Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1261/15.6T9BRG.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: ESTRUTURA ACUSATÓRIA DO INQUÉRITO
VISUALIZAÇÃO DE IMAGENS DE VIDEOVIGILÂNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO
PAGAMENTO AO LESADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A fase processual do inquérito tem uma estrutura acusatória e unilateral, tomados os termos por contraposição a contraditório, o que significa que as diligências de investigação a praticar no seu decurso são tão-só as que o Ministério Público considerar necessárias ou convenientes.

II - Aquando do visionamento de imagens de videovigilância em sede de inquérito, não é obrigatória a presença do arguido e/ou do seu mandatário/defensor.

III - A obrigação de reparação do mal do crime permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena.

IV - A obrigação de o arguido entregar ao ofendido a quantia (parcial ou total) fixada para efeitos de reparação dos danos decorrentes da sua actuação, não deixa de ter natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual esta obrigação, destinada a reparar o mal do crime, assume também uma função adjuvante da realização das finalidades da punição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Singular nº 1261/15.6T9BRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos:

A. P., casado, carpinteiro, filho de … e de …, natural de …, Braga, nascido a …, residente na Rua …, Braga, titular do Cartão de Cidadão nº …; e
J. L., casado, empregado comercial, filho de … e de …, natural de …, Braga, nascido a …, residente na Travessa …, Braga, titular do Bilhete de Identidade nº ….
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2. Em 01/04/2019 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição 1):
“Pelo exposto, o tribunal decide:

Parte Criminal

a) Condenar o arguido A. P. pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 b) CP, com referência ao artº 202º al. b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, condicionando-se tal suspensão ao pagamento à assistente P. C., S.A. da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), pagamento a efectuar no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, disso devendo fazer prova nos autos.
b) Condenar o arguido J. L. pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 b) CP, com referência ao artº 202º al. b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, condicionando-se tal suspensão ao pagamento à assistente P. C., S.A. da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), pagamento a efectuar no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, disso devendo fazer prova nos autos.
c) Custas pelos arguidos, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça a pagar por cada um deles.

Parte Cível

a) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por P. C., S.A. parcialmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados A. P. e J. L. a pagarem à demandante a quantia de € 25 341,10 (vinte e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e dez cêntimos), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde as datas em que cada uma das quantias parcelares foram apropriadas pelos demandados (correspondentes às datas das vendas das respectivas mercadorias) até efectivo e integral pagamento.
Custas pela demandante e pelos demandados na proporção do decaimento.
(…)”.
*
3. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. L. interpor o presente recurso, constante de fls. 907/930, e de fls. 954/960, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões (2) e petitório (transcrição):

“1ª - O Tribunal a quo decidiu condenar o recorrente como co-autor material de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º nº1 e nº5 b), 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de dois anos, condicionada ao cumprimento de vários deveres, mormente o pagamento da quantia de 10.000,00 euros à assistente.
2ª – Não pode o Recorrente conformar-se com tal Sentença, pois considera que o Tribunal a quo violou de forma contundente o Princípio do Contraditório, da Igualdade das partes e da possibilidade da defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32º nº1 e nº 5 da constituição da república portuguesa, pelo artigo 61º nº1 alínea a) do CPP e pelo artigo 3º nº 3 do CPC.
3ª - Com a acusação, o Recorrente constatou que um dos elementos probatórios mais relevantes eram as imagens de videovigilância juntas pela Assistente.
4ª - Assim, desde o início até á prolação da sentença em 1ª instância, tentou o Recorrente que lhe fossem facultadas todas as imagens, de modo a poder exercer cabalmente o contraditório.
5ª - O Tribunal a quo nunca permitiu o acesso integral às imagens de videovigilância, não tendo o Recorrente podido exercer a sua defesa.
6ª - Da análise do processo resulta ainda que as testemunhas C. C. e L. G. tiveram acesso ao visionamento de imagens a que o recorrente nunca acedeu!
7ª – Entendeu o Meritíssimo Julgador a quo permitir na segunda sessão da audiência de julgamento o visionamento de parte das imagens de videovigilância.
8ª – Sucede que da parte que foi visionada em audiência de julgamento não se conseguiu efectuar:
- a identificação dos supostos clientes e demais trabalhadores;
- o tipo de mercadorias e quantidades carregadas nos carrinhos e transportadas para as viaturas dos clientes;
- a correspondência entre as alegadas mercadorias visíveis e a respectiva facturação posterior (facturas pro formas) destas por parte da Assistente;
- se após a saída das mercadorias, as mesmas foram pagas pelos clientes, em momentos posteriores.
9ª – Do visionamento permitido pelo julgador a quo, não se conseguiram identificar os clientes, o trajecto da entrada, compra e saída de mercadorias, nem verificar quais os supostos “bens levados e não facturadas” pelo aqui Recorrente e não pagas pelos clientes.
10ª – Se antes da audiência o Meritíssimo Juiz a quo não permitiu o acesso às imagens de videovigilância e se das imagens visionadas em audiência de julgamento não se percebe de forma coerente, continua, e sem a “pseudo interpretação” de um funcionário da Assistente o que se passava, como pode o Recorrente exercer o seu contraditório?
11ª – Como contraditar clientes não identificáveis, passagem de bens que se desconhecem, inexistência de facturas de bens que se desconhecem, recebimento de dinheiro não verificado?
12ª - Na verdade, o modo como foi efectuado o visionamento das imagens de vídeo vigilância impediram in totum qualquer tipo de contraditório por parte dos Arguidos.
13ª - Ficando o Mmº Juiz a quo “satisfeito” com esse visionamento que restringiu, de forma clara, a defesa dos arguidos e que limitou totalmente questões colocadas pela sua defesa.
14ª – Na verdade, ainda hoje o Recorrente não entende como pode ser julgado e condenado por algo que nunca viu, nem nunca lhe foi permitido a sua total visualização!
15ª – O não permitir que o Arguido/ Recorrente visionasse todas as imagens que se encontram nos autos e o não fornecer-lhe uma cópia é reduzir a Justiça a um mero formalismo de cumprimento de agenda, constituindo um verdadeiro atropelo a todos os princípios estruturantes do Direito Processual Penal!
16ª - Esta actuação judicial por parte do Tribunal a quo reflecte uma clara omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material e violação do princípio do contraditório, configurando uma nulidade, cominada pelo artigo 120º nº1 e 2 do CPP, que o aqui Recorrente arguiu perante o Tribunal a quo, e que foi indeferida pelo mesmo!
17ª - Tendo o aqui Recorrente interposto recurso para este Venerando Tribunal de tal indeferimento, mantendo todo o interesse na sua apreciação.
18ª - O direito ao contraditório é o corolário de todos os direitos de defesa, tendo como conteúdo essencial o de nenhuma prova dever ser aceite na audiência de julgamento sem que previamente tenha sido dada a efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar.
19ª - Para esse efeito, o Arguido deve estar dotado ao longo de todo o processo, dos instrumentos processuais necessários para contrariar a posição do Ministério Público ou da Assistente.
20ª - O princípio constitucional da igualdade reconduz-se à proibição do arbítrio, à garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reacção contra determinados vícios da actuação e decisão judiciais, corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.
21ª - O art. 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa está consagrado o direito a um processo equitativo, isto é, a um processo justo «no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito, integrando, assim, a "proibição da indefesa" o núcleo essencial do "processo devido em Direito"; constitucionalmente imposto».
22ª - Será pois primordial e essencial que o Recorrente pudesse efectuar o contraditório da prova (imagens da vídeo vigilância) para justificar a inexistência de crime pelo qual foi acusado e condenado!
23ª – Mais: o Tribunal a quo valorizou os depoimentos de testemunhas que laboram ou exercem funções remuneradas na Assistente e que tiveram acesso ao visionamento integral das imagens de videovigilância: é o caso do seu Director Geral (L. G.), contabilista (M. J.), ROC (A. C.), funcionário (P. A.).
24ª - Face ao exposto o Recorrente, não se conforma com o modo como os seus direitos constitucionais e processuais foram ultrapassados e violados pelo Tribunal a quo, numa verdadeira razia dos mais elementares princípios que enformam um Estado Social de Direito Democrático.
25ª – Entende ainda o recorrente que se verificou erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a violação do princípio do in dubio pro reo.
26ª - O Tribunal a quo afirma que valorou o depoimento dos senhores peritos da Policia Judiciária (C. F. e F. V.), que confirmaram o relatório pericial às imagens de videovigilância e que referiam que “embora fosse possível alterar a datação, tal não é fácil de fazer e que não detectaram nas imagens de videovigilância quaisquer anomalias ou indícios de manipulação”.
27ª – Acresce ainda que “nesta parte, o tribunal levou ainda em conta o relatório pericial que se encontra junto aos autos a fls. 652 a 716, devidamente analisado em sede de audiência”.
28ª – Contudo de acordo com o relatório pericial junto aos autos de fls. 652 a 716 apenas se pode aferir que não é possível concluir se a datação é a original ou não, conforme consta das suas conclusões, nos pontos d) e) e f).
29ª - Ora, o que se pode aferir desta perícia, é que não se logrou provar que as imagens da videovigilância e respectivos fotogramas são os originais, nem se a datação nestes aposta foi alterada ou adicionada posteriormente.
30ª – Destaca-se aqui que o valor probatório da vídeo vigilância, depois deste relatório pericial, está subtraído à livre apreciação do Meritíssimo Julgador do Tribunal a quo!
31ª – E aqui convêm realçar que é Ministério Público ou a Assistente que tem provar que a prova por si junta é original e não foi alterada, não sendo o arguido que tem que provar que a mesma é falsa!
32ª – Ainda por cima, prova a que o arguido não teve acesso!
33ª – Sendo certo que estas dúvidas e incertezas terão necessariamente de aproveitar aos arguidos, por aplicação do Princípio in dúbio pro reo.
34ª – Um dos depoimentos mais valorados pelo Tribunal a quo foi o da testemunha L. G., que «salientou que a maior parte das situações ocorreu, sobretudo, aos Sábados de manhã por ser um dia de menor movimento, de tal forma que praticamente só estavam nas instalações da assistente os dois arguidos, o que facilitava a sua actuação.»
35ª - Ora, numa breve análise aos dias identificados na Sentença in crise, 25 de Outubro,15,18,19, 21, 24,25, 26, 27, e 28 de Novembro, 1, 2, 4 e 5 de Dezembro, facilmente se contabiliza que há apenas dois Sábados (o 25 de Outubro e o 15 de Novembro)!
36ª - Importa ainda ao Recorrente, chamar mais uma vez a atenção para o facto desta testemunha “na companhia do funcionário P. A. (que o auxiliou na identificação dos clientes, pois era ele quem melhor os conhecia), procedeu a uma visualização exaustiva e minuciosa das imagens de videovigilância, isto após ter solicitado todas as facturas e talões emitidos em cada um daqueles dias.» (Negrito e Sublinhado Nosso)
37ª - Ora, essa visualização exaustiva e minuciosa das imagens de videovigilância permitiu a identificação de clientes errados, obrigando o Tribunal a quo a fazer essa correcção!
38ª - Falta pois saber, se as supostas mercadorias que indicaram como não facturadas tendo como base essa visualização exaustiva foram as reais!!!
39ª – Na verdade, e quanto às alegadas mercadorias identificadas pela testemunha L. G., em colaboração com o trabalhador e testemunha P. A. (através da visualização exaustiva e minuciosa das imagens de videovigilância levadas pelos clientes e não facturadas), a testemunha A. J. negou de forma contundente, na audiência de julgamento, ter alguma vez adquirido/levado das instalações da assistente Pastilhas Elásticas ....
40ª - Contudo, o Tribunal a quo dá como provado que esse cliente levou, sem ter pago à Assistente Pastilhas Elásticas ..., num valor de 2,64€!
41ª – Provado com base em quê? Nas imagens de videovigilância que ninguém viu a não ser algumas testemunhas da Assistente?
42ª – Mais: ao logo do julgamento o Tribunal a quo, viu-se obrigado a corrigir diversos lapsos e erros relativos à data em que alegadamente ocorreram os fatos, aos valores, aos bens, e aos clientes.
43ª - No seu despacho de 12 de Março de 2019, por exemplo, o Tribunal a quo corrige valores e quantidades, baseado apenas em facturas pró-forma, elaborados pela a assistente, após a visualização exaustiva e minuciosa das imagens de videovigilância levadas pelos clientes e não facturadas!!!
44ª - Mais uma vez, todas as correcções feitas pelo Tribunal a quo não foram confrontadas com as imagens de videovigilância, mas fundamentaram-se em depoimentos que se basearam na visualização dessas imagens de videovigilância.
45ª - Nesta matéria, o Recorrente sempre dirá que o Tribunal a quo, numa total inversão de qualquer ónus da prova, sempre respeitou o princípio “in dúbio pro adiutor”!
46ª – Acresce ainda que o Recorrente não vislumbra onde e qual o meio de prova produzido, documental, testemunhal ou imagens, que permitiu ao Tribunal a quo concluir que «os arguidos estabeleceram um plano entre si para ficarem com o dinheiro que lhes era entregue pelos clientes».
47ª - Tem o recorrente como certo que há manifesto erro na apreciação da prova, pois, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, mormente as conclusões do exame pericial e as declarações das testemunhas A. F., P. G., M. E., L. L., R. L., impunha-se decisão diversa.
48ª - Semelhante motivação, além de não conter um completo exame crítico da prova, conforme exige o art. 374º nº2, do CPPen, enferma de um clamoroso erro na sua apreciação, pois, valoriza, contra as mais elementares regras de experiência comum, as declarações do Director Geral da assistente, do seu contabilista e trabalhador, todos com interesse óbvio no desfecho do processo, menosprezando as conclusões da perícia e ignorando, sem qualquer justificação, o depoimento de várias testemunhas sobre o modo como adquiriam e pagavam as mercadorias.
49ª - Do exposto resulta que, do conjunto da prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, há dúvidas sobre a verificação dos factos em análise, a sua autoria, e as circunstâncias que os rodearam;
50ª - Dúvida que teria sempre e necessariamente de aproveitar ao Recorrente, por aplicação do princípio in dúbio pro reo, e que imporia a respectiva absolvição, com todas as legais consequências
51ª - Pese embora a importância da celeridade e eficiência na realização da Justiça, esta só se alcançará se forem respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos: respeito pelos Princípio do Contraditório, do In dúbio pro Reo, e uma real “igualdade de armas” entre os intervenientes processuais.
52ª - Tendo o Tribunal a quo decidido de forma diversa, condenando o ora Recorrente na prática em co-autoria do crime de abuso de confiança qualificado, foram violados, entre outros, o art. 32º. Nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa e os art.s 61º, nº1, 163º e 410º n.º 2 alínea a), todos do C.P.P. e o artigo 3º nº 3 do CPCivil.

Sem prescindir,

53ª - No modesto entendimento do Recorrente, tem-se como inadequada, face à matéria de facto apurada, a medida concreta da pena.
54ª - Na determinação da medida concreta da pena devem-se acolher todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias agravantes e atenuantes.
55ª - Para além do mais, sufraga-se o entendimento que a medida da pena terá de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, definitiva e concretamente estabelecida em função das exigências da prevenção especial positiva.
56ª - No caso sub judice, e com o devido respeito, não foram convenientemente valoradas pelo Tribunal a quo as circunstâncias que determinaram a pena aplicada, concretamente a inexistência de antecedentes criminais do recorrente, a situação económico-financeira deste e do seu agregado familiar e a sua integração familiar e social.
57ª - Considera o Recorrente, igualmente excessiva, a obrigação de liquidar a quantia fixada de 10.000,00€, no prazo de dois anos como condição para suspender a execução da pena em que foi condenado.
58ª - Bem sabendo o Tribunal a quo que o recorrente aufere salário mínimo, vivendo o seu agregado familiar, composto de três elementos, com parcos rendimentos.
59ª - O que na prática se traduz na aplicação efectiva de uma pena de prisão, já que a sua condição de suspensão é um dever impossível de cumprir!
60ª - Esta condição para suspensão da execução da pena de prisão viola os direitos fundamentais do Recorrente, já que põe em causa o mínimo necessário para a sua subsistência, como seja o direito à alimentação, habitação e saúde.
61ª - É que, se por um lado, as condições para a suspensão da execução de uma pena de prisão devem implicar algum sacrifício para o agente, por outro lado, não podem exigir um sacrifício inumano como forma do seu cumprimento!
62ª - Deve pois ser revogada esta condição para a suspensão da execução da pena de prisão.
63ª - Igualmente, quanto ao montante arbitrado a título de indemnização civil por danos patrimoniais emergentes o Recorrente considera-o absolutamente excessivo!
64ª - O ressarcimento dos danos patrimoniais é feito equitativamente, ponderando-se o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e demais circunstâncias do caso.
65ª - Ora, no caso sub judice o Recorrente tem uma situação económica precária.
66ª - Com a medida da pena concretamente aplicada desequilibrou-se, desrazoavelmente, o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre a conduta e a consequente pena de prisão em que o recorrente foi condenado suspensa na sua execução mediante a obrigação de pagar a quantia arbitrada a título de indemnização civil.
67ª - Que um outro igualmente poderoso princípio da igualdade de todos perante a lei impõe, pela circunstância decorrente da personalidade do recorrente e do justificativo racional que esta oferecia para as condutas imputadas.
68ª - São os mesmos inputs referidos por Max Weber que não inquinam pela compreensão que merecem mas afectam pela injustiça que possibilitam – sendo contra esta que se protesta, nesta vertente de violação dos aludidos princípios jurídico-constitucionais da igualdade e da proporcionalidade de todos perante a lei.
69ª - Pelo exposto, a sentença in crise violou os princípios da proporcionalidade e igualdade estatuídos nos artigos 13º e 18 da Constituição da República Portuguesa.
70ª - Em suma, entende o Recorrente que a pena é manifestamente excessiva, desadequada, injusta e desproporcional.
71ª - Sendo da maior e mais elementar justiça a reponderação quer do quantum da pena, quer da sua forma de execução, quer ainda da indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais, devendo ser reavaliados os critérios que estiveram na subsunção dos factos ao crime imputado ao aqui Recorrente.

NESTES TERMOS:

Menos pelo alegado do que pelos Venerandos Desembargadores sabiamente suprirão, como é Vosso mister e apanágio, deve ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta sentença recorrida na parte que condena o recorrente, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada de que vinha acusado.

ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ – COMO É TIMBRE – A CONSTANS, PERPETUA ET VERA IUSTITIA!”.
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4. Antes da prolação daquela sentença, no decurso da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente no âmbito da 2ª sessão, ocorrida em 11/02/2019, apreciando requerimento dos arguidos no sentido de, em síntese, as testemunhas a inquirir serem confrontadas com as imagens de videovigilância constantes dos autos, o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho que se encontra exarado na acta de fls. 832/835, com o seguinte teor (transcrição):

“O ora requerido pelos arguidos é, salvo o devido respeito, absurdo e fere a mais elementar lealdade processual.

Na verdade, na anterior sessão de audiência de julgamento, a ilustre mandatária dos arguidos requereu que as testemunhas só fossem ouvidas após a visualização das imagens. Tal foi deferido, tendo-se iniciado apenas a inquirição da testemunha L. G., já que o mesmo não é cliente da assistente.

Este tribunal solicitou à assistente que disponibilizasse os meios técnicos necessários para o efeito, tendo o tribunal, na presença de todos os sujeitos processuais, despendido mais de 2 horas, ou cerca de 2 horas e 30 minutos, na visualização das imagens, sendo certo que tais imagens foram colhidas de diversas câmaras, tendo sido visualizados não um, nem dois, nem três, nem quatro, mas todos, todos os clientes nas imagens em causa, nas diversas datas que constam da acusação.

O que os arguidos agora pretendem é que as imagens sejam novamente visualizadas, agora na presença das testemunhas, ou seja, primeiro, quiseram que as imagens fossem visualizadas antes da inquirição das testemunhas, o que foi concedido; agora, querem que as imagens sejam visualizadas durante a inquirição das testemunhas.

Afigura-se-nos que a mera conjugação dos dois requerimentos fala por si quanto ao que tem sido, desde o início desta audiência de julgamento, a postura da ilustre mandatária dos arguidos quanto à realização da audiência de julgamento, sendo óbvio que o requerimento ora formulado é manifestamente dilatório e impertinente, pois não se vislumbra, pelo menos por ora, qualquer interesse numa dupla visualização das imagens.

A testemunha L. G. identificou cada um dos clientes mencionados na acusação.

Tal depoimento será livremente apreciado pelo tribunal em sede oportuna.

De resto, os vários sujeitos processuais puderam constatar as características fisionómicas de cada uma das pessoas que aparecem retratadas nas imagens de videovigilância.

Caberá a cada uma das testemunhas dizer se pagaram ou não as mercadorias que levaram, algumas das quais não passaram pelas caixas do estabelecimento da assistente.
Em face do exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.”.
*
5. Inconformado com tal despacho, dele recorreu o arguido J. L., nos termos constantes de fls. 844/865, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1ª - O Despacho ora recorrido, proferido na audiência de 11 de Fevereiro de 2019, indeferiu diligências probatórias essenciais requeridas pelo Recorrente.
2ª O aqui Recorrente requereu ao Tribunal a quo, que fosse dada a possibilidade aos arguidos de visionar as imagens de videovigilância junta aos autos, e cujo visionamento apesar de ter sido requerido anteriormente, na contestação e em requerimentos posteriores (datados de 11/04/2018, a 04/05/2018 e a 25/06/2018), nunca foi logrado.
3ª- Segundo o plasmado no art.º 340 nº 1 do CPP, o tribunal deve ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
4ª- Contudo, no caso em apreço, o despacho sob recurso motivou o indeferimento das diligências probatórias requeridas com os fundamentos de:
e) “o requerimento ora formulado é manifestamente dilatório e impertinente, pois não se vislumbra, pelo menos por ora, qualquer interesse numa dupla visualização das imagens.”
f) “A testemunha L. G. identificou cada um dos clientes mencionados na acusação”.
g) “os vários sujeitos processuais puderam constatar as características fisionómicas de cada uma das pessoas que aparecem retratadas nas imagens de videovigilância.”
h) “Em face do exposto, indefere-se o requerido.”
5ª- No entanto, inexiste fundamento legal para o despacho recorrido, uma vez que a diligência requerida é relevante para a defesa (possibilidade de contraditório das ilações/identificações do conteúdo das filmagens) e para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa.
6ª- Os Arguidos nunca puderam levar a cabo qualquer visionamento das imagens de videovigilância, tendo as mesmas apenas e só sido visionadas nas instalações da Assistente, com a presença de um agente da PSP e de uma testemunha, L. G..
7ª- Aquando a admissão da perícia às imagens – que se prende apenas com a questão da autenticidade e não manipulação das imagens -, o Mm.º Juiz não se pronunciou sobre o requerido visionamento, total e completo, pelos arguidos na Contestação e em requerimentos posteriores.
8ª- Admitiu apenas e só em audiência de julgamento, não na primeira sessão de julgamento, mas sim numa segunda sessão de audiência de julgamento o visionamento, parcial e limitados, das imagens de videovigilância, assistida por todos os sujeitos processuais presentes e pela testemunha L. G.!
9ª- Não obstante, foi um visionamento extremamente limitado e restrito, com uma duração máxima de 2h 30 min não permitindo à defesa dos arguidos questionar e/ou aferir sobre:
- a identificação dos respectivos clientes e demais trabalhadores;
- tipo de mercadorias e quantidades carregadas nos carrinhos e transportadas para as viaturas dos cliente;
- aferir a correspondência entre as alegadas mercadorias visíveis e a respectiva facturação posterior destas por parte da Assistente.
10ª- O arguido, ora Recorrente, entende a necessidade da celeridade da audiência de julgamento, contudo essa mesma celeridade não o pode prejudicar os seus direitos de defesa, uma vez que, atempadamente, pediu o visionamento das mesmas!
11ª- Ou seja, ambos os arguidos requereram fundamentadamente em tempo útil - para não serem acusados de manobras dilatórias- o seu visionamento: tanto na contestação como posteriormente em vários requerimentos.
12ª- É, portanto, alheio ao aqui Recorrente o motivo pelo que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo prolatou o visionamento das imagens para serem feitas em sede de audiência de julgamento, sendo que aí chegados, a exibição das imagens foi parcial, apressada, incompleta, impedindo assim um visionamento total e completo das mesmas, obstando qualquer tipo de contraditório desse meio probatório aos Arguidos.
13ª- Todavia, se ter visionado parcialmente e apenas breves momentos de todas as datas que constam na acusação, não houve lugar à identificação dos clientes que entravam e saíam da Assistente, nunca foi verificado se o(s) carinho(s) que saíam levavam os bens alegadamente não facturados e não pagos na acusação, nem foi visionado se o Arguido, ora Recorrente, recebia algum dinheiro e o que fazia com esse mesmo.
14ª- No modesto entendimento dos Arguidos, mais parece que o Tribunal a quo já formou uma “qualquer” convicção, querendo-se limitar a um decurso prosaico e vulgar na audiência de julgamento violando os principais princípios processuais do ordenamento jurídico português.
15ª- Tal comportamento descrito reflecte uma clara omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material e uma violação do princípio do contraditório, configurando uma nulidade, cominada pelo artigo 120º nº1 e 2 do CPP, que o aqui Recorrente arguiu perante o Tribunal a quo, e que foi indeferida pelo mesmo!
16ª- Ora, o conteúdo essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência de julgamento, nem mesmo interlocutória, deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada a efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar.
17ª- Parece, pois, primordial, face à gravidade da acusação formulada contra o ora Recorrente, e por forma a que se apure toda a factualidade, permitir o contraditório da prova para o Arguido justificar a inexistência do crime pelo o qual vem sendo acusado!
18ª- Tal permitirá, assim, com a diligência requerida, confrontar sempre que necessário as testemunhas com as filmagens de videovigilância, por forma a possibilitar um efectivo contraditório que se afigura essencial para o apuramento da verdade material!
19ª- Mais, há um verdadeiro poder-dever do juiz que, oficiosamente ou a requerimento, deve diligenciar tudo o que for necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, devendo o Tribunal a quo investigar todos os factos relevantes, cujo apuramento permita auxiliar e alcançar a solução legal e justa.
20ª- E, sendo certo que para uma boa decisão da causa nada é tão fundamental como um amplo conhecimento dos factos, com o total respeito pelo princípio do contraditório, e que o Tribunal a quo, no douto despacho recorrido ao indeferir tal diligência probatória, violou o disposto nos 120º nº 2 alínea d), 124º nº1 e art.º 340, todos do CPP.
21ª- Mais, tal Despacho ora em crise, fez verdadeira “tábua rasa” dos princípios constitucionais que asseguram todos os direitos e mecanismos de defesa necessários a que o arguido possa em plena liberdade da vontade defender-se, beneficiando de um julgamento imparcial.
22ª- Além disso, estabelece o artigo 32º nº1 da CRP todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação, através de um julgamento imparcial realizado com total independência do julgador, em que o procedimento deverá ser leal e justo.
23ª- Nos termos do artigo 32º nº 5 da CRP incumbe ao tribunal assegurar o princípio do contraditório na audiência designadamente quanto aos meios de prova apresentados, mesmo que oficiosamente.
24ª- O indeferimento dos meios probatórios requeridos limitou o exercício pleno do contraditório, o que implica o desrespeito pelos direitos de defesa do Arguido.
25ª- Afigura-se ainda que, no modesto entendimento do Recorrente, além de terem sido feridas as garantias de defesa deste, o douto despacho em crise viola toda a teleologia garantística consagrada constitucionalmente e plasmada no Direito Processual Penal.
26ª- Ora, a não possibilidade até ao momento do contraditório da prova junta pelo MP e pela Assistente, omissão prolatada pelo Mmº Juiz que o Recorrente desconhece e a posterior e limitada possibilidade de contraditório em sede de audiência de julgamento, constituem mais um fundamento para que ao Recorrente seja permitida a contrariedade da prova na presença das testemunhas, por forma a conseguir apurar-se os factos que alegadamente são imputados ao Recorrente e a descoberta da verdade material.
27ª- Assim, o indeferimento por parte do Tribunal a quo, viola também o disposto no art.º 32 nº 1 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 120° n° 2 alínea d), 124° nº 1 e 340º todos do Código Processo Penal.

NESTES TERMOS, Vossas Excelências,
deve ser dado provimento ao recurso ora interposto,
revogando-se o douto despacho recorrido,
ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ – COMO É COSTUME
– A CONSTANS PERPETUA ET VERA JUSTITIA!”.
*
6. Na 1ª instância a Digna Magistrada do Ministério Público respondeu a ambos os recursos (ao recurso interlocutório a fls. 904/905 Vº, e ao recurso principal a fls. 932/935), pugnando pela respectiva improcedência, e pela manutenção das decisões recorridas.
6.1. Outrossim, a assistente “P. C., S.A.” respondeu ao recurso principal, nos termos constantes de fls. 936/941, concluindo a sua peça processual aduzindo que “Não se descortina na douta sentença em crise a violação de quaisquer normas de direito substantivo ou adjectivo invocadas pelo Recorrente”.
*
7. Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se, também, pela improcedência dos recursos, adiantando pertinentes e esclarecidas observações em abono dessa posição (cfr. fls. 962/964).
*
8. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (3); não foi apresentada qualquer resposta.
*
9. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (4).

No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, este coloca a este Tribunal as seguintes questões que importa decidir:

Recurso interlocutório

Saber se foram ou não violados os princípios da oficialidade da investigação e o dever de descoberta da verdade, previstos nos Artºs. 124º e 340º do C.P.Penal, bem como as garantias de defesa do recorrente, asseguradas no Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, em virtude de (pretensamente) lhe ter sido vedado o exercício do contraditório da prova (imagens de videovigilância).

Recurso principal

- Saber se foram ou não violados os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da possibilidade de defesa, asseguradas pelo Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e pelos Artºs. 61º, nº 1, al. a) e 3º, nº 3, do C.P.Penal, e bem assim se ocorreu omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material (configurando uma nulidade, nos termos do Artº 120º, nºs. 1 e 2, do C.P.Penal), em virtude de o tribunal a quo nunca ter permitido ao recorrente o acesso integral às imagens de videovigilância, e bem assim o visionamento integral das mesmas imagens em sede de audiência de discussão e julgamento;
- Saber se se verificam, ou não, os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, previstos no Artº 410º, nº 2, alíneas a) e c), do C.P.Penal;
- Saber se ocorreu, ou não, violação do princípio in dubio pro reo;
- Saber se a pena concreta aplicada ao arguido é ou não manifestamente excessiva, desadequada, injusta e desproporcional;
- Saber se é ajustada a obrigação do pagamento por banda do recorrente da quantia de € 5.000,00 à assistente como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
*
2. Porém, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

“1. A sociedade ofendida “P. C., SA” dedica-se ao comércio a grosso e a retalho de produtos alimentares, artigos de utilidade doméstica, ménage e electrodomésticos com relevo para a área de comércio a retalho alimentar nas instalações de “cash and carry” e com estabelecimento na Rua …, Braga.
2. Nessa qualidade, a Administração da sociedade ofendida contratou o arguido J. L. para trabalhar no seu estabelecimento comercial, ficando o mesmo responsável por:
- Proceder à recepção das mercadorias na zona da caixa, aí determinar a espécie e quantidade de mercadorias, submetê-las ao sistema de controle através da leitura óptica dos produtos à venda e classificados por códigos de barras, a elaboração da factura ou da venda a dinheiro;
- Proceder à cobrança das vendas a dinheiro (recebimentos) operados na caixa, guardar e conferir o dinheiro ou valores recebidos;
- Apresentar contas à contabilidade dos dinheiros e valores recebidos;
- Não conceder crédito a clientes sem autorização da Administração da empresa ou do director-geral;
- Assegurar que todos os produtos provenientes do interior do estabelecimento somente podiam sair para o exterior através da caixa onde operava, o que implicava assegurar a passagem obrigatória de todos os produtos fornecidos a clientes através da zona do caixa para elaboração da factura e registo de venda das mercadorias;
- Interagir com os demais funcionários a trabalhar no estabelecimento, designadamente com os ajudantes de armazém e os seus superiores hierárquicos e a Administração, de forma a assegurar um controle eficiente das mercadorias e as operações de venda.

3. Nessa qualidade, a Administração da sociedade ofendida contratou o arguido A. P. para trabalhar no seu estabelecimento comercial, ficando o mesmo responsável por:
- Acompanhar os clientes e carga de mercadorias escolhidas e o seu acondicionamento no carrinho de compras;
- Condução das mercadorias escolhidas pelo cliente até à caixa de pagamento;
- Transportar todos os produtos fornecidos a clientes através da zona do caixa para elaboração da factura e registo de venda das mercadorias;
- Após o registo no caixa proceder à entrega e descarga das mercadorias na viatura do cliente;
- Transporte dos produtos da zona do armazém e a sua colocação em prateleiras, com reposição dos produtos.

4. Os arguidos foram contratados para desempenhar, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade ofendida, as funções próprias, e melhor descritas em 2 e 3, que consistiam, entre o mais, registar todos os produtos vendidos e levados pelos clientes, facturar as compras, receber o valor das vendas, auxiliar no transporte dos bens vendidos e entregar os valores facturados à Administração.
5. Nessa qualidade, competia-lhes entregar à sociedade ofendida os valores apurados naquele estabelecimento, os quais recebiam dos clientes e posteriormente guardavam.
6. Em data não concretamente apurada, mas alguns meses antes das datas que a seguir se descrevem, os arguidos estabeleceram um plano entre si para ficarem com dinheiro que lhes era entregue pelos clientes.
7. Segundo o plano entre eles delineado, em comunhão de esforços e vontades, e de acordo com a divisão de tarefas estabelecida, alguns meses antes das datas que a seguir se descrevem, o arguido A. P. solicitou ao então director-geral da sociedade ofendida que o seu horário laboral fosse coincidente com o do arguido J. L., passando, então, os dois a fazer uma “equipa”.
8. Para concretização do plano delineado e de acordo com a divisão de tarefas estabelecida, o arguido J. L. ficou responsável e operador único da caixa e o arguido A. P. operava como ajudante de armazém.
9. No dia 25 de Outubro de 2014, pelas 08h45, o cliente C. M., que comprava produtos em nome da esposa “M. M.”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

3 caixas de 12 garrafas de Whisky “...”, no valor de € 359,64;
6 caixas de Vinho do Porto “Burtons”, no valor de € 112,68;
2 caixas de 6 garrafas de Licor Beirão, no valor de € 91,80;
2 caixas de 6 garrafas de Brandy “1920”, no valor de € 95,40;
1 caixa de 12 garrafas de Wisky “...”, no valor de € 179,88;
4 garrafas de Gin “Hendricks”, no valor de € 93,01;
1 caixa de 12 garrafas Brandy “...”, no valor de € 122,40;
1 caixa de Vinho do Porto “...”, no valor de € 22,14;
1 caixa de 6 garrafas de Vinho do Porto “Messias”, no valor de € 52,98;
2 caixas de 12 garrafas de Vinho “Terras D’El Rei”, no valor de € 33,36;
1 caixa de 12 garrafas de Vinho “Lucas”, no valor de € 16,32,
tudo no valor de € 1.445,94 (já com IVA incluído)

10. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
11. O cliente C. M. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
12. No dia 25 de Outubro de 2014, pelas 09h15, o cliente V. J. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

25 caixas de 6 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 553,50; 4 caixas de 12 garrafas de Whisky “...”, no valor de € 479,52; 4 caixas de 6 garrafas de Licor Beirão, no valor de € 183,60;
4 caixas de Whisky “…”, no valor de € 188,16;
3 caixas de 12 garrafas de Wisky “…”, no valor de € 280,44;
2 caixas de 12 Martinis 1L, no valor de € 157,44;
1 caixa de Aguardente “...”, no valor de € 60,90;
4 caixas de Vinho “...”, no valor de € 73,68;
30 embalagens de 50 Martinitos/Favaitos, no valor de € 615,00;
12 embalagens de 24 latas Colas/Seven Up, no valor de € 123,84;
11 embalagens de 20 garrafas de água das pedras, no valor de € 90,20
20 embalagens de 24 latas Litpons/Colas/Sumos, no valor de € 187,20;
12 packs de 24 garrafas de Cerveja “TP”, no valor de € 132,48;
31 embalagens de 24 latas de Seven Up/Sumos/Chás, no valor de € 179,08;
22 packs de 24 latas de Seven Up, no valor de € 312,48;
8 caixas de 6 garrafas de aguardente ..., no valor de € 537,60;
6 caixas 1,5k de Caramelos “Penha, no valor de € 486,00;
1 caixa com 12 embalagens de pastilhas “Gorila”, no valor de € 31,68;
10 embalagens de Cevada “...”, no valor de 171,60,
tudo no valor de € 5.942,22 (já com IVA incluído)

13. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
14. O cliente V. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
15. No dia 25 de Outubro de 2014, pelas 10h25, L. L., representante legal do cliente “C. L., Lda.”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 palete (composta por 20 caixas de 4 unidades) de lixívia “...”, no valor de € 266,88;
24 sacos de arroz extra longo, no valor de € 455,04;
12 packs de detergente “...”, no valor de € 129,48;
6 caixas de 12 unidades de Cevada “...”, no valor de € 102,96;
10 caixas de 12 unidades de café da marca “...”, em grão, lote superior, no valor de € 1.006,80,
tudo no valor de € 2.334,87 (já com IVA incluído)

16. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
17. O cliente “C. L., Lda.”, através do seu legal representante, pagou todos os produtos que adquiriu, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
18. No dia 25 de Outubro de 2014, pelas 11h15, G. L., filho de R. M. (a qual costumava adquirir produtos em nome do seu marido A. L.), deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

2 packs de detergente “...” para máquina, no valor de € 66,36 (já com IVA incluído).

19. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
20. O cliente A. L. (através da sua esposa R. M.) pagou todos os produtos que adquiriu, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
21. No dia 15 de Novembro de 2014, pelas 08h35, o cliente C. M., que comprava produtos em nome da esposa “M. M.”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 palete com 1152 garrafas de cerveja “...”, no valor de € 449,28;
2 caixas de 12 garrafas de Whisky “...”, no valor de € 239,76;
2 caixas de 6 garrafas de Vinho do Porto “…”, no valor de € 38,88;
1 caixa de 12 garrafas de Wisky Velho “...”, no valor de € 14,99;
2 caixas de Vinho Tinto “...”, no valor de € 16,74;
2 caixas de 6 garrafas de Vinho “…”, no valor de € 23,16;
2 caixas de Wisky “…”, no valor de € 94,08;
24 garrafas de Vinho “…”, no valor de € 181,20;
1 caixa de Aguardente “...”, no valor de € 67,20;
2 caixas de 12 garrafas de Vinho “...”, no valor de € 62,04;
4 caixas de 12 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 88,56;
1 caixa de Café “...”, no valor de € 25,60;
4 embalagens de 50 Martinitos, no valor de € 82,00;
2 embalagens de 12 garrafas de água, no valor de € 8,16;
1 caixa de 12 garrafas de Brandy “...”, no valor de € 122,40;
1 embalagem de detergente “…, no valor de € 6,95;
1 caixa de Café “...”, no valor de € 91,90,
tudo no valor de € 2.131.38 (já com IVA incluído)

22. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
23. O cliente C. M. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
24. No dia 15 de Novembro de 2014, pelas 09h20, o cliente V. J. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 caixa de 6 garrafas de Aguardente “...”, no valor de € 336,00;
1 caixa de 6 garrafas de Aguardante “...”, no valor de € 60,90;
11 embalagens de 24 latas de Coca-Cola, no valor de € 113,52;
20 embalagens de 50 Martinitos, no valor de € 410,00;
10 embalagens de 50 Favaitos, no valor de € 150,000;
11 caixas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 243,54;
½ caixa de 12 garrafas de Wisky “Logan”, no valor de € 179,88;
8 embalagens de 24 garrafas de Água das Pedras, no valor de € 78,72;
3 caixas de Vinho de 5L de “…”, no valor de € 9,87,
tudo no valor de € 1.937,53(já com IVA incluído)

25. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
26. O cliente V. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
27. No dia 15 de Novembro de 2014, pelas 11h30, G. L., filho de R. M. (a qual costumava adquirir produtos em nome do seu marido A. L.), deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

7 caixas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 154,98;
15 sacos de carvão vegetal, no valor de € 37,95;
4 caixas de 4 litros de Lixívia “...”, no valor de € 22,24;
7 embalagens de 6 garrafas de 1,5L de Seven Up, no valor de € 37,38;
4 embalagens de 6 garrafas de 1,5L de Sumol, no valor de € 21,36;
30kgs de Arroz Extra Longo, no valor de € 23,70;
1 embalagem de 200grs de “Bolero”, no valor de € 39,84;
1 embalagem de 500grs. de Corn Flakes “Nacional”, no valor de € 16,96;
1 embalagem com 48 latas de Freijão Frade, no valor de € 31,20;
1 embalagem de Ferrero Rocher, no valor de € 43,98;
1 embalagem de 50gr. de Pinhão “Ferbar”, no valor de € 61,92;
tudo no valor de € 590,00 (já com IVA incluído).

28. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
29. O cliente A. L. (através da sua esposa R. M.) pagou todos os produtos que adquiriu, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
30. No dia 18 de Novembro de 2014, pelas 10h e 15h50, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 embalagem de 24 latas de Sumol de Laranja, no valor de € 10,08;
1 embalagem de Pastilhas Elásticas ... de Tutti-Frutti, no valor de € 5,28;
12 grades de Cerveja “...”, no valor de € 112,32;
3 embalagens com 50 miniaturas de “Favaíto”, no valor de € 45,00;
1 caixa de Café, no valor de €44,94;
8 embalagens de 50 Martinitos Tinto, no valor de € 164,00;
1 embalagem de 24 latas de Coca-Cola, no valor de € 10,32;
1 grade de Cerveja “...”, no valor de € 9,36,
tudo no valor de € 541,44 (já com IVA incluído).

31. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
32. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
33. No dia 19 de Novembro de 2014, pelas 10h10 e 15h50, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

2 grades de Cerveja “...”, no valor de € 18,72;
4 grades de Cerveja “...”, no valor de € 37,44;
5 embalagens de 24 latas de Coca-Cola/Sumol/Seven UP, no valor de € 49,68;
3 caixas de 6 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 66,42
1 caixa de 12 garrafas de Martini, no valor de € 78,72,
tudo no valor de € 330,79 (já com IVA incluído).

34. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
35. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
36. No dia 19 de Novembro de 2014, pelas 12h19m, o cliente Sr. S., que adquiria produtos em nome da sua filha R. S., deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

5 caixas de 10 garrafas de 10 litros de “...”, no valor de € 46,50;
18 garrafas de vinho “Faisão”, no valor de € 18,90,
tudo no valor de € 78,56 (já com IVA incluído).

37. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
38. O cliente Sr. S. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
39. No dia 21 de Novembro de 2014, pelas 12h20, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

18 grades de Cerveja “Sagres”, no valor de € 190,08;
5 embalagens de 24 latas de Coca-Cola/Sumol/Seve UP, no valor de € 48,94;
7 caixas de 6 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 154,98;
2 embalagens de 50 Martinitos, no valor de € 41,00;
3 Packs de 24 cervejas TP (tara perdida), no valor de € 33,12;
tudo no valor de € 661,65 (já com IVA incluído).

40. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
41. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
42. No dia 24 de Novembro de 2014, pelas 10h00, o cliente V. J. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

2 paletes (96 grades) de Cerveja “...”, no valor de € 898,56;
31 grades de Cerveja “...”, no valor de € 290,16;
22 grades de Cerveja “...”, no valor de € 232,32;
24 grades de Cerveja “...”, no valor de € 253,44;
14 embalagens de 12 latas de Coca-Cola e Seven-Up, no valor de € 139,44;
1 caixa de Vinho “...”, no valor de € 18,42,
tudo no valor de €2.938,71(já com IVA incluído).

43. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
44. O cliente V. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
45. No dia 24 de Novembro de 2014, pelas 12h15, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

24 grades de Cerveja “...”, no valor de € 224,64;
2 embalagens de 50 garrafas de Moscatel “Favaíto”, no valor de € 30,00;
4 embalagens de 24 latas de Coca-Cola/Seven-Up/Sumos, no valor de € 48,94;
1 embalagem de Pastilhas “Gorila”, no valor de € 2,64,
tudo no valor de € 464,97(já com IVA incluído).

46. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
47. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
48. No dia 25 de Novembro de 2014, pelas 09h20 e 15h40, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

6 grades de Cerveja “...”, no valor de € 56,16;
2 embalagens de 50 Martinitos, no valor de € 41,00;
1 pack de Cerveja “...” (tara perdida), no valor de € 13,44,
tudo no valor de € 158,12 (já com IVA incluído).

49. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
50. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
51. No dia 26 de Novembro de 2014, pelas 09h30, o cliente Sr. A. D., que costumava adquirir produtos em nome do seu filho P. D., deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 palete de Leite “Agros”, no valor de € 419,76 (já com IVA incluído).
52. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
53. O cliente A. D. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
54. No dia 27 de Novembro de 2014, pelas 10h, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

25 grades de Cerveja “...”, no valor de € 234,00;
24 cervejas “...” TP (tara perdida), no valor de € 11,04;
2 embalagens de Moscatel “Favaíto”, no valor de € 30,00;
2 embalagens de 24 latas de “Coca-Cola”, no valor de € 20,64,
tudo no valor de € 455,69 (já com IVA incluído).

55. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
56. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
57. No dia 27 de Novembro de 2014, pelas 11h45, o cliente C. M., que compra produtos em nome da esposa “M. M.”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

2 grades de Cerveja “...”, no valor de € 18,72;
1 caixa de 6 garrafas de Vinho do Porto “ Messias”, no valor de € 52,98;
2 caixas de 6 garrafas de Vinho do Porto “Burmester”, no valor de € 47,16;
3 caixas de 6 garrafas de Vinho Branco “Mundus”, no valor de € 25,56;
1 caixa de Vinho do Porto “Burton’s”, no valor de € 18,78;
3 caixas de Vinho Tinto “...”, no valor de € 55,26;
3 caixas de Vinho do Porto “Lágrima Ramos Pinto”, no valor de € 106,02,
tudo no valor de €398,39 (já com IVA incluído).

58. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
59. O cliente C. M. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
60. No dia 27 de Novembro de 2014, pelas 16h00, o cliente V. J. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

1 palete de 38 packs duplos de Cerveja “Sagres” (tara perdida), no valor de € 501,60;
1 palete de 42 packs de 24 de Cerveja “...” (tara perdida), no valor de € 463,68;
5 grades de Cerveja “...”, no valor de € 46,80,
tudo no valor de € 1.263,26(já com IVA incluído).

61. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
62. O cliente V. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
63. No dia 28 de Novembro de 2014, pelas 09h e 12h30, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

11 grades de Cerveja “...”, no valor de € 102,96;
1 embalagem de 24 latas de Coca-Cola, no valor de € 10,32;
2 embalagens de 50 garrafas de Moscatel “Favaíto”, no valor de € 41,00;
1 caixa de 6 garrafas de Vinho do Porto “..., no valor de € 22,14,
tudo no valor de € 257,48(já com IVA incluído).

64. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
65. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
66. No dia 1 de Dezembro de 2014, pelas 10h42, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

25 grades de Cerveja “...”, no valor de € 234,00;
4 embalagens de 50 garrafas de Martinitos, no valor de € 82,00;
1 caixa de 6 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 22,14,
tudo no valor de € 507,91(já com IVA incluído).

67. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
68. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
69. No dia 1 de Dezembro de 2014, pelas 18h45, o cliente F. N. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

12 pacotes de Leite “Mimosa”, no valor de € 9,48;
1 embalagem de 12 pacotes de leite achocolatado, no valor de € 2,35;
2 caixas de Vinho “Ermelinda Freitas”, no valor de € 35,88;
1 embalagem de detergente “Super Pop”, no valor de € 3,99,
tudo no valor de € 58,39 (já com IVA incluído).

70. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
71. O cliente F. N. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
72. No dia 2 de Dezembro de 2014, pelas 09h30 e 17h00, A. J., legal representante da empresa “D. Vinhos”, deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

16 grades de Cerveja “...”, no valor de € 149,76;
2 embalagens de 24 latas de Coca-Cola, no valor de € 21,50;
3 garrafas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 11,07;
35 grades de cerveja “...”, no valor de € 327,60;
15 caixas de Vinho do Porto “...”, no valor de € 332,10;
22 embalagens de Martinitos, no valor de € 451,00;
1 caixa de 12 garrafas de “Martini”, no valor de € 78,72,
tudo no valor de € 1.874,93(já com IVA incluído).

73. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
74. A. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
75. No dia 4 de Dezembro de 2014, pelas 09h30, o cliente V. J. deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

4 caixas de Vinho do Porto “Barros”, no valor de € 239,76;
11 packs de cerveja “Sagres” (tara perdida), no valor de € 108,24,
tudo no valor de € 428,04 (já com IVA incluído).

76. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
77. O cliente V. J. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
78. No dia 5 de Dezembro de 2014, pelas 9h30m, o cliente Sr. A. D., que costumava adquirir produtos em nome do seu filho P. D., deslocou-se ao estabelecimento da sociedade ofendida, a fim de adquirir vários produtos alimentares, tendo sido atendido pelos arguidos. O arguido J. L., ao invés de facturar todos os produtos que o cliente levava consigo, não facturou os seguintes bens:

8 embalagens de Lixívia “...”, no valor de € 54,71(já com IVA incluído).

79. Por seu turno, o arguido A. P. transportou todos os produtos adquiridos até ao veículo do cliente, acondicionando-os.
80. O cliente A. D. pagou todos os produtos que levou consigo, quer os facturados, quer os não facturados, entregando o dinheiro ao arguido J. L., o qual não entregou o montante não facturado à sociedade ofendida.
81. Apoderaram-se assim os arguidos do montante total recebido dos clientes da sociedade ofendida e não entregue à mesma, no valor total de € 25.341,10 (vinte e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e dez cêntimos).
82. Os arguidos actuaram de forma livre e concertada, em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de não procederem à entrega do montante de €25 341,10 (vinte e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e dez cêntimos), que lhes competia entregar à sociedade ofendida em virtude de terem efectuado vendas e recebido os valores correspondentes, valores que fizeram seus, integrando-os no seu património, bem sabendo que não lhes pertenciam e que os deveriam entregar à sociedade ofendida no âmbito das funções que exerciam e que lhes foram confiadas, agindo assim contra a vontade daquela.
83. Os arguidos A. P. e J. L. sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(...)
84. Os arguidos A. P. e J. L. vieram a ser despedidos com justa causa pela ofendida “P. C., S.A.” na sequência dos factos supra relatados, tendo a licitude dos despedimentos vindo a ser reconhecida pelo Juízo do Trabalho de Braga e pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
85. Os arguidos A. P. e J. L. não têm antecedentes criminais.
86. O arguido A. P. é carpinteiro no Luxemburgo, auferindo mensalmente cerca de € 2.000,00.
87. É casado.
88. A esposa é empregada de limpeza no Luxemburgo, auferindo mensalmente cerca de € 1.100,00.
89. Tem dois filhos (de 25 e 21 anos de idade), o mais novo a cargo.
90. Vive no Luxemburgo em casa arrendada, pagando de renda € 770,00 mensais.
91. O arguido J. L. é vendedor de uma empresa comercial, auferindo mensalmente o salário mínimo.
92. É casado.
93. A esposa é funcionária administrativa, auferindo mensalmente cerca de € 680,00.
94. Tem dois filhos (de 19 e 29 anos de idade), o mais novo a cargo. 95. Vive em casa arrendada, pagando de renda € 371,00 mensais.”.
*
2.2. Considerou não provado que (transcrição):

“(...) em consequência dos factos praticados pelos arguidos descritos na matéria de facto provada, a demandante “P. C. S.A.” tivesse um prejuízo acrescido de € 5.236,77, resultante, designadamente, do recurso ao financiamento bancário para solver os seus compromissos com fornecedores e colaboradores.”.
*
2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):

“Em audiência de julgamento, os arguidos A. P. e J. L. remeteram-se ao silêncio (à excepção dos factos respeitantes à sua situação pessoal e económica, tendo o arguido J. L., aquando das últimas declarações, dito apenas que não praticou os factos que lhe eram imputados).
Se tal direito não os pode prejudicar (artigo 343º, nº 1 do CPP), o terem optado por não relatar ao tribunal a sua versão sobre os factos que lhes eram imputados (designadamente referindo-se às imagens constantes dos autos, mencionadas pelas testemunhas) não lhes confere qualquer benefício.
Dito isto, a prova existente contra os arguidos não é apenas suficiente ou abundante, é absolutamente esmagadora!
A convicção do tribunal baseou-se, antes de mais, nas declarações da testemunha L. G., director-geral da assistente “P. C., SA”, o qual, de forma extremamente segura, precisa, isenta e, por conseguinte, credível, começou por explicar quais eram as funções que cada um dos arguidos exercia na mencionada sociedade. Prosseguiu, salientando que, numa determinada altura, reparou numa situação pontual em que tinha saído mais mercadoria do que aquela que tinha sido facturada, pelo que confrontou os arguidos com tal situação, os quais responderam-lhe que se tratou de um lapso, o que o sossegou, tendo acreditado na explicação que lhe foi dada.
Porém, meses mais tarde, apercebeu-se de uma redução drástica da facturação, de tal forma que os valores das compras estavam muito próximos dos valores das vendas, o que o levou a visualizar as imagens do sistema de videovigilância, detectando que havia determinados clientes que saíam com uma grande quantidade de mercadorias, à frente dos arguidos, sem que estes as registassem ou facturassem, não sendo as mesmas submetidas ao sistema de controle através da leitura óptica, o que sucedia com a maior das naturalidades, ao ponto de os arguidos estarem a conversar entre eles e com o próprio cliente enquanto tal ocorria.
A título meramente exemplificativo, situações havia em que era facturado 1 artigo e o cliente levava 50; outras em que era possível visualizar determinado cliente a levar um carrinho completamente cheio de embalagens de vinho e na factura só era registada a venda de uma caixa.
Depois disso, isto é, depois de os clientes levarem mercadorias sem que as mesmas fossem facturadas, dirigiam-se à caixa, onde o arguido J. L. fazia contas numa máquina calculadora e recebia o dinheiro desses mesmos clientes, dinheiro que, logicamente, não entregava à assistente, sendo, de resto, esse o objectivo da não facturação (apropriação de quantias monetárias pertencentes à assistente sem que tal apropriação fosse por ela detectada).
A partir do momento em que detectou que tal situação era recorrente nos dias em que os arguidos trabalhavam em equipa (o que sucedia, sobretudo, aos Sábados de manhã, por ser um dia de menor movimento), na companhia do funcionário P. A. (que o auxiliou na identificação dos clientes, pois era ele que melhor os conhecia), procedeu a uma visualização exaustiva e minuciosa das imagens de videovigilância, isto após ter solicitado todas as facturas e talões emitidos em cada um daqueles dias.
Através do cruzamento de dados, isto é, comparando o que cada cliente levava (e que era visível nas imagens de videovigilância) com as mercadorias que lhe eram facturadas (precisando que existe uma diferença de cerca de 3 minutos entre a hora que consta das filmagens e a hora do sistema informático, diferença que no Inverno é de 1h03m, dada a mudança da hora), conseguiram fazer uma listagem das mercadorias não facturadas pelos arguidos, listagem que apresentaram com a queixa e que, posteriormente, fizeram constar das facturas pró-forma que juntaram aos autos.
Nessas facturas pró-forma constam, pois, não só os artigos que não foram facturados pelos arguidos, mas também os respectivos valores, valores esses nunca entregues à assistente.
A testemunha salientou ainda, de forma extremamente credível, que a listagem das mercadorias não facturadas peca, em muito, por defeito, pois só englobaram as mercadorias que conseguiram detectar com total certeza nas mencionadas imagens. Em muitas situações, os clientes levavam carrinhos repletos de mercadorias não facturadas, só se conseguindo identificar uma parte delas.
Prosseguiu, frisando que quando, alguns meses antes do ocorrido, o arguido A. P. lhe pediu para “fazer equipa” com o arguido J. L., estava longe de imaginar que tal já fizesse parte do plano por eles engendrado.
Por outro lado, salientou que a maior parte das situações ocorreu, sobretudo, aos Sábados de manhã por ser um dia de menor movimento, de tal forma que praticamente só estavam nas instalações da assistente os dois arguidos, o que facilitava a sua actuação.
Adiantou ainda que a venda de mercadorias por parte dos arguidos sem que a mesma fosse registada ou facturada e o recebimento ulterior de quantias monetárias sem entrega de tais valores à assistente só ocorriam com um número muito circunscrito de clientes (“eram sempre os mesmos”), alguns dos quais, quando os arguidos deixaram de trabalhar nas instalações da demandante, pura e simplesmente deixaram de adquirir mercadorias à assistente.
Acrescentou que, ao fazerem o inventário das mercadorias em 31/12/2014, detectaram que faltavam grandes quantidades: de acordo com as vendas que foram registadas, o stock deveria ser muito superior, o que dava claramente a entender que estavam a sair mercadorias sem qualquer registo. Precisamente por isso, não tem a mais pequena dúvida que o comportamento dos arguidos já perdurava há muito mais tempo do que o descrito na acusação destes autos, o que não é susceptível de confirmação por não disporem das imagens de videovigilância de períodos mais recuados.
Prosseguiu, sublinhando que depois da visualização das imagens de videovigilância e de se aperceberem da dimensão do problema, chamaram, em primeiro lugar, o arguido A. P., o qual remeteu as explicações para o arguido J. L., mas reconheceu de imediato que tinha errado, que não agiu correctamente, que estava a atravessar uma situação má, pedindo desculpa, justificando-se com o facto de estar a obedecer a ordens do arguido J. L. e prometendo compensar a empresa.
Mais tarde, chamaram o arguido J. L., o qual, ao ser confrontado com os factos, confessou de imediato que tinha prejudicado a empresa, acrescentando que a ideia fora do arguido A. P., que tinha um filho com dificuldades, que estava a ser chantageado, que tinha muita vergonha e que ia pagar tudo, pois ia receber uma herança de uma tia. Começou a chorar e admitiu que começara a ter o comportamento supra descrito a partir de Junho de 2014.
Depois da mencionada conversa, a partir do dia 5 de Janeiro de 2015, os arguidos deixaram de se apresentar nas instalações da demandante e com eles desapareceram também alguns dos mencionados clientes.
No apuro do exercício económico do ano de 2014, detectaram, após a elaboração do balanço, que o valor das perdas de mercadorias ascendia a € 960.826,00, valor onde se incluem os valores das mercadorias em causa nos presentes autos.
Os € 960.826,00 correspondem, pois, à diferença entre o valor da mercadoria que deveria existir em stock e o valor da mercadoria que efectivamente existia. Ora, foi a perda desse montante (que ultrapassa em muito o valor constante da acusação pelo qual os arguidos estão a ser julgados) que motivou o recurso ao financiamento bancário e o prejuízo acrescido de que fala a demandante no pedido de indemnização civil que deduziu.
Assim, não pode dizer-se que o comportamento dos arguidos descrito na matéria de facto provada é que motivou tal prejuízo acrescido, pois os valores de que se apropriaram, rectius, os valores pelos quais estão a ser julgados pouco excedem os €25 000,00.
Em sede de audiência de julgamento, o tribunal procedeu à visualização das imagens de videovigilância (colhidas de múltiplas câmaras), ao longo de cerca de 2 horas e 30 minutos, tendo por referência cada uma das datas em causa nestes autos, visualização que confirmou as declarações da testemunha anterior e o auto de visionamento de fls. 281 e 282, nomeadamente, o facto de vários carrinhos com as compras não passarem pelas caixas registadoras, o que sucedia apenas com determinados clientes, os quais, depois das compras saírem, dirigiam-se a um guiché onde se encontrava o arguido J. L., enquanto o arguido A. P. transportava os produtos adquiridos até ao veículo do cliente.
Nesta parte, levaram-se ainda em conta o auto de visionamento de fls. 281 e 282 e os fotogramas de fls. 283 a 329, devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
Foram igualmente valorados os depoimentos dos srs. peritos da Polícia Judiciária C. F. e F. V., os quais confirmaram o relatório pericial que elaboraram e que se encontra junto aos autos, salientando, além do mais, a instâncias da defesa, que embora seja possível alterar a datação, tal não é fácil de fazer e que não detectaram nas imagens de videovigilância quaisquer anomalias ou indícios de manipulação.
Nesta parte, o tribunal levou ainda em conta o relatório pericial que se encontra junto aos autos a fls. 652 a 716, devidamente analisado em sede de audiência de julgamento.
No que toca a depoimentos testemunhais, o tribunal valorou, em segundo lugar, o depoimento da testemunha M. J., contabilista da assistente, o qual, de forma segura e precisa, adiantou que, a partir do meio do ano de 2014, começou a haver uma aproximação muito grande entre os valores das compras e os valores das vendas, o que era muito estranho, vindo mais tarde, quando foi feito o competente inventário, a constatar-se que, face aos valores das vendas facturadas, os stocks deveriam ser muito superiores, o que não ocorria.
Em terceiro lugar, levou-se em conta o depoimento sincero e circunstanciado da testemunha A. C., revisor oficial de contas da assistente à data dos factos, o qual começou por explicar que normalmente numa empresa o valor das vendas é superior ao valor das compras (diferença que corresponde à margem de lucro), tendo sido constatado que, no ano de 2014, esses valores eram muito aproximados, situação que era anormal.
A diminuição dos valores das vendas deveria reflectir-se nos stocks (face às vendas facturadas, as mercadorias em stock deveriam ser muito superiores ao que efectivamente eram), mas tal não ocorria. Tal só podia ter uma de duas explicações: ou a empresa estava a vender a mercadoria ao preço do custo (o que nenhuma empresa faz), ou havia vendas “por fora”, isto é, vendas não facturadas ou registadas.
Acrescentou que, na altura, confrontou a administração da assistente com tal realidade, tendo-lhe sido comunicado que “houve uma fuga de mercadoria e que os funcionários tinham assumido essa fuga”, vindo a ser-lhes instaurados processos disciplinares.
A testemunha A. A., gestor de armazém da assistente, contratado no ano de 2016 para aplicar boas práticas de gestão e despedido algum tempo depois, teve um depoimento completamente tendencioso, demonstrando grande animosidade para com a assistente e para com o seu director-geral (a quem acusou de lhe ter chamado “burro”).
Começou por admitir que não sabe nada do que se passou, pois os factos em causa nos autos são bastante anteriores à data da sua entrada na empresa, mas tentou fazer passar a ideia de que levar mercadoria sem factura era uma situação perfeitamente normal e vulgar, acrescentando que a testemunha P. A. lhe disse ser uma injustiça o que fizeram ao Sr. J. L. e que quem o pressionou para fazer o que fez foi L. G., director-geral da assistente.
A testemunha P. A. veio a ter oportunidade de desmentir por completo esse depoimento, que classificou como estando no domínio da “alucinação”.
Na verdade, o depoimento da testemunha P. A., funcionário da assistente há mais de 40 anos, também foi extremamente importante para formar a convicção do tribunal, pois tal depoimento foi extremamente minucioso, circunstanciado, seguro, sereno e isento, confirmando integralmente o depoimento da testemunha L. G., após salientar que conhecia muito bem os arguidos, de quem era amigo e que lamenta profundamente o que aconteceu (“Tomara eu não ver o J. L. metido nisto”), não tendo o mais pequeno motivo para querer prejudicá-los.
Esta testemunha identificou todas as pessoas que aparecem nas imagens de videovigilância e nos fotogramas juntos aos autos (entre as quais se contam, além do mais, L. L.; G. L., filho de R. M.; o Sr. S., pai de R. S. e A. D.), pois conhecia-as como clientes da empresa, frisando que ele e a testemunha L. G. viram as imagens de videovigilância e as facturas minuto a minuto; que a situação retratada nas imagens era completamente anómala e contrária às normas da empresa; que não conseguiram identificar muita mercadoria que passava ao lado das caixas e precisamente por isso não foi incluída na queixa que foi apresentada; que não visionaram apenas os arguidos, mas também os outros funcionários, nada de anormal tendo detectado nestes últimos e que os arguidos, após terem sido confrontados com os factos a que se reportam os autos, nunca mais voltaram às instalações da empresa, o mesmo sucedendo com alguns clientes mencionados na acusação a partir do momento em que aqueles deixaram de trabalhar na “P. C. SA”. Tais clientes, ou pura e simplesmente não voltaram a aparecer, ou passaram a ir às instalações da demandante muito esporadicamente.
Prosseguiu, salientando que, nas instalações de “cash and carry” da assistente, onde os arguidos trabalhavam, a grande parte da mercadoria era adquirida a pronto pagamento, podendo apenas existir uma ou outra situação pontual em que tal não sucedesse.
A instâncias da defesa, admitiu que alguns artigos, dada a sua dimensão (v.g. paletes de cerveja, paletes de papel higiénico), não passavam pelas caixas registadoras, mas, nesses casos, o procedimento normal e correcto era serem primeiramente facturados e só depois era dada autorização ao funcionário para os transportar até ao veículo do cliente, procedimento que não era adoptado pelos arguidos, pois tais artigos pura e simplesmente não eram facturados.
O tribunal baseou-se ainda no depoimento da testemunha C. C., agente da PSP que procedeu à visualização das imagens de videovigilância, a partir das quais tirou os fotogramas que se encontram juntos aos autos a fls. 283 e ss., tendo confirmado o auto de visionamento de fls. 281 e 282.
Assim, através da leitura do referido auto, facilmente se percebe que também esta testemunha constatou que os clientes mencionados na acusação eram sempre atendidos pelos dois arguidos e que os carrinhos com as respectivas compras não passavam pelas caixas registadoras (passavam ao lado), ao contrário do que sucedia com os restantes clientes, cujas compras eram sempre registadas e facturadas.
A testemunha C. C. apercebeu-se ainda que nos carrinhos dos clientes mencionados na acusação apareciam produtos que, pura e simplesmente, não eram facturados ou, noutros casos, apareciam embalagens completas, que, posteriormente, eram facturadas como sendo apenas duas ou três unidades desses mesmos produtos.
Constatou, por último, que, depois das compras saírem, aqueles clientes abeiravam-se de um pequeno guiché onde se encontrava o arguido J. L., que fazia as contas numa máquina registadora e recebia os pagamentos em dinheiro.
O depoimento da testemunha A. F., amigo do arguido J. L., pouco contribuiu para a descoberta da verdade material, reportando-se ao facto de, quando fazia compras para ele próprio, pagar a pronto pagamento e quando fazia compras para a Associação Cultural de … levar a mercadoria à consignação. Acabou por confessar que toda a mercadoria que pagou foi facturada, independentemente da data em que a factura foi emitida.
Também a testemunha P. G., cliente habitual da assistente à data dos factos, confirmou que a mercadoria que adquiria costumava ser sempre facturada.
Pouco relevo teve igualmente o depoimento da testemunha V. G., cliente habitual da assistente à data dos factos, o qual veio a tribunal afirmar que adquiriu várias mercadorias à consignação para uma Comissão de Festas e que, quando adquiria mercadorias para o seu estabelecimento, podia não levar factura. Acabou por admitir que era-lhe entregue a factura quando procedia ao seu pagamento, geralmente oito dias depois da data da aquisição e que nunca reparou na data das facturas que lhe eram entregues.
A testemunha M. E., cliente da assistente à data dos factos, explicou o modo como costumava proceder ao pagamento da mercadoria que adquiria, quer para consumo pessoal, quer para o estabelecimento comercial que explorava e quais os documentos que eram emitidos e entregues pela assistente.
Passando agora à análise dos depoimentos dos clientes mencionados na acusação, o primeiro aspecto que importa salientar é a grande proximidade destes com os arguidos, sendo notória a sua tentativa de os ilibarem a qualquer custo, não reconhecendo, por exemplo, que adquiriam mercadoria que não era facturada, apesar disso ser uma evidência face aos meios de prova já analisados.
Não é por acaso que, já em Abril de 2017, o agente da PSP C. C. classificava aqueles como testemunhas hostis e não colaborantes (cfr. cota de fls. 257).
Tal proximidade extrai-se ainda dos requerimentos de fls. 439, 638 e 639, subscritos por C. M., V. J. e J. C., a solicitarem a retirada do processo das filmagens e das fotografias respeitantes às suas pessoas.
Se se reparar em tais requerimentos, os mesmos são muito semelhantes, o que não podia deixar de causar estranheza, tanto mais que os seus subscritores, aparentemente, nem sequer se relacionavam.

Pois bem.

A instâncias do tribunal, as mencionadas testemunhas acabaram por confessar que foi o arguido J. L. quem lhes pediu para assinarem tais documentos, o que fizeram sem sequer lerem muito bem o que lá constava. Se isto diz muito quanto à proximidade de uns e de outros, não diz menos quanto à grande preocupação do arguido J. L. com as imagens de videovigilância, o que não deixa de ser sintomático.
Por outro lado, não é de excluir a hipótese, bem pelo contrário, de alguns desses clientes estarem concertados com os arguidos e beneficiarem (também eles) do esquema por estes engendrado, designadamente, em termos de redução do preço de alguns dos artigos que adquiriam ou do não pagamento do IVA.
A verdade é que isso não se provou.
Todos os clientes que constam da acusação e que foram ouvidos afirmaram, peremptoriamente, que pagaram integralmente (e sem qualquer desconto) as mercadorias que adquiriram às pessoas que os atenderam (no caso, aos arguidos) e estes, ao não prestarem declarações, também não puseram em causa tal realidade.
De resto, já no auto de visionamento de fls. 281 e 282, a testemunha C. C., agente da PSP, salientava que, depois das mercadorias saírem, o cliente abeirava-se de um pequeno guiché, onde o arguido J. L. fazia as contas numa máquina registadora e recebia o pagamento em dinheiro, o que foi reforçado pelo depoimento da testemunha L. G..
Assim sendo, apenas não existe prova directa do pagamento integral aos arguidos das mercadorias adquiridas relativamente a dois clientes mencionados na acusação e que não foi possível ouvir: o cliente S. e o cliente F. N.. Se bem que estejam em causa valores residuais (apenas € 78,56 e € 58,39, respectivamente), as mais elementares regras de experiência apontam para que, também nestes casos, os arguidos tivessem recebido tais valores.
Efectivamente, se o circunstancialismo em que actuavam e o “modus operandi” dos arguidos eram sempre os mesmos, não há razões para crer que, relativamente àqueles dois clientes, procedessem de forma diversa, isto é, que não retirassem qualquer vantagem da não facturação dos artigos por eles adquiridos.
Assim sendo, o prejuízo sofrido pela assistente em resultado do comportamento dos arguidos será igual ao benefício por estes obtido em resultado desse mesmo comportamento (€ 25.341,10).
Passando à análise concreta dos depoimentos dos clientes mencionados na acusação.
C. M., marido de M. M., é uma das pessoas mencionadas na acusação como tendo levado mercadorias que não foram facturadas.
Começou por explicar que a empresa que exploravam estava em nome da esposa, razão pela qual as facturas costumavam ser emitidas em nome desta, embora fosse ele a fazer as compras no estabelecimento da assistente.
Adiantou que pagou todas as mercadorias que adquiriu e que era costume pagar em dinheiro ou através de vales de reforma à pessoa que o atendia. Se fosse atendido pelo arguido J. L. era a ele que pagava a mercadoria.
De seguida, foi notória a tentativa de ilibar o arguido J. L. a todo o custo, afirmando, a gaguejar, que todas as mercadorias por si adquiridas passaram pelas caixas registadoras e que não se reconhece nos fotogramas de fls. 283 a 285. A verdade é que, não obstante a fraca qualidade dos fotogramas (as imagens são muito mais nítidas), o tempo já decorrido e a circunstância de aparecer de perfil no fotograma de fls. 283, são notórias as semelhanças fisionómicas entre a pessoa que aparece de perfil no fotograma de fls. 283 e a testemunha C. M..
Acrescentou ainda, a instâncias da defesa e sem grande convicção, que nunca adquiriu alguns dos produtos que constam da acusação como tendo sido por si adquiridos.
A testemunha V. J. teve um depoimento em tudo semelhante ao da testemunha anterior, adiantando que pagou todas as mercadorias que adquiriu, com dinheiro ou mediante cheques ou vales de reforma de clientes seus.
Acrescentou que todas as mercadorias que adquiriu saíram pelas caixas e foram facturadas, o que é claramente contrariado pelas imagens de videovigilância.
A. J., legal representante da sociedade “D. Vinhos” afirmou que pagou integralmente as mercadorias que adquiriu, umas vezes na altura da aquisição, outras vezes, dias depois. Adiantou que nunca levantou mercadoria sem factura ou sem talão de consumidor final. Reconheceu-se no fotograma de fls. 320 e admitiu que adquiria o tipo de produtos que vêm descritos na acusação, à excepção das Pastilhas Elásticas ... (não se vislumbra qualquer motivo para a assistente incluir falsamente as Pastilhas Elásticas ..., cujo valor é diminuto, entre as mercadorias levadas por este cliente).
As testemunhas J. C. e F. C. (pai e filho) identificaram A. D., respectivamente, irmão e tio, no fotograma de fls. 327, o qual tem uma empresa em nome do filho, costumando adquirir mercadorias em nome deste.
A testemunha L. L. adiantou que costumava adquirir o tipo de produtos mencionados na acusação nas instalações da assistente, mas não em tantas quantidades, sendo que também costumava comprar café mais barato. Acrescentou que pagou todas as mercadorias que adquiriu e admitiu que, no final do ano de 2014, deixou de frequentar as instalações da assistente. Não reconheceu ter levado mercadoria que não era facturada.
A testemunha R. M. explicou em tribunal que costumava adquirir mercadorias em nome do seu marido A. L., por a empresa estar em nome deste, que era ela que pagava tais mercadorias, embora as mesmas, ocasionalmente, fossem levantadas pelo seu filho G. L.. Admitiu a possibilidade de ser ele a aparecer nos fotogramas de fls. 310 e 311 e adiantou que pagou integralmente todas as mercadorias que adquiriu. Não reconheceu ter levado mercadoria não facturada.
Por último, a testemunha A. D. reconheceu-se no fotograma de fls. 327, admitiu adquirir mercadoria em nome do filho P. D. e adiantou que pagou todas as mercadorias que comprou, o que fazia em numerário.
Levaram-se ainda em conta as facturas de fls. 165 (nº 9 da matéria de facto provada), 184 (nº 12 da matéria de facto provada), 204 (nº 15 da matéria de facto provada), 210 (nº 18 da matéria de facto provada), 174 (nº 21 da matéria de facto provada), 186 (nº 24 da matéria de facto provada), 206 (nº 27 da matéria de facto provada), 228 (nº 30 da matéria de facto provada), 226 (nº 33 da matéria de facto provada), 198 (nº 36 da matéria de facto provada), 225 (nº 39 da matéria de facto provada), 190 (nº 42 da matéria de facto provada), 224 (nº 45 da matéria de facto provada), 220 (nº48 da matéria de facto provada), 213 (nº 51 da matéria de facto provada), 219 (nº 54 da matéria de facto provada), 200 (nº 57 da matéria de facto provada), 191 (nº 60 da matéria de facto provada), 217 (nº 63 da matéria de facto provada), 216 (nº 66 da matéria de facto provada), 202 (nº69 da matéria de facto provada), 214 (nº 72 da matéria de facto provada), 195 (nº 75 da matéria de facto provada), 169 (nº 78 da matéria de facto provada), documentos devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
Note-se que, após uma análise exaustiva e rigorosa de todas as mencionadas facturas, apenas foi detectado um lapso na factura de fls. 165, já que aí constam 36 garrafas de licor beirão, quando deveriam constar apenas 12 (cfr. ainda participação apresentada pela assistente, em especial, fls. 8 dos autos). Tal lapso, assim como o valor correspondente, foram corrigidos na matéria de facto dada como provada.
Por outro lado, embora as mercadorias adquiridas por A. D. fossem efectivamente as que constam das facturas pró-forma de fls. 213 e 169, tais facturas foram emitidas pela assistente em nome de F. C. quando deveriam ter sido emitidas em nome de P. D..
A razão da confusão é simples: A. D. e J. C. são irmãos, têm negócios similares, ambos em nome dos filhos (P. D. e F. C., respectivamente) e costumavam adquirir mercadorias em nome destes. Assim, F. C. é o sobrinho e não o filho de A. D..
Em suma: A. D. adquiriu as mercadorias que constam das facturas pró-forma de fls. 213 e 169, as quais, embora pagas aos arguidos, não foram por eles facturadas.
Relativamente ao facto dado como provado no nº 84 da matéria de facto provada, levaram-se em conta os docs. de fls. 724 a 782 dos presentes autos.
A conjugação de todos estes meios de prova com as mais elementares regras de experiência comum inculca a ideia, para além de toda a dúvida razoável, de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não tendo o tribunal a mais pequena dúvida a esse respeito.
Na verdade, o que resulta de tal conjugação é que os arguidos, de comum acordo, arquitectaram e executaram um plano com o objectivo de obterem benefícios económicos à custa da assistente, que era a sua entidade patronal.
Tal plano, que passava por omitirem a facturação e cobrança de mercadoria vendida, recebendo, posteriormente, o pagamento dos clientes, sem prestarem contas à sua entidade patronal e que começou a ser posto em prática com o pedido do arguido A. P. para “fazer equipa” com o arguido J. L., foi laboriosamente executado ao longo de alguns meses, geralmente aos Sábados por ser o dia de menor movimento, e apenas com determinados clientes, não custando perceber, conforme já se evidenciou, por que razão estes últimos não admitiram ter adquirido mercadoria que não era facturada.
A verdade é que a prova de tal realidade assenta em múltiplos e variados meios de prova, seja testemunhal, documental ou pericial, incluindo, como não poderia deixar de ser, as imagens de videovigilância que tanto “incomodaram” os arguidos, ao ponto de, numa estratégia algo rudimentar, andarem a pedir a determinados clientes que subscrevessem requerimentos a solicitar a retirada das filmagens e fotogramas do processo.
Aliás, cabe apenas, em jeito de comentário final, colocar duas últimas questões: Se os arguidos não tivessem actuado da forma descrita na acusação, que razão teriam para andarem tão preocupados com as imagens de videovigilância? Doutra perspectiva: E que razão teria a assistente para se queixar de funcionários que, até então, eram vistos como diligentes, senão mesmo exemplares?...
Quanto à situação pessoal e económica dos arguidos A. P. e J. L., as suas declarações, as quais, a falta de outros elementos, mostraram-se credíveis.
Por último, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, os CRCs de fls 809 e 810.”.
*
3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo arguido recorrente nos seus recursos.
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3.1. Da alegada violação dos princípios da oficialidade da investigação, do dever de descoberta da verdade, da igualdade das partes e do contraditório, em virtude de (pretensamente) ter sido vedado ao recorrente o acesso integral às imagens de videovigilância, e o visionamento integral das mesmas imagens em sede de audiência de discussão e julgamento, e bem assim da invocada omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material

Como se extrai da respectiva acta, na 2ª sessão de julgamento, realizada no dia 11/02/2019 (cfr. fls. 832/835), após a visualização parcial das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância existentes no estabelecimento comercial da assistente “P. C., S.A.”, sito na Rua de …, Braga, os arguidos requererem que as imagens de videovigilância em causa fossem novamente visualizadas durante a inquirição das testemunhas que iriam depor em audiência.
Pretensão essa que foi indeferida pelo tribunal a quo, nos termos do despacho supra transcrito, por considerar, em suma, que já tinham sido visualizados todos os clientes da assistente nas imagens em causa, nas diversas datas que constavam da acusação, pelo que os vários sujeitos processuais, incluindo obviamente os arguidos, puderam constatar as características fisionómicas de cada uma das pessoas que apareciam retratadas nas imagens de videovigilância, cabendo a cada uma das testemunhas dizer se pagaram ou não as mercadorias que levaram, razão pela qual tal requerimento se afigurava manifestamente dilatório e impertinente.
Discordando o arguido recorrente deste entendimento do tribunal a quo, sustentando (no recurso interlocutório), em síntese, que os arguidos nunca puderam levar a cabo qualquer visionamento das filmagens de videovigilância, tendo as mesmas sido apenas e só visionadas nas instalações da assistente, com a presença de um agente da PSP, e de uma testemunha, L. G., que o visionamento parcial e limitado, com uma duração máxima de 2H30, não permitiu uma perfeita identificação dos clientes e demais trabalhadores, e bem assim o tipo de mercadorias e quantidades alegadamente não facturadas e não pagas referidas na acusação, nem tampouco se o recorrente recebia algum dinheiro, o que configura violação dos princípios da oficialidade da investigação e do dever de descoberta da verdade, previstos nos Artºs. 124º e 340º do C.P.Penal, bem como das garantias de defesa do recorrente, asseguradas no Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e ainda do disposto nos Artºs. 120º, nº 2, al. d) e 124º, nº 1, do C.P.Penal.

Tese esta que genericamente reitera no recurso principal, quando, em síntese, aduz:

- que o tribunal a quo nunca permitiu o acesso integral às imagens de videovigilância, não tendo o recorrente podido exercer a sua defesa;
- que as testemunhas C. C. e L. G. tiveram acesso ao visionamento de imagens a que o recorrente nunca acedeu;
- que na parte visionada em audiência de julgamento não se conseguiu efectuar a identificação dos supostos clientes e demais trabalhadores, o tipo de mercadorias e quantidades carregadas nos carrinhos e transportadas para as viaturas dos clientes, a correspondência entre as alegadas mercadorias visíveis e a respectiva facturação posterior (facturas pro formas) destas por parte da assistente, e se após a saída das mercadorias, as mesmas foram pagas pelos clientes, em momentos posteriores; e
- que o não permitir que o arguido/ recorrente visionasse todas as imagens que se encontram nos autos e o não fornecer-lhe uma cópia é reduzir a justiça a um mero formalismo de cumprimento de agenda, constituindo um verdadeiro atropelo a todos os princípios estruturantes do direito processual penal, actuação esta que reflecte uma clara omissão das diligências essenciais para a descoberta da verdade material e violação do princípio do contraditório.

Apreciando e decidindo, desde já se afirma não assistir qualquer razão ao arguido recorrente relativamente a esta matéria.

Desde logo, quanto à circunstância de o recorrente não ter podido visualizar as imagens de videovigilância durante o inquérito, há que salientar que essa fase processual tem uma estrutura acusatória e unilateral, tomados os termos por contraposição a contraditório, o que significa que as diligências de investigação a praticar no seu decurso são tão-só as que o Ministério Público considerar necessárias ou convenientes (cfr. Artºs. 263º e 267º do C.P.Penal) – cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 87 e sgts.
Nessas circunstâncias, torna-se manifesto e evidente que, aquando do visionamento das imagens de videovigilância em sede de inquérito, não era obrigatória a presença do arguido e/ou da sua mandatária.
Por outro lado, no despacho de acusação, a fls. 362, o Ministério Público indicou como prova, para além de outros elementos, o auto de visionamento de fls. 281 a 329, do qual constam fotogramas de todos os clientes da assistente, referidos na acusação, tendo os arguidos (incluindo o recorrente, obviamente) sido notificados desse despacho.
Assim, era na fase de julgamento, a qual assume natureza contraditória (cfr. Artº 327º do C.P.Penal), que os arguidos se podiam defender da aludida prova, consubstanciada nas ditas imagens de videovigilância.
E foi isso que aconteceu.
Pois, como claramente evidenciam os autos, os próprios arguidos (aqui se incluindo o ora recorrente), já depois da contestação apresentada, requereram a realização de exame pericial às imagens de videovigilância em causa (cfr. fls. 440/441), diligência essa que foi deferida pelo tribunal a quo, através do despacho de 04/09/2018, exarado a fls. 649, tendo os peritos se pronunciado sobre os quesitos por aqueles formulados (cfr. fls. 652/716).
Acresce que, na 2ª sessão da audiência de julgamento, que teve lugar no já supra mencionado dia 11/02/2019, com o auxílio de meios informáticos disponibilizados pela assistente, e na presença de todos os sujeitos processuais, nomeadamente dos arguidos e a da sua mandatária, procedeu-se à visualização parcial (5) das imagens de videovigilância, tendo-se tido o cuidado de visualizar cada um dos clientes mencionados na acusação em cada uma das datas que dela constam.
É isso que inelutavelmente resulta da respectiva acta, o que não é minimamente posto em causa pelo recorrente, não havendo dúvidas, pois, de que o mesmo teve conhecimento da prova em causa, designadamente na parte que interessava analisar, conexionada com a matéria constante da acusação (que consubstancia o “thema decidendum”), concluindo-se, assim, não ter sido coarctado o seu direito a defender-se da mesma.
E não se vislumbrando a violação do princípio do contraditório, ou de quaisquer outros dos princípios trazidos à colação pelo recorrente.
Pois, como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público na sua resposta, o princípio do contraditório, essencial ao exercício da defesa dos arguidos, foi cabalmente cumprido, posto que estando aqueles presentes bem como a sua mandatária puderam ver tais imagens e assim orientar a defesa, sendo-lhe permitido, por força de tal visionamento, questionar, em momento posterior, as testemunhas arroladas na acusação sobre as mesmas.
Consequentemente, sufraga-se inteiramente o entendimento do Mmº Juiz a quo quando, no despacho ora posto em crise, concluiu que o requerimento dos arguidos, no sentido de as ditas imagens de videovigilância serem novamente visualizadas, dessa feita na presença das testemunhas, tinha um cariz manifestamente dilatório e impertinente, sendo certo que, na primitiva visualização, a testemunha L. G. havia identificado cada um dos clientes mencionados na acusação, depoimento esse a ser livremente apreciado pelo tribunal em sede de decisão final, e que os vários sujeitos processuais puderam constatar as características fisionómicas de cada uma das pessoas que aparecem retratadas nas imagens de videovigilância, cabendo a cada uma das testemunhas a inquirir dizer se pagaram ou não as mercadorias que levaram, algumas das quais não passaram pelas caixas do estabelecimento da assistente.
Cumpre assinalar, aliás, como bem lembra a Exma. PGA no seu douto parecer, que o princípio da investigação ou da verdade material consagrado no Artº 340º, nº 1, do C.P.Penal, que o recorrente diz ter sido violado pelo tribunal a quo, sofre os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito legal.
E a diligência em causa, pretendida pelo recorrente, nas circunstâncias concretas então verificadas, em nada iria contribuir para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, sendo antes, como se disse, manifestamente impertinente e dilatória, mais não visando que o protelamento injustificado do decurso da audiência de discussão e julgamento em curso.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, por totalmente despiciendas, concluímos que o despacho em causa, alvo do recurso interlocutório, não merece qualquer censura, soçobrando também as razões a propósito aduzidas pelo recorrente em sede do recurso da decisão final, não vislumbrando este tribunal a ocorrência de qualquer nulidade ou a violação de qualquer uma das normas legais e/ou constitucionais por aquele invocadas.
*
3.2. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova / da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

De acordo com o disposto no Artº 428º, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Há que referir, porém, que os poderes conferidos às Relações em termos da matéria de facto apurada em 1ª instância não se traduzem num conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, basicamente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como "remédio jurídico" para os vícios de julgamento ou, noutra perspectiva, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como "novos julgamentos", e ainda as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no Artº 127º do C.P.Penal, segundo o qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.
Por outro lado, há que sublinhar que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da Relação está condicionado pela circunstância de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão, sendo certo que os princípios da oralidade e da imediação (6) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido e com os demais intervenientes processuais, nomeadamente com as testemunhas, permitindo-lhe uma melhor avaliação da credibilidade das declarações e depoimentos prestados.
E exactamente porque o Tribunal da Relação não beneficia destes princípios (da oralidade e da imediação) - e, nesta medida, escapa-lhe, por insindicável, toda uma panóplia de informações não verbais e não documentadas, imprescindíveis para a valoração da prova produzida -, entende-se que a reapreciação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se constate que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas produzidas.
Nesta perspectiva, o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 1ª instância, nem pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do conjunto dos elementos de prova produzida, mas tão-somente o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e bem assim das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, traduzindo-se, pois, numa reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Assim, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um instrumento a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inquestionavelmente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância, e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando dos já supra aludidos princípios da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou em parte de cada uma delas) que se apresentou como mais plausível e coerente.
Sublinhe-se, por outro lado, que não raras vezes os recursos, quanto a esta questão concreta, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco, o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, ilegítimo, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, a que já se aludiu, exercício este que, face ao transcrito Artº 127º do C.P.Penal, apenas ao tribunal incumbe.
O que não é legítimo é a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
Evidentemente que, como sublinha o mencionado Mestre, (7) o princípio da livre apreciação da prova não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imutável e incontrolável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida.
Com efeito – diz –, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos.
Noutra vertente, há que relembrar que a matéria de facto pode ser sindicada junto dos Tribunais da Relação por duas vias: a primeira, no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; e a segunda através da “impugnação ampla” da matéria de facto, a que alude o Artº 412º, nºs. 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

Ora, no primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do citado Artº 410º, cuja indagação, como se extrai do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Ao passo que, na segunda situação, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs. 3 e 4 do citado Artº 412º.
Acresce que, nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ou seja, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, pois, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (8).

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, conforme determina o Artº 412º, nº 3, do C.P.Penal:

“3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.

Ora, a especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
Ao passo que a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida.
E, finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. Artº 430º do C.P.Penal).
E, para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas (9).

Ora, no caso vertente, o arguido recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, a que alude o Artº 410º, nº 2, als. a) e c), respectivamente.

Vejamos, pois.


Sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, prescreve o Artº 410º, do C.P.Penal:
“(...)
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
(...)
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)”.

Como logo flui do transcrito preceito legal, neste âmbito dos vícios da decisão, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Com efeito, os vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, pressupõem uma outra evidência na justa medida em que correspondem a deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna (10).
Em termos breves, tomemos em consideração cada um dos aludidos vícios.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a decisão proferida não cabe, não se ajusta aos factos (àqueles factos) dados como provados, ou, num sentido mais amplo, quando ocorre um vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei e, assim, na justa medida em que a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.
Exige-se, então, uma omissão de pronúncia, pelo tribunal, relativamente a factos alegados por algum dos sujeitos processuais ou resultantes da discussão da causa, que sejam relevantes para a decisão, como será dizer, ainda, o tribunal não dá como “provado” nem como “não provado” algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, tornando-se necessário que a matéria de facto tida por provada não permite uma decisão de direito, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para tal.

No caso vertente, tem o recorrente por verificado o vício ou, de algum modo, concretizou-o?

De modo algum.

Na verdade, lidas e relidas quer a motivação, quer as conclusões de recurso, constata-se que o arguido/recorrente não concretizou, a partir do texto da decisão sob recurso, a existência de um qualquer fundamento para se poder dizer que a decisão proferida não cabe, não se ajusta aos factos dados como provados, para se poder dizer, enfim, que uma tal decisão padece de uma insuficiência e/ou de uma qualquer ilogicidade intrínseca que torna impossível uma decisão justa e conforme à lei.
Não indicou, nem este tribunal logra vislumbrar onde se possa comprovar tal vício.

Pretenderia o recorrente falar em insuficiência de prova para a decisão de facto tomada pelo tribunal a quo?

É possível.
Porém, de modo algum a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se confunde com uma suposta insuficiência e/ou divergência dos meios de prova para a decisão de facto.
Por outro lado, entende-se que ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que normalmente e/ou notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou quando usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou quando, ainda, as provas revelam claramente um sentido e a decisão extraiu ilação contrária, impossível.
Trata-se, nas palavras do Conselheiro Pereira Madeira (ibidem, pág. 1275), do erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta.
Porém, na decorrência da norma ínsita no Artº 410º do C.P.Penal, não se olvide que o erro na apreciação da prova só é considerado notório quando, contra o que resulte de elementos que constem dos autos, cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados de conhecimento generalizado, se emite um juízo sobre a verificação, ou não, de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida. Assim, “as regras da experiência comum, em princípio, só podem ser invocadas quando da sua aplicação resulte, sem equívocos, a existência do aludido vício” (cfr. Ac. S.T.J. de 10/07/1996, in CJAcSTJ, II, 229).
Outrossim, tal como se referiu relativamente ao vício a que alude o Artº 410º, nº 2, al. a), cumpre assinalar que o erro notório na apreciação da prova não tem a ver com a eventual desconformidade/discordância entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio recorrente.
Ora, no caso vertente, é precisamente uma situação redutível à mera discordância que se entende verificada.
Porém, lida e analisada a fundamentação de sentença impugnada, não se vislumbra que, dos seus próprios termos, se evidencie qualquer erro na apreciação da prova, sendo certo que, tal como em relação ao sobredito vício da insuficiência, também neste segmento o arguido/recorrente não logra concretizar uma qualquer falha relativamente à factualidade dada como provada que impusesse a existência do erro notório.
Tudo se resumindo, afinal, e como já se salientou, a uma mera divergência de análise da prova produzida por banda do arguido, visando este colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência, e substituir essa convicção pela sua própria convicção.

Na verdade, mau grado não o refira expressamente, resulta da motivação e das conclusões do seu recurso, que o arguido recorrente tem em vista o erro de julgamento a que alude o Artº 412º, n.ºs 3 e 4, do C.P.Penal, traduzido numa errónea valoração das provas produzidas em julgamento no que tange à aludida factualidade.

O que, no entanto, e como bem sublinha a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, fez sem dar cumprimento aos aludidos requisitos ínsitos no Artº 412º, nºs. 3 e 4.

Pois, para além de nem sequer ter precisado os concretos factos que pretende sejam considerados não provados, quanto ao mais limitou-se a questionar o modo como o Tribunal recorrido formou a convicção (designadamente questionando a valoração por parte do Mmº Juiz a quo das imagens de videovigilância que foram visualizadas na audiência de julgamento, dos depoimentos das testemunhas L. G., M. J., A. C. e P. A., e dos esclarecimentos dos peritos da Polícia Judiciária, C. F. e F. V.) relativamente à factualidade dada como assente, maxime quanto àquela que esteva na base da sua condenação pelo crime de abuso de confiança qualificado, e pretendendo impor a sua própria tese, sem apresentar a adequada motivação, não tendo sequer especificado nas respectivas conclusões as passagens dos depoimentos que levariam a essa conclusão, com a sua concreta localização nos suportes técnicos, nem as provas que devem ser renovadas.

Dito de outro modo, o que o recorrente pretende é, no fundo, que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento acerca de tais factos, analisando toda a prova produzida na primeira instância a fim de fixar depois a matéria de facto de acordo com a convicção do próprio recorrente, considerando os factos em causa como não provados.

Ademais, há que sublinhar que, para que este tribunal de recurso pudesse levar a cabo a pretendida alteração da matéria de facto, tornava-se necessário que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não apenas aconselhasse, ou permitisse, ou consentisse uma tal alteração, mas antes impusesse essa alteração da decisão a que o tribunal recorrido chegou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto (cfr. o disposto no citado Artº 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal).

Sendo certo que, como assertivamente se refere no acórdão da Relação de Évora de 19/05/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 441/10.5TABJA.E2, disponível in www.dgsi.pt, “Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efectuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela.”.

Ora, no caso vertente, tendo em consideração as normas legais e os princípios jurídicos acabados de enunciar, e analisando a sentença recorrida quanto à motivação sobre a matéria de facto, facilmente se constata que as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento não "impõem" uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo tribunal a quo.

Antes a confirmam, como já dissemos.

Com efeito, vista e analisada a "motivação quanto à matéria de facto" concluiu-se que o tribunal a quo fez uma análise completa dos depoimentos e declarações prestados em audiência, explicando detalhadamente as razões pelas quais deu credibilidade a determinados depoimentos e declarações, em detrimento de outros, conjugando essa prova com os demais elementos de prova constantes dos autos, de índole pericial e documental, procedendo ao exame crítico dessas provas, de modo perfeitamente claro e apreensível, socorrendo-se das regras da experiência comum, com apoio na imediação e na oralidade da produção dos pertinentes meios de prova, e dessa análise apenas podemos referir sem hesitações que o mesmo cumpriu a sua missão com êxito.
Na verdade, a análise dessa prova não nos dá qualquer indício de que o tribunal a quo decidiu mal. Antes pelo contrário, confirma o raciocínio coerente, lógico e racional que prosseguiu para dar como provados os factos em discussão, nos exactos termos constantes da sentença impugnada.

É certo que ao recorrente assistia o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa, o que fez nos termos que constam das respectivas conclusões recursórias.

Porém, em bom rigor, o recorrente, ao alegar em tais moldes, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos, e socorrendo-se de pequenos pormenores desgarrados da visão global que sempre deve existir, em boa verdade o recorrente está, em síntese, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquela adquiriu em julgamento, olvidando a regra da livre apreciação da prova ínsita no Artº 127º do C.P.Penal, a que já por diversas vezes aludimos.

Pelo que, não se detectando na decisão recorrida qualquer vício e ou violação de nenhuma das aludidas normas legais, ou nulidades que não se encontrem sanadas, tem-se a matéria de facto definitivamente assente.

Nestas circunstâncias, soçobra o recurso, nesta parte.
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3.3. Da violação do princípio in dubio pro reo

Nesta sede, argumenta o recorrente que, julgando como julgou, dando como provados os factos da douta acusação pública, atribuindo ao arguido a autoria material desses factos, o Tribunal recorrido violou o princípio in dubio pro reo.

Uma vez mais, nenhuma razão lhe assiste.

O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença (Artº 32º, nº 2, da CRP), impondo ao tribunal que, em situações de dúvida quanto à ocorrência de determinado(s) facto(s) daí deva retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.

Como ensina Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português”, Universidade Católica Editora, Volume I, 2ª Edição, 2017, págs. 96/97, “A presunção de inocência é identificada por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquiet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Este princípio denomina-se também «benefício de dúvida» e significa que o arguido tem o direito de ser absolvido, a ser declarado inocente (direito à inocência), se não for feita prova plena da sua culpabilidade (...). A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a admissão da responsabilidade sem prova, fruto do azar do arguido que por qualquer razão se viu suspeito da prática de um crime, em que o tribunal tenha logrado provar a sua culpabilidade (...). Em rigor, o princípio in dubio pro reo é simplesmente um princípio lógico de prova. Se o tribunal não lograr a prova dos factos que constituem o objecto do processo deve considerar a acusação não provada e como consequência lógica não aplicar qualquer sanção ao arguido porque falta o necessário pressuposto, ou seja, que a acusação é fundada (...).

Porém, como se afigura evidente, o princípio in dubio pro reo não se traduz em dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, como sucede no caso sub-judice com a arguida recorrente. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

O que não significa, obviamente, que tendo havido versões diferentes ou até contraditórias sobre determinados factos, o arguido deva ser absolvido em homenagem a tal princípio (cfr., neste sentido, v.g., o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 09/05/2005, proferido no âmbito do Proc. nº 475/05-1, disponível in www.dgsi.pt).

Na verdade, a violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma manifesta e evidente, que o tribunal, numa situação de dúvida, decidiu contra o arguido.

Ora, no caso sub-judice, não se vislumbra na sentença recorrida, quer na matéria de facto dada como provada, quer na respectiva fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o tribunal a quo tenha tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, tal como não fixou qualquer facto que pudesse colocar em causa a autoria de tais factos.

Aliás, se o recorrente atentasse bem no teor da parte inicial da fundamentação da decisão de facto levada a cabo pelo tribunal a quo, facilmente constataria que o Mmº Juiz, a fls. 791, começa por afastar expressamente a existência de quaisquer dúvidas acerca da prova, quando afirmou que “a prova existente contra os arguidos não é apenas suficiente ou abundante, é absolutamente esmagadora!” (sublinhado e negrito nossos).
Ou seja – e repetindo-nos –, o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida, tendo retirado directamente as conclusões que tirou da prova produzida em audiência, pelo que não poderia nem deveria fazer uso de tal princípio.
Nenhuma violação ocorre, pois, de tal princípio, maxime da norma constante do Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.
Nestas circunstâncias, improcede, também, esta questão recursória.
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3.4. Da medida da pena de prisão e da obrigação de pagamento como condição de suspensão da execução dessa pena

Nesta vertente argumenta o recorrente, num primeiro momento, que a pena em que foi condenado é inadequada, não tendo o tribunal a quo valorado convenientemente a inexistência de antecedentes criminais, e bem assim a sua situação económico-financeira e do seu agregado familiar, e a sua integração familiar e social. E, de seguida, aduzindo ser excessiva a obrigação de liquidar a quantia fixada de € 10.000,00 no prazo de dois anos como condição para suspender a execução da pena em que foi condenado, condição esta que se traduz na aplicação efectiva de uma pena de prisão, já que, face à sua situação financeira, a mesma constitui um dever impossível de cumprir, violando os seus direitos fundamentais, pondo em causa o mínimo necessário para a sua subsistência.

Vejamos.

Com a decisão da matéria de facto definitivamente estabilizada, e não havendo dúvidas de que o arguido cometeu, em co-autoria material, e na forma consumada, um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo Artº 205º, nºs. 1 e 4, al. b), do Código Penal, com referência ao Artº 202º, al. b), do mesmo diploma, cujos elementos objectivos e subjectivos se mostram inteiramente preenchidos (nos moldes devidamente explicitados na sentença recorrida), importa atentar nos elementos evidenciados pelos autos para as finalidades visadas.

O aludido crime de abuso de abuso de confiança qualificado, pelo qual o recorrente foi condenado, é abstractamente cominado com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Ora, de acordo com o disposto no Artº 71°, nº 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena deverá ser concretizada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (geral de integração e especial de socialização) que se façam sentir no caso concreto.
Através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, deste modo, à realização dos fins das penas no caso concreto (cfr. o Artº 40°, n° 1, do Código Penal).
A consideração de culpa do agente liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela eminente dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado, e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção (cfr. o Artº 40°, n° 2, do Código Penal).
Nos termos do nº 2 do citado Artº 71º, na determinação concreta da pena deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
Dentre aquelas circunstâncias aludidas no Artº 71º, nº 2, do Código Penal, perfilam-se o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto.

No caso vertente, e relembrando o decidido, a este propósito o tribunal a quo atendeu, correctamente, ao grau de ilicitude dos factos praticados (considerando, sobretudo, o desvalor do resultado da conduta dos arguidos.

A par disso, não esqueceu o dolo intenso (directo) com que o arguido pautou a sua conduta.

Bem como as circunstâncias de o arguido não ter reparado o prejuízo sofrido pela assistente, e de não ter colaborado com o tribunal no apuramento da verdade, pois que não assumiu o seu comportamento criminoso.

Outrossim, e em desfavor do arguido, foi valorado o facto de (então) trabalhar para a assistente, o que lhe impunha uma especial responsabilidade, dada a relação de confiança de que certamente gozava, bem como o razoável grau de sofisticação do esquema delineado com vista à apropriação de quantias monetárias, o que aumenta a censurabilidade do seu comportamento, sendo certo que “o crime praticado não foi fruto de qualquer impulso momentâneo, mas algo meticulosamente preparado (a começar pelo pedido do arguido A. P. para “fazer equipa” com o arguido J. L.) e executado ao longo de um espaço de tempo bastante significativo, sem que os arguidos desistissem dos seus intentos, embora tivessem várias oportunidades para o fazer.”.

Em contrapartida, foram correctamente valorados, a favor do arguido, o tempo já decorrido desde a data dos factos sem notícia de qualquer outro comportamento desviante, a inexistência de quaisquer antecedentes criminais e o facto de se encontrar familiar, profissional e socialmente inseridos.

Consequentemente, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade das penas, e vista a pena abstracta aplicável ao crime praticado pelo arguido, consideramos que só a pena concreta aplicada pelo tribunal de 1ª instância (porventura, até, algo benevolente, já que bastante próxima do limite mínimo abstracto aplicável), conseguirá satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como a de procurar que o arguido não volte a delinquir.

Ademais, há que referir que, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir nas penas, modificando-as, se detectasse evidentes incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Sendo certo que, nesta sede, o recurso não deve visar nem pretender eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar (11).

Aliás, a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, também Figueiredo Dias ensina que, sobre a determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (12).

Em suma, tendo sido correctamente observados todos os critérios estabelecidos na lei, não se vislumbrando qualquer distorção na determinação da medida da pena levada a cabo pelo tribunal recorrido, improcede o recurso, nessa parte.

Mas, como se viu, pretende também o recorrente seja revogada a condição que lhe foi imposta para a suspensão da execução da pena, sustentando que o pagamento da quantia fixada de € 10.000,00, no prazo de dois anos, face à sua situação financeira, constitui um dever impossível de cumprir, violando os seus direitos fundamentais, já que põe em causa o mínimo necessário para a sua subsistência.

Efectivamente, como se alcança da sentença recorrida, considerou o tribunal a quo que a suspensão da execução da pena de prisão apenas asseguraria as finalidades da punição desde que sujeita à obrigação de o arguido, no período da duração da suspensão – 2 anos – pagar à assistente “P. C., S.A.” parte da quantia indemnizatória, correspondente a € 5.000,00 (e não a € 10.000,00, como invoca o recorrente).

Apreciando, atentemos, antes de mais, no que a propósito da suspensão da execução da pena e da condição imposta ao arguido concretamente se consignou na sentença recorrida (transcrição):

“No que ora importa, estatui o artº 50º/1 CP que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

Com particular relevância para o caso dos autos, estatuía o artº 50º/5 do CP na redacção em vigor à data dos factos que o período de suspensão de execução da pena de prisão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

Conforme escreve Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pag.331 “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.”
A culpa nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena.
Por outro lado, neste particular, deve dar-se prevalência a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos. A sociedade tolera uma certa “perda” do efeito preventivo geral, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal.

No caso vertente, os efeitos estigmatizantes da pena de prisão, a circunstância de os arguidos estarem familiar, profissional e socialmente inseridos e sobretudo a inexistência de antecedentes criminais, o que inculca a ideia de que estaremos perante um acto isolado, aconselham a suspensão da execução da pena de prisão.
É, pois, possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastará para a prevenção de futuras condutas.
Neste caso, somos de opinião que a reprovação pública inerente à pena suspensa, aplicada num processo-crime e em audiência, satisfaz o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, realiza o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Face ao exposto, suspende-se a execução da pena de 2 anos de prisão aplicada aos arguidos A. P. e J. L. pelo período de 2 anos.
No entanto, é entendimento do tribunal que tal juízo de prognose só é susceptível de ser formulado desde que a suspensão da execução da pena de prisão não seja uma suspensão “pura e simples”, mas sim uma suspensão condicionada, que faça não só sentir aos arguidos “o mal do crime”, mas que permita também ao tribunal concluir que existe da sua parte uma firme vontade de repararem o mal causado e de se reinserirem de forma plena na sociedade.
Nos termos do artº 51º nº1 al. a) do CP, “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.”
Entendemos que, no caso vertente, a suspensão da execução da pena de prisão deverá ficar condicionada ao pagamento por parte do arguido A. P. da quantia de €10 000,00 à assistente no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença e ao pagamento por parte do arguido J. L. da quantia de €5 000,00 à assistente, igualmente no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, prendendo-se a diferença de valores da condição imposta com a diferente situação económica de cada um dos arguidos.
Na verdade, em primeiro lugar, deve começar por salientar-se que a jurisprudência tem considerado que os crimes de natureza patrimonial (como é o caso) são aqueles em que mais se justifica que a suspensão da execução da prisão seja subordinada à obrigação do condenado pagar uma indemnização, ou parte dela, até onde lhe for possível.
Só assim se satisfazem de forma plena as exigências de prevenção geral e especial que o presente caso reclama, atento o tipo de crime em causa e a própria personalidade manifestada pelos arguidos nos factos praticados, o que justifica que façam um esforço acrescido para procederem a tal pagamento.
Indo ao encontro de todos os dados do problema, estabelece-se-lhes, como condição de suspensão de execução da pena, o pagamento de quantias reduzidas face ao montante total em dívida e concede-se-lhes um prazo suficientemente dilatado para que o possam fazer, pelo que de nenhuma forma poderá dizer-se que se trata de uma condição desproporcionada face à sua situação económica.
No passado dia 21 de Novembro de 2017, entrou em vigor a Lei nº 94/2017, de 23/08, a qual introduziu várias alterações ao Código Penal.
No caso concreto, importa apenas considerar as alterações introduzidas ao nº5 do artº 50º.
O período de suspensão de execução da pena de prisão deixou de ter duração igual à da pena de prisão aplicada, sendo agora fixado entre um e cinco anos, de acordo com o critério do julgador, que passa ter uma maior margem de liberdade.
Face às exigências de prevenção geral (médias) e de prevenção especial (os arguidos, apesar de não terem antecedentes criminais e de estarem socialmente inseridos, não confessaram os factos nem demonstraram arrependimento, o que denota que não interiorizaram a gravidade do seu comportamento), justifica-se que o período de suspensão de execução da pena continue a ser fixado nos 2 anos, suspensão que continuará subordinada à mesma condição anteriormente imposta.
Estatui o artº 2º/4 CP que “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente (…)”
No caso vertente, nenhum regime é mais favorável que o outro pelo que aplicar-se-á o regime em vigor à data dos factos.”.
Como lapidarmente expendem os Exmos. Srs. Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014, pág. 775, “Através dos deveres e regras de conduta que são impostas para reparar o mal do crime e facilitar a reintegração do condenado na sociedade contribui-se para que ele observe uma conduta correcta durante o período de suspensão, evitando-se, ao mesmo tempo, os danos causados pelo cumprimento de uma pena privativa da liberdade” e, “Por outro lado, com a imposição de certas obrigações que servem para reparar o mal do crime pode compensar-se a situação de favor em que se traduz a não execução da pena privativa da liberdade”.
Ora, na situação em apreço, como correctamente ponderou o tribunal a quo, encontra-se amplamente justificada a medida em causa, sobretudo por razões de prevenção especial, contribuindo para a reinserção social do arguido, que assim se reabilita colmatando, na medida do possível, os efeitos dos seus actos ilícitos.
Por outro lado, dúvidas não há de que tal medida facilita a reposição da situação que a ofendida/lesada tinham antes do cometimento do crime.
Aliás, como refere o Prof. Figueiredo Dias (13), a obrigação de reparação do mal do crime permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime.
Sublinhando, ainda, o mesmo Autor (14), que “a obrigação” de o arguido entregar ao ofendido a quantia (parcial ou total) fixada para efeitos de reparação dos danos decorrentes da sua actuação, não deixa de ter natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual esta obrigação, destinada a reparar o mal do crime, assume também uma função adjuvante da realização das finalidades da punição.
Porém, há que notar que, para que se alcancem estes objectivos, o condenado deve encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para o efeito, impõe-se que o tribunal averigue as possibilidades do cumprimento, fixando a obrigação ou o dever de modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do arguido, só assim se prosseguindo o direito deste a uma pena justa e equitativa.
O que claramente decorre do Artº 51º, nº 2, do Código Penal, segundo o qual “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”. Prevendo-se, até, no nº 3 do mesmo preceito legal, a possibilidade de modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.

Ora, no caso sub-judice, afigura-se-nos que o montante fixado (repete-se, € 5.000,00 e não € 10.000,00, como referte o recorrente) e o período de que dispõe o arguido recorrente para proceder ao pagamento em causa respeita os parâmetros de exigibilidade impostos pelo citado preceito legal, tendo em conta as suas condições pessoais e vida.
Pois, como se provou, aufere rendimentos mensais do trabalho como vendedor de uma empresa comercial equivalentes ao salário mínio, sendo certo que a esposa é funcionária administrativa, auferindo mensalmente cerca de € 680,00, tendo um filho de 19 anos a cargo e pagando de renda de casa a quantia mensal de € 371,00.
É certo que, face a essa concreta situação económico-financeira do recorrente, a condição imposta não deixa objectivamente de acarretar para ele algum sacrifício.
Porém, como é jurisprudencialmente pacífico, convém não olvidar que a sanção penal só cumpre a sua finalidade, se efectivamente for sentida pelo condenado, sob pena de - como sugestivamente se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra, de 03/07/2013, proferido no âmbito do Proc. nº 734/11.4PBFIG.C1, in www.dgsi.pt - se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei.

Concordando-se também inteiramente com o que a propósito se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 19/10/2011, proferido no âmbito do Proc. nº 107/05.8TATBU.C1, disponível in www.dgsi.pt:

“1.- A suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição irrazoável, assim como a obrigação que for fixada deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da propor­cionalidade.
2.- Porém tal não significa que a condição tenha que se restringir ao que for confortável ao agente, isto é, àquilo que ele puder cumprir sem sacrifício, sob pena de não se poder impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de indemnização ao lesado quando o agente seja pobre.
3.- É que a pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada.”.

Em suma, não se afigurando que a condição imposta represente um “sacrifício inumano” para o arguido, e impossível de cumprimento por banda do mesmo, nada há a apontar ao assim decidido, mantendo-se inalterada, pois, a sentença recorrida, nessa parte, com a consequente improcedência do recuso relativamente a essa questão.
*
Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, não se vislumbrando a violação de nenhuma das normas invocadas pelo recorrente, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, que se confirma, improcedendo, in totum, os presentes recursos.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido J. L., confirmando-se, consequentemente, o despacho e a sentença recorridos.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça relativamente a cada um dos recursos (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 9 de Março de 2020

António Teixeira (Relator)
Paulo Correia Serafim (Adjunto)


1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Conclusões corrigidas/sintetizadas, na sequência do despacho proferido pelo relator em 14/11/2019, exarado a fls. 952/953.
3. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
4. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
5. Note-se que, como resulta do relatório do exame pericial (fls. 652 a 716), as imagens captadas pelas câmaras de videovigilância constam de três "pen-drive", contendo 27 pastas com mais de 22.600 ficheiros de imagem em movimento (vídeo).
6. Como relembra o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, primeiro volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, a págs. 229 e sgts., a oralidade e a imediação são dois princípios gerais do processo penal, sendo considerados como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual português. Acrescentando que o processo é dominado pelo princípio da oralidade quando o juiz profere a decisão com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar, e consistindo a imediação como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
7. Ibidem, pág. 201 e sgts..
8. Sobre estas questões, cfr., entre outros, o Acórdão do S.T.J., de 23/05/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 07P1498 (Cons. Henriques Gaspar), disponível in www.dgsi.pt.
9. Não se olvidando, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão de 08/03/2012, in DR Iª Série, nº 77, de 18/04/2012, fixou a seguinte jurisprudência obrigatória sobre esta matéria: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”.
10. Como impressivamente refere o Exmo. Sr. Conselheiro Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 1272/1273 -, porque aqui se trata (na detecção dos vícios do Artº 410º, do C.P.Penal), essencialmente, de uma tarefa de direito, os tribunais superiores procedem oficiosamente a essa indagação de vícios na matéria de facto, provada e não provada, atendo-se imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum, nunca a outro tipo de provas.
11. Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 22/04/2014, proferido no âmbito do Proc. nº 291/13.7GEPTM.E1, in www.dgsi.pt, no qual se afirma: “A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.”.
12. In “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 197.
13. Ibidem, pág. 339.
14. Ibidem, pág. 353.