Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
450/18.6T8BRG-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTO MÉDICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No tocante ao cumprimento dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto estabelecidos no art. 640º do Código de Processo Civil o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como prevalente o entendimento de que, por razões de objetividade e certeza, os concretos pontos de facto impugnados tem de constar, formalmente, reproduzidos nas conclusões recursórias, ao contrário do que sucede com a especificação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, a indicação das passagens das gravações e as respostas alternativas pretendidas, as quais basta que estejam indicadas no corpo alegatório do recurso.

II - O decretamento da providência de arbitramento de uma reparação provisória está dependente da verificação cumulativa de três requisitos fundamentais:
- estar indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido (fumus boni juris);
- existência de uma situação de necessidade económica por parte do requerente que não permita que se aguarde pelo desfecho da ação principal (periculum in mora); e,
- existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.

III - Tem natureza extracontratual a responsabilidade civil, por alegados factos ilícitos cometidos por um médico, em unidade hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde, em relação a um doente, em virtude da inexistência de um vínculo jurídico entre a vítima e o lesante.

IV - Na responsabilidade civil extracontratual, é ao lesado que incumbe fazer a prova dos respetivos pressupostos, enquanto factos constitutivos do direito alegado, salvo, quanto à culpa do autor da lesão, havendo presunção legal de culpa, nos termos do preceituado pelas disposições conjugadas dos arts. 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Cód. Civil, sendo que não há lugar a responsabilidade no caso de faltar qualquer um dos pressupostos legais constantes do art. 483º, n.º 1 do CC.

V - A obrigação de indemnização, com base em responsabilidade civil médica, não decorre de qualquer regra especial definidora desse âmbito, sendo, antes, subsumível aos termos gerais da responsabilidade civil contida no estatuído pelo artigo 483º, n.º 1, do CC.

VI- Não demonstrando indiciariamente a requerente que o acto médico foi efetuado sem observância das guide lines e das leges artis na concreta situação em que tal contacto cirúrgico ocorreu, nem que, na execução dos deveres que lhe eram exigíveis, a médica anestesista não actuou com a diligência, cuidado ou prudência impostos a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso, bem como não resultando indiciado o nexo de causalidade entre o acto médico praticado e as sequelas que aquela apresenta, é de concluir pela inverificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar (fumus boni juris) com fundamento em responsabilidade civil médica, com a consequente improcedência da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

S. F. instaurou contra 1) Hospital X - Escala X - Sociedade Gestora do Estabelecimento S.A.; 2) Y - Companhia de Seguros, S.A., 3) Maria e 4) K Portugal - Companhia de Seguros, S.A., procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, com os fundamentos expostos no requerimento inicial, peticionando a condenação dos Requeridos a pagar a renda mensal em valor não inferior a €1.000,00 (mil euros).
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As requeridas apresentaram oposição, pugnando pela improcedência da providência cautelar requerida (cfr. fls. 47 a 55, 89 a 93 e 97 a 130).
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Realizada a produção de prova, o Tribunal “a quo” julgou procedente a providência requerida e, em consequência, condenou solidariamente os requeridos a pagar a renda mensal de € 750,00 a título de reparação provisória do dano, conforme o n.º 3 do art. 388º do CPCivil até à data em que for proferida sentença no processo principal (cfr. fls. 172 a 177).
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Inconformadas com esta decisão, todas as requeridas dela interpuseram recurso.
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A Y – Companhia de Seguros, SA., formulou as seguintes conclusões (cfr. fls. 179 a 192):

«1- Considerando as conclusões infra, as quais delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), as questões essenciais a decidir são:

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto e,

Dos pressupostos do decretamento do arbitramento de reparação provisória.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

2- O Tribunal a quo, de forma genérica e sem qualquer rigor, deu como não provada a factualidade alegada em sede de oposição por todas as requeridas.
3- Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, bastaria a prova documental junta aos autos para que a factualidade dada como não provada fosse outra.
4- E esta prova documental foi confirmada ao pormenor, quer pela 3ª requerida, em sede de declarações, quer pelas testemunhas indicadas pelo requerido hospital.
5- A factualidade dada como não provada deverá ser dada como provada in totum, o que se requer.
6- Assim, deverá ser dada como provada a seguinte factualidade:

A paciente tinha indicação para repouso, no internamento.
A paciente no pós operatório imediato e já no internamento apresentou dor controlada.
Mais tarde referiu (já no período da manhã do dia seguinte), dor intensa na perna esquerda, motivo pelo qual a enfermagem contactou o serviço de anestesiologia.
A paciente foi observada pela 3ª Requerida pelas 10h40m e foi retirado o cateter epidural com reversão completa das queixas (dor irradiada ao membro inferior esquerdo com perda de força, cervicalgias e alguma fotofobia, não tendo referido cefaleias ou tonturas) – veja-se as notas do internamento do documento 4 junto.
Foi novamente observada pela 3ª Requerida cerca das 13h45m, estando assintomática, sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação;
Foi explicado à A. que se tratava de uma intercorrência, tendo-se aconselhado a ingestão de cafeína por estar indicada clinicamente para cefaleias.
No decurso do internamento, a paciente realizou medicação analgésica.
A alta foi dada estando a A. sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação, motivo pelo qual não foi medicada para o domicílio.
Apenas em 19 de Agosto, referiu a A. pela primeira vez após a alta – cerca de um mês e uma semana após a cirurgia - dor lombar e cefaleias, pelo que lhe foi solicitada Ressonância Magnética (RMN) para confirmação de síndrome de hipotensão de liquor;
Sendo que a A. apenas regressou ao Serviço em 25 de Setembro por cefaleias.
A A. nunca referiu parestesias, tonturas nem alodinia, circunscrevendo-se o quadro ao supra referido.
Neste último dia 25 de Setembro foi realizada RMN do crânio que afasta a hipótese diagnóstica colocada de síndrome de hipotensão de liquor;
Os exames imagiológicos realizados e electromiografia comprovam que a Requerente não padece de qualquer lesão motivada pela punção acidental da dura mater.
A Requerente em Julho de 2015 – no mês posterior à cirurgia - não tinha quaisquer queixas de cefaleias ou perda de força nos membros inferiores tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital X por motivos conexos com a cirurgia realizada e não com os actos anestésicos.
Isto é, a Requerente não apresentava sintomas nem clinica compatível com aquilo de que se vinha queixando, quando examinada.
Foi observada pela especialidade de neurologia que descartou qualquer patologia do foro neurológico nomeadamente síndrome de hipotensão de liquor.
Daqui resulta que a punção acidental da dura mater não causou qualquer lesão à Requente, facto comprovado inequivocamente pelos exames imagiológicos realizados.

DA (IN)VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA PROVIDÊNCIA:

7- Resulta do art. 388º os requisitos de que depende o deferimento da providência de arbitramento de reparação provisória:

a)Uma acção de indemnização onde o eventual responsável dos danos será demandado e onde se terão que verificar os pressupostos cumulativos da obrigação de indemnizar, o facto, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano e ainda, se for caso disso, a ilicitude e a culpa;
b)A situação de necessidade do requerente;
c)O nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade;
d)Os indícios da obrigação de indemnizar por parte do requerido (que se consubstanciam na prática nos pressupostos da obrigação indemnizatória).
8- Note-se que esta prova sumária do bem fundado da pretensão pertence à requerente da providência. A esta incumbe provar, ainda que indiciariamente, que no processo principal irá com alguma verosimilhança vencer a sua pretensão.
9- Todos estes 4 requisitos são de verificação cumulativa e faltando algum deles esvai-se por completo a pretensão cautelar do requerente.
10- A responsabilidade civil por factos ilícitos tem como pressupostos ou elementos a ocorrência do facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano e a culpa do agente (artigos 483.º, 487.º n. o 2, 488.º, 562.º, 563.º do Código Civil).
11- Um dos requisitos que cai logo à partida consiste na probabilidade séria da existência do direito à indemnização invocado (fumus boni iuris), que terá de se extrair, através de um juízo de verosimilhança, da factualidade alegada e demonstrada nos autos.
12- Ora, ficou mais que provado através das declarações de parte da Dr.ª Maria que não omitiu nenhum comportamento devido, que actuou com a devida diligência, de acordo com as leges artis, isto é, actuou com a observância das normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto, afastando assim qualquer ilicitude e qualquer tipo de actuação culposa.
13- Ficou também provado que não existe qualquer nexo de causalidade entre o facto alegado pela requerente e o dano alegado.
14- Ao lesado compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão (artigo 487º, n.º 1, do CC), mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado (artigo 342º, n.º 1, do CC).
15- Ora, face à prova produzida neste procedimento cautelar, não poderia, obviamente, o Tribunal a quo considerar este pressuposto preenchido.
16- Para decretar a providência competia ao Tribunal, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 403º do CPC apurar a ocorrência de factos que indiciassem a existência da obrigação de indemnizar. O que, com o devido respeito, não conseguiu fazer.
17- Aliás, a requerente, em lado algum do seu requerimento inicial, invoca a existência de um nexo de causalidade entre a perfuração da dura-mater e as sequelas de que padece, nem tão pouco, foi feita qualquer prova – testemunhal e/ou documental – nesse sentido.
18- Note-se, os pressupostos de responsabilidade civil são cumulativos, claudicando um, caem todos.
19- No caso dos autos, não está um pressuposto em falta, mas sim 3!
20- Ou seja, dos factos provados e da motivação indicada na decisão recorrida não é possível concluir, mesmo que indiciariamente, que exista uma obrigação de indemnizar a cargo dos requeridos, advenientes de responsabilidade por acto médico.
21- Ou seja, não está sequer indiciada a obrigação de indemnizar por parte da requerida.
22- Pelo contrário, a realidade dos factos é incompatível com todas as pressuposições e hipóteses apresentadas e comprovam uma correcta actuação dos requeridos em rigoroso respeito das legis artis.
23- A principal razão que motiva esta providência é a necessidade económica e financeira da requerida em resultado das sequelas provocadas por um facto ilícito imputável ao médico.
24- Ora, com o devido respeito, este estado de necessidade ficou por provar.
25- Para além das testemunhas da requerente, mais nada foi apresentado.
26- Foi requerido pela ora recorrente que fosse oficiado o ISS, IP – Centro Nacional de Pensões para que indicasse a situação contributiva da requerente e se a mesma auferia subvenções, a que título, de que valor e até que data.
27- Requerimento ao qual a requerente se opôs, criando assim um maior obstáculo à procura da verdade material.
28- À falta de elementos trazidos aos autos por quem neles tinha interesse, atenta a repartição do ónus probatório: a requerente, sobretudo declaração de IRS, comprovativo emitido pelo Instituto de Segurança Social em como não recebia qualquer rendimento, vulgo subvenção, os requeridos requereram que o ISS, IP fosse oficiado no sentido de prestar essas mesmas informações.
29- Assim, por falta de prova e violação do princípio da repartição do ónus probatório, também este requisito/pressuposto não se encontra verificado em concreto.

DAS DISPOSIÇÕES JURÍDICAS VIOLADAS

30- Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os arts. 5º, 7º, 411º e 388º, entre outros, todos do Código de Processo Civil, 342º e 483º, entre outros do Código Civil,
TERMOS EM QUE:

deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a sentença que decretou a providência de arbitramento de reparação provisória revogada, com as legais consequências.
com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!»
*
A K PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. aduziu as seguintes conclusões (cfr. fls. 195 a 210):

«A. Não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando condena a Recorrida (e a sua segurada) no âmbito do procedimento cautelar dos autos.
B. A decisão, de tão simplista que é, não poderá manter-se pois representa um claro e flagrante atropelo dos direitos de defesa e de igualdade de armas entre Requerida e Requerente, mesmo tendo em conta que estamos no âmbito de um procedimento cautelar.
C. Dispõe o art.º 365.º, n.º 1 do CPC que “Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão”.
D. Já o n.º 1 do art.º 367.º do CPC prevê que “Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz”.
E. A Recorrida no âmbito do procedimento cautelar dos autos alegava, em suma, que na sequência de um determinado acto médico que descreve tinha ficado incapacitada para o exercício de qualquer actividade remunerada (nomeadamente a que desenvolvia) e que não dispunha de quaisquer meios (nomeadamente pagamentos da segurança social) para fazer face ao seu sustento.
F. Ora, com a sua oposição a ora Recorrente requereu a seguinte prova:

“(…)
Requer a V. Exa. a notificação do INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP para juntar aos autos cópia das baixas atribuídas por esta entidade à Requerente bem como de todos os requerimentos apresentados para atribuição de subsídio de doença à Requerente;
Requer a V. Exa. a notificação da Requerente para juntar aos autos cópia das baixas atribuídas pelo INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP;
Requer a V. Exa. a notificação do CENTRO NACIONAL DE PENSÕES para que o mesmo informe os autos se a Requerente se encontra a receber, na presente data, alguma pensão bem como, em caso de resposta afirmativa, qual o seu montante;
Requer a V. Exa. a notificação do INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP para que a mesmo informe os autos se a Requerente, se encontra a receber, ou recebeu, a partir de 06.07.2015, algum subsídio bem como, em caso de resposta afirmativa, qual o seu montante e qual a previsível duração do mesmo;
requer a V. Exa. a notificação da Requerente para juntar aos autos cópia das suas declarações de IRS (e respectivas notas de liquidação) referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017;
(…)”.
G. O Tribunal a quo indeferiu, no início da audiência de inquirição de testemunhas, a totalidade da prova requerida pela Recorrente, com excepção do depoimento de parte da co-Requerida/Segurada da ora Recorrente.
H. Ora, com o despacho vindo de referir o Tribunal a quo violou, de forma grosseira, os direitos de defesa da Recorrente.
I. A junção aos autos das declarações de IRS da Requerente bem como a notificação da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões permitiriam aferir um dos pontos necessários ao deferimento da providência dos autos: o estado de necessidade.
J. Tal prova permitiria aferir de forma definitiva e sem margem para dúvidas, a situação de necessidade que o art.º 388.º, n.º 2 do CPC.
K. O facto de estarmos perante um procedimento cautelar em que se exige, apenas, prova indiciária não permite que se possa deferir o mesmo sem que exista qualquer prova substantiva, apenas porque foi alegado pela Recorrida uma determinada factualidade.
L. A Recorrida tinha a obrigação de, pelo menos, atentos os factos por si relatados, juntar aos autos as suas declarações de IRS logo com o requerimento inicial.
M. A decisão dos autos violou os direitos de defesa da Recorrente, facto que importa numa NULIDADE que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
N. A douta decisão violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos art.ºs 362.º e seguintes e art.º388.º, todos do CPC.
O. De qualquer forma sempre se dirá que a factualidade dada como provada no que ao nexo causal entre os danos apresentados pela Autora e a actuação da Segurada da Recorrente padece de uma manifesta contradição com a prova carreada para os autos pela própria Requerente.
P. Na verdade, para além de nada ter sido referido a esta propósito pelas testemunhas da Requerente (que não têm quaisquer conhecimentos médicos que permitissem aferir deste nexo causal), o doc. 19 junto com o requerimento inicial é taxativo no que á inexistência de nexo causal diz respeito.
Q. Na verdade, no documento que a Requerente junta aos autos como “prova” da existência de nexo causal (DECLARAÇÃO do Sr. Dr. F. R.) que “Apesar de ter acompanhado à distância, sem qualquer envolvimento direto nem parte ativa, as ocorrências que rodearam a cirurgia de Julho de 2015, na qualidade de médico assistente de longa data, não consigo perceber o que poderá ter motivado este quadro com uma dor desta intensidade e cronicicidade” (destaque nosso).
R. É o próprio médico assistente da Recorrida que não consegue estabelecer o nexo causal entre o acto médico praticado pela co-Requerida MARIA e as patologias que a Recorrida apresenta na presente data.
S. É a própria Recorrida que apresenta o doc. 19 como sendo prova da existência de nexo causal!
T. O Tribunal a quo não poderia, deste modo, dar como provada a existência de nexo causal entre o problema de saúde que afectam a Requerente e o acto médico praticado pela Segurada da ora Recorrente.
U. Tal factualidade terá, necessariamente, que ser dada como NÃO PROVADA (art.ºs 25 a 27.º dos FACTO PROVADOS no procedimento cautelar).
V. De igual modo o estado de necessidade da Recorrida não pode resultar como provada nos presentes autos uma vez que, como já se referiu anteriormente, nenhuma prova foi feita acerca, por um lado, da inexistência de pagamento de prestação social à Recorrida e, por outro, inexistência de rendimentos (elementos que a Recorrida poderia, com facilidade, juntar aos autos).
W. A Recorrida não só não produziu qualquer prova, nomeadamente documental, acerca do putativo cancelamento das prestações que se encontram a ser liquidadas pela Segurança Social (sendo que refere no artigo 80 do requerimento inicial que as prestações iriam terminar em 19.06.2018 e não produziu qualquer prova acerca de tal factualidade), como não produziu prova acerca da sua situação de necessidade no que diz respeito à inexistência de outros rendimentos, facto que com a declaração de IRS poderia ser ultrapassada.
X. O ónus da prova de tais factos estava a cargo da Recorrida, que não deu cumprimento a tal ónus.
Y. Os factos constantes dos art.ºs 80.º, 81.º, 85.º, 86.º e 88.º do requerimento inicial não poderiam resultar como provados.
Z. O Tribunal a quo errou assim, por erro de aplicação e interpretação, o disposto nos art.ºs 342.º e 487.º do Código Civil.
AA. Os Requeridos não se encontram todos na mesma posição.
BB. A condenação solidária é, uma solução simplista embora confortável (até em termos de fundamentação da decisão que, no caso dos autos, é praticamente inexistente).
CC. Pese embora isso tenha sido amplamente explicitado na oposição da ora Recorrente, parece que o Tribunal a quo não se preocupou, sequer, em analisar (ou ler) o que ali foi aduzido.
DD. No caso autos resultou como provado que a Recorrida recorreu ao Hospital X para ser submetida a uma cirurgia electiva para debelar uma patologia, previamente diagnosticada, em consulta da especialidade de Ginecologia.
EE. Segundo a organização do Hospital X, coube à Segurada na ora Recorrente intervir na cirurgia na qualidade de anestesiologista sem qualquer contacto autónomo com a paciente.
FF. Entre a Segurada e a Recorrida não foi estabelecido qualquer contrato de prestação de serviços médicos.
GG. Foi, isso sim, estabelecida uma relação jurídica administrativa de utente, conforme o define o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.04.2004 (recurso nº 982/03, disponível em JusNet 2100/2004), posição perfilhada por Freitas do Amaral, in “Direitos da Saúde Bioética”, ed. AAFDL, 1996, págs. 123 e seguintes.
HH. O Hospital X é uma unidade hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde, no âmbito de uma “Parceria Público Privada” celebrada através de um contrato de gestão assinado pela Administração Regional de Saúde Norte, em representação do Ministério da Saúde. Portanto, ainda que resultante dessa “Parceria Público Privada”, quando os utentes se deslocam ao referido Hospital fazem-no ao abrigo de uma relação jurídica administrativa de utente, a qual é disciplinada pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
II. Não obstante o local e o âmbito em que o médico observa o paciente, o seu dever fica moral e legalmente cumprido a partir do momento em que presta ao doente cuidados conscienciosos e atentos, utilizando todos os conhecimentos e meios ao seu alcance, em conformidade com os dados actualizados da ciência.
JJ. Trata-se, pois, de uma obrigação de meios e não de resultado.
KK. O cumprimento das “leges artis”, enquanto conjunto de regras da arte médica, isto é, regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre, é o critério avaliador que permite determinar se o médico atua ou não com culpa, segundo um juízo de normalidade.
LL. No caso concreto, o acto médico da Segurada foi praticado na qualidade de anestesiologista e integrado na equipa médica do cirurgião-principal.
MM. Quando o acto médico foi praticado pela Segurada estava já em vigor a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de novembro de 1967.
NN. O art.º 8.º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, que prevê a responsabilidade solidária da Administração e dos seus funcionários (no caso, a Segurada) apenas e tão só quando estes actuam com dolo ou culpa graves.
OO. Por conseguinte, quando não actuam nesses termos não podem ser responsabilizados.
PP. Da factualidade dada como provada nos presentes autos não resulta, seja de que forma for, que a Segurada actuou com dolo ou culpa grave!
QQ. A Segurada da Recorrente e a Recorrente não podem, por conseguinte, ser responsabilizados na decorrência do sinistro dos autos.
RR. Portanto, se a atuação da Segurada for enquadrada no conceito de culpa leve (mera negligência), o que apenas por mero dever de patrocínio se consente e que não resulta de qualquer facto provado nos presentes autos, o Hospital X sempre responderá exclusivamente nos termos do art. 7º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
SS. Diversamente, o Estado (o Hospital X, entenda-se) é solidariamente responsável para com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, quando estes tenham atuado com dolo ou culpa grave, no exercício das suas funções e por causa desse exercício (art. 8.º, n.º 2 da referida Lei).
TT. Nos termos do n.º 1 do art. 8.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, há culpa grave (negligência grave ou grosseira) quando o titular do órgão, funcionário ou agente tenha atuado com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontrava obrigado em razão do cargo.
UU. Há culpa leve quando essa atuação tenha sido efetuada com diligência e zelo inferiores, mas não manifestamente inferiores aqueles a que se encontrava obrigado.
VV. No fundo, a culpa leve é aquela em que não teria incorrido um homem de diligência média que agisse como um bonus pater familias.
WW. Porém, o grau da culpa deve ser aferido em razão do cargo que o agente (Segurada) desempenhava no momento em que praticou o facto ilícito, o que significa não a diligência de um cidadão médio, mas a que seria exigível a alguém que está inserido numa estrutura ou serviço da administração pública.
XX. Acresce que para se verificar a existência de culpa grave é necessário a aplicação dos critérios gerais da apreciação da culpa que resultam do art. 10º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, ou seja, a culpa é apreciada segundo a diligência que é exigível, em abstrato, a um titular de órgão ou funcionário médio, que é exigível ao titular de órgão, funcionário ou agente medianamente diligente, que se encontrasse na mesma situação concreta com que se deparou o autor do dano, tendo em conta o circunstancialismo próprio do caso concreto.
YY. Não foi apurado, no caso dos autos (sendo que a Recorrida nem sequer o alega), qualquer ato doloso ou praticado com culpa grave pela Segurada, porquanto o ato anestésico foi efetuado com todo o cuidado, perícia e experiência exigidos pelo conhecimento médico atual, tendo sido cumpridas as guide lines e as leges artis.
ZZ. O acto cirúrgico a que a Recorrida foi submetida teve o seu consentimento escrito e foi informada dos riscos anestésicos na consulta pré-anestésica.
AAA. Entre outros diplomas, o consentimento informado está aflorado e tratado no art.º 157.º do Código Penal e no art. 340.º do Código Civil.
BBB. A doutrina tradicional defende que existe tão-somente a obrigação de comunicar ao paciente os riscos “normais e previsíveis”, ou “a prever razoavelmente”, excluindo, assim, o dever de informar os riscos graves, particulares, hipotéticos ou anormais (neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de julho de 1973, invocado por André Gonçalo Dias Pereira, in “O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente").
CCC. Na relação médico-paciente, o primeiro deve informar o segundo sobre os riscos “significativos”, ou seja, aqueles que sabe ou devia saber que são importantes e pertinentes, para uma pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias do paciente, chamado a consentir com conhecimento de causa no tratamento proposto.
DDD. Foi o que sucedeu no caso dos autos, conforme resulta do documento junto aos autos e subscrito pela Recorrida.
EEE. No caso em apreço, foi dado cumprimento a essa obrigação, pois a Recorrida assinou o consentimento informado escrito, tendo sido informada dos riscos anestésicos previsíveis (entre eles, a punção da “dura mater”).
FFF. Por conseguinte, tendo a Segurada cumprido as “guide lines” (protocolos clínicos) e as leges artis e sendo, à data dos factos, o Hospital X uma instituição de saúde que faz parte da organização funcional do Estado, não há dúvida que o Hospital responderá exclusivamente nos termos do art. 7º da referida Lei, caso seja provada a culpa leve, o que, repete-se, apenas por mero dever de patrocínio se consentiria.
GGG. Nem sequer podemos falar de culpa leve da Segurada, pois, como se viu, dos factos apurados nos presentes autos esta não praticou, por ação ou omissão, qualquer facto culposo.
HHH. Nada, rigorosamente nada, resulta como provado que possa representar uma atribuição de culpa (leve ou grave) negligência ou dolo da Segurada!
III. A prova do nexo causal, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar e medida da mesma, incumbe ao credor (no caso, à Requerente), independentemente da sua fonte (art.ºs 563.º e 342.º, n.º 1, ambos do CC).
JJJ. A Recorrida não deu cumprimento a esta exigência.
KKK. A Recorrida teria que provar, ainda que de forma indiciária, que o diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido, e, por conseguinte, levou à produção do dano, porquanto se outro ato médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado teria levado à cura, atenuado a doença ou evitado o seu agravamento.
LLL. É fundamental existir um nexo causal entre a ação (ou omissão) e o dano provocado.
MMM. O relatório/declaração do médico assistente da Recorrida é claro no que à inexistência deste nexo causal diz respeito!
NNN.A Segurada não pode ser responsabilizada pelo sinistro participado face à matéria factual atrás expendida e pelas razões já expostas, pelo que, não lhe sendo o sinistro legalmente imputável, as garantias da apólice não podem funcionar e, por conseguinte, a Recorrente sempre teria que ser absolvida do pedido formulado pela Recorrida.
OOO.A decisão recorrida violou as norma constantes dos art.ºs 7.º, 8.º e 10.º da Lei 67/2007 de 31.12, 157.º do Código Penal, 340.º, 342.º e 563.º do Código Civil n.º 1 do art.º 589.º do CPC e, sem prescindir, sempre teria violado o disposto nos art.ºs 362.º e 388.º do CPC.

Termos em que a douta decisão recorrida deverá ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido formulado pela Recorrida no procedimento Cautelar dos autos.
Assim se fará, como sempre, inteira JUSTIÇA!»
*
A Escala X – Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. e a MARIA apresentaram as seguintes conclusões (cfr. fls. 214 a 224):

«As Recorrentes entendem que:

I- Por decisão proferida no passado dia 20.07.2018, na sequência da audiência de julgamento de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, foram as Recorrentes julgadas e condenadas a pagar a renda mensal de 750,00 Euros (setecentos e cinquenta euros) à Requerente a título de reparação provisória do dano;
II- Dessa decisão não concordam as Recorrentes por entender que o Juiz a quo se limitou a dar como provados os factos invocados pela Requerente no Requerimento de Providência Cautelar;
III- Tendo em conta, nomeadamente, a análise dos documentos clínicos juntos aos autos pelas partes; os depoimentos das testemunhas; os danos que a Requerente diz padecer e ainda os rendimentos do agregado familiar.
IV- A Requerente alegou no processo principal e em sede de providência cautelar que os danos sofridos se deveram à intercorrência relacionada com o procedimento anestésico (punção da dura mater).
V- Limita a acção de responsabilidade civil ao acto anestésico, que segundo a Requerente não terá cumprido as boas práticas, causando-lhe lesões.
VI- Não fez prova dos rendimentos do agregado familiar (não juntou, nomeadamente, a declaração de IRS);
VII- Não fez prova dos rendimentos que recebe pela Segurança Social, nem que deixou de os receber no passado mês de Junho;
VIII- A intercorrência verificada durante o acto anestésico foi uma punção acidental da dura-mater;
IX- A Recorrente, Dra. MARIA encontrava-se com a D. S. F., quando esta se acordou no recobro e lhe foi fornecida a medicação necessária e administrada a terapêutica exigida;
X- Aquando da alta, a doente apresentou as queixas descritas no diário clínico e que quando teve alta se apresentava assintomática sem queixas significativas de cefaleias;
XI- A Requerente, nas duas semanas seguintes dirigiu-se ao Hospital X (serviço de urgência) nos dias 17 e 20 de Julho de 2015 em ambas as situações por dor abdominal (queixas de dores cutâneas na cicatriz operatória);
XII- Resulta de forma cabal da informação clínica e do depoimento das testemunhas que foi possível afastar em absoluto a relação entre as queixas da doente e a punção da dura mater ocorrida no procedimento cirúrgico;
XIII- Ou seja, a situação clínica da Requerente não está relacionada com a punção da dura mater ocorrida no acto anestésico;
XIV- Pelos exames imagiológicos, bem como pelas declarações de parte e das testemunhas, só se pode concluir que a punção acidental da dura ocorrida durante o procedimento cirúrgico não causou os danos que invoca;
XV- Não havendo nexo causal (nem minimamente indiciário) entre as lesões que a Requerente diz ter sofrido e o acto anestésico;
XVI- Não resulta de qualquer documento junto aos autos a informação que identifique em que termos foi fixada a incapacidade da Requerente, nos termos descritos no ponto 32º dos factos provados;
XVII- Nem resulta das queixas da doente identificadas no processo a afectação do aparelho locomotor, neurologia/neurocirurgia e psiquiatria.
XVIII- A Requerente não juntou ao processo as declarações de IRS, sendo por isso, impossível determinar os rendimentos do agregado familiar, bem como a situação de carência económica do mesmo;
XIX- A prova dos rendimentos, os quais deve ser fiscalmente comprovados, é pressuposto para aferir o estado de necessidade da Requerente;
XX- A decisão, ora em crise, funda-se em factos, incorrectamente dados como provados que e que elencamos supra, com indicação dos concretos meios probatórios que suportam tal consideração;
XXI- Não existe naquela sentença qualquer menção objectiva à prova produzida, nem sequer à prova que fundamentou a matéria dada como assente;
XXII- Ora, em nenhuma parte desta sentença é feita menção objectiva que seja à prova produzida (testemunhal ou documental) ou qual foi o meio de prova que levou à condenação das Requeridas;
XXIII- Nomeadamente, que as queixas da Requerente estão relacionadas com a complicação ocorrida na cirurgia;
XXIV- Valorou o Tribunal a quo as declarações da Recorrente Dra. MARIA, concluindo que não resultam evidências para a conexão entre as queixas da Requerente e o acto anestésico, optando mesmo assim, por condenar aquela;
XXV- Existe, por isso, um manifesto erro na apreciação e valoração da prova produzida que determina uma contradição patente entre a interpretação e a conclusão;
XXVI- Não se encontra na motivação do tribunal a quo a justificação do nexo causal;
XXVII- Ora, tal recai numa clara infundamentação da sentença, assim como em omissões tangentes à prova produzida, concluindo-se pela nulidade daquela;
XVIII- Não estão reunidas as condições de que a lei faz depender o procedimento cautelar, não se encontrando reunidos os requisitos a que alude o nº 2 do artigo 388º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, sendo as recorrentes absolvidas, em consequência da alteração fundamentada do substracto de facto que conduziu à sentença condenatória, e só assim, se fará JUSTIÇA.»
*
Contra-alegou a requerente S. F., unicamente quanto ao recurso interposto pela requerida K Portugal - Companhia de Seguros, S.A., pugnando pela sua improcedência (cfr. fls. 228 v.º a 238).
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 240).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da nulidade do despacho que indeferiu o requerimento probatório;
2ª – Da nulidade da decisão recorrida;
3ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
4ª – Da inverificação dos requisitos do decretamento da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.
*
III. Fundamentos

A) A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:

1-Em 6 de Julho de 2015, foi a Requerente submetida, nos serviços hospitalares do 1º Requerido, a uma intervenção cirúrgica de ginecologia.
2- O que aconteceu na sequência do diagnóstico, obtido por ecografia pélvica realizada no Centro de Diagnóstico J. C., no mês anterior (Junho), de que era portadora de um quisto disfuncional no ovário direito (cistoadenoma seroso), com cerca de 9x7 cm.
3- Tendo sido determinado que o procedimento a adotar teria de ser cirúrgico, e passava pela extração do ovário direito e da trompa de Falópio.
4- A equipa médica destacada para a cirurgia era composta por profissionais contratados pelo 1º Requerido, nomeadamente dois Cirurgiões, Dr. L. B. e Dr. P. C., uma cirurgiã ajudante, Dra. T. C., uma enfermeira circulante, Enfª V. N., uma enfermeira instrumentista, Enfª J. M., uma enfermeira anestesista, Enfª A. G. e uma médica anestesista, Dra. MARIA.
5- Sendo certo que a opção pelo tipo de procedimento anestésico a utilizar foi escolha da mesma (equipa médica), tendo a paciente, das explicações que lhe foram prestadas, apreendido que era do tipo epidural (sabia que ia ser picada nas costas).
6- O procedimento foi iniciado pela médica de anestesiologia presente no Bloco, Drª MARIA, encontrando-se também presente a enfermeira anestesista A. G..
7- Tendo sido utilizada uma agulha de Tuhoy, com comprimento de 80 mm, introduzida entre o espaço L3-L4 da coluna vertebral e cateter tipo WHITA CRE, com comprimento de 90mm e calibre de 27 g.
8- Uma vez que ocorreu parestesia (sintoma sensorial anormal geralmente caracterizado por comichão, formigamento, ardência) no membro inferior esquerdo, teve de ser reduzida a profundidade de punção em cerca de 1 cm.
9- Depois de posicionado o cateter, foi então introduzido o anestésico e efetuada a cirurgia (laparotomia exploradora e anexectomia direita e salpingo-ooforectomia), mais precisamente extração do ovário e trompa de Falópio.
10- Que durou cerca de 1 hora, tendo sido iniciada às 11h15 e terminado às 12h13.
11- Durante a administração da anestesia, ocorreu uma perfuração da “Dura- Máter”.
12- Na fase seguinte (recobro), deram-lhe diversa medicação, e na sequência da administração de um deles, via cateter, deixou de sentir as pernas.
13- Tendo de imediato chamado a enfermeira, que por sua vez chamou a anestesista, Dra. MARIA que em face dos procedimentos adotados, a sensação de paralisia foi passando.
14- Na manhã seguinte, pelas 09h00, duas auxiliares vieram ajudar a Requerente a colocar- se em posição vertical (“fazer o levante”).
15- Durante esse procedimento a Requerente sentiu algo semelhante a um “choque elétrico” ao pousar o pé esquerdo no chão, que se estendeu à perna do mesmo lado e à coluna.
16- De imediato as auxiliares voltaram a deitá-la, continuando a Requerente a sentir cefaleias intensas, tonturas, dores na região inguinal (baixo ventre), em particular na zona junto à púbis e na extremidade esquerda da cicatriz da cirurgia, bem como na raiz da coxa esquerda e, nas costas, lombalgia do lado esquerdo, dores essas que se intensificavam mediante rotação ou flexão do tronco para a direita.
17- Cerca das 12 horas a Anestesista retirou o cateter das costas da Requerente, tendo esta sentido um alívio imediato.
18- Não obstante continuar a sentir dores, mas mais mitigadas, foi aconselhada a consumir coca-cola e café para acelerar o processo de recuperação, o que a Requerente fez, ainda no Hospital.
19- Dois dias depois, em 09/07/2015, recebeu alta hospitalar, não lhe tendo sido receitado qualquer tipo de medicação para as dores ou para acelerar o processo de recuperação.
20- Já em casa, a Requerente continuou a sentir dores intensas na coxa esquerda e na zona da cicatriz, bem como cefaleias e tonturas, sendo essas dores acompanhadas de parestesia (sensação anormal e desagradável sobre a pele que assume diversas formas, como queimadura, dormência, comichão) e alodinia marcada (alteração do foco das dores).
21- Tais dores agravavam-se intensamente à palpação das sobreditas áreas.
22- Como as dores não a abrandavam a Requerente nas duas semanas seguintes deslocou- se por várias ocasiões aos serviços de urgência do Hospital.
23- Desde então que a mesma foi acompanhada pelo 1º Requerido por suspeitas de Síndrome de Hipotensão de Liquor, tendo-lhe sido recomendado repouso absoluto no leito.
24- Foi então pedido para se realizarem alguns exames de diagnóstico, nos quais não foi possível confirmar tal prognóstico, confirmando-se no entanto uma pequena insensibilidade na perna esquerda, que não existia antes.
25- A Requerente nunca mais recuperou da operação, e nunca mais, a partir de 06 de Julho de 2015, voltou a ser a mesma, passando a ter dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida e em todas as vertentes, desde a pessoal e familiar à profissional.
26- Motivo pelo qual, foi encaminhada para a Unidade de Dor do Hospital X, o que aconteceu em 15/12/2015,
27- Que por sua vez, entendendo que estes sintomas são compatíveis com alterações do sistema nervoso central, resultando na cronificação da dor, aconselha a complementar o tratamento analgésico com fisioterapia e hidroterapia, referenciando também a Requerente para consulta de apoio de Psicologia.
28- Até à data da operação cirúrgica, a Requerente era uma pessoa que gozava de boa saúde, que tinha uma vida familiar estável e uma vida social ativa, desempenhando profissionalmente as funções de modelista, pela qual auferia o montante mensal de € 1.000,00.
29- Após a operação nunca mais trabalhou e também não consegue, sequer, dedicar-se às lides domésticas, carecendo da ajuda do marido e dos filhos para efetuar tarefas básicas como cozinhar, aspirar, varrer.
30- Desde a intervenção cirúrgica em causa que caminha com dificuldade.
31- À Requerente foi-lhe atribuída uma Incapacidade Permanente Global de 88%, que foi fixada com caráter definitivo em 9 de Abril de 2018 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (e que em 29 de Junho de 2016 era de 66%).
32- A Incapacidade fixada assentou na afetação do Aparelho Locomotor, Neurologia/Neurocirurgia e Psiquiatria:
Capítulo locomotor:
a) Afetação da anca: hipotrofia dos glúteos
b) Joelho: hipotrofia da coxa – diferença superior a 2 cm;
c) Perna: hipotrofia dos músculos da perna superior a 2 cm
d) Limitação da mobilidade (rigidez) da coluna cervical
- No plano sagital, em termos de flexão, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano sagital, em termos de extensão, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano frontal, em termos de inclinação lateral, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano transversal, em termos de rotações esquerda/direita, só tem mobilidade até aos 20º
e) Limitação da mobilidade (rigidez) da coluna dorso-lombar
-No plano sagital, em termos de flexão, a perda é grave, só tem mobilidade até aos 30º (resistência nos últimos 60º)
- No plano frontal ou inclinação lateral, a perda é moderada, só tem mobilidade entre 0º e 10º (resistência nos últimos 20º)
- No plano transversal ou nas rotações, a perda é moderada, limitação da mobilidade entre 10º e 20º
-Capítulo Neurologia/Neurocirurgia:
f) Nevralgias e radiculalgias - Persistentes e segundo a localização e a impotência funcional
g) Sequelas encefálicas: défices sensório-motores de origem hemisférica, troncular ou cerebelosa: Monoparésia ou monoplegia (que significa redução dos movimentos de um membro, ou grupo muscular, geralmente causada por lesão nervosa): Membro inferior Capítulo Psiquiatria:
h) Perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional.
33- Foi-lhe atribuído Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, aos 69% (grau de deficiência) atribuídos para efeitos da Lei 22-A/2007 de 29 de Junho e do DL 307/2003 de 10 de Dezembro, que a classificam como “Pessoa com deficiência motora que apresenta elevada dificuldade na deslocação na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação”, deficiência esta que lhe confere isenções de ISV e IUC e ainda dístico de identificação de deficiente motor para estacionamento.
34- Toda esta situação tem causado um grande desgosto à Requerente, que não consegue desenvolver qualquer trabalho pelas dores que sente.
35- A única posição em que se sente menos desconfortável é deitada.
36- A Requerente deixou de trabalhar em 22 de Junho de 2015, quando recebeu o diagnóstico de quisto disfuncional no ovário direito, tendo sido submetida à cirurgia no dia 06 de Julho seguinte.
37- Antes da cirurgia desempenhava as funções de modelista na C., Malhas e Confeções, Lda, em ..., Barcelos, auferindo um vencimento líquido de 900,00€
38- Recebeu desde aquela data (22 de Junho de 2015) subsídio de doença, remuneração que irá deixar de auferir em 19 de Junho de 2018 por atingir o limite máximo concedido pela Segurança Social para um trabalhador por conta de outrem com contrato de trabalho: 1095 dias (3 anos).
39- O seu agregado familiar é constituído por quatro pessoas: a Requerente, o marido, uma filha de 15 anos e um filho de 20, ambos estudantes, ela no ensino secundário e ele na Faculdade.
40- O marido está desempregado há mais de 10 anos.
41- As despesas mensais com o agregado familiar andam na ordem dos € 750,00
a) Propina da Faculdade do Filho: 127,00€
b) Gasóleo: 90,00€/100,00€
c) Medicamentos: 50,00€/55,00€
d) Gás: 52,00€
e) Alimentação: 350,00€
g) Comunicações: 62,00€ .
42- Nem a Requerente nem o marido são detentores de quaisquer bens imóveis de que possam retirar algum rendimento.
43- A Requerente já deu entrada do processo na Segurança Social para obter a Reforma por Invalidez, assunto em relação ao qual até ao momento não obteve qualquer resposta.
*
B) E deu como não provados todos os constantes da oposição dos requeridos que estão em contradição com os factos provados.
*
IV. Do objecto do(s) recurso(s)

1. – Da nulidade do despacho de indeferimento de prova.

No âmbito do procedimento cautelar dos autos a recorrida alegou, resumidamente, que na sequência de um determinado acto médico (consistente na extração do ovário e trompa de Falópio), mais concretamente por força do acto anestésico administrado, ficou incapacitada para o exercício de qualquer actividade remunerada (nomeadamente a de modelista que desenvolvia) e que irá deixar de auferir quaisquer meios (nomeadamente subsídio de doença concedido pela Segurança Social) para fazer face ao seu sustento.
Com a oposição apresentada na própria audiência em conformidade com o estabelecido no art. 385º, n.º 2, “ex vi” do art. 389º, n.º 1, ambos do CPC, a co-recorrente K requereu a seguinte prova (cfr. fls. 129/130):
“(…)
- Requer a V. Exa. a notificação do INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP para juntar aos autos cópia das baixas atribuídas por esta entidade à Requerente bem como de todos os requerimentos apresentados para atribuição de subsídio de doença à Requerente;
- Requer a V. Exa. a notificação da Requerente para juntar aos autos cópia das baixas atribuídas pelo INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP;
- Requer a V. Exa. a notificação do CENTRO NACIONAL DE PENSÕES para que o mesmo informe os autos se a Requerente se encontra a receber, na presente data, alguma pensão bem como, em caso de resposta afirmativa, qual o seu montante;
- Requer a V. Exa. a notificação do INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP para que a mesmo informe os autos se a Requerente, se encontra a receber, ou recebeu, a partir de 06.07.2015, algum subsídio bem como, em caso de resposta afirmativa, qual o seu montante e qual a previsível duração do mesmo;
- Requer a V. Exa. a notificação da Requerente para juntar aos autos cópia das suas declarações de IRS (e respectivas notas de liquidação) referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017;
(…)”.
Com exceção do depoimento de parte da co-requerida, Maria, a Mmª Juíza “a quo” indeferiu a totalidade da prova requerida pela co-recorrente K, aduzindo para o efeito a seguinte fundamentação (cfr. fls. 172 v.º):
(…) A demais prova requerida vai a mesma indeferida uma vez que a natureza do procedimento cautelar não se adequa a tais meios de prova que implicariam sempre o adiamento de audiência uma vez que trata-se de notificações a terceiros para a junção de elementos documentais”.

Defende a co-recorrente que, com o referido despacho, o Tribunal “a quo” violou, de forma grosseira, os seus direitos de defesa, bem como “por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos art.ºs 362.º e seguintes e art.º 388.º, todos do CPC”, facto que importa numa nulidade.
Enunciados em termos resumidos os termos da invocada nulidade, averiguemos, então, se merece censura o juízo de indeferimento do requerimento probatório.
A lei prevê as nulidades processuais que “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais(1).
Atento o disposto no art. 195º e segs. do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como refere Alberto dos Reis, há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos (2).
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e, por sua vez, as irregularidades (nulidades secundárias, atípicas ou inominadas) estão incluídas na previsão geral do art. 195º do CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º do mesmo diploma, a saber: - se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar, isto é, até ao termo desse acto; - se a parte não estiver presente ou representada, o prazo (de 10 dias – art. 149º, n.º 1 do CPC) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier em algum ato praticado no processo ou for notificada para qualquer termo dele, mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Por referência à situação versada nos autos dir-se-á que a violação do direito de defesa, consubstanciada no indeferimento do requerimento de prova, não consta no rol das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, pelo que é aquela suscetível de ser integrada na previsão do art. 195º do CPC, configurando irregularidade ou nulidade secundária, que só determina a nulidade do processado subsequente à prática de ato não admitido por lei, à omissão de um ato ou a uma formalidade que a lei prescreva, se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art. 199º do CPC.
O direito à prova, como tem sido sublinhado, surge como corolário do direito de ação e defesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)» (3).
O direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, que, entre outras manifestações, se traduz na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas (4).
E se o direito de acesso à justiça comporta, indiscutivelmente, o direito à produção de prova (5), tal não significa, porém, que o direito subjetivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio (6), muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada, na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo de modo discricionário.
Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias (7).
Ora, situando-nos no âmbito dos procedimentos cautelares, importa não perder de vista que estes visam “acautelar o efeito útil da ação” (art. 2º, n.º 2 do CPC), da qual, exceto se for decretada a inversão do contencioso, são dependentes (art. 364º, n.º 1 do CPC).
É sabido que as providências cautelares têm a sua justificação naquele princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão (8) ou naquela consideração de que o processo deve dar ao Autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide.
As providências cautelares são, assim, o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação (declarativa ou executiva), mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o pericullum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica(9).
Nas palavras de Marco Filipe Carvalho Gonçalves (10), a «necessidade de proteção urgente de um direito, associada à tutela cautelar, exige a adoção de mecanismos que permitam ao julgador apreciar, de forma célere e sumária, os requisitos para o decretamento da providência cautelar (summaria cognitio). Na verdade, o juiz deve exercer um controlo jurisdicional sumário tendente à verificação dos requeridos de que a lei faz depender o recurso à via cautelar, seja enquanto probabilidade da existência de um direito, seja quanto à presença de um perigo iminente que se afigure suscetível de comprometer ou de prejudicar irremediavelmente a tutela desse direito. De facto, ao juiz não se impõe o exercício de uma atividade instrutória rigorosa ou o conhecimento da questão de fundo, bastando-lhe, pelo contrário, analisar sumariamente os factos alegados e as provas sumariamente produzidas pelo requerente (arts. 365º, n.º 1 e 368º, n.º 1), assentando, pois, a sua decisão num juízo de verosimilhança. O caráter urgente dos procedimentos cautelares, associado ao periculum in mora na tutela de um determinado direito, não se compadece com uma atividade probatória tendencialmente aprofundada e exaustiva, própria de uma ação judicial».
O procedimento cautelar representa uma luta contra o tempo exigido pela ação principal.

Visto que o processo cautelar se propõe remover o periculum in mora, a sua tramitação há-de ser forçosamente simples e rápida, sob pena de a estrutura estar em flagrante desarmonia com a função (11).
Para este efeito, o legislador dotou o procedimento cautelar de alguns instrumentos que visam conferir-lhe celeridade. (…) Em primeiro lugar, mecanismos relativos à marcha do processo que visam torná-lo mais simples e mais rápido; em segundo lugar, instrumentos que visam acelerar a apreciação, pelo juiz, da matéria de facto e de direito. Em síntese: por um lado, a natureza sumária do procedimento; por outro, a natureza sumária do conhecimento. A celeridade como instrumento cautelar assenta, assim, numa apreciação sumária da situação através de um procedimento simplificado e rápido(12).

Como notas principais importa (ainda) ter presente que os «procedimentos cautelares revestem sempre caráter urgente, precedendo os respetivos atos qualquer outro serviço judicial não urgente» (art. 363º, n.º 1 do CPC). Daí que os actos que integram estes procedimentos podem ser praticados em férias judiciais, não se suspendendo nesses período os prazo processuais (art. 138º, n.º 1 do CPC).
O caráter urgente do procedimento cautelar impõe uma rápida tramitação, estabelecendo a lei prazos muito curtos para a decisão em 1ª instância (art. 363º, n.º 2 do CPC).
Além de imporem celeridade (e, portanto uma summaria cognitio), os procedimentos cautelares revestem-se de uma estrutura simplificada, não permitindo, em regra, mais do que dois articulados, a que se seguem imediatamente a produção da prova e a decisão.

Conforme é referido por Barbosa de Magalhães (13), “as providências têm de ser urgentemente executadas; o respectivo processo tem de ser organizado por forma tão simples e rápida quanto se faz mister para se atingirem esses objetivos”.
Atendo-nos ao regime probatório dos procedimentos cautelares, prescreve o art. 365.º, n.º 1 do CPC que, “[c]om a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão”.
E o art. 367.º, n.º 1, do CPC prescreve que: “Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz”.
Por outro lado, por força do art. 293º, n.º 1, “ex vi” do art. 365º, n.º 3, ambos do CPC, nos procedimentos cautelares os meios de prova devem ser oferecidos com a apresentação do requerimento inicial ou de oposição.
Assim, a natureza urgente do processo e o objetivo de celeridade prosseguido pelo legislador impõem que esses meios de prova sejam logo oferecidos naquele momento (14).
Estabelecido de forma inequívoca o momento para a apresentação dos meios de prova, a questão que se coloca é a de saber quais os meios de prova que as partes podem apresentar ou requerer num procedimento cautelar especificado como o dos autos.
À questão colocada responde Marco Filipe Carvalho Gonçalves (15) nos termos seguintes: «No que concerne aos meios de prova aceitáveis para a demonstração, ainda que indiciária, da aparência do direito do requerente da providência cautelar, pese embora o legislador não o diga expressamente, afigura-se que pode ser utilizado qualquer meio de prova legalmente admissível, com particular destaque para a prova documental e testemunhal» (16).

Como explicitam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (17), a «produção de prova far-se-á dentro das seguintes balizas: admissibilidade de todos os meios de prova legítimos; limitação das provas às necessidades do caso concreto e ao objetivo da celeridade; liberdade de investigação por parte do juiz em face dos meios de prova apresentados ou de outros que se revelam pertinentes, tendo sempre presentes os fatores da celeridade e da eficácia da providência».

Do citado n.º 1 do art. 367º do CPC resulta claramente «que o juiz pode julgar desnecessária a produção de meios de prova constituenda propostos pelas partes, já que apenas quando necessário é que se procede à produção das provas que elas propõem (na petição e na oposição: atual art. 293-1), assim como das que o juiz (por as entender necessárias) tenha oficiosamente determinado ao abrigo do (…) art. 411º» (18) do CPC.

Por conseguinte, são apenas de admitir os meios de prova ajustados ao procedimento cautelar concretamente deduzido, conferindo a lei ao juiz a faculdade de recusar a realização de determinadas diligências, se as reputar dispensáveis, assim como de, oficiosamente, ordenar as que repute necessárias para a boa decisão do procedimento (19) (arts. 385º, n.º 3, 405º, n.º 2 do CPC).

De facto, não é justificável que o tribunal deixe arrastar a tramitação processual e proceda a averiguações demasiado pormenorizadas e complexas, suscetíveis de retirar à providência requerida qualquer efeito útil.
Feitos estes considerandos, fácil é de constatar que o fundamento de indeferimento do requerimento probatório em apreço residiu no facto de a prova requerida não se adequar à natureza urgente do procedimento cautelar, porquanto, tratando-se de notificações a terceiros para a junção de elementos documentais, tal implicaria sempre o adiamento da audiência.

Ressalvada a imprecisão cometida relativamente ao último segmento do requerimento probatório, já que o mesmo tinha como destinatária a própria recorrente, e não terceiro alheio ao processo, desde já se dirá não se (nos) afigurar que o despacho recorrido enferme da apontada nulidade processual.
Considerando a brevidade e celeridade que deve pautar a tramitação dos procedimentos cautelares, bem como a prolação da respetiva decisão, de modo a assegurar a eficácia da decisão a proferir na ação principal, tais procedimentos não se compadecem, em princípio, com a notificação de terceiros a fim de procederem à junção de elementos probatórios aos autos, posto que ao prazo concedido para esse efeito (em princípio de 10 dias, nos termos do art. 149º, n.º 1, do CPC), sempre haveria de acrescer e respeitar, logo que juntos tais elementos, o prazo facultado às partes para estas os examinarem e sobre eles, querendo, se pronunciarem (igualmente de 10 dias), com o consequente adiamento ou, pelo menos, interrupção da audiência de julgamento por um período demasiado longo (isto se tomarmos em consideração o perigo especial – pericullum in mora – que o procedimento cautelar visa remover).

São elucidativas a propósito as palavras de António Geraldes (20) quando refere que, entre “uma decisão, porventura mais segura, mas tardia, e uma outra, mais célere e eficaz, apesar de fundada num critério de julgamento menos rigoroso e, por isso, potenciador de maiores riscos de insegurança, o legislador não hesitou em dar prevalência à celeridade, em situações em que os prejuízos emergentes da demora do processo definitivo superem os que resultem da concessão da medida cautelar”.

Acresce que, na oposição deduzida, na parte em que se pronuncia sobre o requisito da situação de necessidade alegada pela requerente, a co-requerida K limitou-se a impugnar os factos alegados no requerimento inicial, não invocando matéria fáctica (nova) tendente a contrariar ou infirmar aqueles factos e cuja demonstração estivesse, por isso, carecida de prova.

Ora, estando em causa factos constitutivos atinentes à verificação dos requisitos do decretamento da providência cautelar requerida, a prova de tais factos competia à requerente (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil). Quando muito os elementos probatórios requeridos poderiam habilitar o Tribunal a formar uma convicção no sentido da não demonstração dos factos alegados pela requerente, mas não ao apuramento de factos contrários, porque não alegados.

Nessa pressuposição, ainda que de um modo meramente implícito, reconheça-se, o despacho recorrido não deixou também de levar em consideração o critério distributivo do ónus da prova, posto que impendendo este sobre a requerente a ela incumbia carrear aos autos os meios probatórios aptos à demonstração dos factos que corporizem o supra mencionado requisito da sua situação de necessidade económica, sob pena de, não o logrando, o Tribunal ter de decidir pela improcedência do requerido procedimento cautelar.

Admitindo-se que tais elementos probatórios pudessem ser úteis para a boa decisão da causa, não se poderá, porém, concluir que as informações pretendidas fossem indispensáveis à demonstração sumária de tal requisito.

De todo o modo, considerando o tipo de procedimento cautelar em causa e o periculum in mora que o mesmo visava remover, o deferimento das referidas diligências probatórias retardaria substancialmente a marcha do processo, comprometendo o cunho de simplicidade e de celeridade porque o mesmo se deve nortear.
Igualmente, no que respeita aos elementos probatórios atinentes às informações a prestar pela própria requerente, tendemos a considerar que os mesmos não eram indispensáveis ao apuramento (sumário) dos factos em discussão.
Embora se reconheça que as declarações de IRS são um elemento importante para aquilatar dos rendimentos auferidos pela requerente e do seu agregado familiar, a verdade é que não se vê que o facto de ter sido apresentada pela própria requerente, para fins fiscais, a declaração que servirá como comprovativo dos rendimentos auferidos — declaração que pode não corresponder à verdade — deva pesar decisivamente no sentido de vedar a valoração, pelo tribunal, de outros meios de prova mediante os quais fosse possível chegar aos rendimentos efetivamente auferidos (21). Mais uma vez, tendo como pressuposto que o ónus probatório da situação económica recaía sobre a requerente e atenta a brevidade e celeridade inerente à tramitação do procedimento cautelar, o tribunal “a quo” entendeu como desnecessária a solicitação dessa informação, transferindo, e bem, para aquela o ónus da prova daquela facticidade, com os riscos inerentes em caso de insucesso probatório.

Por último, a alegação no sentido de que a prova produzida foi insuficiente com vista à demonstração da factualidade que corporizava a situação de necessidade a que alude o art. 388º, n.º 2 do CPC, contendendo com a (eventual) deficiente valoração da prova e, consequentemente, com o erro de julgamento, nada tem a ver com a nulidade processual imputada à decisão de indeferimento do requerimento probatório, sendo matéria que tem assento, a jusante, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto (cuja apreciação sempre dependerá do cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no art. 640º do CPC).

Nesta conformidade, mostrando-se suficientemente alicerçado e justificado o juízo de desnecessidade da solicitação dos referidos meios probatórios em função da natureza urgente do procedimento cautelar e da simplicidade e celeridade inerentes à respetiva tramitação processual, julga-se inverificada a invocada nulidade processual.
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2. – Nulidade(s) da sentença com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC (invocada pelas recorrentes Hospital X - Escala X - Sociedade Gestora do Estabelecimento S.A e Maria).

2.1. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).

Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito. Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (22).
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:

«b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

A citada nulidade está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do art. 154º).

Acresce que, nos termos art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (enquanto causa de nulidade e vício de natureza processual) não pode confundir-se com a eventual ou imputável falta de adequação ou lógica jurídica entre a fundamentação apresentada e a decisão. Como salientam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora (23), «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, e não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário».

Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina (24) e jurisprudência (25), só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada. A insuficiência ou mediocridade da motivação pode afetar «o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade» (26).
Em termos de fundamentação da matéria de facto, impõe-se ao juiz que particularize os meios de prova utilizados que formaram a sua convicção (com vista à demonstração, ou não, dos factos), indique a relevância atribuída a cada um desses meios de prova e proceda à sua valoração, desse modo explicitando não só a respetiva decisão («o que» decidiu»), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim) (27).

Relativamente aos fundamentos de direito, o julgador não tem de analisar um por um todos os argumentos ou razões que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; por outro lado, não se lhe impõe, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença indique, uma por uma, todas as disposições legais que fundamentam a decisão, sendo suficiente que faça menção aos princípios, às regras e normas em que a sentença se apoia.
*
2.2. Dizem as recorrentes (a 1ª e 3ª requeridas) que a sentença padece de falta de fundamentação, inexistindo qualquer menção concreta à prova produzida ou qual o meio de prova que levou às conclusões apuradas, existindo, por outro lado, manifesto erro na apreciação da prova produzida (no que concerne às declarações de parte da recorrente MARIA), o que determina uma contradição patente entre a prova valorada e a conclusão.

Afora a expressa invocação da “infundamentação” da sentença, relativamente aos demais fundamentos invocados (atinentes à deficiente valoração da prova) afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que as aludidas recorrentes confundem eventual erro de julgamento, dos factos e/ou do direito, com o vício de nulidade da sentença, o que, como se disse, são realidades distintas.
A nulidade da sentença consiste em vício, de natureza formal, que afeta a sentença, enquanto que o segundo, consistindo num erro do julgamento da matéria de facto e/ou da matéria de direito, se prende com a decisão de mérito [em matéria de facto e/ou de direito].

Com efeito, os alegados vícios da decisão da matéria de facto poderão, quando muito, reconduzir-se à previsão especial do art. 662º do CPC, mas não ferem de nulidade a sentença.
A possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre da alínea c), do n.º 2, e da alínea b), do n.º 3, do art. 662º do CPC, sendo que nenhuma delas respeita a erros de julgamento, sejam da matéria de facto, sejam da de direito (28).
Se a fixação da matéria de facto padecer de deficiência (donde se inclui a errada apreciação da prova produzida), obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, tal poderá determinar a alteração dos factos dados como provados e não provados (art. 662.º, n.ºs 2, als. c) e d), e 3, do CPC), mas não é confundível com a nulidade da sentença (29), seja por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC), seja por oposição entre os fundamentos a decisão (art. 615º, n.º 1, al. c), do CPC). O mesmo é dizer que os fundamentos em análise, a ocorrer, consistiriam, não em qualquer nulidade de sentença, mas sim em erro de julgamento [na medida em que os factos provados, por falta ou insuficiente prova que os sustentasse, teriam sido erradamente dados como provados], impugnável por via do pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto (30), que, aliás, a recorrentes requereram.

Trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
Feita esta ressalva preliminar e analisada a sentença proferida nos autos verifica-se que, no que à fundamentação da matéria de facto diz respeito, dela constam identificados os factos que considerava provados e, por exclusão, os que considerava não provados, explicitando ainda a motivação de um tal juízo (ancorada, ainda que de um modo sumário, nos diversos meios de prova produzidos).
Logo, constando da sentença recorrida os factos a que a decisão fez aplicação do direito (independentemente das recorrentes dela discordarem), bem como a indicação dos meios probatórios que, no seu entender, alicerçaram a decisão quanto à matéria de facto, o que permite controlar a razoabilidade da sua convicção, não falta aquela fundamentação de facto (bem como de direito), nem a sentença é nula.
Nesta conformidade, conclui-se pela manifesta improcedência das nulidades da sentença arguidas pelas recorrentes.
Improcede, por conseguinte, a pretensão das recorrentes nesta parte.
*
3. Da impugnação da matéria de facto.

3.1. Em sede de recurso, as apelantes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, devem previamente os recorrentes, que impugnem a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

À luz do citado normativo, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (31), sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

«a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…);
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
(…)».

Esse ónus tripartido encontra a sua razão de ser nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, visando garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão (32).

Segundo a regra geral estabelecida no art. 635º do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, de modo que a exigência da especificação dos concretos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões (33).

Como se salienta no Ac. do STJ de 22/10/2015 (Relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt., no domínio do regime recursal cível importa ter presente, em primeiro lugar, que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.
E, em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.
Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

São, portanto, as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, a cargo da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal “ad quem”, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos ou, então, pela transcrição do próprio enunciado.

Debruçando-se especificamente sobre o (in)cumprimento dos requisitos formais de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, refere Abrantes Geraldes (34):

A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…)
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b)); (…)
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); (…)
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…)

Essa é também a posição predominante do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se tem vindo a sedimentar como prevalente o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar, formalmente, das conclusões recursórias, bastando incluí-las no corpo alegatório, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e certeza, com os concretos pontos de facto impugnados (35).
E, recorrendo uma vez mais ao ensinamento de Abrantes Geraldes (36), dir-se-á que as “referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Aplicando tais critérios ao caso sub júdice, e uma vez que, no que à impugnação da decisão da matéria de facto diz respeito, estão em causa três recursos de apelação distintos ou autónomos, urge efetuar a seguinte diferenciação:
Quanto ao recurso interposto pela co-requerida Y, constata-se que esta indica, nas conclusões, quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso [no caso a matéria de facto alegada em sede da sua oposição e que o Tribunal “a quo”, de forma genérica, deu como não provada], bem como por contraponto a redação que, em seu entender, deve ser dada relativamente às questões de facto impugnadas (da modificação dos enunciados factos não provados para provados), como ainda especificou, na motivação, o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização (assinalando com precisão e exatidão o início e o termo das passagens da gravação em que se funda o seu recurso), pelo que podemos concluir que (esta recorrente) cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado art. 640.º do CPC..

Relativamente à co-requerida K, constata-se que esta cumpriu apenas parcialmente tais requisitos formais, na medida em que se, por um lado, quanto aos concretos pontos fácticos impugnados delimitou devidamente os pontos 25 a 27 dos factos provados, por outro lado relativamente à impugnação dos factos constantes dos arts. 80º, 81º, 85º, 86º e 88º do requerimento inicial do procedimento cautelar não cuidou de especificar, por referência à concreta matéria de facto provada, quer na motivação, quer nas conclusões, a que pontos de facto pretendia em concreto reportar-se.
Visando garantir, por um lado, o contraditório, bem como, por outro lado, delimitar rigorosamente o objeto do recurso, o mínimo que lhe era exigível era que tivesse indicado claramente os segmentos da decisão fáctica que considerava viciados por erro de julgamento.
Não o tendo feito, ao abrigo do disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, é de rejeitar, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto na parte em que se reporta aos factos dos arts. 80º, 81º, 85º, 86º e 88º do requerimento inicial, sendo, porém, de admitir a impugnação aduzida aos pontos 25 a 27º dos factos provados, visto nesta parte a recorrente ter observado os ónus de impugnação definidos no citado preceito legal (37).
Por último, no que concerne ao recurso interposto pelas co-requeridas Hospital X e Maria, constata-se claramente que, nas respetivas conclusões recursórias, não indicaram nem concretizaram os juízos probatórios tidos por incorrectamente julgados no âmbito da matéria de facto constante da sentença recorrida, mormente com referência individualizada aos diversos pontos dos factos (provados e/ou não provados) impugnados, incumprindo, assim, o ónus de delimitação estabelecido na al. a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Nesta conformidade, quanto a estas co-requeridas, ao abrigo do citado normativo, impõe-se a rejeição (total) do recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impugnada, o que se determina.
Acresce que, como vem entendendo a doutrina e a jurisprudência dominante do STJ, no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto não cabe despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento das respectivas alegações, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (38).
*
3.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (39):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto(40). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança(41).
- no âmbito específico dos procedimentos cautelares, a lei não exige, para que o juiz dê como provados os factos para fundamentar o julgamento da questão de direito, que aquele adquira a convicção da sua verificação. Basta que se verifique a verossimilhança, ou seja, que se torne provável a ocorrência do facto.
O juiz deverá bastar-se com uma “probabilidade séria” (art. 368º, n.º 1 do CPC), cuja concretização deverá depender, entre outros factores, do conteúdo da providência, aquilatando para o efeito a gravidade das consequência que a providência pretendida possa causar na esfera jurídica do requerido, bem como a impossibilidade de reparação dos danos produzidos (42).
*
3.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a co-recorrente Y pretende que sejam dados como provados os seguintes factos:

- A paciente tinha indicação para repouso, no internamento.
- A paciente no pós operatório imediato e já no internamento apresentou dor controlada.
- Mais tarde referiu (já no período da manhã do dia seguinte), dor intensa na perna esquerda, motivo pelo qual a enfermagem contactou o serviço de anestesiologia.
- A paciente foi observada pela 3ª Requerida pelas 10h40m e foi retirado o cateter epidural com reversão completa das queixas (dor irradiada ao membro inferior esquerdo com perda de força, cervicalgias e alguma fotofobia, não tendo referido cefaleias ou tonturas) – veja-se as notas do internamento do documento 4 junto.
- Foi novamente observada pela 3ª Requerida cerca das 13h45m, estando assintomática, sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação;
- Foi explicado à A. que se tratava de uma intercorrência, tendo-se aconselhado a ingestão de cafeína por estar indicada clinicamente para cefaleias.
- No decurso do internamento, a paciente realizou medicação analgésica.
- A alta foi dada estando a A. sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação, motivo pelo qual não foi medicada para o domicílio.
- Apenas em 19 de Agosto, referiu a A. pela primeira vez após a alta – cerca de um mês e uma semana após a cirurgia - dor lombar e cefaleias, pelo que lhe foi solicitada Ressonância Magnética (RMN) para confirmação de síndrome de hipotensão de liquor;
- Sendo que a A. apenas regressou ao Serviço em 25 de Setembro por cefaleias.
- A A. nunca referiu parestesias, tonturas nem alodinia, circunscrevendo-se o quadro ao supra referido.
- Neste último dia 25 de Setembro foi realizada RMN do crânio que afasta a hipótese diagnóstica colocada de síndrome de hipotensão de liquor;
- Os exames imagiológicos realizados e electromiografia comprovam que a Requerente não padece de qualquer lesão motivada pela punção acidental da dura mater.
- A Requerente em Julho de 2015 – no mês posterior à cirurgia - não tinha quaisquer queixas de cefaleias ou perda de força nos membros inferiores tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital X por motivos conexos com a cirurgia realizada e não com os actos anestésicos.
- Isto é, a Requerente não apresentava sintomas nem clinica compatível com aquilo de que se vinha queixando, quando examinada.
- Foi observada pela especialidade de neurologia que descartou qualquer patologia do foro neurológico nomeadamente síndrome de hipotensão de liquor.
- Daqui resulta que a punção acidental da dura mater não causou qualquer lesão à Requente, facto comprovado inequivocamente pelos exames imagiológicos realizados.

Por sua vez, a co-recorrente K pugna pela alteração das respostas positivas para negativas dos pontos 25 a 27 da matéria de facto provada da decisão recorrida.
Estes (dois) pontos fácticos objeto de impugnação têm o seguinte teor:

«25- A Requerente nunca mais recuperou da operação, e nunca mais, a partir de 06 de Julho de 2015, voltou a ser a mesma, passando a ter dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida e em todas as vertentes, desde a pessoal e familiar à profissional.
26- Motivo pelo qual, foi encaminhada para a Unidade de Dor do Hospital X, o que aconteceu em 15/12/2015,
27- Que por sua vez, entendendo que estes sintomas são compatíveis com alterações do sistema nervoso central, resultando na cronificação da dor, aconselha a complementar o tratamento analgésico com fisioterapia e hidroterapia, referenciando também a Requerente para consulta de apoio de Psicologia».

Na decisão recorrida, a Mm.ª juíza a quo consignou a seguinte motivação (43):

«A convicção do Tribunal, relativamente à matéria de facto indiciariamente provada, baseou-se, quanto às lesões e suas consequências, na análise dos documentos clínicos juntos aos autos principais e ao presente procedimento cautelar, bem como nas declarações de parte prestadas pela Requerida Drª. Maria, que com relevância confirmou que durante a administração da anestesia, ocorreu uma complicação consistente na perfuração da “Dura- Máter”, tendo sido adotados os procedimentos estipulados para reagir a tal intercorrência, explicitou os exames médicos realizados pela Requerente para aferir a causa das queixas que apresentava e sua correlação com o ato anestésico, dos quais não resultaram evidências dessa conexão, tendo sido encaminhada para a consulta da dor. Mais se baseou o Tribunal nos depoimentos das testemunhas que descreveram as queixas apresentadas pela autora, a sua dificuldade em trabalhar que a levou a cessar a relação laborar anterior e as graves dificuldades que atravessa, não dispondo de rendimentos para suportar os custos quer dos tratamentos que ainda necessita quer para prover ao seu sustento, sendo auxiliada financeiramente pelos familiares.

Do conjunto da prova produzida convenceu-se o Tribunal, indiciariamente, que as lesões sofridas pela Requerente são decorrência do acto médico-cirúrgico que realizou, tendo- se apurado complicações na ministração da anestesia, sendo que as limitações que apresenta e que a tornaram totalmente incapaz para o trabalho estão indissociavelmente ligadas a este evento».

Como emana dos factos em discussão, está em causa uma matéria eminentemente técnica ou científica por ser do foro clínico ou médico.

Com efeito, a matéria versa sobre um acto médico realizado no dia 6 de Julho de 2015, posto que não oferece controvérsia que a requerente foi submetida, nos serviços hospitalares da 1ª Requerida, a uma intervenção cirúrgica de ginecologia, que se traduziu na extração do ovário direito e da trompa de Falópio, na sequência do diagnóstico de que era portadora de um quisto disfuncional no ovário direito (cistoadenoma seroso), com cerca de 9x7 cm.
Na tese da requerente – e que mereceu acolhimento na sentença impugnada –, os danos por si sofridos deveram-se a uma intercorrência relacionada com o procedimento anestésico (punção da dura mater), nos termos melhor descritos nos arts. 7º a 11º do requerimento inicial, que terão provocado os sintomas pós cirurgia descritos nos arts. 12º a 31º do requerimento inicial. O mesmo é dizer que a sua pretensão indemnizatória se alicerça na prática de um acto anestésico que, no seu entender, não terá cumprido as boas práticas, causando-lhe as lesões por si apresentadas.

Por sua vez, na impugnação da matéria de facto é essencialmente colocada em causa a demonstração do indicado nexo de causalidade entre o acto médico praticado pela médica anestesista, Dra. MARIA, e as patologias (lesões e/ou sequelas) que a recorrida apresenta como decorrência daquele evento.
Para além da indemonstração desse nexo, pugna também a recorrente Y pela demonstração de factos (alegados na oposição e que foram totalmente desconsiderados pelo tribunal “a quo”), suscetíveis de elucidar que no acto médico em causa foram observados todas as “legis artis” que no caso se impunham, fazendo para o efeito apelo quer aos registos clínicos disponíveis nos autos, quer aos depoimentos das testemunhas, Dr. D. P. e Dr. A. S., os quais – no seu dizer – corroboraram o depoimento das declarações de parte da co-recorrente, Dra. MARIA.

Começando por esta última, e como bem se refere na motivação da decisão recorrida, dir-se-á que «nas declarações de parte prestadas pela Requerida Drª. Maria, que com relevância confirmou que durante a administração da anestesia, ocorreu uma complicação consistente na perfuração da “Dura-Máter”, tendo sido adotados os procedimentos estipulados para reagir a tal intercorrência, explicitou os exames médicos realizados pela Requerente para aferir a causa das queixas que apresentava e sua correlação com o ato anestésico, dos quais não resultaram evidências dessa conexão, tendo sido encaminhada para a consulta da dor».

Não obstante a adequada valoração de tais declarações, certo é que a decisão recorrida não explicita, ainda que sumariamente, o raciocínio lógico por que, no tocante ao apuramento da matéria fáctica, optou decisivamente por dar como demonstrado o nexo de causalidade (a referida “conexão”) entre as queixas apresentadas pela recorrida e o ato anestésico em causa, quando o depoimento daquela declarante apontava precisamente no sentido oposto da sua não demonstração, alicerçado para tanto nos diversos exames médicos efetuados à recorrida tendentes a “aferir a causa das queixas que apresentava e sua correlação com o ato anestésico”.
Revelando não só conhecimentos clínicos (gerais), mas também da situação concreta em discussão nos autos, por no âmbito do exercício das suas funções profissionais terem diretamente examinado a recorrida, mostram-se particularmente relevantes os depoimentos das testemunhas Dr. D. P. e Dr. A. S..

O primeiro, médico anestesiologista, que exerce funções na 1ª requerida, acompanhou a recorrida, como doente, na consulta de dor crónica, a qual veio encaminhada da especialidade de ginecologia.

Com relevância explicitou, entre o mais, que:

- Na altura examinou todo o processo, quer o relato cirúrgico, quer o relato anestésico para se situar na situação clínica do doente.
- Aquando da consulta e perante os exames que entretanto foram pedidos (RM da coluna e uma electromiografia) verificou que, em termos clínicos, o exame físico e as queixas da doente não eram condizentes com as queixas que ela apresentava e nessa sequência colocou a hipótese de ser uma situação de cronificação da dor.
- Os referidos exames não revelaram nada, em termos imagiológicos, a RM era normal e a electromiografia não apresentava lesões nem sequer em termos motores e sensitivos.
- Confirmou que tinha havido uma intercorrência anestésica, uma punção da dura, ocorrência esta que por vezes acontece em termos anestésicos, numa pequena percentagem, fazendo parte da prática clínica, posto que todo o anestesista acaba por ter essas intercorrências (no seu caso referiu já ter tido umas seis ou sete punções da dura ao longo da vida anestésica);
- Examinou a situação e pareceu-lhe perfeitamente resolvida e que não havia razão para que as queixas da doente terem relação com essa situação, pois as queixas dela eram principalmente abdominais.
- À pergunta se foi possível estabelecer as causas das dores da doente e relacioná- las com a indução anestésica, com o procedimento cirúrgico efetuado, ou se esse nexo foi estabelecido por algum exame (RM a Electromiografia), respondeu negativamente, dizendo que “vieram normais” e acrescentando que o “exame físico também não apresentava queixas nos membros inferiores que eram condizentes com essas situações. Fiz o exame físico tinha uma dor ao nível abdominal, junto da cicatriz (…).
- Instado sobre se, eventualmente, o acto anestésico estivesse relacionado com as queixas isso seria revelado no exame que fez, respondeu inequivocamente que sim (“sem dúvida nenhuma”), esclarecendo que a ressonância permitiu-lhe excluir que houvesse por exemplo uma fístula de liquor.
- Elaborou o relatório clínico constante de fls. 19, constando igualmente o (seu) resumo da informação clínica dos registos clínicos constantes de fls. 72 a 83.
- Reconheceu que a doente apresenta dor, mas referiu não poder garantir qual é a causa dessa dor (o que é usual acontecer com os pacientes que sofrem de dor crónica).
A testemunha A. S., médico neurologista há 15 anos, que exerce funções no Hospital X, examinou uma vez a recorrida, em 17/10/2016, em consulta de neurologia, como consta do resumo da informação clínica (cfr. fls. 74 vº), tendo confirmado que a mesma padecia de síndrome depressivo ansiosa prévia (informação esta corroborada pelos registos clínicos).

Entre o mais, declarou que:

- A doente apresentava um exame neurológico normal (confirmando o teor da referida informação clínica).
- Aquando do exame depreendeu que o comportamento da doente não era adequado, “sem follow through”, por lhe ser pedido para fazer força e a doente estava claramente a fazer um esforço menor do que aquele que era exigível, embora sendo capaz de fazer outros movimentos que exigem uma força similar.
- Da análise da electromiografia normal, da RM cerebral normal, da RM lombar e da sagrada normal, conseguiu determinar que a doente não tinha nenhuma hipotensão de liquor, que é uma síndrome clínico ou imagiológico.
- Com base nos exames que a doente fez concluiu que as queixas não estavam relacionadas com a punção que terá ocorrido durante o procedimento cirúrgico e que poderia dar origem à hipotensão de liquor.
- Da sua prática profissional referiu que não há um caso de um doente com uma fístula de liquor sintomático permanente (durante 3 anos). A ter ocorrido tal, ou teria morrido ou teria de ser internada.
- Na sua opinião, é um completo absurdo que a complicação que está associada ao acto anestésico, traduzida na punção acidental da dura mater, possa ter determinado uma incapacidade de 88%.
- Aquela complicação o que poderia causar seriam dores de cabeça, que seriam sempre autolimitadas, não havendo justificação para que tal tenha perdurado durante 3 anos.
- A algo ter corrido mal “não foi seguramente pela punção da dura”.
- Se, eventualmente, essa complicação não tivesse sido tratada convenientemente, a doente nos meses seguintes teria uma dor de cabeça brutal e careceria de estar sempre deitada, além de que morreria por encravamento das amígdalas.
- Teria de haver sinais imagiológicos permanentes destes danos e eles não existem.

Feita a enunciação de tais depoimentos importará desde logo assinalar que o seu teor não foi de modo algum contrariado, infirmado ou colocado seriamente em dúvida pelo depoimento das testemunhas arroladas pela recorrida (no caso a testemunha Manuel, professor e pároco na paróquia de (...) desde 2010, e a testemunha C. C., operário da construção civil e amigo do casal formado pela requerente e marido), tendo estas expressamente reconhecido não possuírem conhecimentos técnicos ou científicos que lhes permitisse depor com credibilidade sobre a referida matéria em causa, designadamente sobre a origem das lesões/sequelas físicas que a requerente apresenta..

O teor dos depoimentos daqueles clínicos mostra-se igualmente suportado nos exames médicos realizados à recorrida – designadamente a ressonância Magnética do Crânio de 25-09-2015 (fls. 84); ressonância Magnética da Coluna Lombar e Sagrada de 30-09-2015 (fls. 86); eletromiografia (EMG) de 12-10-2015 (fls. 87); consulta de dor crónica em anestesiologia de 15-12-2015 (fls. 76 vº); relatório clínico de 17 de Janeiro de 2017 (fls. 19); consulta de Neurologia de 17-10-2015 (fls. 88) –, dos quais não é possível inferir que as queixas da doente estão relacionadas com a intercorrência anestésica a que foi submetida aquando da intervenção cirúrgica realizada a 6/07/2015.

Acresce que o próprio documento carreado aos autos pela recorrida com vista a alicerçar o nexo de causalidade entre as queixas por si apresentadas e a realização da cirurgia e/ou administração da anestesia (reportamo-nos, em concreto, à declaração médica do Dr. F. R., datada de 23/04/2017 (cfr. fls. 22 v.º), não (nos) habilita a formar um juízo concreto nesse sentido.

Como aí se exarou:

(…).
Apesar de ter acompanhado à distância, sem qualquer envolvimento direto nem parte ativa, as ocorrências que rodearam a cirurgia de Julho de 2015, na qualidade de médico assistente de longa data, não consigo perceber o que poderá ter motivado este quadro com uma dor desta intensidade e cronicicidade”.

Ora, secundando o afirmado pela recorrente K, se é o próprio médico assistente da recorrida que não consegue estabelecer o nexo causal entre o acto médico praticado pela co-Requerida MARIA e as patologias/sequelas que a recorrida apresenta na presente data, e inexistindo nos autos outros meios de prova com suficiente aptidão creditória que sejam aptos a habilitar-nos a formular um juízo, ainda que indiciário ou sumário, quanto à probabilidade séria da verificação de tal facticidade, ao que acresce o facto da prova produzida apontar precisamente em sentido contrário, forçoso será concluir pela inviabilidade da demonstração, em sede deste procedimento cautelar, do estabelecimento do referido nexo.
Por último, com vista a alicerçar de um modo seguro e objetivo a prova alegada em sede de oposição mostra-se relevante o resumo da informação clínica constante de fls. 72 a 83, a qual, tendo sido corroborada em sede de declarações de parte pela co-recorrente, MARIA, assim como pelas testemunhas D. P. e A. S. (quer na parte em que revelaram ter conhecimento direto de tais factos mercê da análise e exame da recorrida, quer pela leitura dos exames médicos juntos aos autos), não se mostra contrariada, nem colocada em causa.
Pelo exposto, por referência aos enunciados meios de prova, quanto aos pontos 25 a 27 dos factos provados, impõe-se inelutavelmente a alteração da 1ª parte do ponto 25, visto o mesmo não resultar (ainda que indiciária ou sumariamente) provado.
Todavia, quanto aos pontos 26 e 27 são os mesmos de manter inalterados, quer por terem sido confirmados pela testemunha Dr. D. P., quer por decorrerem dos registos clínicos juntos aos autos.
Resumindo, determina-se a alteração da resposta ao ponto 25 dos factos provados, que passará a valer com a seguinte redacção:

25- A requerente, em data concretamente não apurada, passou a apresentar dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida e em todas as vertentes, desde a pessoal e familiar à profissional.

Consequentemente, dá-se como não provado que:

- A requerente nunca mais recuperou da operação, e nunca mais, a partir de 06 de Julho de 2015, voltou a ser a mesma.
Por outro lado, por referência à matéria não provada impugnada, dá-se como provado que:

44. A paciente tinha indicação para repouso, no internamento.
45. A paciente no pós operatório imediato e já no internamento apresentou dor controlada.
46. Mais tarde referiu (já no período da manhã do dia seguinte), dor intensa na perna esquerda, motivo pelo qual a enfermagem contactou o serviço de anestesiologia.
47. A paciente foi observada pela 3ª Requerida pelas 11h35m e foi retirado o cateter epidural com reversão completa das queixas (dor irradiada ao membro inferior esquerdo com perda de força, cervicalgias e alguma fotofobia, não tendo referido cefaleias ou tonturas).
48. Foi novamente observada pela 3ª Requerida cerca das 14h15m, estando assintomática, sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação;
49. Foi explicado à requerente que se tratava de uma intercorrência, tendo-se aconselhado a ingestão de cafeína por estar indicada clinicamente para cefaleias.
50. No decurso do internamento, a paciente realizou medicação analgésica.
51. A alta foi dada estando a requerente sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação, motivo pelo qual não foi medicada para o domicílio.
52. Apenas em 19 de Agosto, referiu a requerente pela primeira vez após a alta – cerca de um mês e uma semana após a cirurgia - dor lombar e cefaleias, pelo que lhe foi solicitada Ressonância Magnética (RMN) para confirmação de síndrome de hipotensão de liquor;
53. Sendo que a requerente apenas regressou ao Serviço em 25 de Setembro por cefaleias.
54. A requerente nunca referiu parestesias, tonturas nem alodinia, circunscrevendo-se o quadro ao supra referido.
55. Neste último dia 25 de Setembro foi realizada RMN do crânio que afasta a hipótese diagnóstica colocada de síndrome de hipotensão de liquor;
56. Os exames imagiológicos realizados e electromiografia comprovam que a requerente não padece de qualquer lesão motivada pela punção acidental da dura mater.
57. A requerente, em julho de 2015 – no mês posterior à cirurgia -, não tinha quaisquer queixas de cefaleias ou perda de força nos membros inferiores tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital X por motivos conexos com a cirurgia realizada e não com os actos anestésicos.
58. A requerente não apresentava sintomas nem clinica compatível com aquilo de que se vinha queixando, quando examinada.
59. Foi observada pela especialidade de neurologia que descartou qualquer patologia do foro neurológico, nomeadamente síndrome de hipotensão de liquor.
60. A punção acidental da dura mater não causou qualquer lesão à requerente.
*
3.4. Face às alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir:

- Factos provados.

1-Em 6 de Julho de 2015, foi a Requerente submetida, nos serviços hospitalares do 1º Requerido, a uma intervenção cirúrgica de ginecologia.
2- O que aconteceu na sequência do diagnóstico, obtido por ecografia pélvica realizada no Centro de Diagnóstico J. C., no mês anterior (Junho), de que era portadora de um quisto disfuncional no ovário direito (cistoadenoma seroso), com cerca de 9x7 cm.
3- Tendo sido determinado que o procedimento a adotar teria de ser cirúrgico, e passava pela extração do ovário direito e da trompa de Falópio.
4- A equipa médica destacada para a cirurgia era composta por profissionais contratados pelo 1º Requerido, nomeadamente dois Cirurgiões, Dr. L. B. e Dr. P. C., uma cirurgiã ajudante, Dra. T. C., uma enfermeira circulante, Enfª V. N., uma enfermeira instrumentista, Enfª J. M., uma enfermeira anestesista, Enfª A. G. e uma médica anestesista, Dra. MARIA.
5- Sendo certo que a opção pelo tipo de procedimento anestésico a utilizar foi escolha da mesma (equipa médica), tendo a paciente, das explicações que lhe foram prestadas, apreendido que era do tipo epidural (sabia que ia ser picada nas costas).
6- O procedimento foi iniciado pela médica de anestesiologia presente no Bloco, Drª MARIA, encontrando-se também presente a enfermeira anestesista A. G..
7- Tendo sido utilizada uma agulha de Tuhoy, com comprimento de 80 mm, introduzida entre o espaço L3-L4 da coluna vertebral e cateter tipo WHITA CRE, com comprimento de 90mm e calibre de 27 g.
8- Uma vez que ocorreu parestesia (sintoma sensorial anormal geralmente caracterizado por comichão, formigamento, ardência) no membro inferior esquerdo, teve de ser reduzida a profundidade de punção em cerca de 1 cm.
9- Depois de posicionado o cateter, foi então introduzido o anestésico e efetuada a cirurgia (laparotomia exploradora e anexectomia direita e salpingo-ooforectomia), mais precisamente extração do ovário e trompa de Falópio).
10- Que durou cerca de 1 hora, tendo sido iniciada às 11h15 e terminado às 12h13.
11- Durante a administração da anestesia, ocorreu uma perfuração da “Dura- Máter”.
12- Na fase seguinte (recobro), deram-lhe diversa medicação, e na sequência da administração de um deles, via cateter, deixou de sentir as pernas.
13- Tendo de imediato chamado a enfermeira, que por sua vez chamou a anestesista, Dra. MARIA que em face dos procedimentos adotados, a sensação de paralisia foi passando.
14- Na manhã seguinte, pelas 09h00, duas auxiliares vieram ajudar a Requerente a colocar- se em posição vertical (“fazer o levante”).
15- Durante esse procedimento a Requerente sentiu algo semelhante a um “choque elétrico” ao pousar o pé esquerdo no chão, que se estendeu à perna do mesmo lado e à coluna.
16- De imediato as auxiliares voltaram a deitá-la, continuando a Requerente a sentir cefaleias intensas, tonturas, dores na região inguinal (baixo ventre), em particular na zona junto à púbis e na extremidade esquerda da cicatriz da cirurgia, bem como na raiz da coxa esquerda e, nas costas, lombalgia do lado esquerdo, dores essas que se intensificavam mediante rotação ou flexão do tronco para a direita.
17- Cerca das 12 horas a Anestesista retirou o cateter das costas da Requerente, tendo esta sentido um alívio imediato.
18- Não obstante continuar a sentir dores, mas mais mitigadas, foi aconselhada a consumir coca-cola e café para acelerar o processo de recuperação, o que a Requerente fez, ainda no Hospital.
19- Dois dias depois, em 09/07/2015, recebeu alta hospitalar, não lhe tendo sido receitado qualquer tipo de medicação para as dores ou para acelerar o processo de recuperação.
20- Já em casa, a Requerente continuou a sentir dores intensas na coxa esquerda e na zona da cicatriz, bem como cefaleias e tonturas, sendo essas dores acompanhadas de parestesia (sensação anormal e desagradável sobre a pele que assume diversas formas, como queimadura, dormência, comichão) e alodinia marcada (alteração do foco das dores).
21- Tais dores agravavam-se intensamente à palpação das sobreditas áreas.
22- Como as dores não a abrandavam a Requerente nas duas semanas seguintes deslocou- se por várias ocasiões aos serviços de urgência do Hospital.
23- Desde então que a mesma foi acompanhada pelo 1º Requerido por suspeitas de Síndrome de Hipotensão de Liquor, tendo-lhe sido recomendado repouso absoluto no leito.
24- Foi então pedido para se realizarem alguns exames de diagnóstico, nos quais não foi possível confirmar tal prognóstico, confirmando-se no entanto uma pequena insensibilidade na perna esquerda, que não existia antes.
25- A requerente, em data concretamente não apurada, passou a apresentar dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida e em todas as vertentes, desde a pessoal e familiar à profissional.
26- Motivo pelo qual, foi encaminhada para a Unidade de Dor do Hospital X, o que aconteceu em 15/12/2015,
27- Que por sua vez, entendendo que estes sintomas são compatíveis com alterações do sistema nervoso central, resultando na cronificação da dor, aconselha a complementar o tratamento analgésico com fisioterapia e hidroterapia, referenciando também a Requerente para consulta de apoio de Psicologia.
28- Até à data da operação cirúrgica, a Requerente era uma pessoa que gozava de boa saúde, que tinha uma vida familiar estável e uma vida social ativa, desempenhando profissionalmente as funções de modelista, pela qual auferia o montante mensal de € 1.000,00.
29- Após a operação nunca mais trabalhou e também não consegue, sequer, dedicar-se às lides domésticas, carecendo da ajuda do marido e dos filhos para efetuar tarefas básicas como cozinhar, aspirar, varrer.
30- Desde a intervenção cirúrgica em causa que caminha com dificuldade.
31- À Requerente foi-lhe atribuída uma Incapacidade Permanente Global de 88%, que foi fixada com caráter definitivo em 9 de Abril de 2018 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (e que em 29 de Junho de 2016 era de 66%).
32- A Incapacidade fixada assentou na afetação do Aparelho Locomotor, Neurologia/Neurocirurgia e Psiquiatria:
Capítulo locomotor:
a) Afetação da anca: hipotrofia dos glúteos
b) Joelho: hipotrofia da coxa – diferença superior a 2 cm;
c) Perna: hipotrofia dos músculos da perna superior a 2 cm
d) Limitação da mobilidade (rigidez) da coluna cervical
- No plano sagital, em termos de flexão, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano sagital, em termos de extensão, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano frontal, em termos de inclinação lateral, só tem mobilidade até aos 20º
- No plano transversal, em termos de rotações esquerda/direita, só tem mobilidade até aos 20º
e) Limitação da mobilidade (rigidez) da coluna dorso-lombar
-No plano sagital, em termos de flexão, a perda é grave, só tem mobilidade até aos 30º (resistência nos últimos 60º)
- No plano frontal ou inclinação lateral, a perda é moderada, só tem mobilidade entre 0º e 10º (resistência nos últimos 20º)
- No plano transversal ou nas rotações, a perda é moderada, limitação da mobilidade entre 10º e 20º
-Capítulo Neurologia/Neurocirurgia:
f) Nevralgias e radiculalgias - Persistentes e segundo a localização e a impotência funcional
g) Sequelas encefálicas: défices sensório-motores de origem hemisférica, troncular ou cerebelosa: Monoparésia ou monoplegia (que significa redução dos movimentos de um membro, ou grupo muscular, geralmente causada por lesão nervosa): Membro inferior Capítulo Psiquiatria:
h) Perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional.
33- Foi-lhe atribuído Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, aos 69% (grau de deficiência) atribuídos para efeitos da Lei 22-A/2007 de 29 de Junho e do DL 307/2003 de 10 de Dezembro, que a classificam como “Pessoa com deficiência motora que apresenta elevada dificuldade na deslocação na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação”, deficiência esta que lhe confere isenções de ISV e IUC e ainda dístico de identificação de deficiente motor para estacionamento.
34- Toda esta situação tem causado um grande desgosto à Requerente, que não consegue desenvolver qualquer trabalho pelas dores que sente.
35- A única posição em que se sente menos desconfortável é deitada.
36- A Requerente deixou de trabalhar em 22 de Junho de 2015, quando recebeu o diagnóstico de quisto disfuncional no ovário direito, tendo sido submetida à cirurgia no dia 06 de Julho seguinte.
37- Antes da cirurgia desempenhava as funções de modelista na C., Malhas e Confeções, Lda, em ..., Barcelos, auferindo um vencimento líquido de 900,00€
38- Recebeu desde aquela data (22 de Junho de 2015) subsídio de doença, remuneração que irá deixar de auferir em 19 de Junho de 2018 por atingir o limite máximo concedido pela Segurança Social para um trabalhador por conta de outrem com contrato de trabalho: 1095 dias (3 anos).
39- O seu agregado familiar é constituído por quatro pessoas: a Requerente, o marido, uma filha de 15 anos e um filho de 20, ambos estudantes, ela no ensino secundário e ele na Faculdade.
40- O marido está desempregado há mais de 10 anos.
41- As despesas mensais com o agregado familiar andam na ordem dos € 750,00
a) Propina da Faculdade do Filho: 127,00€
b) Gasóleo: 90,00€/100,00€
c) Medicamentos: 50,00€/55,00€
d) Gás: 52,00€
e) Alimentação: 350,00€
g) Comunicações: 62,00€ .
42- Nem a Requerente nem o marido são detentores de quaisquer bens imóveis de que possam retirar algum rendimento.
43- A Requerente já deu entrada do processo na Segurança Social para obter a Reforma por Invalidez, assunto em relação ao qual até ao momento não obteve qualquer resposta.
44. A paciente tinha indicação para repouso, no internamento.
45. A paciente no pós operatório imediato e já no internamento apresentou dor controlada.
46. Mais tarde referiu (já no período da manhã do dia seguinte), dor intensa na perna esquerda, motivo pelo qual a enfermagem contactou o serviço de anestesiologia.
47. A paciente foi observada pela 3ª Requerida pelas 11h35m e foi retirado o cateter epidural com reversão completa das queixas (dor irradiada ao membro inferior esquerdo com perda de força, cervicalgias e alguma fotofobia, não tendo referido cefaleias ou tonturas).
48. Foi novamente observada pela 3ª Requerida cerca das 14h15m, estando assintomática, sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação;
49. Foi explicado à requerente que se tratava de uma intercorrência, tendo-se aconselhado a ingestão de cafeína por estar indicada clinicamente para cefaleias.
50. No decurso do internamento, a paciente realizou medicação analgésica.
51. A alta foi dada estando a requerente sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação, motivo pelo qual não foi medicada para o domicílio.
52. Apenas em 19 de Agosto, referiu a requerente pela primeira vez após a alta – cerca de um mês e uma semana após a cirurgia - dor lombar e cefaleias, pelo que lhe foi solicitada Ressonância Magnética (RMN) para confirmação de síndrome de hipotensão de liquor;
53. Sendo que a requerente apenas regressou ao Serviço em 25 de Setembro por cefaleias.
54. A requerente nunca referiu parestesias, tonturas nem alodinia, circunscrevendo-se o quadro ao supra referido.
55. Neste último dia 25 de Setembro foi realizada RMN do crânio que afasta a hipótese diagnóstica colocada de síndrome de hipotensão de liquor;
56. Os exames imagiológicos realizados e electromiografia comprovam que a requerente não padece de qualquer lesão motivada pela punção acidental da dura mater.
57. A requerente, em julho de 2015 – no mês posterior à cirurgia -, não tinha quaisquer queixas de cefaleias ou perda de força nos membros inferiores tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital X por motivos conexos com a cirurgia realizada e não com os actos anestésicos.
58. A requerente não apresentava sintomas nem clinica compatível com aquilo de que se vinha queixando, quando examinada.
59. Foi observada pela especialidade de neurologia que descartou qualquer patologia do foro neurológico, nomeadamente síndrome de hipotensão de liquor.
60. A punção acidental da dura mater não causou qualquer lesão à requerente.
*
- Factos não provados, os restantes designadamente:

- A requerente nunca mais recuperou da operação, e nunca mais, a partir de 6 de julho de 2015, voltou a ser a mesma.
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4. – Reapreciação da matéria de direito.

4.1. Da (in)verificação dos requisitos do decretamento da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.

Sobre o procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, o art. 388.º do CPC estabelece que:

«1 - Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
2 - O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado».

Inovatoriamente introduzido com a reforma processual de 95/96, este procedimento cautelar visa a antecipação de créditos de natureza pecuniária emergentes de responsabilidade civil, em situações de grave carência, enquanto não decidida a ação principal e abrange as situações em que urge reparar provisoriamente o dano decorrente da morte ou de lesão corporal ou em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de colocar seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado.

A providência em causa pode ser requerida em três situações distintas (44):

- quando o facto praticado pelo responsável tenha provocado ao lesado a morte (n.º 1 );
- quando o facto praticado pelo responsável tenha provocado ao lesado uma qualquer lesão corporal (n.º 1);
- quando o facto praticado pelo responsável tenha causado ao lesado um qualquer dano que possa colocar seriamente em causa o seu sustento ou habitação (n.º 4).
A obrigação de indemnizar susceptível de justificar esta tutela cautelar não é exclusiva da responsabilidade extracontratual, mas abarca a responsabilidade obrigacional ou contratual (45), podendo ter como fontes mais frequentes, entre outras, o não cumprimento e a impossibilidade imputáveis ao devedor (art. 798.º e 801.º do CC), a mora (art. 804.º, n.º 1, do CC) e o cumprimento defeituoso de qualquer obrigação contratual, desde que cause ao lesado um qualquer dano que possa colocar seriamente em causa o seu sustento ou habitação (46).

O decretamento da providência de arbitramento de uma reparação provisória está dependente da verificação cumulativa de três requisitos fundamentais:

i) estar indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido (fumus boni juris);
ii) existência de uma situação de necessidade económica por parte do requerente que não permita que se aguarde pelo desfecho da ação principal (periculum in mora); e,
iii) existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.

Trata-se de uma medida antecipatória de reparação provisória do dano sofrido, mormente quando está em causa o direito à indemnização em sede de responsabilidade civil extracontratual, no pressuposto que a lesão corporal determinou para o lesado uma situação de carência de meios económicos, que deve ser colmata imediatamente pelo requerido em prol dos princípios da justiça distributiva (47).

Além da existência indiciária do direito a uma indemnização fundada nos danos sofridos, o n.º 2 do art. 388º do CPC exige a verificação de uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos.
O estado de necessidade consiste numa situação de carência económica, caracterizada pela impossibilidade do lesado fazer face às suas despesas, em virtude das lesões sofridas.

No dizer de António Santos Abrantes Geraldes (48), a propósito da concretização do conceito legal de “necessidade”, “o procedimento cautelar não pode conduzir à tutela de situações que, embora afectadas ou agravadas com o evento danoso, não colidam com a continuidade do trem de vida do lesado (...).
A regra continua a ser a de que a definição de direitos depende de uma decisão rodeada das garantias de segurança que só os processos definitivos conferem”.

Acrescenta o citado autor (49) que o conceito de “necessidade” pode “envolver, de acordo com o normal padrão de vida do lesado, componentes ligadas à diminuição do bem-estar, da educação ou do vestuário, que não apenas os atinentes à capacidade de almejar o seu próprio sustento ou de prover à sua habitação”.
Relativamente à situação de necessidade, em caso de lesão corporal, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (50) referem que “[t]ão-pouco neste caso se estabelecem limites em função do tipo de situação de necessidade económica em que se encontre o requerente. Se o lesado ficar impossibilitado, pela lesão corporal, de continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, qualquer sua necessidade, tido em conta o seu estilo de vida, há-de poder ser coberta pela reparação provisória, desde que outro meio não tenha de a satisfazer”.

Como escreve João Cura Mariano (51), “a situação de necessidade como requisito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória caracteriza-se por uma insuficiência actual e manifesta de rendimentos para fazer face às despesas inerentes à vivência do lesado e seus dependentes, de acordo com um padrão de vida digno, definido pelos padrões vigentes. Não se exige a verificação de um estado de indigência ou de risco de sobrevivência física, mas a insuficiência de rendimentos deve ser suficientemente séria, não bastando uma qualquer dificuldade na gestão orçamental da vida económica do lesado”.

Impõe também a lei o estabelecimento de um nexo de causalidade adequada entre a situação de carência e o facto gerador da responsabilidade (art. 388.º, n.º 2 do CPC). Este requisito está igualmente associado ao «periculum in mora» que adviria para o requerente na espera pela decisão definitiva a ser proferida na respetiva ação principal.

Traduz-se tal numa formulação restritiva, cujo fundamento reside no sistema de responsabilidade civil extracontratual instituído, o qual assenta fundamentalmente na culpa (art. 483.º do Código Civil) e limita a responsabilidade aos danos que tenham sido casualmente determinados pelo evento lesivo (art. 563.º do mesmo Código) (52).

Nos termos deste preceito, o nexo de causalidade envolve uma relação entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o “lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Daqui resulta que a nossa lei acolheu a doutrina da causalidade adequada, podendo afirmar-se que a causa juridicamente relevante de um dano é aquela que, em abstracto, se mostra adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.

Essencial é, por conseguinte, que o facto seja condição do dano, nada obstando, porém, a que, como frequentemente acontece, ele seja apenas uma das condições adequadas desse dano (53).
O montante da reparação provisória, a imputar ou subtrair ao quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na ação principal, é fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (art. 388º, n.º 3 do CPC), sem deixar de se ponderar o valor provável da indemnização que será determinado na sentença definitiva (54).
Impende sobre o/a requerente o ónus de alegar e provar os referidos requisitos, descrevendo o circunstancialismo que o faz titular de um dos direitos de indemnização em questão, expor a situação de necessidade que justifica a intervenção cautelar antecipatória daquele direito de indemnização, alegar o nexo de causalidade entre o descrito circunstancialismo e a sua situação de necessidade e concluir pelo pedido de pagamento de indemnização provisória (55).

Porém, e porque se está no âmbito de um procedimento cautelar, apenas se exige uma prova meramente indiciária/sumária dos referidos requisitos, com base em juízos de verosimilhança. Assim, longe de se exigir uma prova cabal, completa, da situação de necessidade, bastará que a mesma se mostre suficientemente fundamentada. Do mesmo modo, quanto à prova do direito, basta a probabilidade séria da sua existência (56).
*
4.2. Feitas estas considerações jurídicas acerca dos pressupostos que condicionam o deferimento do procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, vejamos, agora, o caso trazido à nossa apreciação.

No caso em apreço, o presente procedimento cautelar foi intentado na dependência de uma ação declarativa na qual a requerente alega que foi afetada na sua integridade física em consequência da intervenção cirúrgica e anestesia a que foi submetida, no dia 6 de junho de 2015, sendo que, a partir daí, nunca mais recuperou e nunca mais voltou ser a mesma, passando a ter dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida em todas as suas vertentes, desde a pessoal, familiar e profissional, peticionando o ressarcimento dos danos causados (a nível de danos não patrimoniais, danos temporários, dano biológico e dano patrimonial futuro), que aí computa.

Na decisão recorrida, o Tribunal “a quo”, com vista ao decretamento da requerida providência cautelar nominada, considerou, essencialmente, os seguintes fundamentos:

i) A providência foi requerida como dependência de uma ação de indemnização já instaurada, fundando-se o direito indemnizatório em dano decorrente de lesão corporal.
ii) Da factualidade apurada resulta a situação de necessidade da requerente, caracterizada por uma insuficiência atual e manifesta de rendimentos para fazer face às despesas inerentes à sua sobrevivência, posto que está provado que a requerente não trabalha e não dispõe de qualquer fonte de rendimento que lhe permita prover ao seu sustento.
iii) Face às necessidades da requerente com o seu sustento, habitação, vestuário e despesas médico-medicamentosas, afigurou-se adequada a fixação equitativa do valor da renda mensal no montante de € 750,00.
iv) Donde, estando indiciada a obrigação de indemnizar por parte dos requeridos e verificada a situação de necessidade da requerente em consequência dos danos sofridos resultante da atuação médica das requeridas, a requerente tem o direito de receber uma quantia em forma de renda mensal fixada em 750,00€, como reparação provisória do dano.
Discordando as recorrentes da existência da obrigação de indemnizar a seu cargo, vejamos se lhes assiste razão no juízo censório que dirigem à decisão recorrida.
Os autos versam sobre a questão da responsabilidade civil pela prática de acto médico, entendido este como acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas (57).

De facto, a requerente alicerçou a sua pretensão indemnizatória nos danos que lhe foram causados, por alegado facto ilícito culposo (acção ou omissão do médico na execução da intervenção cirúrgica) gerador de responsabilidade civil extracontratual (decorrente de erro médico por violação das leges artis).
Acontece que, em sede de contra-alegações, defende que a responsabilidade civil médica tem natureza contratual por assentar num contrato de prestação de serviços, nos termos do qual a 1ª requerida (Hospital) e a 3ª requerida (médica anestesista) obrigaram-se a realizar uma intervenção cirúrgica à qual a requerente decidiu sujeitar-se.

Nada impede, com efeito, que a responsabilidade contratual coexista com a responsabilidade extracontratual, já que o facto de existir um vínculo contratual, negocial, obrigacional, entre o médico e o paciente não significa que ele não possa violar um dever geral de conduta (58).

No caso, porém, os elementos apurados, em resultado da parca alegação, não permitem concluir por essa relação contratual, visto que a requerente não invocou a pertinente matéria fáctica elucidativa do exercício de medicina privada, por parte da 3ª requerida médica, nas instalações da 1ª requerida (59).

Assim, tal como se decidiu no Ac. do STJ de 24/05/2011 (Relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., dir-se-á tratar-se «de uma responsabilidade de natureza extra-contratual, em que a obrigação de indemnizar nasce da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto, devido à inexistência de um vínculo jurídico entre a vítima e o lesante, sendo esta, também, a concepção que melhor se adapta à essência dos serviços públicos ou de interesse público, porquanto qualquer pessoa pode, indistintamente, utilizá-los, nas condições gerais e impessoais dos respectivos estatutos e regulamentos, sem possibilidade da sua recusa ou da negociação de cláusulas particulares».

É sabido que são quatro os requisitos da responsabilidade civil: prática de um facto anti-jurídico, culpa do lesante, existência de danos indemnizáveis e nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos.

Na responsabilidade civil extracontratual, é ao lesado que incumbe fazer a prova dos supra indicados requisitos, enquanto factos constitutivos do direito alegado (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), salvo, quanto à culpa do autor da lesão, havendo presunção legal de culpa, nos termos do preceituado pelas disposições conjugadas dos arts. 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Cód. Civil (60), sem esquecer que não há lugar a responsabilidade no caso de faltar qualquer um dos pressupostos legais constantes do art. 483º, n.º 1 do CC.
A questão da obrigação de indemnização, com base em responsabilidade civil médica, não decorre de qualquer regra especial definidora desse âmbito, sendo, sim, subsumível aos termos gerais da responsabilidade civil contida no estatuído pelo artigo 483º, nº 1, do CC.
Não obstante se reconhecer que o exercício da medicina é uma actividade de risco, uma vez que só existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei (art. 483º, n.º 2 do Cód. Civil), onde não se inclui a prática de actos médicos, é de concluir não ter sido acolhida, no nosso ordenamento jurídico, a teoria do risco profissional, pelo que não se demonstrando a culpa, inexiste, consequentemente, responsabilidade civil médica (61).

Nas palavras de Guilherme de Oliveira (62), a responsabilidade civil médica “[s]upõe o dano, como se esperaria.

Supõe a culpa - não a culpa por não ter logrado a cura, já que a obrigação do médico, não é, em princípio, uma obrigação de resultado; mas culpa por não ter usado o instrumental de conhecimentos, o esforço técnico, que se pode esperar de qualquer médico numa certa época e lugar).
Supõe a verificação de um nexo de causalidade entre o dano sofrido e o comportamento adoptado pelo médico, com todas as dificuldades que este passo encerra”.

E, como tem sido reconhecido (63), a actividade médica é precisamente um dos casos em que se torna por vezes difícil estabelecer a fronteira entre ilicitude e culpa, uma vez que a ilicitude pode consistir numa infração aos procedimentos adequados. Tal infração é – objetivamente – ilícita na medida em que se impunha outra atitude, mas, ao mesmo tempo, indicia ou pode indiciar – subjetivamente - um menor zelo ou a negligência na prática do acto médico.

Com efeito, só haverá violação ilícita do direito de outrem se a intervenção médica se processar ao arrepio das leges artis, também aqui se podendo falar em cumprimento defeituoso.
Por leges artis entende-se o conjunto das regras de arte médica, isto é, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal contacto ocorre (64).
Secundando as palavras da co-recorrente K, o «cumprimento das “leges artis”, enquanto conjunto de regras da arte médica, isto é, regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre, é o critério avaliador que permite determinar se o médico atua ou não com culpa, segundo um juízo de normalidade».

Por outro lado, a responsabilidade médica tem vindo a ser encarada na contraposição de uma obrigação de meios e numa obrigação de resultado. Enquanto nesta, o devedor se compromete a conseguir obter certo efeito útil ou desfecho, naquela compromete-se tão-somente a desenvolver diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza.

Pode dizer-se que, em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar. Mas não assegura, nem se obriga a curar o doente uma vez que a cura também depende do concurso de outros factores independentes da vontade do médico e por ele não controláveis (por ex., resistência do doente, capacidade de regeneração do seu organismo, estado anímico, etc.).

Assim, na cirurgia curativa ou assistencial (como é aqui o caso), ao contrário do que pode ocorrer em algumas cirurgias voluntárias, nunca o médico se compromete a um resultado limitando-se a assumir (contratualmente) a obrigação de utilização dos meios adequados à produção de um resultado (previsível) que debele ou pelo menos atenue a situação determinante da intervenção.

Então, o médico erra não quando não atinge o resultado da cura ou da atenuação do mal ou do sofrimento do paciente, mas quando não utiliza com diligência, perícia, e consideração as técnicas e conhecimentos reconhecidos pela ciência médica, para o concreto caso clínico, que definem, em cada momento, as leges artis.
Todavia, casos há em que o médico está vinculado a obter um resultado concreto, como sucede na cirurgia estética de embelezamento, nas manobras próprias de parto, na odontologia e, ainda, nas áreas da vasectomia e exames laboratoriais (65).

Ora, a este respeito escreve Antunes Varela (66), “[n]as obrigações de meios não bastará, neste aspecto, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão”.

Segundo Manuel Rosário Nunes (67), “a actuação do médico rege-se pela lex artis ad hoc, o que significa que é em relação ao preciso caso concreto situado temporalmente que a actuação e intervenção médicas se aferem, de acordo com as circunstâncias do caso em que aquelas se desenrolam, assim como tendo em conta as incidências inseparáveis do normal actuar profissional, de acordo com as características inerentes ao próprio autor do acto médico, da profissão, complexidade e transcendência vital do paciente e a influência de outros factores endógenos como o estado do enfermo ou o próprio estado da organização sanitária”.

A prestação do médico, tanto na responsabilidade contratual, como na extra contratual, sendo a obrigação de meios ou de resultado, projeta-se, sempre no cumprimento diligente da legis artis (68).
A requerente nada articulou a esse respeito, mas é inquestionável tratar-se de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado. Por regra, ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios, pelo que não responde pela obtenção de um determinado resultado, mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes à prestação que se propôs prestar, incumbindo ao credor o ónus de provar a falta de diligência do médico (69).

Aliás, como se refere no Ac. do STJ de 4/03/08, (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt., “[é] de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios – o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução do acto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente”.
Estamos, pois, perante uma obrigação de meios.

Por último, a responsabilidade médica, seja ela contratual ou extracontratual, pressupõe, como já vimos, a culpa do agente.

E, por isso, os médicos só respondem pelos danos provocados na esfera jurídica de outrem quanto atuem com culpa. Culpa que é apreciada pela diligência de um bom pai de família, que não é um sujeito irrepreensível, mas que corresponde ao homem normal, ao bom cidadão, perante as circunstâncias concretas em que actua, e que, no domínio da medicina, se reporta ao médico médio ou normal. Normalidade aferida pelas leges artis, pelos protocolos de boas práticas clínicas (70).

Revertendo, agora, à matéria fáctica (sumariamente) provada, resultou que:

- Em 6 de Julho de 2015, foi a Requerente submetida, nos serviços hospitalares do 1º Requerido, a uma intervenção cirúrgica de ginecologia, o que aconteceu na sequência do diagnóstico, obtido por ecografia pélvica realizada no Centro de Diagnóstico J. C., no mês anterior (Junho), de que era portadora de um quisto disfuncional no ovário direito (cistoadenoma seroso), com cerca de 9x7 cm.
- Foi determinado que o procedimento a adotar teria de ser cirúrgico e passava pela extração do ovário direito e da trompa de Falópio.
- A equipa médica destacada para a cirurgia era composta por profissionais contratados pelo 1º Requerido, nomeadamente dois Cirurgiões, Dr. L. B. e Dr. P. C., uma cirurgiã ajudante, Dra. T. C., uma enfermeira circulante, Enfª V. N., uma enfermeira instrumentista, Enfª J. M., uma enfermeira anestesista, Enfª A. G. e uma médica anestesista, Dra. MARIA.
- A opção pelo tipo de procedimento anestésico a utilizar foi escolha da mesma (equipa médica), tendo a paciente, das explicações que lhe foram prestadas, apreendido que era do tipo epidural (sabia que ia ser picada nas costas).
- O procedimento foi iniciado pela médica de anestesiologia presente no Bloco, Drª MARIA, encontrando-se também presente a enfermeira anestesista A. G..
- Foi utilizada uma agulha de Tuhoy, com comprimento de 80 mm, introduzida entre o espaço L3-L4 da coluna vertebral e cateter tipo WHITA CRE, com comprimento de 90mm e calibre de 27 g.
- Uma vez que ocorreu parestesia (sintoma sensorial anormal geralmente caracterizado por comichão, formigamento, ardência) no membro inferior esquerdo, teve de ser reduzida a profundidade de punção em cerca de 1 cm.
- Depois de posicionado o cateter, foi então introduzido o anestésico e efetuada a cirurgia (laparotomia exploradora e anexectomia direita e salpingo-ooforectomia), mais precisamente extração do ovário e trompa de Falópio), que durou cerca de 1 hora
- Durante a administração da anestesia, ocorreu uma perfuração da “Dura- Máter”.
- Na fase seguinte (recobro), deram-lhe diversa medicação, e na sequência da administração de um deles, via cateter, deixou de sentir as pernas.
- Tendo de imediato chamado a enfermeira, que por sua vez chamou a anestesista, Dra. MARIA, e, em face dos procedimentos adotados, a sensação de paralisia foi passando.
- Na manhã seguinte, pelas 09h00, duas auxiliares vieram ajudar a Requerente a colocar- se em posição vertical (“fazer o levante”).
- Durante esse procedimento a Requerente sentiu algo semelhante a um “choque elétrico” ao pousar o pé esquerdo no chão, que se estendeu à perna do mesmo lado e à coluna.
- De imediato as auxiliares voltaram a deitá-la, continuando a Requerente a sentir cefaleias intensas, tonturas, dores na região inguinal (baixo ventre), em particular na zona junto à púbis e na extremidade esquerda da cicatriz da cirurgia, bem como na raiz da coxa esquerda e, nas costas, lombalgia do lado esquerdo, dores essas que se intensificavam mediante rotação ou flexão do tronco para a direita.
- Cerca das 12 horas a Anestesista retirou o cateter das costas da Requerente, tendo esta sentido um alívio imediato.
- Dois dias depois, em 09/07/2015, recebeu alta hospitalar, não lhe tendo sido receitado qualquer tipo de medicação para as dores ou para acelerar o processo de recuperação.
- Desde então que a mesma foi acompanhada pelo 1º Requerido por suspeitas de Síndrome de Hipotensão de Liquor, tendo-lhe sido recomendado repouso absoluto no leito.
- Foi então pedido para se realizarem alguns exames de diagnóstico, nos quais não foi possível confirmar tal prognóstico, confirmando-se no entanto uma pequena insensibilidade na perna esquerda, que não existia antes.
- A Requerente, em data concretamente não apurada, passou a apresentar dores e um mal estar geral e incapacitante a todo o tempo, o que afeta a sua vida e em todas as vertentes, desde a pessoal e familiar à profissional, motivo pelo qual foi encaminhada para a Unidade de Dor do Hospital X, o que aconteceu em 15/12/2015,
- Que, por sua vez, entendendo que estes sintomas são compatíveis com alterações do sistema nervoso central, resultando na cronificação da dor, aconselha a complementar o tratamento analgésico com fisioterapia e hidroterapia, referenciando também a Requerente para consulta de apoio de Psicologia.
- A paciente tinha indicação para repouso, no internamento.
- A paciente no pós operatório imediato e já no internamento apresentou dor controlada.
- Mais tarde referiu (já no período da manhã do dia seguinte), dor intensa na perna esquerda, motivo pelo qual a enfermagem contactou o serviço de anestesiologia.
- A paciente foi observada pela 3ª Requerida pelas 11h35m e foi retirado o cateter epidural com reversão completa das queixas (dor irradiada ao membro inferior esquerdo com perda de força, cervicalgias e alguma fotofobia, não tendo referido cefaleias ou tonturas).
- Foi novamente observada pela 3ª Requerida cerca das 14h15m, estando assintomática, sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação;
- Foi explicado à A. que se tratava de uma intercorrência, tendo-se aconselhado a ingestão de cafeína por estar indicada clinicamente para cefaleias.
- No decurso do internamento, a paciente realizou medicação analgésica.
- A alta foi dada estando a A. sem queixas significativas de cefaleias com a deambulação, motivo pelo qual não foi medicada para o domicílio.
- Apenas em 19 de Agosto, referiu a A. pela primeira vez após a alta – cerca de um mês e uma semana após a cirurgia - dor lombar e cefaleias, pelo que lhe foi solicitada Ressonância Magnética (RMN) para confirmação de síndrome de hipotensão de liquor;
- A A. apenas regressou ao Serviço em 25 de Setembro por cefaleias.
A A. nunca referiu parestesias, tonturas nem alodinia, circunscrevendo-se o quadro ao supra referido.
- Neste último dia 25 de Setembro foi realizada RMN do crânio que afasta a hipótese diagnóstica colocada de síndrome de hipotensão de liquor;
- Os exames imagiológicos realizados e electromiografia comprovam que a Requerente não padece de qualquer lesão motivada pela punção acidental da dura mater.
- A Requerente em Julho de 2015 – no mês posterior à cirurgia - não tinha quaisquer queixas de cefaleias ou perda de força nos membros inferiores tendo recorrido ao Serviço de Urgência do Hospital X por motivos conexos com a cirurgia realizada e não com os actos anestésicos.
- A Requerente não apresentava sintomas nem clinica compatível com aquilo de que se vinha queixando, quando examinada.
- Foi observada pela especialidade de neurologia que descartou qualquer patologia do foro neurológico, nomeadamente síndrome de hipotensão de liquor.
- A punção acidental da dura mater não causou qualquer lesão à Requente.
- Até à data da operação cirúrgica, a Requerente era uma pessoa que gozava de boa saúde, que tinha uma vida familiar estável e uma vida social ativa, desempenhando profissionalmente as funções de modelista, pela qual auferia o montante mensal de € 1.000,00.
- Após a operação nunca mais trabalhou e também não consegue, sequer, dedicar-se às lides domésticas, carecendo da ajuda do marido e dos filhos para efetuar tarefas básicas como cozinhar, aspirar, varrer.
- Desde a intervenção cirúrgica em causa que caminha com dificuldade.
- À Requerente foi-lhe atribuída uma Incapacidade Permanente Global de 88%, que foi fixada com caráter definitivo em 9 de Abril de 2018 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (e que em 29 de Junho de 2016 era de 66%).

Sendo estes os factos (sumariamente) apurados, e tentando perscrutar o primeiro requisito da responsabilidade civil – ilicitude da acção ou omissão –, temos para nós que, ao contrário do propugnado pela sentença recorrida, deles não é possível inferir qualquer erro médico (71) ou desrespeito das legis artis que possa ser imputado à 3ª requerida.
A punção acidental da dura mater é uma complicação ocasional da anestesia do neuroeixo, não se traduzindo, necessariamente, num erro, nem no cumprimento defeituoso do acto médico.
Como tem sido salientado, a punção da dura pode estar relacionada com diversos factores, podendo estes referirem-se ao doente, à realização da técnica e ao material utilizado.
Tomando de empréstimo a explicação avançada pelas testemunhas arroladas pelas recorrentes, designadamente pelo Dr. D. P., a punção da dura, traduzindo-se numa intercorrência anestésica, é uma ocorrência que por vezes acontece em termos anestésicos, numa pequena percentagem, fazendo parte da prática clínica, posto que todo o anestesista acaba por ter essas intercorrências.

Importa não olvidar que o acto cirúrgico a que a recorrida foi submetida teve o seu consentimento escrito e foi informada dos riscos anestésicos na consulta pré-anestésica (cfr. fls. 71).

Assim, face à matéria apurada, não ficou indiciariamente provado que o acto anestésico foi efetuado sem observância das guide lines e das leges artis na concreta situação em que tal contacto cirúrgico ocorreu, nem que, na sua execução, não foram cumpridos os cuidados, perícia e experiência exigidos pelo conhecimento médico atual.

O mesmo é dizer que, por referência à conduta da médica anestesista (o mesmo valendo para os demais intervenientes no ato cirúrgico), não é possível inferir uma atuação ou uma omissão violadora das leges artis, isto é, de que foram inobservadas as normas e obrigações profissionais, bem como as regras de conduta aplicáveis ao caso concreto e que eram impostas a um profissional medianamente competente, prudente e avisado e cauteloso, com os mesmos graus académicos e profissionais.
Fica, por isso, indemonstrada a prática de um acto ilícito por parte da 1ª e 3ª requeridas.
De igual modo, ao nível da culpa, não resulta dos autos que, na execução dos deveres que lhe eram exigíveis, a médica anestesista não actuou com a diligência, cuidado ou prudência impostos a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso.
Também não ficaram indiciariamente provados factos relativos a um eventual funcionamento defeituoso do serviço (da 1ª requerida), por haver uma culpa funcional, para além da culpa individual dos médicos intervenientes no acto cirúrgico.

Assim, além de não se mostrar demonstrada qualquer ilicitude na conduta da 3ª requerida (enquanto desconformidade objetiva face aos comandos da ordem jurídica), nem tão pouco se poder emitir qualquer juízo de censurabilidade subjetiva à sua atuação (com repercussões ao nível do não apuramento da culpa), igualmente não é possível concluir pelo nexo de causalidade entre o acto médico por aquela praticado e os danos que a recorrida efetivamente apresenta.

Com efeito, não se pode encontrar na factualidade apurada uma relação de causa/efeito entre o antes e o depois do acto médico praticado pela médica anestesista (idêntico juízo vale para a intervenção cirúrgica consistente na extração do ovário e trompa de Falópio, perspetivada na sua globalidade).

Significa isto que a requerente não logrou provar que o acto médico a que se sujeitou, praticado entre o mais pela 3ª requerida, foi cumprido de forma defeituosa, por não terem sido observadas as obrigações devidas, posto que, a ter sido, como devia, corretamente praticado, teria obstado às consequências danosas patenteadas pela requerente.
Indemonstrados que se mostram os três enunciados requisitos, e uma vez que a responsabilidade médica se funda na culpa, forçoso será concluir pela inverificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar por parte das requeridas com base na responsabilidade delitual, já que esta pressupõe o preenchimento cumulativo dos quatro requisitos.
Mas mesmo que, porventura, se considerasse de natureza contratual a responsabilidade das 1ª e 3ª requeridas, só se estivesse provada a ilicitude da conduta da médica anestesista é que funcionaria a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, n.º 1, do Cód. Civil, incumbindo-lhe, então, a sua ilisão, demonstrando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados (72).
Ora, não se mostrando demonstrados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade, requisitos estes comuns à responsabilidade contratual e extracontratual, também por esta via sempre seria de concluir pela não verificação da obrigação de indemnizar por não se mostrarem preenchidos os pressupostos cumulativos desta fonte das obrigações.

Em suma, por não se mostrar indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo dos requeridos (fumus boni juris), a falta da verificação (cumulativa) deste requisito importa – sem que seja necessário indagar da verificação dos demais pressupostos, atenta a prejudicialidade dessa questão (art. 608º, n.º 2 “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) –, a improcedência da providência cautelar requerida. E isto no pressuposto de que, no âmbito das causas de pedir complexas, a falta de demonstração de um dos seus elementos constitutivos equivale à falta completa de factos integradores.
Nesta conformidade, a pretensão neste recurso das recorrentes é de julgar procedente, com o que se determina a revogação da decisão recorrida.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC)

I - No tocante ao cumprimento dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto estabelecidos no art. 640º do Código de Processo Civil o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como prevalente o entendimento de que, por razões de objetividade e certeza, os concretos pontos de facto impugnados tem de constar, formalmente, reproduzidos nas conclusões recursórias, ao contrário do que sucede com a especificação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, a indicação das passagens das gravações e as respostas alternativas pretendidas, as quais basta que estejam indicadas no corpo alegatório do recurso.
II - O decretamento da providência de arbitramento de uma reparação provisória está dependente da verificação cumulativa de três requisitos fundamentais:
- estar indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido (fumus boni juris);
- existência de uma situação de necessidade económica por parte do requerente que não permita que se aguarde pelo desfecho da ação principal (periculum in mora); e,
- existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.
III - Tem natureza extracontratual a responsabilidade civil, por alegados factos ilícitos cometidos por um médico, em unidade hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde, em relação a um doente, em virtude da inexistência de um vínculo jurídico entre a vítima e o lesante.
IV - Na responsabilidade civil extracontratual, é ao lesado que incumbe fazer a prova dos respetivos pressupostos, enquanto factos constitutivos do direito alegado, salvo, quanto à culpa do autor da lesão, havendo presunção legal de culpa, nos termos do preceituado pelas disposições conjugadas dos arts. 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Cód. Civil, sendo que não há lugar a responsabilidade no caso de faltar qualquer um dos pressupostos legais constantes do art. 483º, n.º 1 do CC.
V - A obrigação de indemnização, com base em responsabilidade civil médica, não decorre de qualquer regra especial definidora desse âmbito, sendo, antes, subsumível aos termos gerais da responsabilidade civil contida no estatuído pelo artigo 483º, n.º 1, do CC.
VI- Não demonstrando indiciariamente a requerente que o acto médico foi efetuado sem observância das guide lines e das leges artis na concreta situação em que tal contacto cirúrgico ocorreu, nem que, na execução dos deveres que lhe eram exigíveis, a médica anestesista não actuou com a diligência, cuidado ou prudência impostos a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso, bem como não resultando indiciado o nexo de causalidade entre o acto médico praticado e as sequelas que aquela apresenta, é de concluir pela inverificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar (fumus boni juris) com fundamento em responsabilidade civil médica, com a consequente improcedência da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.
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V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedentes as apelações, e, em consequência, revogam a decisão recorrida, julgando improcedente o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
Custas a cargo da apelada (art. 527º do CPC), sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que goza.
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Guimarães, 8 de novembro de 2018

Alcides Rodrigues
Joaquim Boavida
Paulo Reis

1. Cfr., Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 176.
2. Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, 1945, p. 357.
3. Cfr. Sara Rodrigues Campos, (In)admissibilidade de Provas Ilícitas (Dissemelhança na Produção de Prova no Direito Processual?), Almedina, p. 29.
4. Cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 415, Manuel A. Domingues de Andrade, obra citada, p. 379 e Ac. do TC n.º 86/88, de 13/04/1988 (relator Messias Bento), in www.dgsi.pt.
5. Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 228 e ss..
6. Cfr. Acórdão do TC n.º 209/95, proc. n.º 133/93, 1.ª secção, DR, II Série, n.º 295, de 23.12.1995, p. 15380.
7. Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt..
8. Cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. 1, Almedina, p. 130 e segs.
9. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss.
10. Cfr. Providências Cautelares, 2017 - 3ª ed., Almedina, pp. 183/184.
11. Cfr. Alberto dos Reis. A figura do processo cautelar, BMJ, n.º 3, p. 45.
12. Cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, Universidade Católica, 2003, p. 170.
13. Cfr. Natureza jurídica dos Processos Preventivos e seu Sistema no Código de Processo Civil, ROA, Ano 5, n.ºs 3 e 4, 1945, p. 27.
14. O ponto não é, porém, unânime no que respeita à prova documental (cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, III Vol., Almedina, p. 109 e a doutrina e jurisprudência aí citadas; Paulo Sousa Pinheiro, o Procedimento Cautelar Comum no Direito Processual do Trabalho, 2ª ed., Almedina, pp. 82/83).
15. Cfr. obra citada, p. 190.
16. Cfr., no mesmo sentido, António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimentos Cautelares Especificados, IV Vol., Almedina, pp. 135/136.
17. Cfr., Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 428.
18. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 35.
19. Cfr., Joel Timóteo Ramos Pereira, in Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. II, Procedimentos e Medidas Cautelares (com incidentes Conexos), Quid Juris, 2002, p. 201.
20. Cfr. Temas da Reforma (...), III Vol., p. 87.
21. Conquanto num âmbito distinto, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 383/2012, processo n.º 437/10, datado de 12/07/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 184 — 21 de setembro de 2012, que decidiu «julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período».
22. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
23. Cfr. obra citada, p. 686.
24. Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603.
25. Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
26. Cfr. Alberto dos Reis, Código …, vol. V, p. 140.
27. Cfr. Ac. da RG de 18/01/2018 (relatora Maria João de Matos), in www.dgsi.pt.
28. Cfr. Ac. da RG de 30/03/2017 (relator José Amaral), in www.dgsi.pt.
29. Cfr. Ac. da RP de 5/03/2015 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt. e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 736,
30. Cfr. Ac. da RP de 29-06-2015 (relatora Paula Leal de Carvalho), in www.dgsi.pt.
31. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 - 4ª ed., Almedina, pp. 155/156.
32. Cfr. Ac. do STJ de 3/03/2016 (Relatora Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt. e Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 465.
33. Cfr. Acs. do STJ de 19/02/2015 (Relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 3/03/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt.
34. Cfr. Recursos (…), pp. 158/159.
35. Cfr., neste sentido, Acs do STJ de 31/05/2016 (relator Garcia Calejo), de 28/04/16 (relator Abrantes Geraldes), de 21/04/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 18/02/2016 (relator António Leones Dantas), de 1/10/2015 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 9/07/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), todos consultáveis in www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, p. 771.
36. Cfr. Recursos (…),pp. 158/159.
37. Como assinala Abrantes Geraldes, “eventuais falhas de elementos essenciais no campo da motivação e/ou das conclusões apenas atingem as questões de facto a que respeitam, sem prejudicar a parte restante relacionada quer com a matéria de facto, quer com a matéria de direito” (Recursos (…), pp. 165/166).
38. Cfr. na doutrina: Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 157; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina p. 462; na jurisprudência: Acs. do STJ de 14/07/2016 (relator António Piçarra) e de 27/10/2016 (relator Ribeiro Cardoso) e Ac. RG de 19/10/2017 (relator Pedro Damião e Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
39. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos (…),pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017 – reimpressão, p. 384 a 396, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
40. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, pp. 435/436.
41. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200.
42. Cfr. Rita Lynce de Faria, obra citada, p. 174.
43. Cfr. fls. 176 v.º.
44. Cfr. Célia Sousa Pereira, in Arbitramento de Reparação Provisória, Almedina, 2003, p.105.
45. Pense-se na hipótese, referida por Cura Mariano, de o incumprimento de qualquer obrigação contratual provocar, num nexo de causalidade adequada, perturbações psíquicas (v.g. angústia, depressão) no credor, merecedoras de uma indemnização, nos termos do art. 496.º, n.º 1, do CC (cfr. A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, Almedina, p. 66).
46. Cfr., neste sentido, na doutrina, Cura Mariano, obra citada, pp. 53-54, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimentos Cautelares Especificados, IV Vol., Almedina, pp. 138/143; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 136, e Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. - 2004, Almedina, p. 370; na jurisprudência, os Acs. da RL de 3/11/2004 (relator Duro Mateus Cardoso), de 10/02/2011 (relator Luís Correia de Mendonça); Ac. da RP de 12/11/2012 (relatora Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; em sentido contrário, porém, o Ac. da RL de 5/02/1998 (relator Campos Oliveira), CJ, 1998, T. I, p. 109.
47. Cfr. Ac. da RL de 16/02/2016 (relatora Maria Adelaide Domingos) e Ac. da RE de 8/02/2018 (relator Mário Branco Coelho), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
48. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma (…), IV Vol., pp. 135/136.
49. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma (…), IV Vol., p. 136.
50. Cfr. obra citada, p. 135.
51. Cfr. obra citada, p. 80.
52. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma (…), IV Vol., p. 137.
53. Cfr. Ac. da RP de 1/04/2014 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt.
54. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma (…), IV Vol., p. 152 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, pp. 461/462.
55. Cfr. Cura Mariano, obra citada, p. 128
56. Cfr. Ac. da RL de 16/02/2016 (relatora Maria Adelaide Domingos), in www.dgsi.pt.
57. Cfr. Ac. do STJ de 4/3/2008 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
58. Cfr. Ac. da RP de 11/09/2012 (relatora Maria Cecília Agante), in www.dgsi.pt.
59. É ainda hoje dominante o entendimento jurisprudencial e doutrinal que qualifica como contratual a responsabilidade civil em que possa eventualmente incorrer a clínica e o médico, no caso de se situar no âmbito do exercício da medicina privada. Será, todavia, de qualificar o acto do médico que atua no Serviço Nacional de Saúde como um acto de gestão pública, como tal sujeito, nos termos do art. 501º do Cód. Civil, ao regime da responsabilidade civil do Estado, prevista na Lei n.º 67/2007, de 31/12 (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, “A Jurisprudência portuguesa em matéria de responsabilidade civil médica: o estado da arte”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 38, abril/junho 2012, p. 17).
60. Na responsabilidade civil contratual, por força da presunção de culpa do art. 799º do CC, não compete ao lesado provar a culpa do lesante. Deve, no entanto, provar os restantes requisitos, porquanto todos eles são constitutivos do direito em questão.
61. Cfr. Ac. do STJ de 24/05/2011 (Relator Hélder Roque) e Ac. da RP de 11/09/2012 (relatora Maria Cecília Agante), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
62. cfr. O Fim da «arte silenciosa», in RLJ – ano 128º, p.101.
63. Cfr. Ac. do STJ de 22/09/2011 (relator Bettencourt de Faria), in www.dgsi.pt.
64. Cfr. Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, citado no Ac. do STJ de 1/07/2010 (relator Serra Baptista), in www.dgsi.pt.
65. Na exposição vimos seguindo a fundamentação do Ac. do STJ de 15/12/2011 (relator Gregório da Silva Jesus), in www.dgsi.pt.
66. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., Almedina, 1990, p. 97.
67. Da responsabilidade civil por actos médicos – Alguns Aspectos”, Universidade Lusíada, 2001, pp. 27-28.
68. Cfr. Ac. do STJ de 15/10/2009 (relator Rodrigues dos Santos), in www.dgsi.pt.
69. Cfr. Ac. do STJ de 15/12/2011 (relator Gregório da Silva Jesus), in www.dgsi.pt.
70. Cfr. Ac. da RP de 11/09/2012 (relatora Maria Cecília Agante), in www.dgsi.pt.
71. Tendo presente que o conceito de erro médico se revela polissémico, como salienta Pedro Romano Martinez, citado por Filipe Albuquerque Matos, in Anotação ao Ac. do TRP de 11.9.2012, Cadernos de Direito Provado, n.º 43, p. 59, “o erro será um engano ou desacerto quanto ao diagnóstico, ao modus operandi no tratamento, etc., o médico equivocou-se na execução da sua prestação. Sustenta-se, por vezes, que este erro não consubstancia negligência”. Contudo, secundando a posição do autor, não faz sentido “autonomizar o erro médico: a actuação do médico será culposa se é passivel de censura atento o padrão médio que lhe era exigido”.
72. Cfr., neste sentido, Ac. da RP de 11/09/2012 (relatora Maria Cecília Agante), in www.dgsi.pt.