Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1814/17.8T8CHV-A.G2
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
IRMÃOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - O critério essencial a ter em conta na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o do interesse do menor.

II) - Não existe um conceito legal de interesse do menor, tendo o mesmo de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva as mais variadas necessidades daquele nos aspectos físico (alojamento, alimentação e segurança), afectivo, intelectual, moral e social.

III) - O interesse do menor (ou o superior interesse do menor) é um conceito indeterminado que deve ser concretizado, caso a caso, tendo em consideração as particularidades de cada menor e a sua situação envolvente.

IV) - A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um sadio desenvolvimento a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem como uma correcta estruturação da sua personalidade.

V) – Segundo as diversas ciências que estudam o desenvolvimento das crianças, os irmãos devem crescer juntos e, sempre que possível, na companhia dos pais, sendo isso relevante para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da sua personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados.

VI) - Se os irmãos são unidos e sempre viveram juntos, é imperioso que o juiz, sustentado no princípio de que os interesses das crianças são superiores aos interesses dos pais e que são apenas eles que devem constituir o critério da decisão, procure a todo o custo não separá-los.

VII) - Tendo a mãe sido a pessoa que assumiu o maior papel protector dos filhos, mantendo com eles uma relação afectiva referencial contínua, e estando os menores J. S. e K. X. já integrados num determinado contexto escolar e habitacional, revelando inteira adesão à manutenção da situação actual, considera-se que a retirada nesta fase do J. S. e da K. X. do agregado materno onde se encontram inseridos, constituiria um sério risco para a segurança, formação, educação e desenvolvimento harmonioso daqueles menores.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou o presente processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra Maria e D. A., relativo aos filhos menores J. X., nascida em 24/01/2005, J. S., nascido em 11/06/2010 e K. X., nascida em 19/02/2014, alegando, para tanto, que os requeridos encontram-se separados de facto, estando a correr inquérito-crime por violência doméstica na Instância Local de Chaves sob o nº. 314/17.0PBCHV, na sequência de episódio de violência doméstica perpetrada pelo pai dos menores contra a mãe e a menor J. X., tendo o requerido expulsado a mãe dos menores de casa, de onde se ausentou com os filhos, temendo pela sua integridade física e vida, pelo facto daquele ser possuidor de armas.

Termina, pedindo que seja fixado os termos em que o exercício das responsabilidades parentais deverá ser exercido.

Em 28/09/2017 procedeu-se à realização da conferência de pais, na qual estiveram presentes ambos os progenitores e a menor J. X., em que não foi alcançado acordo, tendo sido fixado um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais que, no decurso do processo, foi sofrendo reajustamentos quanto ao regime de visitas e de convivência do pai com os menores e à pensão de alimentos, mais concretamente na conferência de pais realizada em 31/10/2017 no Apenso C (Incidente de Incumprimento) e na sessão de julgamento destes autos realizada em 5/12/2017.

Ambos os requeridos apresentaram alegações, pretendendo o requerido que os menores passem a residir consigo, cabendo-lhe o exercício das responsabilidades parentais, o pagamento de uma pensão de alimentos pela mãe no valor de € 75 para cada menor, a ser actualizada anualmente em função da variação da taxa de inflação, o recebimento pelo pai do abono de família e de todos os subsídios a que os menores tenham direito e a fixação pelo Tribunal do regime de visitas da mãe. Caso o Tribunal não atendesse à pretensão do requerido, comunicou que iria fazer transferências bancárias de € 100 por mês, e não de € 225 fixados pelo Tribunal, por não ter capacidade económica para tal.

A requerida, nas suas alegações, pugnou pela conversão em definitiva da regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais, com a alteração das prestações alimentares devidas aos seus filhos menores, atentas as idades e necessidades dos mesmos, pretendendo que seja arbitrada à menor K. X. a quantia de € 100, ao menor J. S. a quantia de € 120 e à menor J. X. a quantia de € 150.

Em 12/10/2017 foi solicitada a colaboração da autoridade judiciária britânica, ao abrigo do Regulamento (CE) 1206/2001 de 28/5, com vista a obter informações sobre o historial criminal em Inglaterra da requerida Maria e o acompanhamento por parte dos serviços de Segurança Social britânicos dos menores J. X., J. S. e K. X., pedido esse que veio a ser devolvido a 8/02/2018 sem cumprimento do solicitado. Após insistência do Tribunal de 1ª instância, foi devolvido a 27/03/2018 parcialmente cumprido.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que decidiu a regulação do exercício das responsabilidades parentais, em relação à jovem J. X. e às crianças J. S. e K. X. nos seguintes termos:

1) Fixa-se a residência da J. X. junto da mãe e a residência do J. S. e da K. X. junto do pai, sendo a destes a partir do primeiro dia útil após o termo do terceiro período letivo do ano letivo 2017/2018;
2) Vigora o exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida das crianças e da jovem, sendo, quanto às questões da vida corrente das mesmas, a decisão a cargo de quem as tiver, a cada momento, na sua companhia, sem prejuízo das orientações educativas mais relevantes fixadas pelo progenitor residente;
3) As crianças e a jovem passarão com o progenitor com quem não residem um fim de semana mensal, não coincidente, por forma a que os irmãos possam estar juntos na residência de ambos os progenitores, sendo o terceiro de cada mês na residência do pai e o quarto de cada mês na residência da mãe;
4) As viagens são feitas pelo progenitor que irá ter as crianças e a jovem consigo no período subsequente;
5) Os levantamentos das crianças e da jovem deverão ter lugar à sexta feira e as entregas ao domingo, sempre em local a combinar entre os progenitores;
6) Caso sexta-feira ou domingo sejam feriado, antecipa-se para quinta feira ou adia-se para segunda-feira, respetivamente;
7) Cada um dos progenitores terá as crianças e a jovem na sua companhia em metade dos períodos de interrupção letiva, em termos anuais e alternados, nos seguintes moldes:
a) em 2018, o pai terá os filhos consigo na primeira metade das férias de verão e a mãe na segunda metade;
b) em 2018, o pai terá os filhos consigo na primeira semana de férias de Natal até 26 de dezembro e a mãe na segunda semana até 2 de janeiro de 2019;
c) em 2019, o pai terá os filhos consigo na primeira semana de férias da Páscoa e a mãe na segunda semana;
8) Cada um dos progenitores poderá falar diretamente com os filhos que não tenha na sua companhia, por qualquer meio de contacto à distância, entre as 19 e as 20 horas.
9) Fixa-se a pensão de alimentos em benefício de cada criança/jovem em €50,00 mensais, a suportar pelo progenitor que não a tenha a residir consigo, até ao final de cada mês, por transferência bancária.

Inconformado com tal decisão, o requerente Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1.ª
Por sentença, datada de 07 de maio de 2018, decide-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais, em relação à jovem J. X. e às crianças J. S. e K. X. nos seguintes termos:
- Fixa-se a residência da J. X. junto da mãe e a residência do J. S. e da K. X. junto do pai, sendo a destes a partir do primeiro dia útil após o termo do terceiro período letivo do ano letivo 2017/2018. (…)
2.ª
É contra esta decisão que se recorre, por dela discordar, por entendermos que não está de harmonia com o superior interesse das crianças e jovem, cuja residência entendemos ser de fixar junto da mãe e restringir o regime de convivência da jovem com o pai.
3.ª
No âmbito do processo crime n.º 314/17.0PBCHV (cujo acompanhamento pelos presentes autos está autorizado), foi deduzida acusação contra o Requerido progenitor, a 18.01.2018, e nela consta matéria que entendemos relevante para a decisão em apreciação e que não foi devidamente ponderada pelo Tribunal, designadamente:

“Em dia não concretamente apurado mas entre o dia 24 e 30 de Julho de 2017, o arguido com uma vassoura desferiu pancadas nas pernas e no braço esquerdo da menor J. X., fazendo-o com tanta força que partiu a vassoura.
O arguido obrigava a menor J. X. a fazer a limpeza da casa e quando não ficava como ele queria, dava-lhe pancadas com a vassoura e ficava nevoso dizendo que a mataria bem como aos seus irmãos, provocando medo, angustia e receio na menor.
No domingo, dia 30 de Julho de 2017, por volta das 13H30, a ofendida, confeccionou o almoço, depois de ter chegado do trabalho e quando estavam todos a almoçar à mesa, o arguido começou a discutir com a filha J. X., querendo obrigá-la a comer um bocado de carne que ela não gostava e atirou-lhe o prato cheio de comida, ficando a menor toda suja.
O arguido levantou-se da mesa e empurrou a menor contra uma parede.
A menor foi colocar a louça na máquina de lavar e o arguido novamente empurrou-a contra uma janela e desferiu-lhe murros no braço direito.
O arguido começou a discutir com a ofendida, na frente dos outros dois filhos.
Durante a discussão o arguido disse que a filha não era dele, aliás, por diversas vezes proferia esta expressão em relação a todos os filhos.
Nesse momento a ofendida foi ter com a filha J. X. e a menor confessou-lhe que o pai já por diversas vezes a tinha agredido, tirou a camisola e mostrou-lhe vários hematomas nos ombros, nas pernas e nas costas, provocados por agressões do arguido.»
4.ª
Está o Requerido acusado da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152º, nº 1 al. a), nº 2, 4 a 6 do Código Penal; e um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152º, nº 1 al. d) e nº 2, 4 a 6, do Código Penal.
5.ª
Tal matéria releva, desde logo porque permite compreender a vivência familiar dos Requeridos, enquanto casal e pais de três crianças; as motivações que determinaram a saída de casa por parte da progenitora e crianças; e os sentimentos e motivos de rejeição da figura paterna por parte da jovem J. X..
6.ª
Por outro lado, permite questionar que tipo de pais eram estes e os indiciados actos de violência praticados pelo requerido sobre a esposa e filhos, também eles vítimas desta violência, quer de forma directa, quer indirecta, enquanto espectadores e aprendizes deste modo de actuação.
7.ª
O exemplo é um dos instrumentos educativos mais valiosos com que os pais podem contar. É em casa que as crianças encontram sua melhor escola e é sua família que proporciona à criança todos os estímulos para seu desenvolvimento e crescimento.
8.ª
Se os pais não demonstram esses valores na vida diária, será complicado que as crianças possam desenvolvê-los. É fundamental estar consciente do impacto que nosso exemplo tem na educação dos nossos filhos.
9.ª
É o exemplo deste pai, espelhado na acusação, é muito negativo.
10.ª
Por outro lado, o Tribunal não valorou, como deveria, dada a natureza de jurisdição voluntária, o processo de promoção e protecção pendente em apenso.
11.ª
Efectivamente, na conferência datada de 05.12.2017, foi acordada e homologado pelo Tribunal acordo de promoção e protecção, no sentido de aplicação à jovem J. X. e às crianças J. S. e K. X., da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, concretamente da mãe, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, al. a) da LPCJP.
12.ª
Na base de tal processo, tínhamos a exposição das crianças, frequentemente, aos comportamentos oscilantes dos pais, que ora se agridem, insultam, separam-se e reconciliam-se; a incomunicação registada entre os progenitores e dinâmica relacional marcada pelo conflito latente e persistente; a história de vida dos pais, marcada por falta de hábitos de trabalho e dependência de subsídios; a mudanças frequentes de morada.
13.ª
Destacamos, pois, as informações vertidas no relatório social da Segurança Social, datado de 24.11.2017, e que estão em consonância com a prova testemunhal produzida em sede julgamento, concretamente as declarações prestadas pelos Requeridos, pela testemunha Leonardo, pela jovem J. X. e Técnico do SATT, quanto ao modo de vida em Inglaterra e carácter violento do Requerido.
14.ª
Consta de tal relatório, para além do mais, “Os serviços/técnicos envolvidos no acompanhamento destas crianças consideram que a mãe tem acompanhado os filhos, participando em reuniões na escola e assegurando a sua assiduidade e pontualidade“, concluindo “Na nossa perspectiva esta mãe apresenta disponibilidade para acompanhar os filhos, tem apoios dos serviços e não obstaculiza os contactos com o pai. (…) Face ao exposto, é nosso entendimento que a família deve ser responsabilizada no sentido de proporcionar condições de estabilidade sócio-emocionais aos menores no seu meio natural de vida, pelo que somos de parecer que se deveria aplicar aos menores a medida de Apoio junto dos pais, in casu, junto da mãe, pelo período de 6 meses.
15.ª
Ademais, durante a pendência do processo e decurso do julgamento, foi estabelecido um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, datado de 28.09.2017, o qual veio a ser alterado, no que se refere ao regime de convivência e de alimentos, nas datas de 31.10.2017 e 05.12.2017, nos quais foi fixada a residência das crianças junto da mãe.
16.ª
Em nenhum momento o Tribunal suscitou ou questionou a residência das crianças junto da mãe, quando, é certo, aquando a última alteração do regime já tinha sido produzida a quase totalidade da prova, à excepção das informações suscitadas às autoridades inglesas, que nos vieram a dar conta do registo criminal da progenitora.
17.ª
Parece-nos lógico que o Tribunal perante a prova até então produzida e que determinou a sentença em recurso, altera-se o regime provisório, no que diz respeito à residência das crianças, como prevê o artigo 28.º do RGPTC, o que não se verificou.
18.ª
Trata-se, pois, na nossa perspectiva, de uma decisão surpresa, incoerente e incompreensível.
19.ª
Diga-se, ainda, que o Tribunal não deu como provado ou fez qualquer referência na sua sentença de um facto extremamente importante - o progenitor não manteve contactos com os filhos no período que mediou entre o dia 02.01.2018 e 03.05.2018.
20.ª
Na sessão de julgamento de 03.05.2018, foram tomadas declarações de parte aos Requeridos, MARIA, cujas declarações encontram-se registadas em formato digital através da aplicação informática H@bilus Media Studio (gabinete da Sr.ª Juiz, das 09:50h às 10:01h) e a D. A., cujas declarações encontram-se registadas em formato digital através da aplicação informática H@bilus Media Studio (gabinete da Sr.ª Juiz, das 10:03h às 10:32h), os quais confirmaram tal facto, o qual não foi considerado pelo Tribunal.
21.ª
Quando questionado o Requerido acerca da razão de tal ausência de contactos, alegou que telefonou algumas vezes, mas não soube precisar datas, dizendo que tinha apagado tais registos do seu telemóvel, quando tal lhe foi solicitado, mas que a progenitora não lhe atendeu as chamadas (o que foi contradito pela mesma).
22.ª
Ora, passaram cinco meses sem que este pai tinha activamente procurado os filhos, quer deslocando-se à área de residência, quer intentando os mecanismos legais à sua disposição para fazer cumprir o regime previsto, caso houvesse obstaculização por parte da mãe.
23.ª
Conforme foi referido pela progenitora nas suas declarações, aquando a última estadia das crianças do pai e sua entrega, em 02.01.2018, o progenitor afirmou “esta foi a última vez que me viste”, e assim aconteceu.
24.ª
Não obstante tal circunstância, decorridos cinco meses sem que pai procurasse estar e conviver com os filhos, o Tribunal fixa a residência das crianças junto deste progenitor. Porquê?
25.ª
Relativamente à magna questão da residência da criança, releva o disposto no artº 1906º nº 3 CCiv, no sentido de que “o tribunal determina a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
26.ª
No caso, o Tribunal fixou a residência da J. X., de 13 anos de idade, junto da mãe e a residência do J. S. e da K. X., de 8 e 4 anos, junto do pai.
27.ª
Parece-nos que tal decisão é contrária a todos os princípios naturais e legais.
28.ª
Entendemos que o Tribunal deveria manter unidos os irmãos.
29.ª
A jurisprudência assim como a doutrina, parte da máxima de que as relações entre os irmãos devem ser estimuladas de maneira a não obstar a sua convivência diária e o seu amparo recíproco. E a conveniência de não separar os irmãos também possui esteio na intenção de se manter unido o que resta da família.
30.ª
Se os irmãos são unidos, vivem juntos há muito tempo, é imperioso que o juiz tente a todo custo não separá-los, o que não se verificou no caso.
31.ª
Por outro lado, a lei – art.º 5.º da RGPTC – veio consagrar o direito de audição da criança e que a sua opinião seja considerada pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
32.ª
Dar peso às declarações de uma criança, mostra que a mesma deixou de ser tratado como um "objecto" e passou a ser caracterizada como um sujeito de direitos, que possui a prerrogativa de se pronunciar sobre uma questão fundamental na sua vida.
33.ª
Neste sentido, entende-se que o respeito pela predilecção da criança envolve duas faces: a vontade da criança como ato de expressão da vontade e como determinação das afeições, antipatias e vínculos em relação aos progenitores.
34.ª
Na avaliação do peso a ser conferido às declarações de vontade da criança, a jurisprudência tem levado em consideração determinados aspectos, como a idade do menor, a sua maturidade, assim como a intensidade com que a sua preferência foi manifestada.
35.ª
No caso, a J. X. rejeita a convivência com o pai e manifestou o desejo claro de residir com a mãe.
36.ª
Tal posição é facilmente compreendida e justificada se olharmos para os factos e a acusação deduzida contra este pai.
37.º
Este pai colocou seguramente em risco, de modo relevante, a saúde física e psíquica da sua filha menor, bem como dos outros dois filhos, que presenciavam as agressões, tornando-os vítimas de um tratamento incompatível com a sua dignidade enquanto ser humano, conduzindo necessariamente os “maus-tratos” infligidos à sua “degradação” enquanto crianças e pessoas.
38.ª
Eis porque, e contrariamente ao Tribunal, consideramos que o requerido não nos oferece melhores garantias de transmissão de valores e integração em práticas de vida mais consentâneos com a legalidade e a honestidade de vida em sociedade, comparativamente com a requerida (não obstante o seu cadastro criminal).
39.ª
O conteúdo dos poderes/deveres parentais encontra-se basicamente definido nos artigos 1874º, 1878º e 1885º do Código Civil, fazendo impender sobre os progenitores diversas obrigações que têm fundamentalmente em vista o crescimento harmonioso dos seus filhos, perspectivando toda a sua actuação para a defesa dos interesses destes últimos.
40.ª
É nesta linha de pensamento que se encontra constitucionalmente consagrado os direitos dos menores - artigos 64º, n.º 2, 67º, 68º e 69º da Constituição da República Portuguesa. Prosseguindo essa mesma filosofia surgiu a atual LPCJP, destinada a auxiliar e encaminhar o menor em situações de ruptura.
41.ª
A intervenção do Tribunal deve surgir como último reduto para o encaminhamento dos menores de harmonia com os princípios da intervenção preventiva e precoce, da proporcionalidade, da necessidade e da actualidade - artigos 4º e 34º da LPCJP.
42.ª
No caso, o Tribunal desconsiderou a medida de promoção e protecção em vigor – medida de apoio junto dos pais, concretamente da mãe - contrária à própria decisão tutelar cível.
43.ª
Sujeitar os filhos a maus tratos físicos, ofensas verbais e humilhações coloca-os em situação de perigo, não contribui, com toda a certeza, para o seu crescimento harmonioso.
44.ª
Por outro lado, a privação dos cuidados e acompanhamento diário que sempre foram prestados a um menor pela sua progenitora, integram-se como um património de carinho e um direito inalienável daquele: o direito à protecção da sua tranquilidade, bem-estar e à manutenção de prestações de amor por parte dos seus progenitores e/ou pessoas que do mesmo cuidam de forma estável e continuada, no caso a mãe.
45.ª
O progenitor, em sede de declarações declarou que queria os filhos para si, mas, face à posição da J. X., com que se conformou, pediu que lhe de “dessem” um - a K. X. - ou os dois - a K. X. e o J. S..
46.ª
Ora, o “amor” demonstra-se as mais das vezes no “deixar ir” e não “cortar a meio”, como a parábola bíblica de Salomão e das duas mães, inscrita profundamente na matriz cultural ocidental.
47.ª
Tal como na parábola, Salomão disse: “Dividi em duas partes o menino vivo: e dai metade a uma e metade a outra. Mas a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque o seu coração se lhe enterneceu por seu filho) e disse: Ah! Senhor meu, dai-lhe o menino vivo e por modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o antes. Então, respondeu o rei e disse: Dai a esta o menino vivo e de maneira nenhuma o mateis, porque esta é sua mãe. E todo o Israel ouviu a sentença que dera o rei e temeu ao rei, porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça.”
48.ª
No caso concreto, a postura deste pai foi “dividi” e o Tribunal dividiu os irmãos. Não é justo e é contrário ao interesse da jovem e crianças.
49.ª
Tudo isto para afirmarmos que, em nosso entendimento, não se justifica uma mudança radical de residência das crianças, agora adaptado, na transição da necessidade de segurança para a autonomia, entre os quatro e os oito anos de idade.
50.ª
No caso concreto, a jovem J. X. e as crianças J. S. e K. X. viveram sempre juntos e com a mãe.
51.ª
De acordo com as declarações recolhidas pelos Técnicos da Segurança Social, tanto em sede de processo tutelar cível como de promoção e protecção, apresenta-se como uma mãe atenta e cuidadora, tratando devidamente da sua alimentação, higiene, saúde e educação.
52.ª
Se é certo que peca pelo seu mau exemplo, no passado, atento o seu registo criminal, neste momento está devidamente integrada em termos laborais e sociais, apresenta condições habitacionais, materiais e afectivas para acompanhar diariamente os filhos.
53.º
Nesta conformidade, e face ao preceituado nos arts. 40º, do RGPTC, e 1905º, 2004º e 2006º, todos do CC, parece-nos que deverá ser decidido a regulação do exercício das responsabilidades parentais, em relação à jovem J. X. e às crianças J. S. K. X. nos seguintes termos:

1) A residência da jovem J. X. e das crianças J. S. e da K. X. junto da mãe;
2) Vigorar o exercício conjunto da s responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida das crianças e da jovem, sendo, quanto às questões da vida corrente das mesmas, a decisão a cargo de quem as tiver, a cada momento, na sua companhia, sem prejuízo das orientações educativas mais relevantes fixadas pelo progenitor residente;
3) O progenitor poderá conviver e estar com a jovem J. X. em termos a combinar com a progenitora e jovem;
4) As crianças J. S. e K. X. passarão com o progenitor com quem não residem um fim de semana mensal;
4) As viagens são feitas pelo progenitor;
5) Os levantamentos das crianças deverão ter lugar à sexta feira e as entregas ao domingo, sempre em local a combinar entre os progenitores;
6) Caso sexta-feira ou domingo sejam feriado, antecipa-se para quinta feira ou adia-se para segunda-feira, respetivamente;
7) Cada um dos progenitores terá as crianças na sua companhia em metade dos períodos de interrupção letiva, em termos anuais e alternados, nos seguintes moldes:
a) em 2018, o pai terá as crianças consigo na primeira metade das férias de verão e a mãe na segunda metade;
b) em 2018, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias de Natal até 26 de dezembro e a mãe na segunda semana até 2 de janeiro de 2019;
c) em 2019, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias da Páscoa e a mãe na segunda semana;
8) Cada um dos progenitores poderá falar diretamente com os filhos que não tenha na sua companhia, por qualquer meio de contacto à distância, entre as 19 e as 20 horas.
9) Fixar a pensão de alimentos em benefício de cada criança/jovem em €50, 00 mensais, a suportar pelo progenitor, até ao final de cada mês, por transferência bancária.
A decisão sob recurso que fixou a residência das crianças junto do pai, não decidiu de harmonia com o interesse das crianças, violando o disposto nos artigos 1906, n.º5 e 7 do Código Civil, 40.º, e 42.º do RGPTC e 1. e 4.º. da LPCJP.

Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, com a alteração da decisão recorrida, fixando-se a residência das crianças J. S. e K. X. junto da mãe e alterando-se o regime de convívios da jovem J. X. com o progenitor, nos termos propostos.

A requerida Maria também interpôs recurso da referida sentença, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

a) – A douta sentença em crise não contempla na sua globalidade o superior interesse dos menores.
b) – Aliás, favorece a mesma um pai ausente e um progenitor remisso mesmo, que não se tem interessado minimamente pelos seus filhos.
c) – Por sua vez toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, à excepção do depoimento do progenitor, é no sentido de considerar a progenitora uma mãe competente, dedicada e que acarinha e ama desmesuradamente todos os seus filhos.
c) – A Meritíssima Juíza a quo estriba parte da sua convicção, unicamente no depoimento do progenitor, sem qualquer prova que o sustente, omitindo e desvalorizando consequentemente todos os elementos nos autos, que fortemente indiciam a verdadeira personalidade do mesmo.
d) - A Digna Julgadora desvaloriza o facto do progenitor estar a ser julgado por um crime de violência doméstica o qual demonstra a à saciedade a verdadeira personalidade do pais dos menores.
e) - Desvaloriza o depoimento dos filhos da progenitora, J. X. e Leonardo os quais, sem sombra para quaisquer dúvidas também, provam a verdadeira personalidade maquiavélica do progenitor.
f) - Os menores, hoje, encontram-se estáveis, inseridos no meio social onde residem com a mãe, com aproveitamento escolar e a decisão proferida é não só é contrária aos interesses dos menores como é contrária à experiência comum para casos idênticos.
g) - Mais acresce que o progenitor é um individuo sem quaisquer perspectivas de futuro, sem qualquer emprego nem interesse em o obter, acomodado com esta situação e quem sabe até à espera que a progenitora lhe entregue mensalmente uma pensão de alimentos por cada menor.
h) - O pai dos menores é ainda um individuo altamente manipulador, que vive de uma pensão de reformado da GNR da ordem de 641,00€ mensais, que pelos três filhos entrega à mãe dos menores a quantia de 100,00€ mensais, a título de alimentos, enquanto pela sentença proferida e da qual se está a recorrer, irá receber da mãe dos menores por dois, igual quantia.
i) – Não se compreende como a Digna Julgadora decide atribuir a guarda de dois menores a um pai ausente, que não fez qualquer esforço para os ver ou visitar desde 3 de Janeiro de 2018, ou seja, há quase seis meses.
j) – Finalmente, entregar a K. X. e o J. S. a este progenitor é não curar minimamente o superior interesse dos mesmos menores!

Termina entendendo que a sentença em crise deve ser substituída por Acórdão deste Tribunal da Relação, no qual se mantenha o provisoriamente definido e atribua a guarda dos dois menores à mãe.

O requerido D. A. apresentou contra-alegações em relação a ambos os recursos, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, ou caso o Tribunal venha a entender que a separação de irmãos não é de todo desejável, defende a alteração da decisão da 1ª instância por forma a que todos os menores fiquem a residir com o requerido.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 177vº.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC),

Nos presentes autos, o objecto dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela requerida, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso do Ministério Público:

I) – Saber se deve ser alterada a matéria de facto provada;
II) – Saber se deve ser alterada a decisão jurídica quanto à residência dos menores J. S. e K. X. e à fixação do regime de visitas/convívio dos menores com o progenitor.

B) – Recurso da requerida Maria:

- Saber se é de atribuir a guarda dos menores J. S. e K. X. à mãe.

Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:

1)
J. X., J. S. e K. X. nasceram, respetivamente, a 24-01-2005, 11-06-2010 e 19-02-2014, sendo filhos dos requeridos.
2)
Desde o dia 31 de julho de 2017, o requerido apenas conseguiu falar por telefone com os filhos no dia 18 de setembro do mesmo ano.
A requerida afirmou-o na conferência de 28.09.2017, sem que, nessa parte, tenha sido contraditada.
3)
A requerida, decidida a abandonar a casa de morada de família, fê-lo para a Figueira da Foz porque tinha cá o filho mais velho.
4)
Quando chegou, ficou em casa do filho mais velho.
5)
Ainda em agosto de 2017, a rede de apoio a vítimas de violência doméstica arranjou casa à requerida e filhos, pelo que suportava, pelo menos até final do ano passado, a quantia de 200,00 mensais a título de renda.
6)
A mesma rede conseguiu trabalho para a requerida na Cáritas C., por que, pelo menos até final do ano passado, recebia o SMN.
7)
A J. X. e o J. S. frequentam a escola Infante D. Pedro, em Buarcos, e a K. X. está na …, em ….
8)
Em 16.04.2016, a requerida saiu de casa com os filhos, tendo sido acolhida, pela Rede de apoio às vítimas de violência doméstica, numa casa abrigo na zona de (…), de onde saiu sete dias depois, contra a vontade da filha J. X., por ter descoberto que não tinha direito à casa de morada de família, uma vez que era bem próprio do requerido.
9)
A J. X., depois de 31.07.2017, bloqueou o pai no facebook.
10)
Em Inglaterra, a Segurança Social da área das suas residências vigiava regularmente o agregado familiar constituído pelos requeridos, pelos três menores dos autos e pelos dois filhos mais velhos de Maria, fruto de outra relação.
11)
Os requeridos, enquanto coabitaram, discutiam amiúde e na presença dos filhos.
12)
No dia 30 de julho de 2017, houve discussão entre o casal. Nesse dia, ao jantar, o requerido apercebeu-se que a carne que estavam a comer à refeição tinha sido furtada de um supermercado.
13)
Ao confrontar a mulher, ora requerida, com tal situação esta respondeu que não tinha roubado nada, que tinha sido uma distração, porque tinha dado a carne para a filha J. X. a meter no seu saco, e esta não a passou na caixa para pagamento.
14)
O requerido ficou zangado, porque tomou consciência que a sua esposa estava a fazer à sua filha mais velha o que já tinha feito ao filho mais velho dela, o Leonardo, enquanto estiveram em Inglaterra.
15)
O requerido esteve sob tal escrutínio em virtude da requerida ter sido apanhada em flagrante delito no furto a uma residência, executado pelo filho Leonardo, na altura com 13 anos, para a ajudar nesse furto.
16)
Quando a polícia chegou à residência que estava a ser furtada (foram chamados por um vizinho), viram não só a requerida, mas também o seu filho menor.
17)
A requerida teve de cumprir prisão efetiva e durante esse tempo (5 meses) quem ficou a cuidar dos filhos dela e da filha do casal foi o requerido.
18)
Depois deste episódio, a família tornou a ser alvo da atenção da segurança social inglesa, porque o filho mais velho da requerida, Leonardo, na altura com 14/15 anos saiu de casa uma noite, às escondidas, para se dirigir à polícia de (…), para denunciar a mãe pelos maus tratos de que era vítima.
19)
Em Inglaterra, os filhos mais velhos da requerida Maria e esta furtavam comida e, além do mais, objetos como, por exemplo, auscultadores.
20)
Durante mais de um ano após o acolhimento institucional em Inglaterra, entre os 15 e os 16 anos do Leonardo, a mãe nem sequer o procurou.
21)
O Requerido tinha vergonha e medo que os seus filhos fossem apanhados naquela teia, mas sempre que falava nisto a requerida ameaçava que se ele a denunciasse desaparecia com os filhos e que ele nunca mais os veria.
22)
No dia 30 de julho, o requerido disse à progenitora de seus filhos que a iria denunciar, pelos furtos que efetuava, mas principalmente pelos furtos que obrigava os filhos a fazer.
23)
Houve então discussão entre os dois elementos do casal e, no seu final, o requerido dirigiu-se a um armário e, ao abrir a porta deu com ela em J. X., mas, ao contrário, do que a mãe afirma não o fez com intenção de agredir a menor, pois nem se apercebeu que a menina ali estava.
24)
No dia a seguir a esta discussão, a requerida desapareceu de casa com os filhos, privando-o de ver e estar com os seus filhos até, pelo menos, 28 de setembro de 2017.
25)
Não são conhecidos antecedentes criminais ao requerido.
26)
A requerida sofreu quatro condenações criminais em Inglaterra
:
- em 11.04.2008, por furto e crimes análogos em loja, cometido em 02.02.2008, pelo que lhe foi aplicado trabalho comunitário durante 12 meses e regime de prova durante 6 meses;
- em 27.01.2009, por invasão da propriedade para furto, cometido em 20.11.2008, pelo que lhe foi aplicada a pena de 5 meses de prisão, tendo saído sob fiança;
- em 04.07.2011, por assalto cometido a 03.07.2011, pelo que lhe foi aplicada reprimenda;
- em 20.03.2015, por assalto cometido a 18.11.2014, pelo que lhe foi aplicada reprimenda.
27)
Pendem na Procuradoria da República da Comarca de Vila Real vários inquéritos, instaurados em 2016 e 2017, tendo os requeridos como suspeitos/arguidos/ofendidos, sendo parte deles recíprocos.
28)
Pelo menos até 28.09.2018 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “28.09.2017” em face da factualidade apurada nos autos], a requerida nem sempre atendia o telemóvel ou tinha-o desligado, assim privando o requerido de falar com os filhos.
29) O requerido foi bloqueado nas redes sociais do perfil quer da mulher, quer da filha J. X., não lhe sendo permitido saber da sua família, sequer, por esta via.
30)
O requerido e, por vezes, a requerida, lavava, vestia e calçava, sobretudo os filhos mais novos J. S. e K. X., cozinhava para eles e dava-lhes as refeições, levava-os à escola e aí os ia buscar e ia às festas escolares.
31)
No ano letivo 2016/2017, o requerido era o encarregado de educação da J. X. e da K. X., e a requerida era-o em relação ao J. S..
32)
A requerida usava o bater nos filhos (desde o Leonardo, a Milene, a J. X. e o J. S.) sempre que estivesse descontente com alguma coisa que eles tivessem feito ou não tivessem feito.
33)
O requerido mandava a J. X. desempenhar tarefas domésticas, o que era do seu desagrado.
34)
As crianças J. S. e K. X. e a jovem J. X. frequentavam a escola em Chaves, sendo esta última com toda a assistência (incluindo professor tutor), dado o cuidado diagnóstico das suas capacidades intelectuais.
35)
Na casa de morada de família, em Chaves, os gastos médios eram os seguintes: €50, 00 de luz, €30,00 de água e cerca de € 20,00 de gás.
36)
O requerido beneficia, ainda, da ajuda da sua irmã que é solteira e que ajuda o requerido em tudo o que ele precisa com os filhos.
37) O requerido deixou de ir às compras com a requerida para não ser confrontado com os furtos da mesma e com receio de ser envolvido nos mesmos, uma vez que não conseguia inibi-la de o fazer.
38)
O J. S. está a frequentar o 2º ano de escolaridade, mas, dadas as dificuldades que apresenta, as aprendizagens estão ao nível do 1º ano, beneficiando de Plano de Ação Estratégica.
39)
A J. X. apresenta aproveitamento pouco satisfatório, tendo aulas de apoio e estando indicada para tutoria.
40)
A K. X. frequenta a creche da Casa (...).
41)
Na visita domiciliária à residência do requerido, sem aviso prévio, foram constatados o asseio e a arrumação, sendo aí prestados cuidados, com desvelo, ao pai do requerido, acamado, com a ajuda da irmã deste.
42)
Enquanto as crianças e a jovem estiveram a frequentar estabelecimentos de ensino em Chaves, ambos os requeridos iam às reuniões escolares, mantendo um para com o outro uma postura de provocação.
43)
A requerida, mesmo enquanto esteve a residir em Nantes (Chaves), dizia mal do requerido e da sua família.
44)
Constava em Nantes que a requerida batia no requerido e que tinha vindo de Inglaterra para fugir à vigilância.
45)
Os requeridos tinham uma postura perturbadora das regras da escola, no caso do J. S., no 1º ano em que ele frequentou a escola em Chaves, entrando pela escola e fazendo queixas.
46)
A K. X. frequentou a creche em Chaves entre fevereiro e julho de 2017, sendo conduzida a maior parte das vezes pelo requerido, sempre muito asseada e afetuosa para com o pai, o que era recíproco.
47)
A J. X. estava a beneficiar de apoio individualizado, com reforço do trabalho em contexto escolar.
48)
As escolas frequentadas pelas crianças/jovem não foram avisadas da vinda para a Figueira da Foz, nem era expetável para as escolas que tal acontecesse.
49)
O requerido está reformado da GNR, auferindo em 2016, €641, 29 mensais.
50)
O requerido está obrigado a pagar pensão de alimentos a um outro filho, residente no Canadá – T. X., nascido a 14.03.1998, no valor de 75,00 euros mensais, no âmbito do processo 1527/15.5T8FIG, pendente no J1 do Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, por desconto na sua pensão de reforma, sem que tenha sido pedida, até ao momento, a respetiva cessação.
51)
O requerido foi alvo de uma repreensão escrita em anexo à folha de matrícula - registo criminal e disciplinar -, a 14.10.2002, “porque no período compreendido entre 17ABR02 e 02MAI02, não cumpriu o decidido na regulação do Poder Paternal, quanto às férias do seu filho T. X., dado que o levou para férias , sem avisar previamente a mãe do menor, não se encontrando tal situação prevista na sentença do TJC Figueira da Foz, que a isso tivesse direito. O militar arguido ainda tentou requerer tal direito em tribunal, mas tal requerimento também lhe foi posteriormente indeferido”; sendo esta a única infração constante do respetivo registo profissional.
52)
O requerido suporta a mensalidade de 160,00 euros pelo crédito à habitação.
53)
O requerido suporta a mensalidade de 135,00 euros pelo crédito automóvel Renault Megane (de 2012).
54)
A requerida é titular de conta bancária em Inglaterra, no banco (…).
55)
Foi deduzida acusação contra o requerido no NUIPC 314/17.0TBCHV, sendo-lhe imputada a prática de dois crimes de violência doméstica, um na pessoa da requerido, outro na pessoa da filha J. X..
56)
Os requeridos já acordaram em todos os termos legais necessários ao decretamento do divórcio por mútuo consentimento no processo 1814/17.8T8CHV do Juízo Local Cível de Chaves, faltando apenas a prolação desta sentença para que tal tenha lugar.
57)
O requerido teve que pagar nova fechadura na viatura automóvel, porque a requerida lhe furtou, no dia 31 de julho de 2017, sem necessidade, as chaves, uma vez que ele tinha levado a outra viatura, onde carregou, além dos filhos, três televisores, 4 boxes, o computador e diversos bens pessoais seus e dos filhos.
58)
A requerida casou-se com o requerido a 27.12.2015 porque estava convencida que, assim, tinha também direito à casa de morada de família.
59)
Depois do dia 06-10-2017, apesar do pai pedir para falar com ela, ela não mais falou mais com o pai por qualquer meio de contacto à distância.
60)
A J. X. só foi com o pai no fim de semana de 3 a 5 de novembro de 2017 e na companhia dos irmãos J. S. e K. X. por insistência da polícia.
61)
A J. X. recusou-se a ir com o pai por ocasião das férias do Natal (26.12.2017 a 02.01.2018), embora os irmãos J. S. e K. X. tenham ido e não obstante reconhecer ter sido bem tratada, tal como os irmãos, no fim de semana de 3 a 5 de novembro.

Por outro lado, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:

«A título prévio, dir-se-á nada se fazer constar relativamente á situação residencial e profissional atual da requerida e da s crianças, considerando que o SATT nada nos transmitiu, nenhuma prova documental foi apresentada e a palavra da requerida reveste-se de fraco crédito. Ainda assim, caso as crianças se encontrassem em perigo, por dever de ofício, o SATT teria disso feito eco, o que, na consulta até ao dia de hoje, não se vislumbra.
A)
Pelo ATL, a requerida suporta mensalmente:
- 16,00 euros relativamente à J. X.;
-12,00 euros quanto ao J. S.
B)
A requerida tentou agredir o requerido a 30/04/2017, com uma estatueta de pedra que existia na casa de morada de família, altura em que este a agarrou no braço, tentando afastá-la e, mesmo assim, a requerida ainda o conseguiu agredir numa perna, o que se passou em frente aos 3 filhos do casal, não se inibindo a nada a progenitora para os poupar.
C)
Maria usava os filhos sempre como moeda de troca para obter tudo o que queria do requerido.
D)
Nessa noite, Leonardo contou à polícia sobre os acessos de fúria da requerida e sobre as “surras” que esta lhe dava, contando até que nesse dia ela lhe tinha batido com um cabo de ferro.
E)
Quando a polícia se dirigiu a casa dos requeridos para apurar da veracidade da denúncia efetuada pelo menor Leonardo, a requerida tentou esconder o cabo de ferro deitando-o para o lixo, mas a polícia descobriu-o.
F)
O Requerido já andava desconfiado de que se passava alguma coisa, porque por diversas vezes se tinha apercebido que a esposa saía com os 3 filhos para ir às compras e as crianças quando voltavam traziam casacos novos vestidos, ou sapatos novos calçados, e o que tinham vestido ou calçado quando saíram de casa já não voltava.
G)
Da conversa da filha mais pequenina, conseguiu o requerido apurar que a mãe na loja mandava-os descalçar os sapatos que levavam e calçar os novos e depois mandava-os saírem da loja, sem ela pagar.
H)
Ou que os mandava despir a camisola que levavam, ou o casaco e vestia-lhes roupas novas a que arrancava as etiquetas e depois saía com as crianças sem passar pela caixa.
I)
Houve um dia em que o requerido a confrontou com isto, a requerida ao princípio negou, mas depois acabou por dizer que elas (as pessoas das lojas) estavam a pedi-las, porque deixavam as lojas sem vigia e ela apenas aproveitava a oportunidade.
J) O requerido é detentor de uma licença de uso e porte de arma porque foi GNR, mas essa arma está sem munições desde 2003, ou seja, desde que se reformou.
K)
A requerida aufere 1500 libras por mês de abono dos serviços sociais ingleses.
L)
A progenitora é dada a ataques de fúria, batendo (inclusive) com o chinelo ou com o cabo da vassoura nos menores, tendo, por diversas vezes, o progenitor que se meter no meio desta e das crianças.
M)
A requerida batia inúmeras vezes na J. X., apenas porque a menina sofria de enurese, sendo algo que a mesma não conseguia controlar.
N)
Em Inglaterra, a progenitora chegou a comunicar às autoridades que era o requerido quem batia nos menores, mas depois de averiguadas as acusações sempre se concluiu que tal versão era mentira.
O)
O Requerido chegou a apanhar a requerida a sair de casa à noite para ir às hortas dos vizinhos furtar legumes, levando algumas vezes a filha J. X. com ela.
P)
Em 16.04.2016, a requerida saiu de casa com os filhos, por causa do mau feitio do requerido.
*
Apreciando e decidindo.

Uma vez que o Ministério Público e a requerida Maria impugnam a solução jurídica adoptada na sentença recorrida, quanto à residência/guarda dos menores J. S. e K. X., serão os respectivos recursos, nesta parte, apreciados conjuntamente.

I)Saber se deve ser alterada a matéria de facto provada:

Alega o Ministério Público, ora recorrente, que o Tribunal “a quo” não valorou, como deveria, dada a natureza de jurisdição voluntária destes autos, o processo de promoção e protecção pendente e a eles apenso (Apenso B), do qual resulta que:

- Na conferência datada de 5/12/2017, foi acordada e homologado pelo Tribunal acordo de promoção e protecção, no sentido de aplicação à jovem J. X. e às crianças J. S. e K. X., da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, concretamente da mãe, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, al. a) da LPCJP;
destacando as informações vertidas no relatório social da Segurança Social, datado de 24/11/2017 e constante daquele processo, o qual “permite compreender a história de vida desta família e em particular da jovem e crianças” e está “em consonância com a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, concretamente as declarações prestadas pelos requeridos, pela testemunha Leonardo, pela jovem J. X. e pelo Técnico do SATT, quanto ao modo de vida em Inglaterra e carácter violento do requerido”.

Considera, ainda, o recorrente que o Tribunal recorrido não levou em consideração que “durante a pendência do processo e decurso do julgamento, foi estabelecido um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, datado de 28/09/2017, o qual veio a ser alterado, no que se refere ao regime de convivência e de alimentos, nas datas de 31/10/2017 e 5/12/2017, nos quais foi fixada a residência das crianças junto da mãe”, nos termos constantes das actas das conferências realizadas em 28/09/2017 e 31/10/2017 e da sessão de julgamento de 5/12/2017 juntas a fls. 12 a 20, 36 a 43 e 70 a 75 destes autos.

Mais alega que o Tribunal “a quo” não deu como provado ou fez qualquer referência na sua sentença ao seguinte facto:

- O progenitor não manteve contactos com os filhos no período que mediou entre o dia 2/01/2018 e 3/05/2018;
facto este confirmado pelos requeridos Maria e D. A., nas declarações prestadas na sessão de julgamento de 3/05/2018, e que não foi considerado pelo Tribunal recorrido.

Embora o recorrente não refira expressamente nas suas alegações e respectivas conclusões que pretende impugnar a matéria de facto, retira-se da sua leitura que o mesmo pretende que seja considerada provada a factualidade supra descrita, com o fundamento de que, em face da natureza de jurisdição voluntária do processo, o Tribunal “a quo” deveria ter valorado os elementos de prova constantes do processo de promoção e protecção em apenso, bem como dos presentes autos, que enuncia.

Na verdade, estamos no âmbito de um processo tutelar cível que, nos termos do disposto no artº. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante RGPTC), tem a natureza de jurisdição voluntária. Tal significa que o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, prevalecendo o princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo, o que confere ao Tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas e recolher as informações necessárias e convenientes, de molde a atingir a solução mais adequada ao caso concreto e que melhor solucione o litígio em que é chamado a intervir (cfr. artºs 986º, nº. 2 e 987º do NCPC).

Assim, não estando o Tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita ou limitado por critérios formais que divirjam do escopo principal legislativo que se centra no da protecção dos interesses dos menores, deve, por isso, buscar a solução mais justa, a que considere mais conveniente e oportuna, em ordem a uma equitativa composição dos interesses em causa, e que se mostre mais adequada ao caso concreto em face dos factos que o processado revela - sempre tendo em atenção os reais interesses dos menores, erigindo estes como figura central do litígio, cujos interesses se impõe salvaguardar e proteger (cfr. acórdão da RL de 18/10/2012, proc. nº. 538/11.4TBBRR-A, acessível em www.dgsi.pt).

O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a matéria de facto, e tendo o ora recorrente satisfeito minimamente tais imposições legais, quer as enunciadas nas três alíneas do nº. 1, quer a da alínea a) do nº. 2, fazendo referência aos elementos de prova (documental e declarações dos requeridos) nos quais sustenta a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental relacionada com a conferência de 5/12/2017 (mais concretamente no processo de promoção e protecção apenso aos presentes autos - Apenso B) e a fixação do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais e respectivas alterações a que o recorrente alude, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.

Ora, após analisada a diversa documentação junta aos autos, com especial relevo para os seguintes documentos:

- acordo de promoção e protecção referente aos menores J. X., J. S. e K. X., assinado pelos progenitores, e acta da conferência realizada em 5/12/2017 na qual foi homologado tal acordo, constantes de fls. 770 a 774 do processo de promoção e protecção electrónico em apenso);
- relatórios da Segurança Social datados de 21/11/2017 e 23/11/2017 [e não de 24/11/2017 como, certamente por lapso, é referido nas alegações de recurso] juntos a fls. 714 a 753 do processo de promoção e protecção electrónico;
- acta da conferência realizada em 28/09/2017, na qual foi fixado pelo Tribunal o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais dos referidos menores, constante de fls. 12 a 20 destes autos;
- actas da conferência de 31/10/2017 e da sessão de julgamento de 5/12/2017 em que foi alterado o aludido regime provisório, constantes de fls. 36 a 43 e 70 a 75 destes autos;
concluímos ser de atender à pretensão do requerente/recorrente, no sentido de ser dada como provada a seguinte matéria de facto, que passará a constituir os factos 62 a 65:
62) - Na conferência realizada em 5/12/2017 foi homologado pelo Tribunal o acordo de promoção e protecção assinado pelos progenitores dos menores J. X., J. S. e K. X., no sentido de aplicação a estes da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, concretamente da mãe, nos termos do disposto no artº. 35º, nº. 1, al. a) da LPCJP.
63) - Durante a pendência dos presentes autos, na conferência de 28/09/2017, foi fixado pelo Tribunal o seguinte regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais [transcrição]:

“Face às declarações produzidas nesta diligência e mantendo-se a divergência entre os progenitores, nos termos do art.º 28.º do RGPTC, não obstante as contradições em que já surpreendemos a progenitora, porque assim é a vontade da jovem J. X. e nos deparamos com uma situação de facto consumada, sem que tenha insistido na fixação da residência junto de si, determina-se o seguinte regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais:

1. As crianças ficam a residir com a mãe, que exercerá, de forma exclusiva o exercício das responsabilidades, tendo em conta a pendência de processo crime por violência doméstica e o afastamento concretizado entre os pais das crianças.
2. O progenitor pode contactar com as crianças, diariamente, para o telefone da mãe, entre as 19 horas e as 20 horas.
3. O progenitor pode visitar as crianças às terças feiras, de quinze em quinze dias, entre as 16h e as 17h, no Serviço Local da Segurança Social da (…), com início no dia 03 de outubro de 2017, devendo o progenitor transmitir, através de E-mail, ao Tribunal, até às 16 horas do dia anterior (segunda-feira), se pretende vir efetivamente ao Serviço Local da (…) para ver os filhos, para que possa ser contactada a requerida para providenciar pela deslocação dos filhos aquele serviço.
4. O pai contribuirá, a título de pensão de alimentos, com a quantia de 75,00 euros mensais a cada criança, a pagar até ao final de cada mês, por transferência bancária para a conta com o IBAN PT50 (...), com início no corrente mês de Setembro”.
64. Na conferência realizada em 31/10/2017, foi alterado o regime provisório como se segue [transcrição]:
“Tendo em conta a atual situação processual e a posição ora assumida por ambos os progenitores nesta conferência, determina-se a alteração ao regime provisório nos seguintes termos:
Relativamente ao regime de convivência:
1. Manter os contactos telefónicos, sendo que o progenitor pode contactar, telefonicamente, com as crianças, diariamente, para o telefone da mãe (964 487 355) ou para o telefone da filha J. X. ((...)) entre as 19 horas e as 20 horas.
1. a) A mãe compromete-se a obrigar a jovem J. X. a falar telefonicamente com o pai.
2. Deixa de existir a ida às instalações da Segurança Social, substituindo-se pela deslocação do pai à Figueira da Foz, passando o pai a poder estar com as crianças, um fim de semana por mês, no primeiro fim de semana de cada mês, desde as 17:30 horas de sexta feira até às 18:00 horas, devendo os levantamentos e as entregas das crianças ser feitas pelo pai, junto ao portão principal do estabelecimento de ensino Escola (…), em Buarcos, com início no próximo fim de semana (3 a 5 de novembro.2017).
2. a) Para o efeito, a mãe compromete-se a estar no referido estabelecimento de ensino com as crianças às 17:30 horas de sexta feira e também às 18:00 de domingo seguinte.

Relativamente ao valor da pensão de alimentos:

Tendo em conta que não se registou consenso quanto à alteração da pensão de alimentos fixada em termos provisórios, ainda que, assumidamente, a pensão de 225 euros se encontre desajustada face à situação económica presente do requerido, que resultará mais agravada com o facto de se haver previsto, numa base consensual, deslocação do pai das crianças à Figueira da Foz duas viagens completas de ida e volta, cujo custo não será inferior a 150,00 euros mensais (conforme reconhecido pela própria requerida), e sem desvalorizar a circunstância de esta despesa, apesar de não beneficiar directamente as crianças, foi motivada pela deslocação decidida unilateralmente pela mãe, em violação flagrante da obrigação de resolução das questões inerentes ao exercício das responsabilidades parentais (os pais encontram-se casados entre si, além de viverem em união de facto desde há largos anos), a que acresce o facto de o requerente ter tido necessidade de pagar nova fechadura da sua viatura, pela subtração das respetivas chaves por parte da requerida altera-se a pensão alimentícia provisória de 225,00 euros mensais para 100,00 euros mensais, a repartir em partes iguais para cada uma das crianças”.
65. Na sessão de julgamento de 5/12/2017, foi novamente alterado o regime provisório nos seguintes termos:

“O entendimento foi possível quanto à alteração ao regime provisório, alterado na diligência de 31-10-2017, concretamente o ponto 2. desse regime, nos seguintes termos:

A) – Os levantamentos da jovem J. X. e das crianças J. S. e K. X., pelo pai, passam a ser efetuados no Jardim Municipal da Figueira da Foz (que fica entre o Tribunal e o mercado municipal), pelas 17:45 horas de sexta feira e as entregas são feitas pelo pai, às 18:00 horas de domingo no Jardim Municipal da Figueira da Foz, comprometendo-se a mãe, para o efeito, a estar no referido Jardim Municipal com os filhos, às 17:45 horas de sexta feira e também às 18:00 horas de domingo.
B) – Nas próximas férias escolares de Natal, o pai pode ter os filhos na sua companhia desde o dia 26 de dezembro de 2017, às 14:30 horas, até às 18:00 horas do dia 02 de janeiro de 2018, vindo buscá-los à Figueira da Foz no dia 26.dez.2017, junto ao Jardim Municipal da Figueira da Foz, onde a mãe se compromete a estar com os filhos, entregando-os no dia 02.jan.2018, também junto ao Jardim Municipal da Figueira da Foz, onde a mãe estará para receber os filhos.
C) - No mais, mantém-se o regime provisório em vigor, com as alterações agora introduzidas, declarando o pai das crianças que a próxima deslocação à Figueira da Foz, para levar as crianças, é no dia 26 de dezembro de 2017”.

Por outro lado, escrutinados os depoimentos dos requeridos (progenitores dos menores J. X., J. S. e K. X.), constatamos que ambos confirmaram o facto do pai não manter contactos com os filhos no período que mediou entre 2/01/2018 (data em que foi entregar os menores J. S. e K. X. à mãe, depois destes terem estado consigo desde 26/12/2017) e 3/05/2018 (data em que foram prestadas declarações por ambos os progenitores na audiência de julgamento).

Com efeito, quando questionado pela Mª Juíza “a quo” sobre se tem contactado com os filhos, o requerido referiu que, desde o dia 2/01/2018 não mais se deslocou à Figueira da Foz para conviver e estar com os filhos, nem manteve qualquer contacto com eles – alegando, no entanto, que telefonou várias vezes para o telemóvel da requerida e da J. X. para falar com os filhos, mas estas não atendem o telefone, ou têm este desligado, ou quando a requerida atende não o deixa falar com os filhos (o que foi contraditado pela requerida), não sabendo precisar as datas em que tal situação ocorreu.

Ao ser confrontado pela Mª Juíza “a quo” com o facto de poder ver a lista das chamadas no seu telemóvel, o requerido referiu ter apagado os registos das chamadas do seu telemóvel, acabando por admitir que este ano não ligou nenhuma vez à sua filha J. X..

Ademais, foi referido pela requerida, nas suas declarações, que quando o pai lhe foi entregar as crianças, em 2/01/2018, o mesmo lhe disse “esta foi a última vez que me viste”, sendo que a partir daí não voltou a telefonar, nunca mais procurou os filhos, nem veio buscar as crianças, ressalvando o facto da J. X. não querer ir com o pai, depoimento este que se nos afigura credível dada a forma como foi prestado (calma, espontânea e consistente).

Importa, ainda, referir que, ouvidos os depoimentos de ambos os progenitores, é claramente possível inferir uma situação de conflito latente entre eles, que não se mostra ultrapassada, mesmo depois de ter decorrido cerca de um ano desde a separação do casal e de estar pendente o processo de divórcio, sendo, no entanto, tais depoimentos coincidentes quanto ao facto do requerido não ter mantido contactos com os filhos no período acima referido, não tendo logrado convencer este Tribunal a justificação apresentada pelo requerido para a inexistência de tais contactos, tanto mais que não apresentou qualquer prova que sustentasse esta sua versão dos factos.

Assim, em face dos depoimentos dos progenitores acima referidos, entendemos que deve ser aditado aos factos provados o ponto 66, com a seguinte redacção:

66. O progenitor não manteve contactos com os filhos no período que mediou entre o dia 2/01/2018 e 3/05/2018.
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede a impugnação da matéria de facto deduzida pelo requerente Ministério Público, aditando-se aos factos provados os pontos 62 a 66 acima referidos.
*
II)Saber se deve ser alterada a decisão jurídica quanto à residência dos menores J. S. e K. X. e à fixação do regime de visitas/convívio dos menores com o progenitor:

Com o presente processo visa-se regular o exercício das responsabilidades parentais dos menores J. X., J. S. e K. X. cujos pais se encontram separados de facto e com um processo de divórcio a correr termos.

Insurge-se o recorrente Ministério Público contra a decisão proferida nestes autos, na parte em que o Tribunal “a quo” fixou a residência dos menores J. S. e K. X. junto do pai, pretendendo que a residência destas crianças seja fixada junto da mãe e que seja alterado o regime de visitas/convivência dos três menores com o progenitor nos seguintes termos:

- O progenitor poderá conviver e estar com a jovem J. X. em termos a combinar com a progenitora e a jovem;
- As crianças J. S. e K. X. passarão com o progenitor com quem não residem um fim de semana mensal;
- As viagens são feitas pelo progenitor;
- Cada um dos progenitores terá as crianças na sua companhia em metade dos períodos de interrupção lectiva, em termos anuais e alternados, nos seguintes moldes:
a) em 2018, o pai terá as crianças consigo na primeira metade das férias de Verão e a mãe na segunda metade;
b) em 2018, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias de Natal até 26 de Dezembro e a mãe na segunda semana até 2 de Janeiro de 2019;
c) em 2019, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias da Páscoa e a mãe na segunda semana.

Por sua vez, a requerida Maria, também aqui recorrente, pretende ver alterada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, no sentido de lhe ser atribuída a guarda dos menores J. S. e K. X., alegando que a decisão recorrida não contempla na sua globalidade o superior interesse destes menores, mas antes favorece um pai ausente e remisso, que não se tem interessado minimamente pelos seus filhos e não fez qualquer esforço para os ver ou visitar desde 3/01/2018.

A decisão a ponderar por este Tribunal de recurso reconduz-se a saber e apurar, no presente, se a sentença recorrida não consagrou a melhor solução para os menores J. X. (esta apenas quanto ao regime de visitas/convivência com o pai), J. S. e K. X. (quanto à fixação da residência e ao regime de visitas/convívio com o pai), ou seja, se aquela decisão não acautela a solução de vivência que melhor se adequa ao concreto e real interesse dos menores, ponderando o seu grau de integração familiar, escolar e social, a sua actual vivência e o seu relacionamento com o pai, bem como as vantagens de que poderão beneficiar para o seu desenvolvimento e formação.

Como já atrás referimos, os processos tutelares cíveis, por força do disposto no artº. 12º do RGPTC, assumem a natureza de processos de jurisdição voluntária.

Tal significa, e antes de mais, que neste tipo de processos não existe um verdadeiro conflito de interesses a compor, mas tão só um interesse a regular – o do menor -, muito embora possa existir um conflito de representações ou de opiniões acerca desse mesmo interesse (do menor).

Não obstante estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente, o tribunal deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, mas sem se abstrair em absoluto do direito positivo vigente, devendo nortear-se, em face da matéria em causa, pelo superior interesse dos menores envolvidos, tal como decorre do disposto nos artºs 1905º, nº. 1, 1906º, nº. 7 e 1909º todos do Código Civil.

Aliás, no artº. 3º, nº. 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 20/11/1989, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº. 20/90, de 12/09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº. 49/90, de 12/09) estabelece-se que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.»

No plano adjectivo do presente processo tutelar cível, de acordo com o disposto no nº. 1 do artº. 40º do RGPTC, o exercício das responsabilidades parentais será “regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiado a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o nº. 2 que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal”.

Não existe um conceito legal de interesse do menor, tendo o mesmo de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva as mais variadas necessidades daquele nos aspectos físico (alojamento, alimentação e segurança), afectivo, intelectual, moral e social – cfr. acórdão da RL de 8/07/2008, proc. nº. 5895/2008, acessível em www.dgsi.pt.

O interesse do menor (ou o superior interesse do menor), é um conceito indeterminado que deve ser concretizado, caso a caso, tendo em consideração as particularidades de cada menor e a sua situação envolvente (cfr. acórdãos da RL de 20/01/2005, proc. nº. 8522/2004 e de 14/06/2007, proc. nº. 2616/2007, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Em situação de dissociação familiar, o interesse do menor pode ser identificado com o estabelecimento de condições psicológicas, materiais, sociais e morais favoráveis ao seu desenvolvimento harmonioso e à sua progressiva autonomização.

Na determinação do destino dos filhos menores há, portanto, que aferir o que mais convém para a formação equilibrada das suas personalidades, evitando-se-lhes traumas de qualquer espécie.

A entrega ou confiança dos menores deve ser feita a quem melhores condições oferece na sua formação e educação, a quem mostre maior garantia de protecção e guarda, pelo seu carinho e dignidade, afecto e exemplo.

Em segundo lugar, há que analisar as possibilidades ou alternativas que os meios em confronto são susceptíveis de lhes proporcionar. Isto porque a criança necessita de saúde física e de bem-estar material (para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento das suas potencialidades) e de cuidados emocionais (como condição de uma escolha autónoma).

Os menores gostam (e necessitam) de estabilidade e sossego e há que proporcionar-lhes o melhor ambiente familiar e mantê-los no meio ambiente a que se adaptaram.

Concluímos, portanto, que o interesse da criança ou jovem passa pela existência de um projecto educativo; pela efectiva prestação de cuidados básicos diários (alimentação, higiene, etc.); pela prestação de carinho e afecto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afectos com o outro progenitor e a demais família; pela existência de condições para a concretização do tal projecto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.

As relações da criança com os pais e demais familiares são, obviamente, um factor fundamental na escolha do progenitor a quem atribuir a guarda ou com quem aquela fique a residir habitualmente.
Saber qual dos progenitores, numa base de continuidade, através da interacção, companhia e acção recíproca preenche as necessidades psicológicas e físicas da criança, ou seja, medir a intensidade das relações afectivas entre pais e filhos é factor considerado muito importante na decisão sobre a guarda ou escolha do progenitor com quem a criança fique a residir habitualmente.

Conforme se refere no acórdão da RC de 2/06/2009 (proc. nº. 810/08.0TBCTB, acessível em www.dgsi.pt), “a escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um sadio desenvolvimento a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem como uma correcta estruturação da sua personalidade” (em sentido idêntico, vide acórdão da RL de 9/06/2009, proc. nº. 321/05.6TMFUN-C, acessível em www.dgsi.pt).

A determinação da residência dos filhos constitui elemento determinante do regime do exercício das responsabilidades parentais, uma vez que caberá ao progenitor com quem eles residam habitualmente, ou ao progenitor com quem eles se encontram temporariamente, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente, cabendo a cada um dos progenitores, pelo período em que o filho consigo resida, nos casos de residência alternada (artº. 1906º, nº. 3 do Código Civil).

Relativamente à questão da residência dos filhos, releva o disposto no artº. 1906º, nº. 3 do Código Civil, no sentido de que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.

Debruçando-nos sobre o caso em apreço, estamos perante um casal que se encontra separado desde 31/07/2017, data em que a progenitora deixou a casa de morada de família sita em Chaves, levando consigo os seus filhos menores J. X., J. S. e K. X. e foi viver para a Figueira da Foz, onde se encontrava a residir o seu filho mais velho Leonardo, mantendo-se o progenitor a residir em Chaves.

O Tribunal “a quo” fixou a residência da J. X., de 13 anos de idade, junto da mãe e a residência do J. S. e da K. X., de 8 e 4 anos respectivamente, junto do pai.

Afigura-se-nos, no entanto, salvo o devido respeito, que o Tribunal “a quo” não teve em conta, nesta decisão, o escopo fundamental da regulação do exercício das responsabilidades parentais, que é o interesse dos menores, pois deveria, em nosso entender, manter unidos os irmãos em vez de os separar.

É hoje inquestionável, a nível das diversas ciências que estudam o desenvolvimento das crianças, que os irmãos devem crescer juntos e, sempre que possível, na companhia dos pais, sendo isso relevante para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da sua personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados.

Tem vindo a falar-se no princípio da não separação de irmãos, frequentemente invocado nas decisões sobre a atribuição da guarda dos filhos, sobretudo nos casos em que as crianças viviam juntas antes da separação dos pais, como consequência da necessidade da criança na continuidade das suas relações sociais e afectivas. O fundamento de tal princípio reside na ideia de que os filhos de pais divorciados ou separados judicialmente, já traumatizados com o afastamento de um dos pais, ainda sofreriam mais com a separação dos irmãos, o que afectaria negativamente o seu desenvolvimento (cfr. acórdãos da RC de 12/10/2004, proc. nº. 2265/04 e de 2/06/2009, proc. nº. 810/08.0TBCTB; da RP de 29/04/2014, proc. nº. 26/12.1TMMTS-A e da RG de 9/01/2017, proc. nº. 776/12.2TBEPS-C, todos acessíveis em www.dgsi.pt; Maria Clara Sottomayor, in Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, pág. 123 a 125).

Assim, só casos verdadeiramente excepcionais, motivados por razões extremamente ponderosas, poderão justificar que se separem os irmãos uns dos outros, situação de excepção essa que, como facilmente se extrai da matéria fáctica dada como assente, não ocorre no caso presente.

Tanto a jurisprudência como a doutrina, partem da máxima de que as relações entre os irmãos devem ser estimuladas de maneira a não obstar a sua convivência diária e o seu amparo recíproco. E a conveniência de não separar os irmãos também possui esteio na intenção de se manter unido o que resta da família.

Se os irmãos são unidos e sempre viveram juntos, é imperioso que o juiz, sustentado no princípio de que os interesses das crianças são superiores aos interesses dos pais e que são apenas eles que devem constituir o critério da decisão, procure a todo o custo não separá-los, o que não se verificou “in casu”.

A relação entre pais e filhos trata-se de uma relação que tem necessariamente que ser gratificante e recíproca. Não pode ser imposta pelo progenitor só pelo simples facto de lhe assistir esse direito.

Com efeito, o artº. 5º da RGPTC veio consagrar o direito de audição da criança e que a sua opinião seja considerada pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.

Dar relevância às declarações de uma criança, mostra que a mesma deixou de ser tratada como um "objecto" e passou a ser vista como um sujeito de direitos, que possui a prerrogativa de se pronunciar sobre uma questão fundamental na sua vida.

Na avaliação do peso a ser conferido às declarações de vontade da criança, a jurisprudência tem levado em consideração determinados aspectos, como a idade do menor, a sua maturidade, assim como a intensidade com que a sua preferência foi manifestada.

No caso destes autos, a J. X. rejeita a convivência com o pai e manifestou o desejo claro de residir com a mãe – posição esta que facilmente se compreende se olharmos para os factos apurados e os elementos constantes dos autos, entre os quais se destacam a acusação que foi deduzida contra o requerido no âmbito do processo nº. 314/17.0TBCHV, onde lhe é imputada a prática de dois crimes de violência doméstica - um na pessoa da requerida e outro na pessoa da filha J. X. – e o relatório social elaborado pela Segurança Social em 21/11/2017.

Refere o Ministério Público, nas suas alegações de recurso, que a matéria descrita na acusação releva (ainda que em termos de indiciação), porque permite compreender a vivência familiar dos requeridos, enquanto casal e pais de três crianças; as motivações que determinaram a saída de casa por parte da progenitora e dos filhos menores e os sentimentos de rejeição da figura paterna por parte da jovem J. X.. Por outro lado, permite questionar que tipo de pais eram estes e os indiciados actos de violência praticados pelo requerido sobre a esposa e os filhos, que colocaram em risco a saúde física e psíquica da sua filha J. X., bem como dos outros dois filhos, também eles vítimas dessa violência, enquanto presenciavam este modo de actuação do pai.

Todos nós sabemos que educar é mais do que falar e transmitir verbalmente ideias, conceitos, verdades e inverdades. É mostrar através do nosso exemplo os princípios de respeito pelo outro, de amor, partilha, interajuda e verdade.

O exemplo é um dos instrumentos educativos mais valiosos com que os pais podem contar. É em casa que as crianças encontram a sua melhor escola e é a família que proporciona à criança todos os estímulos para o seu crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e emocional.

Se os pais não demonstram esses valores na sua vida diária, dificilmente as crianças poderão vir a desenvolvê-los. É fundamental que os pais estejam conscientes do impacto que o seu exemplo tem na educação dos seus filhos.

O comportamento dos pais tem mais impacto do que as palavras. Ser coerente é fundamental, não podendo os pais exigir aquilo que eles próprios não fazem.

E o exemplo deste pai, espelhado na acusação, é muito negativo - a isto acresce o facto do requerido ter sido condenado, por acórdão proferido em 29/05/2018 (ainda não transitado em julgado), pela prática dos dois crimes de violência doméstica que lhe eram imputados (um na pessoa da mulher Maria e outro na pessoa da sua filha J. X.), em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão efectiva, conforme resulta de fls. 1399 a 1449 do processo electrónico, o que referimos apenas por entendermos que este facto superveniente poderá revestir interesse, por sedimentar a convicção deste Tribunal de recurso, contrariamente à posição plasmada na sentença sob censura, de que o requerido não oferece melhores garantias de transmissão de valores e integração em práticas de vida mais consentâneos com a legalidade e a honestidade de vida em sociedade, comparativamente com a requerida.

Com esta afirmação não pretendemos desconsiderar os maus exemplos desta mãe no passado, dada a comprovada prática de furtos quando o casal e os filhos viveram em Inglaterra. Mas, mesmo nesta parte, o pai dos menores foi conivente com esta actuação, ao longo de cerca de 15 anos de vida em comum.

Por outro lado, nos relatórios sociais elaborados pela Segurança Social, juntos ao processo de promoção e protecção (Apenso B), tendo em vista a aplicação aos menores J. X., J. S. e K. X. de uma medida de promoção e protecção, são apontados os principais factores de risco identificados na história familiar destes menores, sendo feita menção ao facto de ser evidente o medo que os menores têm do pai, bem como aos sentimentos de recusa e oposição dos menores J. X. e J. S. em acompanhar o pai.

Conforme consta dos referidos relatórios, os serviços/técnicos envolvidos no acompanhamento destas crianças consideram que a mãe tem acompanhado os filhos, participando em reuniões na escola e assegurando a sua assiduidade e pontualidade.

E concluem: “Na nossa perspectiva esta mãe apresenta disponibilidade para acompanhar os filhos, tem apoios dos serviços e não obstaculiza os contactos com o pai.

Face ao exposto, consideramos que os fatores de risco conhecidos e que estiveram na origem da instauração do presente processo ainda se mantêm e configuram situações de perigo tipificadas nos termos do art. 3º da Lei 142/15 de 8 de Setembro.

Face ao exposto, é nosso entendimento que a família deve ser responsabilizada no sentido de proporcionar condições de estabilidade sócio-emocionais aos menores no seu meio natural de vida, pelo que somos de parecer que se deveria aplicar aos menores a medida de Apoio junto dos pais, in casu, junto da mãe, pelo período de 6 meses.”

Nesta sequência, na conferência realizada em 5/12/2017, foi homologado o acordo de promoção e protecção celebrado com os progenitores e aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, concretamente da mãe, a que já nos referimos.

Ora, no caso em apreço, o Tribunal “a quo” desconsiderou a medida de promoção e protecção em vigor – medida de apoio junto dos pais, concretamente da mãe - contrária à própria decisão tutelar cível.

Na base do processo de promoção e protecção estavam as situações de conflito/violência do casal. Sujeitar os filhos a maus-tratos físicos, ofensas verbais e humilhações coloca-os em situação de perigo e não contribui, com toda a certeza, para o seu crescimento harmonioso e saudável.

Por outro lado, os três menores sempre viveram juntos e com a sua mãe, existindo entre eles uma ligação afectiva forte, sendo, por isso, desaconselhável a sua separação.

Ora, a junção dos três irmãos só é possível, se os menores forem confiados à mãe, sendo esse um elemento decisivo a ponderar.

Ademais, a menor K. X. tem actualmente 4 anos, idade em que a ligação à mãe ainda é muito importante, sendo mais um elemento de peso a ponderar.

No caso destes autos, considerando todos os factores atrás explanados, bem como a situação de facto já criada (os menores estão a viver com a mãe) e que perdura há mais de um ano, entendemos ser de valorizar a continuidade da situação familiar, escolar e social, não se justificando uma mudança radical de residência das crianças J. S. e K. X..

De acordo com a prova produzida nos autos, a requerida apresenta-se como uma mãe atenta e cuidadora, tratando devidamente da alimentação, higiene, saúde e educação dos menores.

Se é certo que no passado deu um mau exemplo, atento o seu registo criminal em Inglaterra, actualmente está devidamente integrada em termos laborais e sociais, apresenta condições habitacionais, materiais e afectivas para acompanhar diariamente os filhos.

Tendo esta mãe sido a pessoa que assumiu o maior papel protector dos filhos, mantendo com eles uma relação afectiva referencial contínua, e estando os menores J. S. e K. X. já integrados num determinado contexto escolar e habitacional, revelando inteira adesão à manutenção da situação actual, consideramos que a retirada nesta fase do J. S. e da K. X. do agregado materno onde se encontram inseridos – mudança essa preconizada na decisão recorrida – constituiria a pior solução que poderia ser propugnada, dados os fortes laços de afectividade existentes entre os três irmãos, a ligação afectiva destes à mãe e os sentimentos de medo e recusa em relação ao pai.

Essa mudança constituiria, aliás, um sério risco para a segurança, formação, educação e desenvolvimento harmonioso dos menores J. S. e K. X., considerando os contornos específicos que o caso em apreço reveste.

Não se pode olvidar que o critério essencial da decisão é encontrado no interesse superior da criança, ou seja, naquilo que, em cada momento da sua vida, se revela como mais consentâneo com os seus interesses que, em contraponto, tem menos inconvenientes, que menos a prejudica, que menos altera as suas dinâmicas vivenciais e que, no fundo, a faz mais feliz.

Assim, existindo uma situação de estabilidade não se antevê qualquer motivo que conduza à alteração da residência dos menores J. S. e K. X., devendo os mesmos manter-se a residir com a mãe.

Como tal, entendemos que, nesta parte, deverá ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, fixando-se a residência dos menores J. S. e K. X. junto da mãe, procedendo os recursos interpostos pelo Ministério Público e pela requerida.
*
Quando regulado judicialmente o exercício das responsabilidades parentais há lugar à fixação de um regime de visitas ao progenitor a quem não tenha sido confiada a guarda do filho, a menos que excepcionalmente o interesse deste o desaconselhe (artºs 1906º, nº. 5 do Código Civil e 40º, nºs 2 a 3 do RGPTC).

O regime de visitas deve ser fixado no sentido de propiciar o contacto do menor com o progenitor que não o tem à sua guarda, de forma a possibilitar a manutenção dos laços afectivos do menor com o progenitor não guardião, permitindo ao menor um enriquecimento psico-emocional e afectivo, integrando no seu "mundo" as referências parentais transmitidas por ambos os progenitores.

O regime de visitas não pode ser visto à luz de um pretenso direito dos pais ou dos seus interesses, mas, antes, numa perspectiva de satisfação do interesse real do filho, enquanto contributo relevante para o seu saudável crescimento emocional e psicológico.

No entanto, na fixação/alteração do regime de visitas/convívio deve sobretudo dar-se prevalência à continuidade da estabilidade psicológica e afectiva que vem sendo vivenciada pelo menor, sendo a opinião deste, em determinadas circunstâncias, levada em consideração pelo Tribunal.

De facto, tal como já vem sendo defendido na nossa jurisprudência, a opinião do menor assume relevância em diversas matérias que lhe dizem directamente respeito, designadamente nos casos em que o menor verbaliza não desejar a companhia do progenitor que não tem a sua guarda (cfr. acórdão da RL de 14/09/2010, proc. nº. 1169/08.1TBCSC-A, acessível em www.dgsi.pt).

Deste modo, consideramos que a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa aos menores J. X., J. S. e K. X., onde se inclui o regime de visitas/convívio com o progenitor, proposta pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões (mais concretamente na conclusão 53ª), é a que melhor se adequa aos contornos do presente caso, salientando-se, no entanto, o seguinte:

- nos pontos 2) e 5) a 9) mencionados na conclusão 53ª é mantido o regime fixado na sentença recorrida;
- a alínea a) do ponto 7) mostra-se desactualizada, uma vez que as férias escolares de Verão de 2018 já terminaram, tendo-se iniciado recentemente um novo ano lectivo, devendo, por isso, esta alínea ser substituída por outra que contemple o período das férias de Verão de 2019.

Importa, ainda, referir que, face à alegação insistente, por parte do requerido, no decorrer do processo, de que não tem capacidade financeira para suportar sozinho a viagem de ida e volta de Chaves para a Figueira da Foz, para ir buscar e levar as crianças, sendo tal deslocação bastante complicada para ele, mesmo que seja feita apenas uma vez por mês - o que foi reiterado nas declarações por ele prestadas na sessão de julgamento de 5/12/2017 – entende este Tribunal de recurso que deverá manter-se a possibilidade do pai passar um fim de semana por mês com os menores J. S. e K. X., no seguimento do que foi fixado pelo Tribunal de 1ª instância e que não foi questionado por nenhum dos intervenientes processuais.

Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pelo Ministério Público e, como tal, decide-se regular o exercício das responsabilidades parentais, em relação aos menores J. X., J. S. e K. X., nos seguintes termos:

1) Fixa-se a residência da jovem J. X. e das crianças J. S. e K. X. junto da mãe;
2) Vigora o exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida das crianças e da jovem, sendo, quanto às questões da vida corrente das mesmas, a decisão a cargo de quem as tiver, a cada momento, na sua companhia, sem prejuízo das orientações educativas mais relevantes fixadas pelo progenitor residente;
3) O progenitor poderá conviver e estar com a jovem J. X. em termos a combinar com a progenitora e a jovem;
4) As crianças J. S. e K. X. passarão com o progenitor com quem não residem um fim de semana mensal em termos a combinar com a progenitora;
4) As viagens são feitas pelo progenitor;
5) Os levantamentos das crianças deverão ter lugar à sexta feira e as entregas ao domingo, sempre em local a combinar entre os progenitores;
6) Caso sexta-feira ou domingo sejam feriado, antecipa-se para quinta feira ou adia-se para segunda-feira, respectivamente;
7) Cada um dos progenitores terá as crianças na sua companhia em metade dos períodos de interrupção lectiva, em termos anuais e alternados, nos seguintes moldes:

a) em 2018, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias de Natal até 26 de Dezembro e a mãe na segunda semana até 2 de Janeiro de 2019;
b) em 2019, o pai terá as crianças consigo na primeira semana de férias da Páscoa e a mãe na segunda semana;
c) em 2019, o pai terá as crianças consigo na primeira metade das férias de Verão e a mãe na segunda metade;
8) Cada um dos progenitores poderá falar directamente com os filhos que não tenha na sua companhia, por qualquer meio de contacto à distância, entre as 19 e as 20 horas.
9) Fixa-se a pensão de alimentos em benefício de cada menor em €50,00 mensais, a suportar pelo progenitor, até ao final de cada mês, por transferência bancária.
*
SUMÁRIO:

I) - O critério essencial a ter em conta na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o do interesse do menor.
II) - Não existe um conceito legal de interesse do menor, tendo o mesmo de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva as mais variadas necessidades daquele nos aspectos físico (alojamento, alimentação e segurança), afectivo, intelectual, moral e social.
III) - O interesse do menor (ou o superior interesse do menor) é um conceito indeterminado que deve ser concretizado, caso a caso, tendo em consideração as particularidades de cada menor e a sua situação envolvente.
IV) - A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um sadio desenvolvimento a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem como uma correcta estruturação da sua personalidade.
V) – Segundo as diversas ciências que estudam o desenvolvimento das crianças, os irmãos devem crescer juntos e, sempre que possível, na companhia dos pais, sendo isso relevante para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da sua personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados.
VI) - Se os irmãos são unidos e sempre viveram juntos, é imperioso que o juiz, sustentado no princípio de que os interesses das crianças são superiores aos interesses dos pais e que são apenas eles que devem constituir o critério da decisão, procure a todo o custo não separá-los.
VII) - Tendo a mãe sido a pessoa que assumiu o maior papel protector dos filhos, mantendo com eles uma relação afectiva referencial contínua, e estando os menores J. S. e K. X. já integrados num determinado contexto escolar e habitacional, revelando inteira adesão à manutenção da situação actual, considera-se que a retirada nesta fase do J. S. e da K. X. do agregado materno onde se encontram inseridos, constituiria um sério risco para a segurança, formação, educação e desenvolvimento harmonioso daqueles menores.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos pelo requerente Ministério Público e pela requerida Maria e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa à fixação da residência dos menores J. S. e K. X., bem como quanto ao regime de visitas/convívio dos menores com o progenitor, decidindo a regulação do exercício das responsabilidades parentais em relação à jovem J. X. e às crianças J. S. e K. X. nos termos supra explanados.

Custas a cargo do recorrido, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 27 de Setembro de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Sousa)