Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3740/16.9T8BRG.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EMPREITADA DE REPARAÇÃO OU MODIFICAÇÃO
EMPREITADA DE CONSUMO
FALTA DE CONFORMIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A actual redacção do artigo 1.º-A, n.º 2 do Dec. Lei 67/2003, permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação, tendo em conta as referências que constam dos n.ºs 3 e 4 do art. 2.º, à falta de conformidade resultante dos materiais fornecidos pelo consumidor ou resultante da má instalação dos bens.

II - Para que uma determinada situação, seja abrangida por este regime, o que releva, é que se esteja perante uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro, o que ocorre sempre que o empreiteiro seja um profissional e o dono da obra um consumidor, destinando-se a obra a fins não profissionais.

III - Se instado para reparar os defeitos, o empreiteiro não o faz, incumpre a sua obrigação, com a correspondente obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 798.º CC, que corresponde ao custo das obras que seja necessário efectuar.

IV - Se assim não fosse, o dono da obra ficaria empobrecido no seu património, uma vez que já tinha pago integralmente o preço acordado e teria, agora, de novo, ainda, de custear as novas obras, ao passo que o empreiteiro que não obstante ter cumprido defeituosamente as obrigações que contraiu, receberia o preço integral, o que não é consentido pelas regras da boa fé (cfr. artigo 762.º do CC), e configuraria uma situação de abuso do direito, como decorre do disposto no artigo 334.º do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

José, intentou a presente acção de processo comum contra Auto Reparadora P. M. Unipessoal, Lda, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 6.063,00 €, a título de indemnização correspondente ao valor necessário para proceder à eliminação dos defeitos que o veículo apresenta, e, em alternativa, para o caso do tribunal entender que tal indemnização não é devida, que a R. seja condenada a proceder à reparação do veículo XJ de acordo com o relatório de peritagem e relatório técnico efectuados ao veículo, eliminando assim todos os defeitos da reparação anteriormente efectuada. Mais peticionou, para o caso de não ser possível à R. ou esta se recusar, incumprindo definitivamente, que o contrato de empreitada seja considerado resolvido. Subsidiariamente requereu que a R. fosse condenada a pagar ao A. a título de indemnização a quantia 6.063,00€ necessária para proceder à eliminação dos defeitos supra descritos, quantia esta acrescida de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até total e efectivo pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que é proprietário do veículo XJ, sendo que na sequência de sinistro envolvendo este veículo, o mesmo foi reparado na R., tendo o pagamento dessa reparação – 7.438,84€ - sido efectuado pela X Seguros, enquanto seguradora do veículo responsável pela eclosão do sinistro, comprometendo-se a R a efectuar a reparação em conformidade com o relatório de peritagem efectuado.

Prosseguiu invocando que a reparação foi efectuada com defeitos, desde logo, aquando do levantamento do veículo, a 2.8.2015, o filho do A. efectuou uma viagem de Braga a Águeda, tendo-se partido o resguardo inferior de protecção do motor por não estar devidamente apertado, sendo que chegados a Águeda teve necessidade de remover a placa de protecção do motor e no dia seguinte constatou que, também, o tubo do radiador não se encontrava apertado, situações, que o seu filho comunicou presencialmente nas instalações da R. a 4.8.2015, comprometendo-se a R. a reparar tais problemas.

Mais, invocou que a 7.8.2015, surgiu no painel de controlo novo alerta relacionado com os mínimos e sistema de retenção, situação que R. não logrou resolver quando contactada para tal efeito, sendo que, nessa altura o veículo foi às instalações da CC, em Braga, onde a situação foi resolvida.

Finalmente, referiu que o veículo continuou a apresentar problemas, no guarda-lamas, manga do eixo, apoio do capot, ópticas, pintura e limpa faróis, a que a R não deu resposta, razão pela qual e por temer que que a circulação do veículo representasse perigo, a 10.12.2015 ordenou a realização de peritagem técnica à reparação efectuada, tendo a mesma concluído que a reparação da R. apresentava desconformidades que elenca, e para cuja reparação é necessário o montante de 6063,00€, pretendendo por via desta acção que lhe pague este montante ou proceda à reparação das desconformidades.
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Citado a R., deduziu defesa por excepção e impugnação, alegando em síntese que a reparação foi acordada com o filho do A., que sempre se apresentou como dono e legítimo possuidor do veículo, entendendo, assim, que carece o A. de legitimidade para a demanda, mais invocando que a reparação foi efectuada em conformidade, apenas faltando polir a pintura, acordando as partes a execução posterior deste serviço, uma vez que o filho dele necessitava em Agosto, tendo o A assinado declaração de conformidade de reparação cerca de um mês após o veículo estar em circulação.

Acrescenta que jamais lhe foi reclamada qualquer desconformidade, tendo veículo percorrido até Dezembro de 2015, 12 mil km, desconhecendo a R. o que se passou nesse hiato temporal com o mesmo, tanto mais, que não teve conhecimento da peritagem ordenada pelo A., nela não participou, nem nunca o A. lhe deu conhecimento do teor da mesma, a não ser aquando da citação para os termos desta acção

Pugna pela improcedência da acção.
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Foi realizada audiência prévia, onde frustrada a conciliação das partes, o tribunal fixou o valor da acção, proferiu despacho saneador, admitiu a prova e designou data para julgamento.
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Já no decurso da audiência de julgamento, veio o A. alterar o pedido efectuado, na medida em que afirma já ter reparado parcialmente o veículo por forma a circular em segurança, apenas faltando substituir as ópticas frontais, pretendendo, agora, e em síntese, indemnização consistente no reembolso do montante já despendido de 3856,60€ e o necessário à realização dos trabalhos em falta no montante de 1.890,16€, em alternativa pede a condenação da R. a efectuar a reparação em falta, o que foi deferido pelo tribunal.
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Após realização do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em conformidade, condenou a R. a proceder à substituição das ópticas frontais esquerda e direita do veículo, por peças novas da marca CC cujo custo ascende a 1890,16€, no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da presente acção, absolvendo a R. do mais peticionado.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio o A./Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1) A douta Sentença ora Recorrida não fez a correcta aplicação e interpretação da lei aplicável à situação dos autos, designadamente fez uma incorrecta aplicação da Lei 24/96 de 31.07 na sua redacção actual e do DL 67/2003 de 08.04, pelo que deverá a mesma ser revogada.
2) Entendeu o Tribunal a quo que o relacionamento contratual dos autos se mostra estabelecido entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional (A.) e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (a R.) (cfr. artigo 2.º, n.º 1 da LDC de 24/96).
3) Entendeu também que são estes sujeitos - com presumida desigual experiência, organização e informação - cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em empreitada de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil - o consumidor/dono da obra.
4) Igualmente, entendeu e bem que, tal como resulta dos factos provados o veículo reparado, em Julho/Agosto de 2015, pela R. apresentava várias desconformidades em Dezembro de 2015, sendo certo, nos termos do art.º 3.º n.º 2 da L 67/2003, “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade", nesta conformidade, provados que estão os defeitos, e porque os mesmos foram detectados volvidos 4 meses da reparação efectuada pela R. é de presumir que os mesmos existiam já aquando da respectiva entrega, finda a conclusão da reparação, tudo apontando claramente a má execução dos trabalhos por banda da R..
5) Relembre-se que sobre a R. impendia o ónus de provar que estas desconformidades eram alheias à reparação por si executada no veículo, ou sejas, que as desconformidades resultam de acto ou evento a que foi alheia, prova essa que a R., não logrou.
6) Nestes termos, e apesar do carro ter circulado 12.000km, nada nos foi trazido no sentido de ter ocorrido algum evento ou utilização indevida que ocasionou as desconformidades detectadas, pelo contrário, é evidente que a R. não efectuou os trabalhos em conformidade como o que se obrigara, outrossim, fê-lo com inúmeros vícios e deficiências.
7) E de facto, tal como a Douta Sentença refere: "Aqui chegados cumpre analisar se pode exigir o A. da R. o montante que peticiona a título de indemnização, a saber se pode exigir o montante que já despendeu e a despender para a reparação ficar em conformidade."
8) É neste preciso momento que, sempre s.m.o., o Douto Tribunal a quo não fez a correcta aplicação e interpretação do direito ao caso concreto.
9) A presente Acção, tal como foi configurada pelo A., enquadra-se no âmbito da relação de consumo, protegida e regulada pela Lei de Defesa do Consumidor plasmada na Lei 24/96 de 31.07 com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 47/2014 de 28.07.
10) A situação dos autos não se enquadra no Decreto-Lei 67/2003 de 08.04, concernente à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
11) Antes da publicação da Lei de Defesa do Consumidor - Lei n 29/81 de 22/08, depois substituída pela Lei n.º 24/96 de 31/07 - a prestação de serviços defeituosos estava apenas prevista nas normas incluídas no Código Civil.
12) O Legislador ao criar a Lei de Defesa do Consumidor (LDC) retirou o tratamento desta matéria ao campo geral do Código Civil e da disciplina do Direito Civil, criando assim uma legislação especial que pretendia isso mesmo: dar ênfase à protecção no tratamento das relações de consumo de um grupo destacado de pessoas, considerando que nessas relações a sua posição não era de total equilíbrio.
13) O Decreto-Lei 67/2003 de 08.04, no que à LDC diz respeito, apenas relevou para proceder à alteração dos artigos 4.º e 12.º desta, por força do seu artigo 13.º.
14) Assim, a Lei 24/96 de 31.07, alterada pelo DL 67/2003 de 08.04, reconhece ao consumidor, no artigo 4.º, o direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo, o qual é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta, no âmbito da qual os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer aos fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, aos quais acresce a indemnização, de acordo com o artigo 12.º, n.º 1 da Lei 24/96.
15) E nos termos do art. 2.º, n.º 1 da LDC, considera-se consumidor, todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. No caso concreto não subsistem dúvidas de que o A. é considerado consumidor no âmbito da relação económica estabelecida com a R.
16) Por isso mesmo, tem direito à qualidade dos bens e serviços, previsto no artigo 4.º da Lei 24/96 de 31.07.
17) O legislador procurou, assim ir ao encontro da necessidade de protecção dos consumidores nas relações de consumo, quer na aquisição de bens, quer no fornecimento de serviços, tendo este direito perfeita harmonização com a ideia constitucional de que a qualidade deve ser preconizada, e claramente protegida, para que os fins a que os bens e serviços foram aptos possam ser satisfeitos.
18) Por sua vez, o DL 67/2003 de 08.04, procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores.
19) Transposição essa que praticamente reproduz na íntegra o texto da Directiva.
20) Na Directiva há uma tendencial alusão à compra e venda que se detecta não só no preâmbulo, como também no próprio texto. Contudo, o âmbito da Directiva não se circunscreve ao este tipo contratual.
21) Estabelece igualmente uma extensão de regime a outros contratos, entre os quais o fornecimento de bens de consumo (art.4.º, n.º 1 da Directiva), i.e. a empreitada.
22) Contudo, esta é uma deficiente equiparação, pois nos termos do art. 4.º n.º 4 da directiva dispõe-se que "são igualmente considerados contratos de compra e venda os contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir".
23) A reparação de bens móveis encontra-se abrangida pela Directiva, mas unicamente quando tal implique o fabrico ou produção de bens de consumo, não a modificação ou reparação desses bens, tout court.
24) Encontram-se, por isso mesmo, excluídos do âmbito da aplicação deste diploma (o DL 67/2003), os contratos de mera reparação, conservação ou manutenção de bens que o consumidor já possua, bem como as demais prestações de serviços.
25) A prestação de serviços de reparação de bens que o consumidor já possua, encontra­-se regulada pela LDC.
26) Pelo que, a publicação do DL 67/2003/ apenas alterou a LDC em dois artigos. Nada mais relevou para esta lei.
27) De facto, sob exactamente as mesmas epígrafes, a LDC foi alterada, pelo DL 67/2003, nos seus artigos 4: "Direito à qualidade dos bens e serviços" e 12: "Direito à reparação de danos".
28) O legislador consciente de que a redacção da Lei não protegia suficiente e convenientemente o consumidor, procedeu à sua alteração, sob as mesmas epígrafes.
29) A ratio legis do legislador foi a de não prejudicar o consumidor e em benefício deste, conscientemente proceder à alteração legislativa, no sentido de a hierarquização, dar lugar a mais liberdade de escolha ao consumidor no exercício dos seus direitos.
30) Se fosse intenção do legislador manter o status quo anterior, não teria tido necessidade de reflectir sobre estas duas normas, ponderando a sua aplicação real, para proceder à sua alteração.
31) O legislador verificando que, desde o início da vigência da LDC em 1996 até 2003, o consumidor se encontrava pouco protegido nos seus direitos constitucionalmente consagrados, promoveu a alteração legislativa que faltava, encontrando a solução legislativa mais acertada.
32) Aliás, nos termos do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, apontando, assim os critérios a seguir na interpretação da lei.
33) Pelo que, não se afigura inocente a alteração da redacção introduzida pelo novo diploma.
34) É que, o legislador, ciente das dificuldades práticas e concretas do consumidor nas relações de consumo, certamente não teria alterado a redacção nos moldes em que o fez, nos art.s 4.º e 12.º da LDC, se não quisesse atribuir-lhe distinto sentido.
35) O abandono da hierarquia sistemática dos direitos dos consumidores, só poderá ser entendido no sentido conceder ao consumidor meios de defesa de modo a minorar a diferença económica do relacionamento.
36) O legislador colocou assim, na protecção legislativa do consumidor - LDC - o que ficou de fora do DL 67/2003/ por força da transposição da Directiva 1999/44/CE, i.e., a protecção do consumidor face à prestação de serviços de reparação e modificação de bens de consumo. Alterando a LDC apenas no estritamente necessário.
37) Lei que é a aplicável ao caso dos autos.
38) Ora, tendo o A. direito à qualidade dos bens e serviços que lhe são prestados, nos termos do artigo 4.º da LDC, tem, em caso de defeito e desconformidade desses mesmos serviços - como se provou haver - direito à reparação de danos, nos termos do artigo 12.º da LDC.
39) Reparação de danos essa, que se materializa no direito à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
40) Manifesta-se clara a preocupação do legislador, para que, caso existam danos patrimoniais numa relação de consumo, resultantes da actuação dos profissionais envolvidos, os consumidores tenham claramente o direito a ser indemnizados por tal.
41) O que está em causa é a certeza e a segurança jurídica, atendendo às relações contratuais, de que se existir algum defeito, se se detectar alguma anomalia, ou falta de conformidade, e se não for dada prossecução às expectativas causadas pela aquisição desse bem ou pela prestação de determinado serviço em relação aos fins a que se destinam, o consumidor poderá reclamar a reparação dos danos causados.
42) A ideia do legislador traduz uma preocupação de que os lesados não deixem de reclamar a restituição de todos os seus prejuízos.
43) E no que diz respeito ao direito a ser indemnizado exige-se a culpa (ainda que presumida) do vendedor/prestador.
44) Cabendo ao lesado o ónus de provar o dano, o defeito, o nexo de causalidade sobre o defeito e o dano.
45) Nos presentes autos todos esses requisitos se encontram demonstrados, dada a matéria de facto dada como provada.
46) Pelo que, o A. tem direito a ser indemnizado pelo valor que teve de despender com a reposição da conformidade da prestação de serviços de reparação efectuada pela R. de forma comprovadamente desconforme e sem qualidade.
47) Para o que, o A. teve de despender a quantia de 3.856/60 € com a reposição parcial da conformidade da reparação do seu veículo em consequência de acidente de viação.
48) Valor que reclamou na acção, acrescido do valor correspondente à colocação das ópticas frontais, novas e da marca CC, conforme orçamento efectuado e que não foram colocadas, pela R., no valor de 1.890/16 €.
49) Exerceu o A. nos presentes autos o direito à reparação dos danos por meio de indemnização plasmado no artigo 12.º da LDC.
50) Contudo, não foi esta a legislação aplicada pelo Douto Tribunal a quo, nem a interpretação dada ao caso concreto.
51) Razão pela qual deve a Sentença ora recorrida ser revogada em conformidade com o ante alegado e a R. vir a ser condenada a pagar ao A. a titulo de indemnização pela reparação dos danos patrimoniais sofridos o valor de 3.856/60 € acrescido do valor de 1.890/16 € referente às ópticas frontais.
52) Contudo, e mesmo que assim não se entendesse, sempre sem conceder, i.e. que os factos se enquadrassem porventura no âmbito do DL 67/2003, sempre se teria de considerar que o A., como está demonstrado e provado, reclamou os defeitos à R. à medida que eles foram, de ocultos tornando-se aparentes.
53) Os problemas surgidos com a viatura, após a deficiente reparação levada a cabo pela R., foram sendo - como se encontra provado em 20.º e 23.º dos factos provados ­reclamados à R..
54) Tendo esta, uma vez recebidas as reclamações dos defeitos da reparação, sido incapaz de resolver os problemas, ora protelando a sua resolução, ora mostrando-se incapaz definitivamente de eliminar os defeitos. Tudo conforme consta dos pontos 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º dos factos provados.
55) A R. ao não conseguir eliminar os defeitos da reparação, incumpriu definitivamente o contrato.
56) E mostrando-se definitivamente incumprido o contrato, deve entender-se o mesmo como resolvido.
57) Neste caso, o consumidor pode optar, nos termos do artigo 5, n.º 5 do DL 67/2003, por exercer qualquer dos direitos referidos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito.
58) O A. enquanto consumidor, depois de resolvido o contrato, por manifesta impossibilidade do seu cumprimento por parte da R., pode optar, porque tem essa liberdade legal, pelo direito à indemnização, a título de reembolso pela reparação dos defeitos, que se mostra cumulável com qualquer os outros quatro direitos.
59) E não se diga, como refere a Douta Sentença recorrida, que a R. não se encontra em situação de incumprimento definitivo, pois que perante a reclamação dos defeitos, não só não os eliminou, como não teve capacidade técnica para os eliminar.
60) A R. de facto, não disse taxativamente que não procedia à eliminação dos defeitos, mas a sua sistemática omissão, a sua contínua inoperância, a sua recorrente incapacidade para a resolução/eliminação dos defeitos que foram surgindo, demonstram claramente uma recusa de cumprimento do contrato por incapacidade de eliminação dos defeitos.
61) Nem a R. não se encontra em mora, dado que desde os dias sequentes à entrega do veículo, a R. teve conhecimento das reclamações dos defeitos por parte do A., reconhecendo-as e mostrando a sua incapacidade de resposta na sua eliminação.
62) Pelo que, a mora da R. transformou-se em incumprimento definitivo.
63) Devendo também aqui a Douta Decisão ser revogada, considerando o incumprimento definitivo do contrato por parte da R. e condená-Ia a proceder ao pagamento a título de reembolso dos valores necessários e os que já foram efectivamente necessários para a eliminação dos defeitos decorrentes da deficiente reparação efectuada pela R

Nestes termos e nos melhores de direito a suprir por Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a sentença recorrida ser revogada, por não ter feito a boa aplicação do direito à matéria de facto provada durante a instrução da causa assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir se a sentença deve ser revogada, por incumprimento definitivo do contrato por parte da R. e, assim, esta, consequentemente, condenada a proceder ao pagamento dos valores despendidos para a eliminação dos defeitos decorrentes da deficiente reparação efectuada.
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- Fundamentação de facto

Factos provados

O veículo ligeiro de passageiros de matrícula XJ, é propriedade do A. José, mostrando-se inscrita reserva a favor do Banco A SA, cfr. certidão de fls. 100.
2. A R. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a “reparação e manutenção de veículos automóveis e motorizados. Comércio, Importação e exportação de peças e acessórios para veículo e de veículos”, cfr teor de fls. 28 e ss.
3. No dia 27.06.2015, o veículo XJ sofreu um acidente de viação com o veículo de matrícula WW, o qual foi da inteira responsabilidade do condutor deste último veículo, cfr. fls. 30 e ss
Responsabilidade efectiva e totalmente assumida pela seguradora no veículo, a X Seguros, conforme melhor se alcança do de fls. 34 e ss.
Em consequência desse aludido acidente, o veículo do A. sofreu avultados danos na sua frente, que foram peritados pelos serviços técnicos da X Seguros e pela oficina R. AUTO REPARADORA P. M., UNIPESSOAL, LDA.
Os danos e sua reparação foram avaliados no montante de 7.438,84 €, cfr. teor de fls. 35.
Sendo que, a sua reparação consistia em substituir:

Revestimento do pára-choques, chapa de matrícula e suporte, faróis de nevoeiro (ambos), expressor de lavagem de faróis (ambos), amortecedor lateral do pára-choques e respectivos tubos (ambos), reforço lateral e superior do pára-choques (ambos os lados), grelha ventiladora, faróis com piscas (ambos), grelha do radiador, capot, mola de pressão de gás (direito), suporte do fecho superior e lateral do capot de ambos os lados, chapa frontal e lateral de apoio do capot, intercooler, radiador, resguardo do motor, radiador de óleo da direcção assistida, buzina lateral, filtro do ar, caixa do ventilador, condensador do radiador do ar condicionado; como decorre de fls. 36 e ss.
Do aludido relatório de peritagem, a reparação dos danos consistia igualmente na desmontagem e montagem de: Guarda lamas direito, friso de protecção ( de ambos os lados);
Igualmente, constava que deveria proceder-se à reparação de Guarda-lamas direito, e cava de roda da parte da frente direita, dever-se-iam efectuar testes de fugas do ar condicionado, colocar o veículo no banco de ensaio, colocar a matrícula e anticongelante.
10º Havia lugar igualmente ao trabalho de pintura de Pára-choques da frente, friso de protecção do pára-choques (ambos), suporte da chapa de matrícula, chapa frontal interior (ambos os lados), guarda-lamas completo (ambos os lados), capot.
11º Sendo que, a na parte que à substituição de peças dizia respeito, a mesma deveria proceder-se com peças da marca, tendo a oficina concordado com tal procedimento, tudo conforme teor de fls, 36 e ss.
12º A R. efectuou os trabalhos consistentes na reparação, emitindo a factura de fls. 42 e 43 respeitante aos mesmos
13º O veículo foi entregue ao filho do A., em 2.8.2015, tendo este sempre acompanhado reparação efectuada pela R. no veículo.
14º O filho do A., em 02.08.2015, efectuou com o veículo XJ a viagem entre Braga e Águeda, e próximo de Santo Tirso, o resguardo inferior de protecção do motor, com a deslocação do ar, partiu-se, por não se encontrar devidamente apertado.
15º Tendo que prosseguir a sua marcha a velocidade reduzida para que não se verificasse grande movimentação de ar ao nível inferior do motor.
16º Uma vez chegado a Águeda, houve necessidade de remover a placa de protecção do motor.
17º No sequente dia 03.08.2015, o veículo deslocou-se de Águeda até Sever do Vouga, num percurso de cerca de 35 km, sendo que ao chegar ao destino, o painel de controlo acendeu a luz indicativa de falta de água no radiador, e o indicador da temperatura do motor, indicava temperatura elevada.
18º De imediato, o veículo foi imobilizado e depois de aberto o capot, o filho do A. verificou que o tubo do radiador não se encontrava apertado, tendo a água saído do radiador.
19º No intuito de resolver este problema surgido, o filho do A. adquiriu líquido para o radiador e uma anilha para apertar o aludido tubo por forma a que não vertesse mais água.
20º No dia 04.08.2015, o filho do A. reclamou presencialmente nas instalações da R., onde se deslocou com o veículo, os problemas surgidos na viatura.
21º Tendo sido referido pela R. que ter-se-ia que aguardar pela protecção inferior do motor, pois não tinham a mesma para entrega.
22º No dia 07.08.2015 surgiu no painel de controlo novo alerta, desta feita de “mínimos avariados”, bem como “SRS” (Sistema de Retenção) avariado.
23º Tendo novamente o veículo regressado à oficina R., informando tal facto.
24º A qual – a R. - não conseguiu descortinar qual o problema que estava na origem daquele alerta, nem resolver o problema.
25º Ora, como a R. não conseguiu solucionar esta questão, o filho do A. deslocou-se à CC (concessionário CC), com esse intuito, tendo sido alertado para o facto de haver ligações eléctricas efectuadas com fita-cola.
26º Nesta oficina - a CC - foi resolvido o problema eléctrico e colocadas peças individuais de iluminação externa, conforme teor de fls. 44.
27º O veículo do A. continuou a apresentar problemas, sendo que o A. temendo pela segurança da sua circulação entendeu solicitar a realização de peritagem técnica ao veículo.
28º A qual, foi realizada pela “PERITOS T AUTO” em Dezembro de 2015.
29º Tendo sido efectuado um relatório relativo à análise pericial da reparação do veículo XJ levada a cabo pela R., que se mostra junto a fls. 56 e ss.
30º Do aludido relatório consta que:

Da reparação frontal, existem folgas entre os componentes exteriores da carroçaria; Do autodiagnóstico existia uma anomalia/avaria registada no painel de instrumentos, relativa ao SRS – Sistema de Retenção, que se consubstanciava em anomalia do sensor de ocupação do assento de crianças; Procedeu-se à desmontagem para melhor análise da reparação e aferição da consonância entre o relatório de peritagem e a reparação efectivamente realizada; As ópticas da frente encontram-se fixa com arames e não foram substituídas; Grande número de peças não foram substituídas, mas apenas reparadas, ou substituídas por material não certificado ou mesmo usado; A pintura do capot com aspecto casca de laranja; A pintura da porta direita danificada em consequência do encosto do guarda-lamas da frente direito; A embaladeira plástica direita partida; A pintura do capot e do guarda-lamas da frente direito lascadas; A pintura do pilar direito superior lascada; O reforço da longarina superior da frente direita e esquerda empenadas; Verificou-se igualmente uma folga desajustada no guarda-lamas frente esquerdo versus capot e porta da frente esquerda;
31. Foi igualmente realizado um teste dimensional com vista ao controlo da reparação da carroçaria ou chassis do veículo XJ levada a cabo pela R..
32. Tendo-se verificado que, além das peças danificadas e algumas não substituídas como supra referido, a parte frontal da estrutura monobloco encontrava-se desalinhada e desnivelada.
33. Sendo necessário, para suprir essa anomalia, proceder ao alinhamento em banco de ensaio certificado.
34.O que veio a suceder.
35. Sendo que, após esse alinhamento da parte frontal da estrutura monobloco, realizou-se nova vistoria.
36. Tendo-se aferido que as folgas já se encontravam ajustadas e corrigidas.
37º A R. não teve conhecimento da peritagem efectuada ao veículo, para ela não foi convocada, nem lhe foi dado conhecimento das conclusões obtidas.
38º Para repor a boa qualidade da reparação, é necessário efectuar, no veículo, a substituição das seguintes peças:

· União Lava Farol;
· Óptica xénon frente direita;
· Óptica xénon frente esquerda;
· Tampa injetor direito lava-faróis;
· Jogo reparação farol esq.;
· Apoio matrícula frente;
· Absorvedor pára-choques frente;
· Absorvedor esquerdo pára-choques frente;
· Absorvedor direito pára-choques frente;
· Reforço pára-choques frente;
· Reforço esquerdo pára-choques frente;
· Reforço direito pára-choques frente;
· Apoio central esquerdo pára-choques frente;
· Apoio central direito pára-choques frente;
· Moldura direito pára-choques frente;
· Travessa superior frente;
· Travessa superior direito frente;
· Reforço frente;
· Reforço direito frente;
· Conduta inferior radiador;
· Conduta radiador;
· Sinobloco superior esquerdo radiador;
· Refrigerador líquido d/a (serpentina);
· Anticongelante;
· Líquido direção;
· Fluído refrigeração a/c.
· Radiador / condensador do ar condicionado;
· Permutador de ar / radiador intercooler;
· Conduta inferior do radiador;
· Conduta do radiador;

39º No que respeita a reparações / desempenos, é necessário o seguinte:

-Alinhar Esticar Carroçaria / estrutura monobloco (já realizado);
-Reparar Guarda-lamas frente direito;
-Reparar Reforço superior cava-de-roda frente direito;
-Reparar Reforço frente cava roda frente direita.
40ºNo que concerne a repintura, é necessário proceder à repintura
-Cava da roda-longarina frente direita;
-Capô frente;
-Guarda-lamas frente esquerdo;
-Guarda-lamas frente direito;
-Pára-choques frente;
-Porta frente direita.
41. Cujo custo ascende a 6.063, 00 €, cfr. fls. 45.
42. Na pendência da acção o A. – que entrou em juízo em 1 Setembro de 2016 - procedeu o A. à reparação parcial do veículo, despendendo 3856,60€ - fls. e 129 e ss e 119.
43. Apenas faltando substituir as ópticas frontais esquerda e direita por ópticas da marca, cujo custo ascende a 1890,16€, como orçado a fls. 47 a 50.
44º Desde a entrega pela R. o veículo circulou 12000km.
45º O A. assinou o teor de fls. 91 v (declaração de conformidade da reparação volvido 1 mês da entrega do veículo).
*
Factos não provados:

Todos os demais factos alegados, designadamente
- que as desconformidades apresentadas pelo veículo em dezembro de 2015 se deveram a utilização imprudente ou acidente de viação;
- que por razões de segurança e urgência efectuou o A. as reparações aludidas em 42.
*
- Fundamentação de direito

Perante a factualidade apurada, não é posto em causa que as partes celebraram um contrato de empreitada, pelo qual uma das partes - a Ré/Recorrida - se obrigou em relação à outra – o A./Recorrente - a realizar uma obra, de reparação de uma viatura, mediante um preço.

Entende, no entanto, o A./Recorrente, que a situação dos autos não se enquadra no DL n.º 67/2003 de 8.04, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008 de 21.05, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, respeitante ao contrato de compra e venda e outros contratos de consumo, por considerar que este apenas abrange a reparação de bens móveis quando tal implique o fabrico ou produção de bens de consumo, não a sua modificação ou reparação.

Assim, com base neste entendimento, e ao abrigo do disposto no art. 12.º, da LDC, que considera aplicável ao caso e prevê o direito à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de serviços ou prestações de serviços defeituosos, peticiona a revogação da decisão proferida, que lhe negou tal direito, e a respectiva procedência do seu recurso.

Vejamos, então, se assim é.

Na sua redacção original, o artigo 1.º n.º 2, do aludido DL n.º 67/2003, estipulava que o seu regime legal era “aplicável com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo.”

Assim, tendo por base o que aí se dispunha, defendia-se que ela apenas abrangia os contratos de empreitada cuja prestação se traduzisse na realização duma obra de criação de coisa nova, deixando de fora os contratos que tivessem por […]objecto a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente - neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, 2ª edição, 2005, pág. 207-208 e J. CALVÃO da SILVA, “Venda de Bens de Consumo“, Almedina, 2003, pág. 53.

Por sua vez, quanto à Lei n.º 24/96 de 31.07, aí se referia, igualmente para os casos abrangidos pela sua aplicação, no seu art. 12.º, n.º 1, que o consumidor a quem fosse fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, podia exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato.

Estipulava-se, por sua vez, no seu n.º 4, que, sem prejuízo dos referidos direitos caducarem findo qualquer dos prazos referidos no n.º 2, o consumidor tinha direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

Com a alteração decorrente do DL n.º 67/2003 de 8.04, na versão que lhe foi dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05, os artigos 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, passaram a ter outra redacção, dispondo-se, agora, no n.º 1, do art. 12.º, quanto ao direito à reparação dos danos, que ‘o[O] consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos’, deixando-se, assim, de aí se contemplar os demais direitos anteriormente previstos de reparação da coisa, substituição, redução do preço ou resolução do contrato.

Perante esta opção legislativa, tem sido entendido que o que se pretendeu foi deixar bem separados os direitos de reparação, redução do preço e resolução, de um lado, e de indemnização, do outro, reforçando a ideia que o legislador considerou que estes, e em especial a obtenção de uma condenação no pagamento do custo de uma reparação, não poderão ser exercitados para atingir os mesmos objectivos com que aqueles foram estabelecidos, e, assim, que os direitos de indemnização estabelecidos no artigo 12.º da LDC (mormente o de danos patrimoniais) se destinam a obter outros ressarcimentos, nomeadamente lucros cessantes e danos emergentes, mas já não o pagamento do custo de uma reparação dos defeitos.

De qualquer das formas, acontece que decorrente da referida versão que lhe foi dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05, o DL n.º 67/2003 de 8.04, passou a prever, no seu art.º 1.º-A, a sua aplicação aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, bem, como, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.

Assim, tal como defende Menezes Leitão, in ‘Direito das Obrigações’, vol. III, 10ª edição, pág. 562, a actual redacção do citado artigo 1.º-A, n.º 2 do Dec. Lei 67/2003, permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação, sob pena da alteração apesar de significativa em termos de redacção, não ter significado prático, tal como resulta das referências à empreitada os n.ºs 3 e 4 do art. 2.º (do citado DL 67/2003) ao referirem a falta de conformidade resultante dos materiais fornecidos pelo consumidor ou resultante da má instalação dos bens.

E, de acordo com tal diploma, decorrente do que se dispõe, no art.º 1.º-B, para efeitos da sua aplicação, entende-se por:

a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;
b) «bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão;
c) «Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional; (…)
h) «Reparação», em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato.

Mais resultando do art. 2.º, n.º 1, que ‘o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se, no seu n.º 2, que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

Já o seu n.º 4, menciona que ‘a falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.

Por último, para o caso que agora nos interessa, quanto aos direitos dos consumidores, refere-se no art.º 4.º, n.º 1, que ‘em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, esclarecendo-se, no seu n.º 5, que ‘o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais’.

Como tal, para que uma determinada situação, seja abrangida por este regime, o que releva, é que se esteja perante uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro, o que ocorre sempre que o empreiteiro seja um profissional e o dono da obra um consumidor, destinando-se a obra a fins não profissionais (art. 1.º, n.º 1, DL n.º 67/2003, e art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31.07) – neste sentido PEDRO de ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, “Direito das Obrigações – Contratos em Especial – Empreitada”, II volume, Almedina, 2013, 2ª edição, pág. 469-470.

Efectivamente, são estes sujeitos - com presumida desigualdade de experiência, organização e informação - cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em empreitada de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil - o consumidor/dono da obra - neste sentido J. CURA MARIANO, obra cit., 2015, 6ª edição, pág. 236-238 e PEDRO ALBUQUERQUE/M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 469-470.

Ora, como resulta dos autos, a Ré, enquanto pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, deveria ter procedido aos trabalhos de reparação da viatura do A., através da prestação de serviços e fornecimento de bens, destinados a uso não profissional, em conformidade com os serviços técnicos necessários apontados no relatório de peritagem elaborado para esse efeito, o que não fez.

Decorre, assim, do exposto que, no caso concreto se aplica o citado Decreto-Lei 67/2003, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008 de 21.05, por verificados os seus pressupostos, tal como se referiu, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do Cód. Civil, decorrente da sua vocação universal, sem restrição quanto à natureza dos contratantes, em tudo o que não esteja em contradição com o mesmo e se apresente em concreto mais favorável.

Diploma esse, como tal, aqui aplicável, e que se revela mais favorável do que o regime do C. Civil onde vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre os direitos plasmados no art.º 4.º, n.º 1, do DL 67/2003 e que, neste, são independentes uns dos outros, tornando desnecessário seguir o iter sequencial estabelecido no do C. Civil, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

Posto isto, importa ter em conta que, logo após a viatura ter sido entregue, se constatou que o resguardo inferior de protecção do motor não se encontrava devidamente apertado e, no dia a seguir, o tubo do radiador não se encontrava apertado, tendo a água saído do radiador, mais se verificando, passados 4 dias, ter surgido no painel de controlo novo alerta de “mínimos avariados”, bem como “SRS” (Sistema de Retenção) avariado, sem que a Ré soubesse sequer descortinar qual o problema que estava na origem daquele alerta, nem, como tal, resolver o problema.

Já quanto aos anteriores problemas, pese embora a reclamação efectuada, a Ré limitou-se a dar a indicação de que se teria de aguardar pela protecção inferior do motor, pois não tinham a mesma para entrega, sem que conste, por assim o ter demonstrado, ter suprido essa falta e estar já habilitada a proceder à colocação desse resguardo.

Acresce que, revelando a Ré incapacidade para solucionar os sinais de avaria surgidos e após a sua resolução por uma outra oficina, quanto a esse problema eléctrico, o veículo continuou a apresentar problemas, temendo o A. pela segurança da sua circulação – ponto 27.º, dos factos dados como provados.

Para além do exposto, apurou-se que o A. foi alertado pela CC para o facto de haver ligações eléctricas efectuadas com fita-cola e que se procedeu a um relatório relativo à análise pericial da reparação do veículo XJ levada a cabo pela R., onde consta, entre as inúmeras irregularidades, disparidades entre o serviço acordado e aquele que foi feito, que entre os componentes exteriores da carroçaria existiam folgas, que as ópticas da frente se encontravam fixas com arames e não foram substituídas, que a embaladeira plástica direita se encontrava partida, que o reforço da longarina superior da frente direita e esquerda se encontravam empenadas, que no guarda-lamas frente esquerdo versus capot e porta da frente esquerda se verificava igualmente uma folga desajustada, que a parte frontal da estrutura monobloco se encontrava desalinhada e desnivelada, sendo necessário efectuar a substituição de inúmeras peças e proceder a várias reparações e desempenos, o que importava um custo que ascende a 6.063,00 €, ou seja, a quase tanto quanto o valor pago pela reparação a que a Ré se havia obrigado e foi paga.

Mais decorre da conjugação da factualidade apurada que o A., passado um ano da entrega do veículo, instaurada que se encontrava a acção - a 1 Setembro de 2016 -, procedeu à reparação parcial do veículo, despendendo 3856,60€, resultando da respectiva factura junta - fls. e 129 e ss e 119 – que a mesma se mostra datada de 23.9.2016.

Ora, deste facto resulta logicamente a circunstância de, então, a reparação ser anterior a essa data.

Posto isto, decorre das regras sobre a liberdade e vinculação contratual e sobre o cumprimento e incumprimento dos contratos, bem como do disposto no citado artigo 4.º, n.º 1, que, perante a existência dos defeitos na obra executada, o consumidor/dono da obra tem, em princípio, que lançar mão dos direitos que aí se põe à sua disposição, por forma a repor o programa contratual.

A questão que se coloca é, assim, saber em que circunstâncias se pode pedir o custo de reparação dos defeitos.

A este respeito, tem-se vindo a admitir essa possibilidade nos casos de declaração de não satisfação da reparação ou substituição da coisa, de transformação da mora da vendedora em incumprimento definitivo ou de urgência da reparação dos defeitos, desde que o consumidor (dono da obra) alegue as razões pelas quais desiste do programa contratual ou das possibilidades da sua reposição do modo mais “reconstituinte” possível (cfr., neste sentido, Cura Mariano, op. cit., pág. 147 e segs.).

Assim, para se apurar da verificação de uma dessas circunstâncias, importa ter em conta que todo e qualquer contrato deve ser pontualmente cumprido, coincidindo o cumprimento ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito (art. 406.º, n.º 1, do C.Civil).

Por outro lado, tal como decorre do art.º 762.º, n.º 1, do CC, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.

Acontece que, tal como flui do art.406.º, n.º 1, citado, contrato só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitido na lei.

Portanto, só a título excepcional é que se admite a modificação ou extinção da relação contratual por vontade exclusiva de uma das partes.

É sabido que, atendendo ao efeito ou resultado, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., II, págs. 62 e segs., e M.J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., págs. 927 e segs., I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 299 e segs.).

No tocante ao não cumprimento definitivo, resulta da falta irreversível de cumprimento, equiparado por lei à impossibilidade (artº 808.º, n.º 1, do CC). Tal sucede quando a prestação, sendo materialmente possível, perdeu o interesse, objectivamente justificado, para o credor.

Com efeito, dispõe-se no citado n.º 1, do art.º 808.º, do CC, que "se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação,..., considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação".

No n.º 2 desse normativo, estatui-se que "a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente", o que significa uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva (M.J. Almeida Costa, ob. cit., p. 945, nota 3), o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art. 808.º, n.º 2 (cfr. PESSOA JORGE, "Ensaio sobre os Pressupostos da Resp. Civil", pp. 20, nota 3; GALVÃO TELLES, "Obrigações", 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).

Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes – o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (vd. A. VARELA, "Das Obrigações em Geral", I, 9ª ed., 532 e ss.).

Pressupõe-se a mora do devedor (art.º 804.º, n.º 2, do CC), convertida em não cumprimento definitivo, equiparando-se este à impossibilidade de cumprimento (art.º 801.º, do CC).

Ora, como resulta da factualidade apurada, não é de todo aceitável que, numa reparação de um veículo, se deixe por apertar devidamente o resguardo de protecção do motor ou mesmo o tubo do radiador, se dê o veículo como reparado quando se estava ainda à espera daquele elemento, tal como justificado para não proceder à sua reparação perante a reclamação apresentada, e, muito menos, que as ligações eléctricas sejam efectuadas com fita-cola e não se saiba sequer identificar os problemas que a viatura apresenta perante os sinais surgidos no painel de controlo.

Perante isto, ninguém quereria que o autor destas proezas voltasse a proceder a qualquer trabalho que fosse na sua viatura ou sequer teria qualquer tipo de confiança na reparação que àquele fosse exigida e jamais nela circularia com a devida confiança da sua própria segurança.

Além do mais, parece não ser razoável que, decorrido mais de um ano até à instauração da acção, sem que, após reclamação, tenha a Ré sequer marcado a intervenção que sabia ser necessária, antes reconhecendo não estar sequer autorizada a fazer as pinturas e demonstrando a sua total inabilidade e incapacidade técnica para sequer avaliar os sinais emitidos e proceder à reparação necessária, se exija que o proprietário da viatura fique a aguardar uma posição da oficina e uma decisão, quando, de antemão, já sabe que esta não tem condições para cumprir a obrigação a que se obrigou.

Aliás, basta atentar no facto do valor pago pela reparação a que a Ré se encontrava obrigada a proceder ser aproximadamente o mesmo que foi apontado como necessário para proceder à reparação das reparações efectuadas pela demandada.

Como tal, no caso sub judice, em nosso entender, a factualidade provada é susceptível de justificar a pretensão do A. quanto mais não seja com base em incumprimento definitivo, por se entender que o comportamento da Ré permitiu desobrigar o A. de continuar à espera que aquela fizesse as reparações a que se obrigou, tendo direito a fazê-las com recurso a um terceiro, suportando a ré os respectivos custos (cfr. Acórdão do STJ, de 16/03/2010, Processo 6817/06.5TBBRG.G1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi).

Neste sentido, também João Cura Mariano, ob. cit., pág. 139 e segs., defende que, no caso de se verificar um incumprimento definitivo da obrigação do empreiteiro em eliminar/reparar os defeitos, não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras.

Se instado para reparar os defeitos, o empreiteiro não o faz, incumpre a sua obrigação, com a correspondente obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 798.º CC, que corresponde ao custo das obras que seja necessário efectuar.

Aliás, se assim não fosse, o dono da obra ficaria empobrecido no seu património, uma vez que já tinha pago integralmente o preço acordado e teria, agora, de novo, ainda, de custear as novas obras, ao passo que o empreiteiro que não obstante ter cumprido defeituosamente as obrigações que contraiu, receberia o preço integral, o que não é consentido pelas regras da boa fé (cfr. artigo 762.º do CC), e configuraria uma situação de abuso do direito, como decorre do disposto no artigo 334.º do mesmo Código.

Nestes termos, tem, pois, de proceder a apelação.
*
IV- Decisão

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida na parte impugnada, e condenando-se a Ré/Recorrida a pagar ao A./Recorrente o montante de 3.856,60€ (três mil oitocentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos).
Sem custas.
*
TRG, 6.12.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida