimento disponível o mês de Setembro de 2014.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- A Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:

A. Salvo o devido e maior respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com o despacho de 08.02.2018.
B. Em 02.07.2014 foi proferida a sentença de declaração da insolvência da Recorrente.
C. Desde então, ainda antes da decisão de deferimento da exoneração do passivo, e ainda antes da decisão do encerramento do processo e de acordo com o aí decidido que a Recorrente tem entregue 1/3 do seu rendimento líquido à ordem da massa insolvente, tendo sido determinada a imediata liquidação do seu ativo.
D. Em 14.04.2015 foi deferido o pedido de exoneração do passivo da aqui Recorrente.
E. O encerramento do processo apenas ocorreu a 29.10.2017.
F. O artº 239º nº 2 do CIRE determina que é a partir da data de encerramento do processo que se começa a contar o designado período da cessão do rendimento disponível.
G. Em 15.05.2017 a recorrente requereu ao Tribunal a quo que fosse determinado como início do período de cessão do rendimento disponível a data de 24.09.2014, data em que fez a primeira entrega de 1/3 do seu vencimento, e que fossem rateadas as quantias cedidas pela Recorrente e entregues à administradora de insolvência (Requerimento com a Ref.ª 5525407).
H. Em 08.02.2018 o tribunal a quo decidiu que "uma vez que o encerramento do processo apenas ocorreu a 29.10.2017, será a partir dessa data que se contam os 5 anos da exoneração – artº 239º nº 2 do CIRE" (Despacho com a Ref.ª 156759950).
I. Salvo o devido e maior respeito, não pode a ora Recorrente com isto se conformar.
J. De facto, não é de todo admissível que a Recorrente tenha procedido ao pagamento das dívidas há mais de três anos e não seja reconhecido que o período de cessão já teria iniciado.
K. Tendo a jurisprudência apreciado esta questão e decidido no sentido da pretensão da aqui Recorrente, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-05-2013.
L. Não é legalmente admissível é que, sem que exista despacho de encerramento do processo de insolvência, sejam impostas as legais obrigações (artº 239º, nº 4 do ClRE) ao devedor inerentes ao período de cessão, nomeadamente a nuclear cedência do rendimento disponível ao fiduciário e que se venha a entender posteriormente que o período de cessão ainda não começou e fazer ratear as importâncias que o devedor de boa-fé disponibilizou entregou ao fiduciário para benefício (imediato) da massa.
M. A assim não ser, esta interpretação traduziria, na prática, uma extensão (que reputamos ilegal) da duração real do período de cessão para além dos 5 anos fixados na lei.
N. Sem prejuízo da norma contida no n.º 2 do artigo 239° do CIRE e do facto de não ter sido ainda declarado o encerramento do processo deve, por imperativo de justiça, determinar-se que o período de cessão do rendimento disponível se iniciou em Setembro de 2014.
O. Não pode, pois, a Recorrente ser afetada pela circunstância do tribunal ter omitido a declaração de encerramento do processo no momento processual próprio.
P. Foram violados os artigos 230º, 239° e 241° do CIRE.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas, a única questão a reapreciar é a de saber em que data deve ser fixado o termo inicial do período de cessão do rendimento disponível.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- As incidências processuais a ter em conta para a apreciação do presente recurso ficaram descritas em I do RELATÓRIO que, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

1.- O processo de insolvência é um processo de execução universal, sendo seu objectivo principal a satisfação dos direitos dos credores pela forma mais eficiente possível.

O património do devedor, garante a generalidade dos créditos (cfr. art.º 817.º do Código Civil (C.C.)) sendo aos credores que cabe decidir qual a melhor forma de efectivação dessa garantia.
Como o legislador deixou bem expresso no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), “A primazia que efectivamente existe é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.

No conceito de massa insolvente está, pois, abrangido todo o património do devedor, existente à data da declaração de insolvência, e, bem assim, os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

Deste modo, integram a massa insolvente todos os bens do devedor que sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, desde que não sejam absolutamente impenhoráveis – cfr. art.º 736.º do C.P.C. -, integrando-a ainda os bens relativamente impenhoráveis – art.º 737.º do C.P.C. -, se o devedor voluntariamente os apresentar.

São absolutamente impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

A impenhorabilidade absoluta tem como limite máximo o equivalente a três salários mínimos nacionais e como limite mínimo um salário mínimo nacional, sempre que o devedor não tenha outro rendimento – cfr. art.º 738.º n.os 1 e 3 do C.P.C..

Logo que decretada a insolvência, deve o administrador proceder à imediata apreensão dos bens integráveis na massa insolvente, ainda que eles tenham sido arrestados, penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, apenas se ressalvando aqueles cuja apreensão seja decorrente de infracção de carácter patrimonial ou contra-ordenacional, nos termos do disposto nos art.os 149.º e 150.º do C.I.R.E. (como o serão todas as disposições legais infra citadas, sem menção do respectivo Diploma Legal).

Como resulta da Acta da Assembleia de Credores de fls. 4 e 5 destes autos, estava já a ser penhorado um terço do rendimento líquido da Apelante/ Insolvente, à ordem de uma das execuções que pendiam contra si, havendo ficado estabelecido fazer integrar na massa insolvente os montantes penhorados, mantendo-se “a panhora à ordem da massa insolvente”.

2.- Com a clara intenção de protecção do devedor pessoa singular, o legislador introduziu uma medida que lhe permite libertar-se definitivamente das dívidas que não tenham sido integralmente pagas no processo de insolvência, possibilitando-lhe refazer a sua vida económica.

Como se fez salientar no supramencionado preâmbulo, pretendeu-se desta forma “conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica” (cfr. ponto nº. 45).

Como refere CATARINA SERRA “a intenção da lei é libertar o devedor das suas obrigações … para que depois de ‘aprendida a lição’ ele possa retomar a sua vida”, dar-se-lhe oportunidade de obter um ‘fresh start’ (in “O Novo Regime Português da Insolvência” 4ª. edição, págs. 133 e sgs.).

Esta oportunidade de obter um fresh start só deve ser concedida, como vem sendo salientado pela jurisprudência e pela doutrina, ao devedor insolvente que tenha agido de boa fé, que tenha uma conduta recta e cumpridora, não só no período anterior ao da apresentação à insolvência, mas também no período posterior àquele, sobretudo nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo – cfr. art.os 238.º, nº. 1 e 239.º, nº. 4.

Sem embargo, e decorrentemente desta extinção definitiva, também não é justo que se descurem os interesses dos credores que têm a expectativa de obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus créditos.

Importa salvaguardar os direitos de personalidade do devedor – essencialmente o direito à saúde e o direito à habitação – deixando-lhe a parte dos seus rendimentos que se mostre necessária para satisfazer as necessidades vitais da alimentação, vestuário, e calçado, assim como as despesas médicas e medicamentosas, e sendo caso disso, o pagamento da renda habitacional, mas, em contraponto, exige-se-lhe que, durante todo o período de cessão, faça um exercício sério de contenção económica adaptando os seus gastos ao estritamente essencial para fazer face àquelas despesas, de forma a que os direitos dos credores não sejam sacrificados mais do que o necessário.

3.- O período de cessão é, imperativamente, de cinco anos, e, como estabelece o n.º 2 do art.º 239.º, tem o seu termo inicial no momento imediatamente subsequente ao “do encerramento do processo de insolvência”.

De acordo com o disposto no art.º 230.º, o processo de insolvência encerra, para o que ora interessa: i) após a realização do rateio final; ii) no despacho inicial do incidente do exoneração do passivo restante, referido na alínea b) do art.º 237.º, quando o encerramento ainda não haja sido declarado - cfr. alíneas a) e e).

O rateio final só tem lugar depois de encerrada a liquidação da massa insolvente, nos termos do disposto no art.º 182.º, que determina ainda que o encerramento da liquidação não é prejudicada pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa. .

Integram-se na previsibilidade da norma as situações em que o insolvente seja trabalhador por conta de outrem, já que o contrato de trabalho se mantém – cfr. o n.º 1 do art.º 113.º -, assim como o prestador de serviços, de acordo com o art.º 114.º, n.º 1.

Deste modo, tendo sido apreendidos bens ao devedor, ou, dito de outro modo, havendo massa insolvente, que se mostre suficiente para satisfazer as custas do processo e as suas restantes dívidas (já que a insuficiência determina o encerramento do processo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 230.º), logo que transitada em julgado a sentença que declarou a insolvência, e imediatamente após a assembleia de apreciação do relatório, deve o administrador da insolvência dar início, com prontidão, à venda dos bens - cfr. n.º 1 do art.º 158.º.

O art.º 169.º estabelece um prazo para o administrador da insolvência proceder à venda dos bens – um ano contado da data da assembleia de apreciação do relatório, se bem que a decisão do juiz a declarar o encerramento do processo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do referido art.º 230.º, está dependente da realização do rateio final, que, por sua vez, depende do encerramento da liquidação, nos termos do art.º 182.º.

Sem embargo, aquele prazo tem natureza meramente ordenatória, já que poderá ser prorrogado por períodos de seis meses, desde que haja razões que o justifiquem.

4.- De tudo quanto vem de ser referido resulta inequívoco que as quantias que foram descontadas nos salários da Apelante/Insolvente, quer as que haviam sido penhoradas na execução, quer relativamente aos salários que se foram vencendo, foram, como não podiam deixar de o ser, objecto de apreensão e integradas na massa insolvente, sem necessidade do concurso de um acto voluntário da mesma Apelante.

Com as quantias apreendidas deu-se pagamento às custas do processo, satisfizeram-se os encargos da massa insolvente e, como se pôde constatar do suporte informático do processo, foram (muito) parcialmente pagos os créditos.

Liquidados os bens que constituíam a massa insolvente, foi encerrado o processo.

O encerramento do processo tem como um dos seus efeitos a cessação de todos os efeitos que resultam da declaração da insolvência, recuperando o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do art.º 233.º.

Assim, após o encerramento do processo, que in casu ocorreu em 25/10/2017, cessou o fundamento legal que presidiu à apreensão do um terço dos salários da ora Apelante, que passou a dispor da totalidade dos seus rendimentos e salários (ainda que, em princípio, até à extinção dos créditos pela prescrição, qualquer dos credores cujo crédito não tenha sido integralmente satisfeito possa executar a parte não paga).

Com a exoneração do passivo restante, o devedor liberta-se definitivamente de todas as dívidas, que se extinguem ao fim de cinco anos, seja qual for o montante que fique por liquidar.

A exoneração depende, porém, de um acto de vontade do devedor e por isso é que já não há “descontos” nos salários, com a natureza impositiva que tinham enquanto decorreu o processo de insolvência. Agora são “cedências”, que o próprio devedor entrega ao fiduciário.
Por tudo isto é que o legislador, de modo inequívoco, fez coincidir o início do prazo de cinco anos com a data do encerramento do processo de insolvência.

É este o entendimento que se crê pacífico das quatro Relações, como se pode constatar, dentre outros, e referindo apenas os mais recentes: desta Rel. de Guimarães, o Ac. de 08/03/2018 (ut Proc.º 2223/13.0TBBRG-G.G1); da Rel. do Porto, o Ac. de 13/09/2018 (ut Proc.º 4419/10.0TBVLG-G.P1); da Rel. de Coimbra, o Ac. de 18/10/2016 (ut Proc.º 1769/11.2TJCBR-F.C1); e da Rel. de Évora, de 26/10/2017, aqui ficando decidido que “A apreensão, a favor da massa insolvente, de uma parte do salário do insolvente nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE, não se confunde com a cessão do rendimento disponível prevista do artigo 239.º do mesmo código” pelo que “Tendo sido determinada e efectuada a apreensão de uma parte do salário do insolvente ao abrigo do disposto no artigo 46.º do CIRE, não poderá o tempo de duração dos correspondentes descontos ser, posteriormente, contabilizado no prazo previsto no n.º 2 do artigo 239.º do mesmo código.” (ut Proc.º 3980/11.7TBSTB-K.E1, tal como todos os outros, in www.dgsi.pt).

Sem embargo, sensível à demora no encerramento do processo de insolvência que, não raras vezes, decorre do arrastar da liquidação para além do prazo que, em termos de normalidade, seria adequado, retardando no tempo o rateio final, perante a impotência do devedor, cuja intervenção nesta fase se restringe à hipótese prevista no art.º 171.º para o devedor pessoa singular (se a massa insolvente não compreender uma empresa, poderá pedir a dispensa de liquidação da massa, no todo ou em parte, contra a entrega ao administrador da insolvência de uma importância em dinheiro igual ou superior à que resultaria da liquidação) o legislador de 2017 (Dec.-Lei 79/2017), introduziu o n.º 7 ao art.º 233.º, que diz: “O encerramento do processo de insolvência nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível”.
Fica, assim, claro que o juiz, se ainda o não tiver declarado, deve declarar encerrado o processo, existam ou não bens ou direitos a liquidar, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, tendo início o prazo da cessão a partir desta declaração de encerramento do processo, como se alcança da conjugação do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 230.º, com o n.º 2 do art.º 239.º e o n.º 7 do art.º 233.º.

Tendo, as alterações introduzidas pelo referido Dec.-Lei 79/2017, aplicação aos processos pendentes, naqueles em que ainda não tenha sido declarado o encerramento do processo e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível no dia 01/07/2017, data em que entrou em vigor aquele Diploma Legal – cfr. art.os 6.º, n.os 1 e 6 e 8.º, daquele Diploma Legal.

Na situação sub judicio, incompreensivelmente atendendo à natureza dos bens que integravam a massa insolvente, decorreram dois anos e meio desde a data da prolação do despacho que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante (14/04/2015) e a data do despacho que declarou encerrado o processo (25/10/2017), e decorreram vinte meses desde a data do primeiro despacho até à da apresentação, pela Senhora Administradora da Insolvência, do requerimento para apresentação das contas (09/12/2016).

Posto que à data da entrada em vigor do Dec.-Lei 79/2017 ainda não tinha sido proferido despacho a declarar encerrado o processo de insolvência, deve considerar-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível no dia 01/07/2017, com o que se impõe considerar como cedidos ao fiduciário, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 239.º, todos os “descontos” nos vencimentos da Apelante efectuados a partir daquele mês de Julho, inclusive.

Ainda que a pretensão da Apelante, de ver fixado o termo inicial do prazo de cessão em Setembro de 2014, não mereça provimento, o despacho impugnado, porque não teve em consideração a disposição legal acima citada, terá de ser revogado, na conformidade com o que fica exposto.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto acima se expõe, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, revogando o despacho impugnado, determinam que o termo inicial do período de cinco anos de cessão do rendimento disponível seja o dia 01/07/2017.
Custas da apelação pela Apelante, na proporção de ¾ (três quartas partes) do que for devido.
Guimarães, 08/11/2018

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho