Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
118/16.8T9EPS.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: DIFAMAÇÃO
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
CRIME CONTINUADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Para além das situações em que a imputação de factos ofensivos da honra e da consideração do visado é feita para realizar interesses legítimos e o agente prove a verdade da mesma imputação ou tenha tido fundamento sério para, em boa verdade, a reputar verdadeira (art. 180º, n.º 2, do CP), ou em que ocorra alguma das causas que, em termos gerais, excluem a ilicitude, nomeadamente o facto ser praticado no exercício de um direito (art. 31º, n.º 1, al. b), do CP), a difamação também não é punida se funcionar a cláusula geral de adequação social.

II) No caso dos autos, tendo o arguido escrito em requerimentos dirigidos a processos judiciais em que era parte, que o advogado da contraparte "montou e levou a cabo um esquema e falsidade, para atrasar o andamento do processo, ocultou todo o património (da constituinte) para obtenção de apoio judiciário, falsificou a relação de bens, não passa de um criminoso à solta, mente descaradamente em tribunal, é um advogado desonesto e criminoso, apresenta mentiras e falsidades, presta falsos testemunhos e declarações e quer enriquecer ilegitimamente", esta imputação de factos e formulação de juízos de valor, claramente ofensivos, não era indispensável à defesa da sua posição processual nem se destinou a realizar um interesse sobreponível ao direito à honra e consideração do visado, ultrapassando os limites consentidos pelo exercício da liberdade de expressão, enquanto direito a manifestar a sua opinião crítica, sendo as expressões utilizadas desnecessárias, impertinentes, desproporcionadas e injustificadas, pelo que a conduta do arguido excedeu o que é tolerável do ponto de vista da relevância penal, integrando o crime de difamação.

III) Com a alteração ao n.º 3 do art. 30º do Código Penal operada pela Lei n.º 40/2010, de 03/09, ao suprimir o segmento final "salvo tratando-se da mesma vítima", o legislador afastou, sem margem de manobra para o julgador, a figura do crime continuado quando estejam em causa bens jurídicos pessoais, independentemente do número de sujeitos atingidos e, portanto, mesmo quando a vítima dos diversos atos seja a mesma pessoa, ficando o crime continuado restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 118/16.8T9EPS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J2, foi proferida sentença, em 22-03-2018, mas com data e depósito de 29-03-2018, a condenar o arguido, J. P., como autor material, pela prática de cinco crimes de difamação, previstos e punidos pelos arts. 180º [1], 182º e 184º, por referência ao art.º 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de dois meses de prisão por cada um dos quatro crimes (praticados nos dias 14/04/2016, 13/05/2016, 22/06/2016 e 27/05/2016) e na pena de cinco meses de prisão, pelo quinto crime (praticado no dia 09/01/2017), e, em cúmulo jurídico, na pena única de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova, que inclua tratamento médico e/ou psicológico ao arguido, bem como a condenar este último, simultaneamente demandado civil, no pagamento a M. F., de uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescido de juros à taxa legal, a contar da sentença até efetivo e integral pagamento.
2. Inconformado com essa condenação, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem [2]:
«CONCLUSÕES:

1- Não está em causa o facto do Tribunal ter dado como provado os pontos constantes da douta acusação com os n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7, até porque para além de se reportarem a documentos escritos estamos também perante documentos que deram entrada nos processos referidos em cada um dos pontos, tendo sido incorporados em cada um dos processos para onde o Arguido os remeteu.
2- Por outro lado o Arguido em audiência prestou declarações e confirmou a autoria dos requerimentos por si enviados aos processos.
3- Podemos pois dizer que ocorreu uma confissão relativamente à autoria dos referidos documentos por parte do Arguido.
4- No entanto o Arguido fez juntar aos autos o porquê da sua revolta logo da primeira secção de audiência e discussão de julgamento, demonstrando que tem sido perseguido desde de 2007, pela sua ex-mulher e pelo Ilustre Mandatário da mesma aqui Ofendido nestes autos.
5- Entretanto o douto Tribunal ordenou o desentranhamento de todas essas peças considerando-as irrelevantes para as questões dos autos.
6- A bem da justiça e da boa decisão da causa o Tribunal ordenou a junção aos autos de três sentenças, com os processos n.ºs 24/15.3T9EPS.G1, 22/12.9TAEPS, 367/12.8TAEPS.G1, tudo isto a fim de se aferir do princípio “ne bis in idem”.
7- O aqui Arguido entretanto tem um processo em inquérito onde estão a ser apreciadas todas as questões de direito e todas as violações de Lei, onde tenham sido protagonistas a sua ex-mulher e o seu Ilustre Mandatário.
8- Processo esse que está em fase de inquérito estando a ser investigado pela PJ do Porto.
9- O direito ao bom nome, à honra e à reputação do aqui Ofendido tem de ser compatibilizado com o direito fundamental do Arguido à liberdade da expressão e à indignação, tendo este o direito de divulgar a sua opinião e de exercer o direito de crítica.
10- Esta ponderação entre direitos de certa forma opostos e essencial fazer uma adequação entre a possível lesão e os direitos constitucionais em causa.
11- Por outro lado os requerimentos elaborados pelo Arguido não tiveram divulgação pública, mas apenas divulgação restrita a cada um dos processos em causa.
12- Pelo que, no caso concreto não será de considerar objetivamente ofensivo da honra e da consideração do Ofendido, mas mais com expressões de desabafo por parte do Arguido / Recorrente, em virtude do que lhe vinha acontecendo nos últimos 11 anos.
13- A título de exemplo, a expressão invocada pelo Recorrente de “criminosos à solta”, não terá o carácter ofensivo e a reputação de difamar o Ofendido, quando é de conhecimento geral, que o Ofendido nunca foi criminoso, uma vez que nunca foi condenado.
14- Assim, o exercício de exprimir opiniões sem estas possuírem uma carga suscetível de afetar o bom nome e a reputação do Ofendido, não deveriam integrar o conceito de crime de difamação conforme o Tribunal a quo considerou relativamente aos requerimentos praticados em 14/04/2016, 13/05/2016, 27/05/2016 e 09/01/2017.
15- Quanto à análise das expressões em causa, temos os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/03/2011, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/03/2018, ambos em www.dgsi.pt.
16- O Arguido deverá pois ser absolvido em virtude dos seus atos não integrarem o crime de difamação. Caso não seja esse entendimento de Vªs Exªs, coloca-se a questão jurídica de estarmos em, presença de um concurso real de crimes e crime continuado, devendo o Recorrente ser condenado pela prática de um único crime nos termos do artigo 30º do C.P..
17- Caso o Tribunal entenda que as expressões integram um crime de difamação, deverá o Arguido ser condenado pelos mínimos legais, quer relativamente a cada uma das penas quer ao cúmulo de penas, tudo isto nos termos dos artigos n.ºs 71º a 73º do C.P.
18- O douto acórdão, não faz uma aplicação correta nomeadamente, dos art.s 13º, 16º, 20º, 27º, 28º, 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, e artigos, 30º, 71º a 73º, 132º n.º 2 alínea l) e 180º, 182º e 184º todos do Código Penal.

NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, que V.s Ex.ªs, doutamente se dignarão suprir, deve ser reconhecido razão ao Recorrente/Arguido, devendo este ser absolvido, por falta de prova bastante para a condenar, e caso assim não entendam deverá ser condenado pelo mínimo legal, com todas as consequências legais, como é de JUSTIÇA "jure optimo".»

3. A Exma. Procuradora Adjunta em funções na primeira instância respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

«I - Através dos requerimentos apresentados, cuja autoria não pôs em causa, o arguido imputou factos e formulou juízos desvalorativos que desacreditam e colocam em causa a reputação e a imagem pública do assistente, sendo condenado pela prática de cinco crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180º, 182º e 184º, por referência ao art.º 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
II - A antijuridicidade do comportamento protagonizado pelo arguido não se deve ter por excluída, uma vez que não ocorreu qualquer de causa de justificação, nem a prevista no n.º 2 do art.º 180º, uma vez que o arguido não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeiros os factos que imputou ao assistente, nem a prevista no art. 31º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal, na medida em os juízos de valor ultrapassam largamente o invocado exercício da liberdade de expressão pela desproporcionalidade e incontenção vertidas em algumas das expressões utilizadas.
III - Tendo em conta que o arguido teve cinco resoluções criminosas que o levaram a praticar o crime de difamação por cinco vezes e que não se verificam os pressupostos da aplicabilidade da continuação criminosa, designadamente, o requisito da circunstância facilitadora do cometimento do crime, pelo que não vislumbramos qualquer violação do art. 30° do Código Penal.
IV - As penas, parcelares e únicas, aplicadas na sentença recorrida, não merecem qualquer reparo, tendo respeitado quer as finalidades da punição definidas no art. 40°, n.º 1, do Código Penal, quer os critérios legais de escolha e determinação das penas previstos nos art.s 70° e 71° do Código Penal, quer as regras da punição do concurso previstas no art. 77° do Código Penal, atendendo a todas as circunstâncias relevantes que foram devidamente ponderadas.
V - Não foram violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente nem quaisquer outras.

Termos em que,
se V. Exas. julgarem improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida, farão a habitual justiça!»

4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, perfilhando integralmente a posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, porquanto as expressões utilizadas pelo arguido no presente caso são objetivamente ofensivas da honra e da considerações devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e como advogado, exprimindo um juízo negativo sobre o bom nome, a honra e considerações que lhe são devidas como cidadão e como advogado, atingido o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada e desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião.
5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta a esse parecer.
6. Após exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de acordo com o disposto no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

É consabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando, assim, para o tribunal superior as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais [3].

Na decorrência das conclusões formuladas pelo recorrente, constituem questões a decidir:

a) - A não verificação dos elementos típicos do crime de difamação;
b) - A punição do arguido por um crime continuado;
c) - A medida das penas parcelares e da pena única.

2. DA DECISÃO RECORRIDA

2.1 - É do seguinte teor a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (transcrição):

«Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos:

1) M. F., Advogado, aqui ofendido e com domicílio profissional na Av.a …, e que utiliza o nome profissional M. F., no âmbito daquela sua atividade profissional, patrocinou e ainda patrocina, em diversos processos e em diferentes tribunais, a ex-esposa do aqui arguido, A. R., com quem este foi casado até 19/11/2007.
2) Sucede que, o arguido, tendo também intervenção nesses mesmos processos, em posição oposta à da sua ex-esposa, e entendendo que o ofendido adotou uma postura contrária aos seus interesses, dirigiu, nas datas e processos que a seguir se identificam, diversos requerimentos, imputando àquele diversas expressões ofensivas à sua honra e consideração enquanto Advogado, nomeadamente acusando-o de cometer diversos crimes no exercício da sua atividade profissional de advocacia.
3) No dia 14 de Abril de 2016, o arguido remeteu ao proc. 1788/15.0T8VNF, a correr termos na 2.a Secção de Execução J2 de VN Famalicão da Instância Central da Comarca de Braga, um requerimento, onde refere o seguinte:

"(...) 4.° Estes embargos à execução não passam de mais um esquema e falsidade, montado e levado a cabo pela executada/embargada, A. R. e pelo seu mandatário M. F., para assim ganharam mais tempo e não respeitarem as decisões a que são condenados, e assim atrasarem o andamento do processo, não passa este esquema de mais um crime de litigância de má-fé e enriquecimento ilícito, por parte destas pessoas e assim prejudicarem gravemente o Estado Português. (...)
11.° Seja a Executada/Embargante e o seu Mandatário condenados por litigância de má-fé e enriquecimento ilícito.
12.° Estas pessoas usam e abusam do Apoio Judiciário que lhe é concedido, onde para obterem esse Apoio Judiciário, oculta todo o património e assim prejudicam gravemente o Estado Português".
4) No dia 13 de Maio de 2016, o arguido remeteu ao proc. 1778/05.0TBEPS, a correr termos na 2.a Secção de Família e Menores J2 de Barcelos da Instância Central da Comarca de Braga, um requerimento, onde refere o seguinte:

"(...) Esta pessoa que se diz mãe, A. R.(...) não paga porque não quer, aos 29-12-2015, recebeu a quantia de: €2.500.00 (...) de um processo em que esta Sr.a A. R., utilizou uma relação de bens falsificada por ela e pelo seu Advogado M. F. (...) ".
5) No dia 22 de Junho de 2016, o arguido remeteu ao proc. 1788/15.0T8VNF-A, a correr termos na 2.a Secção de Execução J2 de VN Famalicão da Instância Central da Comarca de Braga, um requerimento, onde refere o seguinte:

"(...) 3.° Mas pretendo comparecer, conforme fui notificado, para o dia e hora marcados, 07/07/2016, pelas 10horas, não preciso de Advogado, para trazer a verdade a este Tribunal e provar que a aqui Executada/Embargante e o seu Advogado não passam de dois criminosos à solta
4.° Consultado o processo acima mencionado aos, 16-04-2016, tive conhecimento de requerimento, folhas, 84, 84 verso, 85, apresentado pelo Advogado M. F., onde pede para que os documentos apresentados por, J. P., aos, 14-042016, sejam desentranhados e devolvidos.
5.° Nesta atitude prova-se que o Senhor Advogado M. F. e a sua cliente aqui Executada/Embargada, A. R., não passam de dois criminosos à solta (...) ".
6) No dia 27 de Maio de 2016, o arguido remeteu ao proc. 861/14.6GAEPS, a correr termos na 1.a Secção de Instrução Criminal - J1 da Instância Central da Comarca de Braga, um requerimento, onde refere o seguinte:

"(...) 6.° Estas afirmações que a aqui Arguida, faz não passam de mais um esquema armado para não cumprir com as suas obrigações, e conseguir Apoio Judiciário, com o tem feito ela e o seu Advogado M. F., falsificam documentos e ocultam o seu património.
(.)
11.° (...) Este documento que juntaram a folhas, 218 e 219, não passa de mais um esquema elaborado pela, aqui Arguida e pelo seu Advogado M. F., pois em nada corresponde á verdade, o valor da dívida neste momento dia, 27-05-2016", é de € 1800.00
12.° A aqui arguida A. R. e o seu Advogado M. F., tem vindo ao longo de vários processos, mentindo, falsificam documentos, para conseguirem enriquecer ilicitamente
( . )
62.° Hoje esta relação de bens falsificada, pela minha ex-mulher e pelo sue Advogado, está a ser utilizada no proc.° 1348/13.0TBEPS, contra mim e contra o próprio filho (...)
( . )
65.° (...) foram já vários os Advogados que pediram escusa por se tratar de ser uma ação a instaurar contra o, Advogado M. F., que é um Advogado desonesto e criminoso (...)
68.° (...) já foi ouvida ela e o seu Advogado, no âmbito desse processo, onde mentiram descaradamente ( .) (.)
117.° É assim que esta pessoa A. R. e o seu Advogado M. F., querem enriquecer ilicitamente, estas pessoas e as testemunhas que os tem ajudado a mentir em Tribunal, são criminosos à solta (.)
Por isso exijo que se faça justiça, e que a aqui Arguida A. R. e o Advogado M. F., paguem com pena de cadeia, pelos crimes que tem vindo a cometer"
7) No dia 9 de Janeiro de 2017, o arguido remeteu ao proc. 22/12.9TAEPS, a correr termos na Secção de Competência Genérica - J2 Instância Local de Esposende da Comarca de Braga, um requerimento, onde refere o seguinte:

"(...) 5.° Nas folhas, 946 a 956 e versos (...), apresentado pelo Advogado M. F. e A. R., prova-se mais uma vez que estas pessoas pretendem enriquecimento ilícito, onde apresentam, mentiras e falsidades.
6.° (...) com requerimento aos, 02-09-2015, informei o processo de que não tenho Advogado no Processo, por falta de confiança, e este ter ocultado a verdade ao Tribunal, para assim ajudar o colega de profissão, M. F. e a cliente deste A. R., nas mentiras, falsificação de documentos e falsos testemunhos levados ao Tribunal.
( . )
11.Mas mesmo assim o Ministério Público sabendo, que esta Sra. e o seu Advogado, sempre mentiram, manteve a acusação, e não me deu oportunidade de defesa, mas sempre pedindo a minha condenação.
( . )
15.° Mais uma vez se prova que esta, pessoa A. R. e o seu Advogado, Dr. M. F., mentem descaradamente (...)
(.)
44.° A, 27-12-2011, foi dado início de inventário de partilha de bens no processo, n. ° 1778/05TBEPS-Q, onde a minha ex-mulher se apresenta como requerente e requerida, para assim eu não ser notificado da partilha, e é apresentada uma relação de bens falsificada pelo, Advogado M. F. e pela cliente deste minha ex-mulher (...)
45.° Quando, em Janeiro de 2013, tive conhecimento desta relação de bens falsificada, apresentei queixa crime (...)
(.)
49.° Hoje esta relação de bens falsificada, pela minha ex-mulher e pelo seu Advogado, está a ser utilizada no proc. n.°1348/I3.0TBEPS
(...)
50.° Também está, a mesma relação de bens falsificada, a ser utilizada num outro proc.°n.° 443/12.7TBEPS (...)
(.)
53.° No processo, n.° 1486/07.8TBEPS do 2.° Juízo do tribunal de Esposende, processo de execução contra a minha ex-mulher, a minha ex-mulher e o seu Advogado, sempre mentiram e levaram a processo falsas declarações.
( . )
67.° (...)todos eles já intervieram em alguns dos meus processos e foram ouvidos como testemunhas, onde mentiram sobe juramento, para assim ajudarem um Advogado desonesto, (M. F.).
(.)
82.° É assim que esta pessoa minha ex-mulher e o seu Advogado querem enriquecer ilicitamente.
(.)
90.° Mais uma afirmação falsa e feita por este Advogado M. F., todos os meus bens foram erradamente vendidos no proc. 1144/05.8GAEPS (...) "
8) Ao escrever tais comentários, o arguido sabia que os mesmos continham expressões que não correspondiam à verdade e juízos de valor sobre a pessoa de M. F., que o ofendiam, como ofenderam, na sua honra e consideração pessoal, profissional e pública, como Advogado que o arguido conhecia e o sabia como tal, designadamente as expressões "mentindo...falsificam documentos...criminoso à solta...Advogado desonesto", sabendo ainda que tais comentários que visaram diretamente o ofendido enquanto Advogado, dirigidos àqueles processos, que sabia serem públicos, seriam e foram livremente acessíveis aos demais intervenientes processuais, magistrados e oficiais de justiça, facilitando assim a sua divulgação por diversas pessoas como, de facto sucedeu.
9) Atuou sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e mesmo assim não se absteve de tal conduta.

Do pedido de indemnização civil

10) O demandante M. F. é advogado de profissão há mais de vinte e cinco anos.
11) Durante esse longo período de tempo do exercício da sua profissão, tentou sempre pautar a sua atividade profissional e a sua conduta pelo princípio da verdade, pela transparência, pelo respeito pelos direitos das pessoas, fossem ou não constituintes seus, tentou sempre ser cortês, cordial e educado com todos os magistrados, colegas e demais intervenientes processuais e tentou ser exemplar no cumprimento da lei, dos seus deveres e das suas obrigações, enquanto advogado e enquanto cidadão.
12) O demandante ficou muito magoado, triste e profundamente ofendido com os referidos factos praticados pelo arguido/demandado.

Da contestação (tendo em conta os factos com interesse para a decisão da causa, expurgando factos conclusivos e considerações de direito)

13) Os processos judiciais referidos em 3) a 7) consubstanciam litígios judiciais, em que são partes, o arguido, e por outro a sua ex-esposa A. R., sendo advogado desta, em diversas contendas judiciais por causas ligadas a tal divórcio, o agora ofendido:

Proc. n.° 1788/15.0T8VNF, execução em que o arguido é exequente e a ex-mulher A. R. é executada.
Proc. n.° 1778/05.0TBEPS, da 2a Secção Família e Menores J2, Instância Central de Barcelos, referente à determinação das responsabilidades parentais do arguido e da sua ex-cônjuge, quanto aos filhos do casal.
Proc. n.° 861/14.6 GEPS da 1a Secção Instrução Criminal J1, instância central da Comarca de Braga, em que a ex-cônjuge é arguida;
Proc. n.° 22/12.9TAEPS -J2 - instância local de Esposende da Comarca de Braga, em que o arguido é arguido.
14) Esses requerimentos estão conexionados com a "guerra" nascida entre o arguido e a sua ex-esposa, que culminou com o divórcio e a partilha dos bens e com o intuito de requerer ao Mm.° Juiz que sejam proferidos determinados despachos judiciais, nesses autos.

Provou-se ainda que:

15) Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

1) No processo 367/12.8 TAEPS, do Juízo de Competência Genérica de Esposende, J2, do Tribunal de judicial da Comarca de Braga, pela prática, em 25/10/2012, de um crime de injúria agravada em concurso efetivo com um crime de difamação agravada, por sentença transitada em julgado em 3/11/2014, a pena única de 285 dias de multa à taxa diária de € 5,00. A pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por despacho datado de 18/05/2015.
2) No processo 22/12.9 TAEPS, do Juízo de Competência Genérica de Esposende, J2, do Tribunal de Judicial da Comarca de Braga, pela prática, em 20/07/2011, de um crime de difamação, por sentença datada de 02/07/2015, transitada em julgado em 24/10/2016, a pena de 260 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
3) No processo 24/15.3 T9EPS, do Juízo de Competência Genérica, J1, do Tribunal de judicial da Comarca de Braga, pela prática, em janeiro de 2015, de 14 crimes de difamação, por sentença datada de 16/11/2016, transitada em julgado em 19/06/2017, a pena de 700 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
16) No processo referido em 15.1, o ofendido era igualmente o ofendido destes autos, M. F., constando dos factos provados que o arguido, enviou ao ofendido uma missiva, em 25/10/2012, por si assinada, na qual, constava que "Exmo. Sr. Dr., agradecia com a maior brevidade possível, me devolvam todos os meus bens que me foram roubados, por si, por sua cliente e com a ajuda de alguém de dentro do tribunal"; "o Sr.° Dr. já deu provas suficientes de que não é um advogado competente, nem honesto, só com mentiras, falcatruas, falsos testemunhos, pedindo vários adiamentos de processos inventando que as partes estão a chegar a acordo, requerimentos com a minha assinatura falsificada, erro de gravação de cassetes no processo de divórcio e com a ajuda de algum funcionário do tribunal, é que consegue ganhar os processos. Eu tenho dois filhos para acabar de criar, estou desempregado, tinha a minha vida estabilizada, hoje não tenho nada, eu e os meus filhos estamos a passar por graves dificuldades, o futuro dos meus filhos está comprometido, por sua culpa, da sua cliente e dos falsos testemunhos que conseguiram levar a tribunal, porque há pessoas que não têm mais nada que fazer senão irem a tribunal mentir"; -"Os meus filhos foram roubados pela própria mãe e com o ajuda do Sr. Dr."; - "Por isso o Sr. Dr. seja um homem, não seja um rapaz, nem cobarde, desafio o Sr. Dr. e a sua cliente e esses profissionais da mentira a me devolverem tudo o que me roubaram, a mim e aos meus filhos, e a vir junto do tribunal, do Sr. Dr. Juiz e do Ministério Publico, explicar todas estas trafulhices que conseguiram montar contra mim, nos Processos n.°s: 1778/05.OTBEPS e apensos do1o Juízo, 1144/05.8GAEPS e apensos do 1° juízo, 1927/03.3 e apensos do 2° juízo, 1486/07.8TBEPS do 2° juízo, 385/12. 6TBEPS do 1° juízo, 443/12. 7TBEPS do 2° juízo, todos eles do tribunal de Esposende"; -"Várias autorizações que eu tinha para ir a minha casa buscar, documentos pessoais, roupas, maquinas a da minha profissão, livros, computadores e bens de primeira necessidade, meus e dos meus filhos, mas fui sempre impedido, por si e pela sua cliente, sempre desrespeitaram as ordens do tribunal"; -"Eu não tenho medo da verdade. Mas sim das mentiras que o Sr. Dr., a sua cliente e esses profissionais da mentira, conseguem levar a tribunal".

O arguido, antes daquele envio, extraiu diversas cópias da mesma missiva e procedeu, em 25 de Outubro de 2012, à sua junção a cada um dos seguintes processos:

- Processo 1778/05.OTBEPS, 1° Juízo, a fls. 404 a 412;
- Processo 443/12.7TBEPS, 2° Juízo, a fls. 80 a 88;
- Processo 1144/05.86AEP5, 1° Juízo, a fls. 600 a 608;
- Processo 1927/03.3TBEPS, 2° Juízo, a fls. 370 a 378.

Com a referida conduta, quis o arguido publicitar o conteúdo daquela carta, dando conhecimento do mesmo a magistrados, oficiais de justiça e quaisquer outras pessoas que tenham ou possam vir a ter contacto com os referidos processos.

Anteriormente, em 14 de Novembro de 2011, o arguido havia já remetido uma participação à Ordem dos Advogados, referindo que:
-"No Processo n.° 1927/03.3TBEPS, tem feito vários declarações falsas"; -"Hoje estou desempregado e não tenho nada, apenas dois filhos para acabar de criar, por grande culpa de este advogado e mais alguns que tem o ajudado todos estes processos, incluindo o ex-presidente da delegação da Ordem dos Advogados de Esposende, Dr. R. P..
Tal participação deu origem ao Processo n° 528/2012-P/AL, no âmbito do qual foi proferido acórdão pela 1a Secção do Conselho de Deontologia do Porto, no dia 15 de Junho de 2012, que decidiu arquivar os autos por inexistência de infração disciplinar.
Notificado daquele acórdão, o arguido recorreu em 10 de Julho de 2012, dizendo: "mais informa que há um outro Processo de Execução 1486/07.8TBEPS, do 2° Juízo, onde nesse mesmo processo o Sr. Advogado e a sua cliente, tudo tem feito para enganar o tribunal e a Instituição Financeira Sofínloc".
Por acórdão do plenário do Conselho de Deontologia do Porto, proferido em 14 de Dezembro de 2012, foi negado provimento àquele recurso, por considerar-se inexistirem atos que importem responsabilidade disciplinar.
Ao proferir tais expressões dirigindo-se a M. F. e a terceiros, nomeadamente ao Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados do Porto, a magistrados judiciais, do Ministério Público, funcionários e demais agentes da justiça, bem sabendo que aquele era advogado, até porque tinha tido intervenção em diversas audiências de discussão e julgamento em que o mesmo estava devidamente trajado e em exercício de funções, o arguido tinha perfeita consciência da natureza ofensiva à sua idoneidade enquanto profissional forense.
Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era legalmente proibida."
17) No processo referido em 15.2, a ofendida era a sua ex-mulher A. R..
18) No processo referido em 15.3, o ofendido era igualmente o ofendido destes autos, constando dos factos provados o seguinte:

"A) O ofendido M. F., que também usa o nome profissional de M. F., é advogado de profissão e titular da Cédula profissional n.º ..., tendo domicílio profissional na área da Instância Local de Esposende, concretamente, na Av. ….
B) No âmbito da sua vida profissional, M. F. patrocinou, em diversos processos que correm ou correram termos nesta Instância Local de Esposende, A. R., com quem o arguido foi casado, e da qual se encontra atualmente divorciado.
C) Por entender que M. F., no decurso do patrocínio da sua ex-mulher, adotou uma postura contrária aos seus interesses, o arguido, pelo menos, desde Novembro de 2014, dirigiu aos processos em que o ofendido é interveniente determinados requerimentos, assim como endereçou cartas à Ordem dos Advogados, requerimentos e cartas nos quais, entre o mais, o acusa de ter cometido crimes no âmbito de diversos processos judiciais e no exercício da sua atividade profissional de advogado.
D) Assim, no dia 04-11-2014, o arguido entregou na Secção Central desta Instância Local de Esposende um requerimento para ser junto ao processo n.º 367/12.8TAEPS, a correr termos na Secção J2 desta Instância Local, ao qual anexou uma carta registada que nessa mesma data endereçou à Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Dr.a E. G., na qual referia o seguinte:

"Não vou pagar por um crime que não cometi, onde apenas disse e escrevi a verdade e os advogados nomeados para este processo, no exercício da sua profissão não fazem o seu trabalho, apenas ocultam a verdade, para assim ajudarem um colega de profissão a cometer vários crimes" (...). (...) Como todos os advogados que têm pedido escusa neste processo, e têm conhecimento dos crimes que o Dr. M. F. (tem cometido e continua a cometer), nenhum quer ir contra o colega ".
E) No dia 05-11-2014 o arguido apresentou na Secção Central da Instância Local de Esposende um requerimento dirigida ao processo n.º 1144/05.8 GAEPS da Secção J1.
No ponto 8 desse requerimento o arguido referiu:

"(...) Mas mesmo assim o Ministério Público sabendo, que esta Sra. e o seu Advogado, sempre mentiram, manteve a acusação, e não me deu oportunidade de defesa, a qual levou à minha condenação ".
No ponto 12 de tal requerimento referiu, ainda, o arguido: "(...)Mais uma vez se prova que esta A. R. e o seu Advogado, Dr. M. F., mentem descaradamente, pois pode-se provar junto do Hospital de Esposende, conforme eu já fiz(... ) ".
F) No dia 28-11-2014, o arguido apresentou na Secção Central da Instância Local de Esposende, para ser junto ao processo n.° 22/12.9TAEPS, a correr termos no 12 desta Instância Local, um requerimento que, por sua vez, havia dado entrada no dia 4-11-2014 no processo n.º 107/13.4GAEPS, no qual referiu o seguinte: No ponto 12:
"(...) Mais uma vez se prova que esta A. R. e o seu Advogado, Dr. M. F., mentem descaradamente, pois pode-se provar junto do Hospital de Esposende, conforme eu já fiz (...) ".
No ponto 41 desse requerimento referiu:
"(...) Mais uma vez insisto que seja oficiado a todo o processo n. ° 1486/07.8TBEPS do 2. ° Juízo do Tribunal de Esposende, onde esta Sra. A. R. e o seu advogado M. F., sempre mentiram e falsificaram documentos (... )".
No ponto 56, o arguido referiu:
"(...) Paguei eu, com o valor de todo o meu patrimônio e tem vindo a pagar o Estado Português e todos os contribuintes, os erros destes processos, cometidos por este Tribunal e pela Sr.a A. R. e seu Advogado Dr. M. F., que sempre mentiram e falsificaram documentos junto dos processos, e com a ajuda deste Tribunal, e que o Ministério Público nunca foi capaz de condenar, mas sim arquivando as várias queixas que tenho vindo a apresentar ".

Na última página desse requerimento o arguido referiu: "(...) Espero que esta Sr.a A. R. e o seu advogado, Dr. M. F., sejam constituídos arguidos e levados a julgamento, para responderem pelos crimes que cometeram e continuam a cometer, prejudicando a mim, o Estado Português e todos os contribuintes, pois continuam a ter Apoio Judiciário(... ) ".
G) No dia 16-12-2014, o arguido endereçou carta registada com A/R à Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Dr.a E. G., na qual referiu o seguinte:

"(...)Advogado este (... ) que no exercício da sua profissão foi uma pessoa desonesta e desumana, para assim ajudar um colega de profissão, Dr. M. F., que é um advogado corrupto e desonesto, tem falsificado documentos em vários processos, conforme já dei conhecimento a este Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, por várias vezes(... ) ".
H) No dia 5 de Janeiro de 2015, o arguido remeteu à Comarca de Braga- Instância Central -l.a Secção Cível-J5, um e-mail, ao qual anexou um requerimento por si assinado, dirigido à Acção de Divisão de Coisa Comum que ali corre sob o n.º 443/12.7TBEPS, ação na qual o ofendido M. F. é mandatário da autora A. R..

Nesse requerimento, o arguido referiu: "(...) Mais uma vez lembro, é o valor de todo o meu património que está a ser discutido e onde está a ser utilizada uma relação de bens falsificada pelo Advogado M. F. e sua cliente A. R.. Este Sr. Advogado M. F. e sua cliente A. R., tem falsificado documentos em vários processos, junto do Tribunal de Esposende, ainda a 26-11-2014, dia de audiência de julgamento no processo n.º 1348/13.0TBEPS, preparavam-se para juntar mais um documento falsificado, felizmente a Exma Sr.a Dr.° Juíza apercebeu-se da falcatrua e que tentavam fazer, não autorizou (...) ".
I) No dia 12-01-2015, o arguido dirigiu ao processo n.º 1144/05.8GAEPS, a correr termos no Juízo 1 desta Instância Local de Esposende um requerimento no qual, entre o mais, referiu: "(...) Venho exigir com a maior brevidade possível me seja passada certidão dos bens que foram vendidos em 21-04-2010 neste processo (...).

Pretendo esta certidão pelo seguinte motivo: juntar aos processos n.º 443/12.7TBEPS 2.° Juízo, processo n.º 1348/13.0TBEPS do 1.° Juízo, que estão a ser movidos contra mim e onde está a ser utilizada uma relação de bens falsificada pelo advogado M. F. e sua cliente A. R., falsificações que têm o apoio de auxiliares de Justiça desse Tribunal (...). (...) Mais uma vez lembro pretendo levar este processo e outros ao Conselho Superior da Magistratura, Departamento de Investigação e Ação Penal e à Procuradoria geral da República, para que se acabe com a corrupção e injustiças que se pratica neste Tribunal".
J) No dia 24-02-2015, o arguido juntou ao processo n.º 367/12.8TAEPS, a correr termos pelo J2 da Instância Local de Esposende um requerimento no qual, uma vez mais, se refere ao ofendido como um "advogado desonesto e corrupto".

Com efeito, nesse requerimento o arguido referiu:

"(...) Consultado o processo tenho conhecimento, que nada foi oficiado junto dos processos, conforme o meu pedido e onde se encontram documentos falsificados pelo, Advogado demandante, M. F. e com a conivência do auxiliar de justiça
(...).
(...) Como o advogado (...) nomeado para o processo, nada fez, para assim, defender um colega de profissão, um Advogado desonesto e corrupto, como é o caso do Advogado aqui demandante, M. F. (...). (...) onde uma vez mais tenho a confirmação de estar a ser utilizada nesse processo uma relação de bens falsificada pelo, Advogado M. F. e a sua cliente A. R..
Também está instaurado um outro processo, n.º 1348/13.0TBEPS do L° Juízo, contra mim e onde está a ser utilizada, mais uma vez a relação de bens falsificada pelo, M. F. e A. R..
Já apresentei queixa-crime, contra este Advogado, mas o Ministério Público, tem dificuldade em admitir e apurar a verdade
(...)".
K) Em 03-03-2015, o arguido fez juntar um requerimento ao processo de inquérito n.º 107/13.4GAEPS, que corre termos nos Serviços do Ministério Público desta Instância Local de Esposende, no qual, a dado passo, referiu a propósito do ofendido:

"(...) Lembro mais uma vez o Advogado M. F., visado neste processo, tem vindo a prejudicar gravemente a justiça e o Estado Português, continua a utilizar documentos falsificados em vários processos, mas mesmo assim, o Ministério Público nada faz para investigar esta situação ".
L) Em 09-07-2015, o arguido juntou um requerimento ao processo n.º 443/12.7TBEPS, o qual corre termos pelo J1 desta Instância Local de Esposende, requerimento esse, no qual, referindo-se ao ofendido, mencionou: (...) Tudo me leva a querer que este advogado, para conseguir esta certidão, ou é falsa, ou utilizou uma relação de bens que ele próprio falsificou (...). (...) Este advogado M. F. e a sua cliente A. R. tem vindo a deixar em vários processos, um rasto de falsificação de documentos e mentiras, todo se pode provar na queixacrime, n.° 1311/15.6T9BRG, que apresentei e que estão todas documentadas (...).
M) No dia 02-09-2015, o arguido fez juntar ao processo n.º 22/12.9TAEPS, a correr termos no Juízo 2 desta Instância Local de Esposende, um requerimento no qual, entre o mais referiu:

"(...) Nesse mesmo dia, entreguei ao Sr. Advogado (...) vários documentos que provam, a falsificação de documentos, mentiras, falsos testemunhos e litigância de má fé, levadas a cabo pelo Advogado M. F. e a sua cliente A. R. e com a ajuda de alguns auxiliares de justiça(...). (...) Venho requerer que este Advogado M. F. e sua cliente A. R., paguem com pena de cadeia pelos crimes que tem vindo e continuam a cometer ".
N) No dia 25-09-2015, o arguido juntou ao processo n.º 22/12.9TAEPS, a correr termos pelo J2 da Instância Local de Esposende, um requerimento ao qual anexou uma carta registada com A/R, dirigida, em 31-08-2015 à Bastonária da Ordem dos Advogados, Dr.a E. F., na qual, entre o mais, e aludindo ao ofendido referiu: "(...)Tenho e continua a ser vítima de injustiças, descriminação, falsificação de documentos, feitos por parte do advogado M. F., com escritório na Av. … (..,).
(...) Dias antes do julgamento reuni com o Sr. Advogado (...), junto do Tribunal de Esposende, onde o Sr. Advogado consultou o processo e eu lhe entreguei documentos para prova da verdade, que o Advogado M. F. e a cliente A. R. tem falsificado documentos e levado mentiras a todos os processos
(...).
(...) Por isso venho requerer que este Advogado M. F. e a sua cliente A. R., sejam condenados com pena de cadeia, pelos crimes que tem vindo a cometer (...) ".
O) No dia 01-10-2015, o arguido juntou ao processo n.º 1778/05.0TBEPS-L, a correr termos na 2.a Secção de Família e Menores- J2 da Instância Central de Barcelos um requerimento no qual, entre o mais e referindo-se ao ofendido, fez constar o seguinte:

"(...) Esta Sr.°Advogada(...), está no processo desde o dia, 04-08-2011, desde essa data conhece bem todo o processo, mas nada faz, tem conhecimento da relação de bens que foi falsificada pelo Advogado M. F. e A. R.(...).
(…) Esta mãe possui um património num valor de cerca de €300.000,00 Trezentos Mil Euros, conseguiu este património com a falsificação de documentos, falsificação feita por ela, pelo seu advogado M. F. e com a ajuda de um auxiliar de Justiça (...)".
P) No dia 05-11-2015, o arguido juntou um requerimento ao processo n.°443/12.7TBEPS, a correr termos pelo J1 da Instância Local de Esposende, requerimento esse no qual, referindo-se ao ofendido, fez constar o seguinte:

"(...) Tenho vindo ao longo do tempo a dar conhecimento a este processo, de que está a ser utilizada uma relação de bens falsificada pelo, Advogado M. F. e a cliente deste(...) ".
Q) No dia 23-11-2015, o arguido juntou um requerimento ao processo n.º 22/12.9TAEPS, a correr termos pelo J2 da Instância Local de Esposende no qual, entre o mais, e referindo-se ao ofendido, fez constar o seguinte:

"(...) informei o processo de que não tenho Advogado no processo, por falta de confiança, e este ter ocultado a verdade ao Tribunal, para assim ajudar o colega de profissão, M. F. e a cliente deste A. R., nas mentiras, falsificação de documentos e falsos testemunhos levados ao Tribunal (...).
(...) Hoje, esta relação de bens falsificada, pela minha ex-mulher e pelo seu Advogado está a ser utilizada no proc. n.º 1348/13.OTBEPS, contra mim e contra o próprio filho (...).
(... ) a minha ex-mulher e o seu advogado sempre mentiram e levaram ao processo falsas declarações (...).
(...) Neste processo, n.º 367/12.8TAEPS, foram ouvidos, três Advogados (...),todos eles já intervieram em alguns dos meus processos e foram ouvidos como testemunhas, onde mentiram sobe juramento, para assim ajudarem um Advogado desonesto, (M. F.) (...)",
(...) Hoje mesmo enviarei cópia deste requerimento aos, TVI-Televisão Independente, S.A, Sr. José e I. D., para que estes tenham conhecimento das falsificações de documentos, mentiras, falsos testemunhos e enriquecimento ilícito, que teem sido levados a cabo pelo Advogado M. F. e A. R.(...) ",
R) Nos sobreditos requerimentos que dirigiu aos processos judiciais mencionados e cartas dirigidas à Ordem dos Advogados, o arguido referia-se ao ofendido M. F., o qual sabia ser advogado e mandatário da sua ex-mulher nos referidos processos, nomeadamente, por já ter tido intervenção em diversas diligências e audiências de discussão e julgamento, nos quais se encontrava devidamente trajado e em exercício de funções.
S) O arguido sabia que as imputações que fez ao ofendido em tais requerimentos e cartas e que as expressões que aí proferiu referindo-se ao mesmo, foram feitas na sua qualidade de advogado, no exercício das suas funções, que as mesmas não correspondiam à verdade e ofendiam a idoneidade do ofendido enquanto profissional forense.
T) Não obstante, pretendeu e logrou o arguido atentar contra a honra, bom-nome, reputação e consideração do ofendido, enquanto homem e advogado.
U) Por outro lado, dirigindo tais requerimentos àqueles processos, que sabia serem públicos e acessíveis à consulta dos demais intervenientes processuais, magistrados e oficiais de justiça, quis o arguido utilizar expressões e fazer imputações que sabia que denegriam a honra e consideração pessoais e afrontavam a dignidade profissional daquele advogado, aqui ofendido, o que conseguiu.
V) Atuou o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
(...)
Z) No âmbito do processo de inventário n.º 1178/05.0TBEPS-Q, para cujos termos o arguido não foi citado/notificado, foi apresentada por A. R., através do assistente, a relação de bens que consta de fls. 644 a 650, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo-se aí feito constar mais cinco verbas do que aquelas descritas no processo n.º 1927/03.3TBEPS-D e não se tendo relacionado qualquer verba de passivo."
19) O arguido vive com os seus filhos em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 180,00.
20) Aufere rendimentos resultantes de trabalhos na área da construção civil, não concretamente apurados, mas seguramente nunca inferiores a € 400,00.»
2.2 - Na sentença recorrida foram considerados como factos não provados (transcrição):

«Do pedido de indemnização civil

- O conteúdo dos requerimentos supra referido foi tema de conversas das pessoas e entidades a quem foram dirigidas.
- Tais requerimentos e seu conteúdo ficarão na memória daqueles que tiveram acesso aos mesmos.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da não verificação dos elementos típicos do crime de difamação

Neste segmento do recurso cumpre averiguar se a sentença recorrida enferma de erro na subsunção dos factos ao direito, por, na perspetiva do arguido, ora recorrente, as expressões por si escritas nos vários requerimentos que dirigiu a processos judiciais que o opõem à sua ex-mulher, referindo-se ao mandatário judicial desta última, não serem objetivamente ofensivas da honra e consideração do visado, constituindo apenas formas de exprimir a sua opinião e o seu desabafo relativamente aos referidos litígios, devendo, consequentemente, ser absolvido dos cinco crimes de difamação pelos quais foi condenado, previstos e punidos pelos arts. 180º, 182º e 184º, por referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
Para tanto, convém ter presentes os pressupostos da incriminação em que assentou a condenação do arguido.

3.1.1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 180º do Código Penal, é punido pelo crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.

De acordo com o art. 182º do mesmo código, “à difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”.

Por seu lado, o art. 184º estabelece uma agravação da pena “se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, (…)“¸ como efetivamente sucede no caso vertente, na medida em que as expressões escritas pelo arguido nos requerimentos que apresentou nos processos judiciais reportavam-se à atuação do assistente na qualidade de advogado da sua ex-mulher.

Com este tipo legal de crime protege-se a honra, encarada numa perspetiva dual, em que se combina uma conceção fáctica, subjetiva e objetiva, com uma conceção normativa, pessoal e social. A honra é, assim, vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior [4].

A nível do elemento objetivo, o crime de difamação exige a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, perante uma terceira pessoa, que sejam desonrosos, desonestos ou vergonhosos do visado, ou ainda a reprodução de tal imputação ou juízo.

A difamação consiste, assim, na imputação a alguém, perante terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.

Por “facto” deve entender-se «aquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência», tratando-se de «um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência». Por seu turno, o conceito de “juízo” «deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor» (…), «deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido» [5].
O tipo subjetivo do ilícito exige o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades previstas no art. 14º do Código Penal, não se exigindo o propósito de ofender a honra ou consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir essa ofensa.
Todavia, a conduta não é punível quando se verifiquem as circunstâncias previstas cumulativamente no n.º 2 do art. 180º, ou seja “a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa verdade, a reputar verdadeira”.
O mesmo sucede nos casos em que ocorra alguma das causas que, em termos gerais, excluem a ilicitude, nomeadamente as previstas no n.º 2 do art. 31º do Código Penal, onde se inclui, na al. b), ser “o facto praticado no exercício de um direito”.
Para além destas situações, a difamação também não é punida se funcionar a cláusula geral de adequação social, quer se considere a mesma como uma causa de justificação implícita ou supra legal, quer como uma causa de exclusão da tipicidade [6].

Com efeito, nem todo o comportamento incorreto de um indivíduo merece tutela penal, devendo-se destrinçar as situações que traduzem, de facto, uma ofensa da honra de terceiros com dignidade penal, daquelas situações suscetíveis de revelar tão só indelicadeza, grosseirismo ou uma má educação do agente, sem repercussão relevante na esfera da dignidade ou do bom nome do visado. Importa ter em consideração que, por vezes, é normal algum grau de conflitualidade e animosidade entre os membros de uma comunidade, surgindo situações em que alguns deles se podem até expressar, ao nível da linguagem, de forma deselegante ou indelicada. Contudo, o direito não pode intervir sempre que a linguagem ou as afirmações utilizadas incomodam o visado, devendo a sua intervenção reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.

A determinação das situações em que a violação de um bem jurídico justifica a intervenção do direito penal é feita em função do critério constitucional da “necessidade social”, tendo presente o carácter fragmentário e subsidiário do direito penal, que deve ser entendido como a ultima ratio da política social.

No caso do crime de difamação, pressuposto da intervenção penal é a tutela constitucional do direito fundamental ao bom nome e reputação de qualquer pessoa, consagrado no art. 26º, n.º 1, da Constituição.

Porém, esse direito tem de ser compatibilizado com o também direito fundamental da liberdade de expressão e informação, com idêntica consagração constitucional, no art. 37º da Lei Fundamental, ao dispor que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.

A liberdade de expressão assume o carácter de um direito individual do cidadão, enquanto manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições.

O direito à liberdade de expressão e de opinião encontra igualmente consagração a nível de mecanismos de direito internacional, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 10º) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 19º), compreendendo, nomeadamente, a liberdade de transmitir e difundir ideias por qualquer meio de expressão.

Como tem vindo a ser repetidamente afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, caracterizada ainda pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura, e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um.
Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica.
Todavia, uma vez que o exercício deste direito pode entrar em conflito com bens jurídicos pessoais, como a honra e a consideração, importa que as expressões utilizadas se circunscrevam ao sentido próprio da crítica, não atingindo o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião, cabendo aos tribunais judiciais o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa (art. 37º, n.º 3, da Constituição).
O eventual conflito entre esses dois direitos (ao bom nome e reputação, por um lado, e de expressão e de crítica, por outro), terá de ser resolvido por ponderação dos respetivos interesses, fazendo intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (art. 18º, n.º 2, da Constituição), salvaguardando, porém, o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos constitucionais em jogo, que ocupam igual peso na hierarquia dos valores constitucionalmente protegidos. Ou seja, haverá que introduzir limites a esses dois direitos fundamentais, de forma a preservar o núcleo essencial de cada um deles, com o fim de alcançar a necessária composição dos interesses em conflito, através da harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, com vista à sua otimização.

Por conseguinte, atenta a multiplicidade de fatores que concorrem para a identificação das condutas ofensivas da honra e consideração de um indivíduo, apenas nos casos concretos é possível discernir quais as palavras ou afirmações que, efetivamente, comportam uma carga ofensiva das mesmas. Para este efeito, cumpre considerar, não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, como sejam a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto em que as palavras são produzidas e a forma como o são.

Em suma, sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla aceção do termo, e o direito à honra e consideração, a solução passará por encontrar a “convivência democrática” desses direitos, ou seja, consoante as situações, concluir pela compressão maior ou menor de um ou de outro.

3.1.2 - Posto isto, revertamos ao caso concreto, em ordem a apurar se a conduta do arguido, ao dirigir a vários processos judiciais que o opunham à sua ex-mulher requerimentos em que imputa factos e formula juízos de valor sobre o advogado da contraparte, ora assistente, por entender que este adotou uma postura contrária aos seus interesses, preenche os elementos objetivos do crime de difamação relativamente à pessoa do mesmo, ou seja, se as expressões por si utilizadas nesses escritos merecem a censura jurídica-penal acolhida na decisão recorrida.

Como resulta das considerações supra tecidas acerca do tipo legal de crime de difamação, a resposta afirmativa a essa questão está dependente, em primeiro lugar, de se poder concluir que tais expressões, no contexto em que se inserem, são objetivamente ofensivas da honra e consideração devidas ao assistente, enquanto advogado da parte contrária nos aludidos processos judiciais em que o arguido apresentou os referidos requerimentos.

Como resulta dos segmentos em apreço desses requerimentos, vertidos nos pontos 3º a 7º da matéria de facto provada, supra transcrita, o arguido, referindo-se ao assistente e visando a atuação do mesmo como advogado da parte contrária, imputou-lhe o seguinte:

- montar e levar a cabo um "esquema e falsidade", para atrasar o andamento do processo, bem como ocultar todo o património [da sua constituinte] para obtenção de apoio judiciário (requerimento dirigido ao processo n.º 1788/15.0T8VNF - embargos de executado deduzidos pela ex-mulher do arguido - ponto 3º);
- falsificar uma relação de bens, que foi utilizada pela sua ex-mulher (requerimento dirigido ao processo n.º 1778/05.0TBEPS, referente à regulação das responsabilidades parentais relativas aos filhos do ex-casal - ponto 4º);
- ser um criminoso à solta (requerimento dirigido ao referido processo n.º 1788/15.0T8VNF-A - ponto 5º);
- falsificar documentos, designadamente a relação de bens, ocultar património e mentir descaradamente em tribunal, ser um criminoso à solta e um advogado desonesto e criminoso (requerimento dirigido ao processo n.º 861/14.6GEPS, em que é arguida a sua ex-mulher - ponto 6º);
- apresentar mentiras e falsidades, falsificar documentos, prestar falsos testemunhos e declarações, mentir descaradamente, falsificar a relação de bens, ser um advogado desonesto e querer enriquecer ilegitimamente (requerimento dirigido ao processo n.º 22/12.9TAEPS, em que o ora arguido também assume idêntica qualidade - ponto 7º).

Atenta a natureza dos factos e o teor e significado dos juízos de valor, bem como as circunstâncias e a forma como foram imputados e formulados pelo arguido (em requerimentos dirigidos a processos judiciais em que o assistente era advogado da parte contrária, tornando-se do conhecimento desde logo dos magistrados e oficiais de justiça que intervêm na respetiva tramitação), afigura-se-nos que, à luz dos padrões médios de valoração social, tais factos e juízos de valor têm um alcance claramente ofensivo da honra e da consideração do visado, constituindo um atentado à sua personalidade moral, por contenderem com o conteúdo ético dessa personalidade e atingirem valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal, ou seja, o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana [7].

Assim, a conduta do arguido é subsumível ao tipo legal de crime de difamação previsto e punido pelo art. 180º do Código Penal.

Depois de também assim ter concluído, a Mmª. Juíza debruçou-se sobre a eventual verificação das supra mencionadas causas de exclusão da punibilidade do facto e da conduta do arguido, concluindo pela não sua verificação, por entender, em termos que se nos afiguram acertados, que o arguido não atuou no exercício de um direito nem com vista a realizar interesses legítimos, ou seja, de provocar despachos judiciais nos ditos processos, em que se sentia prejudicado pela conduta do assistente, na qualidade de advogado da sua ex-mulher, bem como que as expressões por ele utilizadas nos mencionados requerimentos não encontram uma justificação sob a égide da liberdade de expressão, pois os juízos de valor desonrosos foram formulados de forma gratuita, sem proteção de interesses superiores, atingindo o patamar da desnecessidade e da desproporção quanto aos direitos e interesses pessoais que o arguido pretendia fazer valer, pressupondo que fosse a obtenção de processos equitativos.

Inversamente, sustenta o recorrente que o direito à honra e à consideração do assistente tem de ser compatibilizado com o seu direito fundamental à liberdade de expressão e de indignação face à forma como aquele, enquanto advogado da sua ex-mulher, tem vindo a atuar no âmbito os litígios o opõem à mesma nos últimos onze anos, o que lhe confere o direito de crítica e de divulgar a sua opinião.

Vejamos de que lado está a razão, se do recorrente ou se da decisão recorrida.

Reitera-se, a este propósito, a seguinte passagem do acórdão da Relação do Porto de 31-01-2007 [8]: “A contenda judicial, enquanto processo de partes, traduz necessariamente um litígio decorrente de posições conflituantes - se não houvesse litígio, não haveria processo - sendo infelizmente frequente o extremar de posições para além daquilo que a lógica e a razão permitiriam supor. As partes procuram naturalmente acautelar da melhor forma possível as respetivas posições, tentando fazer valer aquilo que consideram ser o seu direito. E fazem-no valendo-se dos argumentos que reforçam a sua posição, requerendo as diligências e meios de prova que podem trazer-lhes vantagem, mas também procurando obstar às iniciativas da parte contrária suscetíveis de as prejudicar.».

Assim, mercê dos interesses antagónicos e das posições controvertidas das partes no processo judicial, bem como da demora no tempo da sua resolução, prolongando e agudizando o conflito existente, estando naturalmente cada uma delas convencida de que tem razão, é normal assistir-se a um confronto verbal e escrito, com exageros recíprocos, motivados pelo facto de cada parte querer realçar a sua visão dos factos e demonstrar a fraqueza dos argumentos e a falta de razão da contra parte.

Todavia, esses exageros verbais e escritos não podem atingir os direitos de outrem merecedores de proteção, como é o direito à honra e consideração, salvo no caso de existência de conflito de direitos em que um deles se sobreponha ao outro.

Note-se que o art. 9º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe "dever de recíproca correção", estabelece no seu n.º 2 que "nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões desnecessárias ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito devido às instituições", o que se deverá considerar extensivo à honra e ao bom nome do mandatário judicial da contraparte.

Dispõe, por seu turno, o art. 150º, n.º 2, do mesmo código que "não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa".

No caso vertente, o arguido afirmou em requerimentos escritos dirigidos aos processos judiciais, que o advogado da contraparte, em suma, montou e levou a cabo um esquema e falsidade, para atrasar o andamento do processo, ocultou todo o património (da constituinte) para obtenção de apoio judiciário, falsificou a relação de bens, não passa de um criminoso à solta, mente descaradamente em tribunal, é um advogado desonesto e criminoso, apresenta mentiras e falsidades, presta falsos testemunhos e declarações e quer enriquecer ilegitimamente.

Importa, assim, verificar se essa imputação de factos e formulação de juízos de valor, visando o advogado da contra parte, eram indispensáveis à defesa da posição do arguido nos processos judiciais em que juntou os requerimentos e, por isso, se foram utilizadas para realizar um interesse sobreponível ao direito à honra e consideração do assistente.
Claramente se conclui no sentido negativo.

Com efeito, como bem ponderou a Mmª. Juíza, relativamente aos factos traduzidos na ocultação de património para a obtenção de apoio judiciário e na falsificação da relação de bens (no sentido de discordância relativamente à relação de bens apresentada pela sua ex-mulher), o arguido dispunha de mecanismos legais para fazer assentar e defender as suas divergências quanto a essas alegadas realidades, designadamente recorrendo ao incidentes de reclamação contra a relação de bens, atualmente previsto no art. 32º do Regime Jurídico do Processo de Inventário (aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março), e à impugnação judicial da decisão proferida sobre o apoio judiciário, nos termos previstos nos arts. 26º e 27º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Acesso ao Direito e aos Tribunais) ou até ao pedido de cancelamento da proteção jurídica nos termos previstos no art. 10º, n.º 1, al. b), e 3º deste último diploma, com fundamento na insubsistência das razões pelas quais foi concedida.

Por seu lado, a alegada "montagem e execução de um esquema e falsidade" para retardar o andamento do processo, insere-se numa conduta processual censurável da parte, para a qual o Código Processo Civil prevê mecanismos adequados, nomeadamente o instituto de litigância de má-fé (arts. 542º e ss.), que o arguido, aliás, também invocou nos ditos requerimentos, sendo que, no caso de o mandatário da parte ter responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se tenha revelado a má-fé na causa, o art. 545º determina que se dê conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas multa e indemnização que lhe parecer justa.

Resulta da matéria de facto provada (ponto 14º) que com a apresentação dos requerimentos em apreço nos processos judiciais, o arguido teve «(…) o intuito de requerer ao Mmº. Juiz que sejam proferidos determinados despacho judiciais, nesses autos».

Porém, tais requerimentos, mesmos que contivessem apenas a alegação objetiva dos factos em que, no entender do arguido, se traduziram a ocultação de património, a falsificação da relação de bens e as mentiras e falsos testemunhos prestados em tribunal, com a justificação da sua convicção sobre tais realidades e a indicação de eventuais meios de prova, sempre seriam apreciados e objeto de despacho judicial, com as devidas consequências, pelo que não se vê qual a necessidade de neles ser feita a imputação de factos e a formulação de juízos de valor em apreço, relativos à pessoa do assistente, apelidando-o de mentiroso, advogado desonesto e criminoso.

Na ponderação dos interesses em conflito, as afirmações contidas nos requerimentos escritos pelo arguido não representam um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade legítima de pretender obter que fossem proferidos determinados despachos nos processos judiciais a que dirigiu tais requerimentos.

Por mais indignação e revolta que o arguido possa sentir relativamente à forma como o advogado da sua ex-mulher tem conduzido os assuntos objeto dos processos judiciais que os opõem, o certo é que excedeu manifestamente o que era necessário à defesa dos seus direitos e interesses, recorrendo à imputação de factos e à formulação de juízos de valor com ressonância social negativa que, ainda que se comprovasse uma ligação com o objeto desses processos judiciais, não necessitava de usar para aqueles efeitos, tendo também ultrapassado os limites consentidos pelo exercício da liberdade de expressão, enquanto direito a manifestar a sua opinião crítica.

Concluindo, o arguido usou as referidas expressões para além do que justificava o exercício e defesa dos seus direitos e interesses, não sendo as mesmas necessárias para esses fins, sendo antes impertinentes, desproporcionados e injustificadas para a defesa da causa, no contexto em que foram escritas, pelo que a sua conduta excedeu o que é tolerável do ponto de vista da relevância penal.

Pelo exposto, não merece censura a sentença recorrida ao concluir pela verificação dos elementos típicos do crime de difamação, assim improcedendo este segmento do recurso.

3.2 – Da punição do arguido por um crime continuado

Subsidiariamente, para o caso de se concluir pela subsunção dos seus atos à previsão do crime de difamação, como efetivamente sucede, o recorrente coloca a questão da unidade ou pluralidade de crimes, discordando que com a sua conduta tenha incorrido na prática de cinco crimes, em concurso real, defendendo que deve ser condenado por um único crime continuado, embora sem aduzir qualquer fundamentação concreta nesse sentido (conclusão 16ª).

O crime continuado, previsto no art. 30º, n.º 2, do Código Penal, caracteriza-se por uma “realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Como já afirmava Eduardo Correia [9], o crime continuado integra uma situação que revela uma “gravidade diminuída” relativamente aos casos de concurso de crimes, pois apesar de abarcar “atividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções criminosas (...), todavia devem ser aglutinadas numa só infração, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente”.

No crime continuado há uma pluralidade de resoluções criminosas que, todavia, são normativamente aglutinadas numa só, por se entender que a situação exterior “facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” (idem).

Na sentença recorrida, ao debruçar-se sobre a questão em apreço, a Mm.ª Juíza afastou a figura do crime continuado, por entender que «In casu, não se pode falar de uma execução no quadro da mesma solicitação exterior, não se vê que circunstâncias exteriores ao agente ocorreram que diminuem sensivelmente a sua culpa, no sentido de estarmos perante uma circunstância facilitadora, exterior ao agente, que o atrai à prática do crime, sem ele o ter procurado ou ativamente provocados.

Antes, o arguido já foi condenado por utilizar aquelas expressões em situações anteriores, e sempre relacionadas com os mesmos factos, - os vários processos judiciais que teve e tem contra a sua ex-mulher, e em resultado de alguns, esta ter comprado a meação do arguido e assim ter ingressado na totalidade dos bens, ou pelo menos de um imóvel, que era bem comum dos extinto casal -.

É certo que o arguido se sente injustiçado e sofre psicologicamente. Mas este sofrimento, provocado pelo próprio que de tudo e todos desconfia, inclusive de quem o tem patrocinado ao longo destes anos - bastando ler os requerimentos em que essa realidade é patente -, a situação familiar e financeira decorrente da sua separação, o divórcio e partilha de bens, o reiterado conflito e litigância judicial que mantém com a sua ex-mulher nos tribunais, não cabem no conceito de solicitação exterior que facilita o crime. Para esta situação tem contribuído o comportamento do arguido, que não compreende os trâmites processuais e que tem um manifesto sentimento persecutório, inclusive relativamente aos advogados que o defendem.

Assim, as circunstâncias são procuradas, criadas e dominadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa. Não há circunstância exterior, mas sim uma predisposição anterior do agente.»

Mostrando-se acertadas estas considerações e sendo de subscrever a conclusão alcançada, acresce que, tratando-se de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como indiscutivelmente é a honra, por força do disposto no n.º 3 do art. 30º do Código Penal não seria o caso dos autos subsumível à figura do crime continuado.

Com efeito, a Lei n.º 40/2010, de 03 de setembro, que operou a 26ª alteração ao Código Penal, alterou a redação desse n.º 3, que passou a estabelecer o seguinte: “3 - O disposto no número anterior [onde se prevê o crime continuado] não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

Como refere Paulo Pinto Albuquerque [10]:

«Nos crimes que tutelam bens jurídicos pessoais, sejam dolosos, negligentes, cometidos por ação ou omissão, a ponderação do bem jurídico implica necessariamente a consideração da pluralidade de vítimas, (…).

A Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, proibiu claramente a aplicação do regime do crime continuado no tocante aos crimes relativos aos bens eminentemente pessoais, mesmo quando haja apenas uma vítima” (…).

Com a alteração foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, do que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos atos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas (…).

No caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efetivo. Esta é precisamente a consequência prática da supressão da benesse do crime continuado contra bens eminentemente pessoais. Foi este o resultado prático pretendido pelo legislador. (…)».

Também M. Miguez Garcia e Castela Rio [11] afirmam: «Tratando-se de bens eminentemente pessoais (vida, integridade física, liberdade, honra), exclui-se a forma continuada. A lei é agora decisiva. Com a redação dada ao art. 30.º/3 pela Lei n.º 40/2010, de 12-10, “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”».

Aliás, já Eduardo Correia [12] afirmava que «Sem esquecer que de o mesmo bem jurídico se não pode falar quando se esteja perante tipos legais que protejam bens iminentemente pessoais; caso em que, havendo um preenchimento plúrimo de um tipo legal desta natureza, estará excluída toda a possibilidade de se falar em continuação criminosa».

No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos acórdãos de 10-05-2017, 04-05-2017, 05-04-2017, 17-09-2014 e 14-03-2013 [13].

Pelo exposto, uma vez que o crime de difamação protege bens jurídicos eminentemente pessoais e que o legislador, com a referida alteração ao n.º 3 do art. 30º do Código Penal, operada pela Lei n.º 40/2010, afastou, sem margem de manobra para o julgador, o crime continuado quando estejam em causa bens jurídicos pessoais, independentemente do número de sujeitos atingidos, conclui-se que, no caso vertente, a conduta do recorrente não se pode integrar na figura do crime continuado, como o mesmo pretende, sendo antes o número de crimes por ele cometidos determinado pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido (art. 30º, n.º 1, do Código Penal), ou seja, cinco.

Falece, pois, razão ao recorrente na pretensão em análise.

3.3 - Da medida das penas parcelares e da pena única

Igualmente inconformado com a medida concreta das penas parcelares e da pena única determinadas pela primeira instância, por as considerar excessivas, o recorrente pugna pela sua redução para os mínimos legais.

Fá-lo, todavia, sem estribar essa pretensão em quaisquer fundamentos concretos, limitando-se a alegar que a sentença recorrida não fez uma aplicação correta do art. 71º do Código Penal, sem indicar o sentido em que, no seu entender, o tribunal recorrido interpretou ou aplicou essa norma e o sentido em que a mesma devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, como dispõe o art. 412º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Penal.
Não obstante, vejamos se lhe assiste razão na invocada excessividade da medida das penas.

3.3.1 – De acordo com o disposto no art. 40º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, acrescentando o n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial. A culpa consiste num juízo de censura dirigido ao arguido em virtude de uma conduta desvaliosa, porquanto, podendo e devendo agir conforme o direito, não o fez.

Em consonância com estes princípios dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues [14], a medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Mais adianta que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.

A mesma autora apresenta, então, três proposições em jeito de conclusões e de forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar [15].

Por seu lado, as várias alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal elencam, a título exemplificativo, as seguintes circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, devendo o tribunal abster-se de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a);
- A intensidade do dolo ou da negligência (al. b);
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c);
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica (al. d);
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al. e);
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f).

Assim, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena, devendo contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (por exemplo, a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente [16].

3.3.2 – Posto isto, analisemos a situação concreta.

Cada um dos crimes de difamação agravada cometidos pelo recorrente é punível com pena de prisão de 1 mês e 15 dias a 9 meses ou com pena de multa de 15 dias a 360 dias (arts. 41º, n.º 1, 47º, n.º 1, 180º, n.º 1, e 184º, todos do Código Penal).

O tribunal recorrido optou pela pena privativa da liberdade por ter constatado que as anteriores condenações em pena de multa sofridas pelo arguido, reveladoras de uma persistente conduta criminosa, não alcançaram a finalidade de evitar o cometimento do mesmo tipo de crime e até contra a mesma pessoa, concluindo, assim, de que só a pena de prisão se revela eficaz.

Com efeito, como bem ponderou a Mm.ª Juíza, à data da prática dos factos em apreço nos autos, já o arguido havia sido condenado, em pena de multa, por um crime de difamação agravada e por um crime de injúria agravada, tendo também como ofendido o ora assistente e com base em comportamentos e circunstâncias semelhantes às agora em análise, bem como também já tinha sido condenado, igualmente em pena de multa, por um crime de difamação contra a sua ex-mulher.

Para além disso, à data dos factos do último crime em apreciação nos autos (em 09-01-2017), o arguido já tinha conhecimento da prolação (em 16-11-2016) de uma outra condenação, posteriormente confirmada em recurso, em pena de multa, por 14 crimes de difamação, por idênticos comportamentos para com o assistente no presente processo.

São, pois, acentuadas as necessidades de prevenção especial, dado que o arguido evidencia um total desrespeito pelo direito e uma completa indiferença pelas advertências que sucessivamente lhe foram feitas com as condenações anteriores pela prática de vários crimes, da mesma natureza e, alguns deles, tendo como ofendido a mesma pessoa.

Não sendo posta em causa a opção pela pena de prisão nem havendo razões para o fazer, atentas as exigências de prevenção especial que se fazem sentir, cumpre então apreciar a justeza da medida concreta das penas parcelares e da pena única determinadas pelo tribunal a quo.

Não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela determinação, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada [17].

Assim, o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.

A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada [18].

Conforme consta da sentença recorrida, a Mm.ª Juíza a quo fixou as penas concretas de 2 meses de prisão para cada um dos quatro primeiros crimes (cometidos, respetivamente, em 14 de abril, 13 de maio, 22 de junho e 27 de maio de 2016), e de 5 meses de prisão para o último crime (praticado em 09 de janeiro de 2017), considerando que as exigências de prevenção geral têm algum peso, por ter sido violado um bem jurídico pessoal, sem motivo suficientemente válido que o justificasse, e ponderando, como circunstâncias agravantes «a ilicitude dos factos e os dolos, intensos, porque diretos» e o arguido já ter sido «condenado pela prática de crimes de difamação em relação à mesma pessoa e quanto à sua ex-mulher, patrocinada pelo ofendido, sendo que as condenações anteriores não lhe serviram de emenda», e, como circunstâncias atenuantes «o facto de o arguido se encontrar inserido familiar e socialmente».

Apesar da forma sintética adotada para a fundamentação da determinação das penas concretas, afigura-se-nos acertada a ponderação das circunstâncias que aí foram elencadas, com respaldo na matéria de facto provada.

O grau de ilicitude dos factos apresenta-se efetivamente como elevado, atenta a gravidade dos atos imputados ao assistente e o significado das expressões utilizadas na formulação de juízos de valor sobre o mesmo, com maior extensão e intensidade no último crime, sobretudo por aí se justificando a diferenciação na respetiva pena, fixada em medida consideravelmente mais grave que as aplicadas pelos restantes crimes.

Intenso é, de facto, o dolo em todas as condutas do arguido, por revestir a forma direta, embora revelando uma culpa de normal intensidade ao nível desse tipo de dolo, significando que o agente atuou com vontade dirigida à realização do facto, sem que nada de realce o distinga da normalidade, quer quanto à forma execução do crime, quer quanto aos motivos subjacentes ao mesmo, os quais têm a ver com o conflito existente entre o arguido e a sua ex-mulher, nomeadamente no âmbito do divórcio e a partilha dos bens, sentindo-se ele injustiçado e prejudicado, como claramente resulta dos requerimentos em apreço, contexto esse igualmente subjacente às outras condenações sofridas pelo mesmo.

Por seu lado, a extensão e relevância dos antecedentes criminais do arguido, muito para além do que já foi valorado na escolha da pena, contribui efetivamente para acentuar fortemente as exigências de prevenção especial.

Acresce a gravidade da forma de execução dos factos, por o arguido ter dirigido os escritos em apreço a processos judiciais em que o assistente tinha intervenção como advogado, tornando-os, pois, do imediato conhecimento dos magistrados, oficiais de justiça e outros causídicos que neles tenham intervenção, não deixando de ter reflexos na imagem profissional do visado.

Aliás, não foi despicienda a gravidade das consequências da conduta do arguido, uma vez que se provou que o assistente ficou muito magoado, triste e profundamente ofendido.
Aferidas nomeadamente pela natureza do bem jurídico violado e pela gravidade dos comportamentos do arguido, são notórias as exigências de prevenção geral.
Haverá ainda que ponderar, para além da integração familiar do arguido, as suas modestas condições pessoais e situação económica, uma vez que vive com os filhos, em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 180, e dedica-se a trabalhos na área da construção civil, auferindo rendimentos não concretamente apurados, mas seguramente não inferiores a € 400.

Posto isto, não se descortinam quaisquer circunstâncias, aliás não invocadas pelo recorrente, que imponham uma redução das penas parcelares determinadas pela primeira instância, apresentando-se igualmente como correto o procedimento e as operações seguidas nessa tarefa, sendo de observar que as penas relativas aos quatro primeiros crimes, fixadas, cada uma delas, em 2 meses de prisão, dentro de uma moldura abstrata de 1 mês e 15 dias a 9 meses de prisão, só podem pecar por defeito e nunca por excesso, uma vez que se situam praticamente no limite mínimo.

Em suma, sopesando todas as apontadas circunstâncias atendíveis, concretamente as exigências de prevenção geral, que fazem elevar em alguma medida o limite mínimo necessário para assegurar a proteção das expectativas comunitárias, o elevado grau de ilicitude, a intensidade da culpa e as notórias exigências de prevenção especial, derivadas do passado criminal do arguido, afigura-se-nos que a medida concreta de cada uma das penas encontradas, apresenta-se como necessária para satisfazer as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresenta desproporcionada, expressando uma correta e adequada valoração dos fatores a atender.

Em conclusão, a decisão recorrida não violou os critérios de determinação da pena, enunciados nos invocados arts. 40º, n.ºs 1 e 2, e 71º do Código Penal, tendo igualmente sido respeitado o princípio da proporcionalidade na graduação da pena, ínsito no art. 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

3.3.3 – Quanto à pena única aplicada em cúmulo jurídico, de acordo com o disposto no art. 77º, n.º 1, do Código Penal, na medida da mesma são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, ou seja, a gravidade do ilícito global perpetrado, a conexão e o tipo de conexão entre os factos e a avaliação da personalidade unitária, reconduzível ou não a uma tendência criminosa.

No caso vertente, valorando o ilícito global perpetrado, tendo em conta a natureza e a gravidade dos ilícitos, em número de cinco, embora todos da mesma tipologia (difamação) e fortemente interligados entre si, com idêntica forma de atuação e tendo por base o mesmo contexto motivacional, mas localizados num arco temporal considerável (cerca de 9 meses), bem como as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, a intensidade da culpa e as elevadas necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos que, dentro da moldura abstrata aplicável (5 a 13 meses), a pena única de 10 meses de prisão fixada pela primeira instância, apesar de tudo, não se revela de todo desadequada nem desproporcional, a ponto de se justificar reduzi-la.

Aliás, o recorrente não invoca qualquer argumento, que importe analisar, eventualmente traduzido numa incorreção no procedimento ou nas operações de determinação da pena única seguidos pelo tribunal a quo, numa errónea aplicação dos princípios gerais dessa determinação, antes se limitando a propugnar a redução da pena para o seu limite mínimo.

De tudo quanto vem de ser exposto, improcede in totum a questão em apreço.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, J. P., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 22 de outubro de 2018


(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1] - Por manifesto lapso de escrita, no dispositivo da sentença recorrida escreveu-se 181º em vez de 180º.
[2] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a ortografia e a formatação utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
[3] - Cf. os arts. 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, do Código de Processo Penal, bem como Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, Verbo, pág. 335, o acórdão do STJ de 28-04-1999, in Coletânea de Jurisprudência - Acórdãos do STJ, ano de 1999, tomo II, pág. 196, e o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[4] - Vd. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 602 - 607.
[5] - Vd. Faria Costa, ob. cit., pág. 609-610.
[6] - Vd. a este propósito Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Verbo, 2005, pág. 83-85.
[7] - Cf. os acórdãos do TRP de 19/04/2006 (processo n.º 0515927) e de 19-12-2007 (processo n.º 0745811), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] - Proferido no processo n.º 0642286, disponível em http://www.dgsi.pt.
[9] - In Direito Criminal, volume II, reimpressão, Almedina, 1988, pág. 209.
[10] - In Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição atualizada, págs. 220 a 224, anotações 16, 20, 22 e 32.
[11] - Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, ponto 5, bb), pág. 227.
[12] - In ob. cit., pág. 211.
[13] - Proferidos nos processos, respetivamente, 889/14.6GBLLE.S1, 110/14.7JASTB.E1.S1, 25/16.4PEPRT.P1.S1, 595/12.6TASLV.E1.S1 e 294/10.3JAPRT.P1.S2, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[14] - “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.
[15] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e ss..
[16] - Cf. o acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.
[17] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas Editorial Notícias, pág. 196 a 197.
[18] - Cf. o acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http://www.dgsi.pt.