Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1880/17.6T8VRL.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral, implicando o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
II- A incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
III- É adequado fixar o valor de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais a favor de lesada de 34 anos de idade, com um défice funcional permanente de 3 pontos, período de baixa médica de 9 meses, quantum doloris de grau 4, sujeita a vários tratamentos e exames, com muitas sessões de fisioterapia e osteopatia e que ficou a padecer de cervicalgia crónica, que interfere com a sua vida profissional e social e com necessidade de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em momentos de crise.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

J. M. intentou ação declarativa contra “Companhia de Seguros X, SA” pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe:

- a quantia de € 60.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- a quantia de € 75.000,00 para ressarcir a IPP como dano patrimonial relativo à limitação funcional que afeta e afetará a autora na sua condição física e psíquica e com rebate na sua atividade geral e profissional;
- a quantia de € 1.920,53 por despesas médicas e em fármacos;
- a quantia de € 760,00 por despesas de combustível e ao desgaste do veículo por força das deslocações às sessões de fisioterapia;
- as quantias de € 875,00, € 1.320,00, € 1.200,00 e € 1.606,56, respetivamente por privação de aumentos salariais, não recebimento de comissões e prémios e perdas salariais;
- os danos futuros, patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis por prováveis que, por ainda não serem passíveis de quantificação, se relega a sua liquidação para execução de sentença;
- todas as despesas futuras médicas, medicamentosas, fisiátricas e outras que a autora venha a despender e a suportar por causa das lesões e em razão das sequelas decorrentes do sinistro viário, designadamente para tratar a cervicalgia crónica e obstar ao agravamento da aludida perda de funcionalidade escapular, pagamento esse a ser feito pela ré mediante a apresentação pela autora de documento comprovativo da realização das mesmas;
- a pagar juros à taxa legal, sobre as indicadas quantias, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que foi vítima de acidente de viação, cujo único responsável conduzia viatura segura na ré, tendo sofrido os danos que descreve e quantifica.
A ré contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado no sinistro e a sua responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos dele emergentes, mas impugnando os danos, por desconhecimento ou por quantificação excessiva.
Foi dispensada a audiência prévia e definidos o objeto do litígio e os temas da prova.
A autora apresentou ampliação do pedido, pretendendo a condenação da ré no pagamento de despesas que suportou com consultas de fisioterapia, tratamentos e medicação, nos anos de 2018 e 2019, no valor de € 532,94. A ré respondeu, impugnando por desconhecimento.
A ampliação do pedido foi admitida, para que os factos respetivos sejam apreciados com os demais em discussão nos autos.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e condenou a ré a pagar à autora a quantia global de € 51.064,04, a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em discussão nos autos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, a contar desde a citação da ré.

A ré, atualmente designada “Y Seguros, SA”, interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1. O primeiro motivo que nos força a subir até à Justiça de Vossas Excelências prende-se com a apreciação levada a cabo pela Meritíssima Juiz da primeira instância do conjunto da prova produzida nos autos, no que tange a factualidade vertida nos pontos 14º, 18º e 34º da Matéria de Facto Provada, visando a impugnação de parte da decisão proferida sobre essa matéria de facto.
2. No que se reporta ao ponto 14º dos Factos Provados, crê a apelante que o mesmo enferma de um manifesto lapso, no que tange a data de 02.01.2014, já que, como decorre dos autos – nomeadamente do ponto 1º dos Factos Provados e de toda a documentação existente no processo – o acidente protagonizado pela autora ocorreu no dia 02.11.2014 e não no dia 02.01.2014.
3. Assim e porque se trata de matéria consensual entre as partes, deverá ser rectificado o ponto 14º dos Factos Provados, substituindo-se a data de “02.01.2014” que ali vem indicada, pela data de “02.11.2014”.
4. Por outro lado, ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, afigura-se à aqui recorrente que a factualidade vertida no ponto 18º dos Factos Provados não tem qualquer suporte na prova produzida nos autos.
5. Na verdade, não decorre dos registos clínicos existentes nos autos, ou da prova testemunhal que, em consequência do presente sinistro, a autora tenha ficado a padecer de uma hérnia na cervical.
6. De resto, o relatório pericial médico colegial de fls. 236 a 240 – que constitui o principal elemento de prova no que tange o apuramento das lesões e sequelas sofridas pela autora na sequência do presente sinistro – não confirma a existência dessa lesão, na sequência do acidente sub judice.
7. A prova pericial foi, de facto, a única que verdadeiramente, com propriedade, foi produzida sobre estas matérias, até pela especificidade técnica que as mesmas encerram.
8. Em face do exposto, não poderá a matéria de facto vertida no ponto 18º dos Factos Provados manter-se no elenco dos Factos Provados – por falta de suporte na prova produzida – devendo antes ser dali eliminada e incluída no conjunto dos Factos Não Provados.
9. No que tange o ponto 34º dos Factos Provados, não pode a aqui recorrente conformar-se com a inclusão na sua redacção das seguintes expressões: “…e obrigam-na a sujeitar-se a várias consultas, exames médicos, tratamentos clínicos e medicamentosos.”.
10. Recorrendo, mais uma vez, ao meio de prova que, a nosso ver, oferece maior credibilidade no que a estas matérias de cariz técnico diz respeito, dele resulta que, como única sequela do presente sinistro, a autora ficou a padecer de cervicalgias que apenas implicam a toma de medicação analgésica ou infamatória ocasional, em períodos de agudização da dor.
11. Em parte alguma do mencionado relatório se prevê a necessidade de a autora se sujeitar, no futuro, a consultas, exames médicos, ou tratamentos clínicos, com vista a debelar a mencionada sequela, sendo certo que a restante prova produzida nos autos tão pouco aponta nesse sentido.
12. Em face do exposto, deverá a redacção do indicado ponto dos Factos Provados ser alterada nos seguintes termos: “34º As lesões físicas ao nível da cervical, que lhe causaram e ainda causam dor, obrigaram a autora a sujeitar-se a várias consultas, exames médicos, tratamentos clínicos e medicamentosos e obrigam-na à toma de medicação analgésica ou anti-inflamatória em períodos de agudização da dor.”
13. A aqui recorrente também não se conforma com a decisão da primeira instância na parte em que a condenou a pagar à recorrida a indemnização de 10.000,00€, pelo défice funcional permanente/dano biológico de que a mesma ficou a padecer em consequência do acidente dos autos.
14. A este propósito cumpre salientar que não se provou que as sequelas de que a autora ficou portadora a impeçam de exercer a sua actividade profissional habitual, sabendo-se apenas que as mesmas implicam esforços suplementares.
15. Do mesmo modo, face à factualidade que vem dada como provada, também não se provou que tais sequelas acarretem qualquer perda de rendimentos, nem foram dados como demonstrados quaisquer factos que tornem previsível essa perda no futuro.
16. Perante os factos provados, não há qualquer dano a indemnizar por perda futura de rendimentos decorrente da incapacidade permanente que afecta a autora, a qual somente acarreta danos de natureza não patrimonial.
17. Neste contexto, o dano biológico da autora deverá, apenas, corresponder a mais um elemento a ter em consideração na quantificação da compensação pelos danos morais, não se justificando a atribuição de uma compensação autónoma.
18. Ao analisar a douta sentença, verifica-se que na quantificação da compensação por danos não patrimoniais a Meritíssima Juiz teve em consideração não só o sofrimento físico da autora no período de cura (tratamentos, dores, etc..), como, também, as consequências definitivas do acidente no seu organismo.
19. Ou seja, o Tribunal a quo acabou por arbitrar à autora duas indemnizações pelo mesmo dano, o que não pode, em justiça, suceder.
20. Deste modo, entende a recorrente que se impõe a revogação da douta sentença, quer na parte em que atribuiu à autora a indemnização pelos seus danos não patrimoniais, quer na parte em que lhe fixou uma compensação pelo seu dano biológico, devendo antes ser-lhe atribuída uma compensação única pelos seus danos não patrimoniais, incluindo o seu dano biológico e bem assim, o sofrimento físico subsequente ao acidente.
21. Ou, pelo menos, impõe-se que ambas as compensações (por dano biológico e danos morais) sejam reduzidas, porque excessivas.
22. Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio, e salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida – e que é muito, crê a recorrente que o montante indemnizatório fixado à autora pelo dano biológico se mostra exagerado, atenta a realidade a indemnizar.
23. Não existindo uma efectiva perda de rendimentos, a quantificação da compensação do dano biológico da autora deve ser feita, essencialmente, com recurso à equidade.
24. Para o efeito, deverão ser utilizados elementos coadjuvantes, como os critérios da portaria n. 377/2008, de 26 de Maio, das tabelas financeiras e das decisões judiciais em casos análogos.
25. Recorrendo às regras da aludida portaria, a compensação devida à autora pelo dano biológico ascenderia a um valor compreendido entre os 2.544,18€ e os 3.158,94€ (cfr tabela IV da portaria 679/09).
26. Já fazendo apelo às tabelas financeiras – utilizadas quando ocorre uma efectiva perda de rendimentos em função da incapacidade – haveria que entrar em linha de conta com os seguintes factores que vêm dados como demonstrados:
- a idade da autora à data da alta: 35 anos;
- o valor do seu rendimento anual líquido: 6.592,74€ (conforme pontos 46 e 53 dos Factos Provados);
- o défice funcional permanente: 3 pontos.
27. Tendo em consideração, ainda, que o recebimento imediato da indemnização corresponde a uma vantagem que impõe a capitalização da verba arbitrada, que não seria de esperar que a autora, atenta a profissão que exerce, continuasse a exercer a sua actividade para além dos 70 anos e um rendimento líquido anual 6.592,74€, obtemos, com recurso às tabelas financeiras, uma indemnização na ordem dos 5.000,00€.
28. Já na nossa Jurisprudência recente encontramos decisões que fixaram indemnizações proporcionalmente muito inferiores em casos em que os lesados ficaram a padecer de sequelas muito mais gravosas do que a autora, sendo ainda mais novos do que este última, como são disso exemplo, entre outros citados no corpo destas alegações de recurso os seguintes Acórdãos: Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, no qual foi fixada na verba de 32.500,00€ a indemnização pelo dano biológico de um jovem de 27 anos (menos 8 do que a autora) que ficou portador de sequelas que lhe conferiram uma IPG de 16 pontos (mais do que 5x superior à incapacidade da autora), envolvendo claudicação da marcha e rigidez da anca direita, com limitações da marcha, corrida e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal; Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L- 71, que, numa situação com sequelas muito mais graves, atribuiu a um lesado com 19 anos, portador de uma incapacidade permanente de 25 pontos, a indemnização de 25.000,00€ por dano biológico.
29. As citadas decisões, traduzem de maneira bem clara o exagero em que incorreu a decisão ora posta em crise, ao arbitrar à recorrida a quantia de 10.000,00€ a título de dano patrimonial decorrente da incapacidade funcional de que aquela ficou a padecer.
30. Atentos os considerandos acima expendidos, entende a recorrente que o montante fixado na sentença recorrida não se apresenta conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade, justificando-se a sua redução para um valor não superior a 6.000,00€, o que se requer.
31. Assim, caso não se considere que o dano biológico da recorrida deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial – o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – deve a sentença ser, nesta parte, revogada e substituída por outra que fixe em 6.000,00€ a indemnização a arbitrar à recorrida pelo défice funcional permanente de 3 pontos de que a mesma ficou a padecer em consequência do acidente dos autos.
32. A ora recorrente não pode também conformar-se com a decisão da primeira instância na parte em que esta a condenou no pagamento à recorrida da quantia de 7.500,00€ a título de indemnização pelas despesas futuras com medicação analgésica.
33. Salvo melhor opinião, afigura-se à aqui recorrente que a verba de 7.500,00€ fixada pelo Tribunal a quo para indemnização deste dano carece de suporte tanto nos factos que vêm dados como provados, como na documentação existente nos autos.
34. A apontada indemnização foi encontrada, tendo por base o pressuposto – que não se mostra minimamente verificado – de que a recorrida irá despender com medicação analgésica uma verba anual de cerca de 200,00€.
35. Contudo, como decorre do relatório pericial médico de fls. 236 a 240, a necessidade de medicação futura – analgésica ou anti-inflamatória – está apenas prevista para os períodos de agudização da dor, nada fazendo supor que a autora careça de tomar esse tipo de medicação de forma permanente.
36. De resto, se compulsarmos o requerimento de ampliação do pedido apresentado pela autora a fls …, verificamos que, nos anos de 2018 e 2019, a autora suportou apenas a quantia total de 32,94€ com medicação analgésica, conforme vem por si alegado no item 4 desse requerimento e suportado pelos documentos números 14 e 15 (que contemplam também outras despesas sem nexo com o acidente), o que equivale a um gasto médio anual de 16,47€.
36. Em face destes elementos que os autos revelam – relativos aos anos de 2018 e 2019 – não é previsível, nem é possível concluir que a autora venha a suportar, no futuro, anualmente, a quantia de 200,00€ com medicação analgésica ou anti-inflamatória.
37. Quando muito, poderá admitir-se, com base naqueles elementos, que a autora possa despender a esse título, no futuro, a quantia anual de cerca de 16,50€, o que levaria a que a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a esse título devesse ser reduzida proporcionalmente para a quantia de 700,00€.
38. Como tal, deverá ser revogada esta parte da sentença que condenou a ora recorrente no pagamento à autora da quantia de 7.500,00€ e substituída por outra que fixe em quantia não superior a 700,00€ a indemnização a arbitrar à autora pelas despesas futuras com medicação analgésica e ou anti-inflamatória que a mesma poderá ter de suportar no futuro, nos períodos de agudização da dor.
39. Quando assim se não entenda – o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – deverá este dano ser relegado para liquidação em momento posterior, sempre com o limite máximo de 7.500,00€ estabelecido na sentença.
40. O Tribunal a quo condenou ainda a aqui apelante a pagar à autora a quantia de 30.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente dos autos.
41. Apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título peca por manifestamente excessivo.
42. Há que fazer notar que na indemnização arbitrada à autora pelos restantes danos não patrimoniais foram englobados alguns danos já considerados na indemnização pelo dano biológico, nomeadamente o seu reflexo nas actividades da vida diária.
43. À luz do entendimento que vem dominando a generalidade da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, importa salientar que em casos substancialmente mais graves do que o presente, vêm sendo atribuídos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que o Tribunal recorrido entendeu arbitrar no presente caso, como é disso exemplo, entre outros citados no corpo destas alegações, o seguinte Acórdão: o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03.03.2015, proferido no âmbito do processo n. 332/11.2TBMGL.C1, fixou uma indemnização de 9.000,00€ a título de danos morais a um sinistrado que sofreu escoriações da região frontal e traumatismo com fractura do tornozelo e pé esquerdos, que foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, que ficou padecer de queixas dolorosas no tornozelo, limitação na dorsi-flexão e na flexão plantar, dificuldade em correr, saltar, subir e descer escadas, que apresenta três cicatrizes operatórias e que ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 5 pontos, sendo de esperar, no futuro, uma agravação da mesma em medida não concretamente apurada.
44. Este recente Acórdão – de entre muitos outros acabados de citar – revela bem que na fixação do montante indemnizatório aqui em causa o Tribunal a quo se afastou dos parâmetros que vêm sendo estabelecidos pela Jurisprudência dos Tribunais superiores na atribuição de indemnizações a título de danos não patrimoniais.
45. Por conseguinte, a recorrente entende que a decisão aqui posta em crise ofende a equidade, devendo ser substituída por outra, que melhor se coadune com os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida.
46. Tal montante, de acordo com o conjunto da nossa Jurisprudência (a título de exemplo, vide Acórdãos supra citados) deve fixar-se sempre em valor próximo dos 8.000,00€, quantia que já traduz de forma muito expressiva a gravidade das lesões da recorrida e que não ofende os valores usualmente arbitrados em situações de gravidade substancialmente superior.
47. Assim sendo, a soma das duas compensações parcelares acima mencionadas (6.000,00€ a título de dano biológico, ou IPP e 8.000,00€ pelos demais danos não patrimoniais) ascende à quantia de 14.000,00€.
48. Por conseguinte, entende a ora recorrente que a douta sentença deverá ser revogada na parte em que atribuiu à autora as verbas de 10.000,00€ pelo seu dano biológico/IPP e 30.000,00€ pelos seus danos morais, devendo, em sua substituição, ser-lhe atribuída uma indemnização única de 14.000€ pelo dano biológico/IPP e danos morais sofridos.
49. Ou, se se entender ser de manter a atribuição de uma verba autónoma pelo dano biológico da autora, deve esta ser reduzida dos 10.000,00€ atribuídos para 6.000,00€ e a compensação pelos danos morais dos 30.000,00€ fixados, para 8.000,00€.
50. E mesmo que, porventura, se considerassem inadequadas as verbas sugeridas, o que não se concede, sempre se imporia a redução das quantias indemnizatórias atribuídas pelo dano biológico/IPP e pelos danos não patrimoniais, porque excessivas, para valores inferiores aos fixados, o que, subsidiariamente, se requer.
51. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342.º, 349.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso, Vossas Excelências farão um acto de boa JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e a quantificação das indemnizações a arbitrar.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

“Produzida a prova, considero provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1º No dia -/11/2014, pelas 17.00 horas, a Autora conduzia o seu veículo, de marca BMW, Série 1, com a matrícula MR, na autoestrada A 24, na sua faixa de rodagem, no sentido Régua - Viseu.
2º Ao ver um veículo que acabava de se despistar à sua frente, contra os “rails” de proteção lateral daquela via, ao km 91,300, no concelho de Peso da Régua e Comarca de Vila Real, parou atrás daquele, na berma da faixa de rodagem, para prestar assistência ou pedir socorro, ao aperceber-se que havia feridos no automóvel acidentado.
3º Após o que saiu, em direção ao veículo sinistrado que se encontrava na berma.
4º Quando assim procedia, o veículo sinistrado foi embatido pelo veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, com a matrícula VI, conduzido pelo segurado da Ré, R. A., que depois de colidir no carro despistado e noutro que estava parado na berma, foi colher a Autora que estava na dita berma.
5º O dono do veículo de matrícula VI, tinha transferido para a Ré, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, mediante válido contrato de seguro automóvel obrigatório, titulado pela apólice de seguro nº ……04.
6º A Autora, à data do acidente, tinha 34 anos de idade.
7º A companhia de seguros assumiu a responsabilidade pela indemnização dos danos decorrentes do sinistro, já que o condutor do veículo segurado foi, e a Ré assim o considerou, o responsável exclusivo e direto pela eclosão do sinistro e suas consequências danosas.
8º A Autora encontrava-se na berma da autoestrada, quando foi colhida pelo veículo conduzido pelo identificado R. A..
9º O veículo VI embateu nos veículos que se encontravam imobilizados na berma e veio a colher a Autora, que foi projetada para debaixo do primeiro veículo sinistrado, com perda total da consciência.
10º Ao local do acidente chegaram os meios de socorro, tendo a Autora sido transportada em ambulância para o Hospital de Vila Real, onde foi assistida e tratada a lesões, ferimentos e traumatismos diversos.
11º Em consequência do atropelamento, a Autora sofreu, além de fortes e prolongadas dores, várias lesões, a saber:
1. Traumatismo crânio-encefálico;
2. Traumatismo do punho esquerdo;
3. Traumatismo do cotovelo esquerdo;
4. Escoriações diversas, nomeadamente na anca esquerda;
5. Hematomas diversos em todo o corpo;
6. Lesões ao nível da cervical.
12º Estas lesões deixaram sequelas que interferem na vida pessoal, profissional e social da Autora e no seu quotidiano.
13º A Autora sofreu lesões físicas que lhe causaram dor e sofrimento, e que levaram à necessidade de tratamentos, como sejam sessões de fisioterapia e a toma de analgésicos.
14º A Autora esteve de baixa médica desde o dia do acidente, 02/01/2014, até 23/07/2015.
15º Em 21/11/2014, devido às dores na zona cervical, passou a usar colar cervical.
16º Foram-lhe receitadas várias sessões de fisioterapia.
17º Após oito meses de fisioterapia, a Autora continuou a padecer de dor cervical, acompanhada de espasmos musculares, tonturas e náuseas.
18º Resultou ainda do embate no corpo da Autora uma hérnia na cervical.
19º A 05/01/2015, foi reconhecida a incapacidade temporária absoluta da Autora, que se manteve até 23/06/2015.
20º A ortopedista que observou a autora encaminhou-a para consulta de neurologia, que foi agendada, mas que foi desmarcada.
21º A Autora, quando começou a ter mais mobilidade, sentiu perda de equilíbrio, tendo-lhe sido marcada uma consulta de otorrinolaringologia, tendo o especialista prescrito reabilitação vestibular durante 2 meses.
22º Em 23/01/2015, iniciou tratamento psicológico, pois vivenciava a experiência traumática do acidente com pensamentos e imagens intrusivas recorrentes, intensa hiperativação fisiológica com exposição a estímulos que simbolizem ou se assemelhem ao acidente, medo de conduzir, alterações na rotina que criam angústia e preocupação, geram taquicardia, hiperventilação, tensão muscular e acentuada preocupação.
23º A Autora era acompanhada quinzenalmente em consulta de psicologia.
24º A Autora fez tratamento osteopático, que se traduzia na diminuição das dores por dois ou três dias; passado este curto espaço de tempo o quadro doloroso instalava-se novamente.
25º Atenta a precariedade dos resultados foi aconselhada pelo osteopata a recorrer à medicina da dor; o que esta fez.
26º Após quatro ou cinco tratamentos no médico de dor foi constatada a ineficácia dos mesmos; foi-lhe diagnosticado dor crónica e reencaminhada para tratamento quiroprático, a que se tem submetido para alívio da dor.
27º A autora continua a sentir dores.
28º A Autora viu a sua vida profissional (delegada profissional de farmácias) afetada, não tem o mesmo ritmo de trabalho, sentindo dificuldades em percorrer muitos quilómetros seguidos.
29º A Autora, com anterioridade ao sinistro era uma jovem animada, alegre, saudável e comunicativa, que gostava de conviver com família e amigos, de frequentar o ginásio, de passear, viajar.
30º A autora na execução do seu trabalho tem de percorrer diariamente muitos quilómetros de carro, sentindo dores que pioram com a condução.
31º A 17/09/2016, o perito médico que acompanhou a autora, prestando serviços à Ré, determinou que a data da cura se deu em 11/08/2015, quantificando o quantum doloris em 4,7 pontos, sem dano estético e a incapacidade permanente geral de 2 pontos.
32º A 09/09/2016, na consulta de dor a que ia desde março desse ano, diagnosticaram-lhe dor na região cervical e dorsal, moderada e severa, desnível a nível das cinturas pélvica e escapular com crista iliácea e ombro esquerdo elevados; a nível cervical, apófise mastoide inferior esquerda com dor à palpação nos apoios transversais de C2 e C3 à esquerda; trapézio superior esquerdo e ombro direito contraturado.
33º A Autora esteve no hospital imobilizada em plano duro e colar cervical.
34º As lesões físicas ao nível da cervical, que lhe causaram e ainda causam dor, obrigaram e obrigam-na a sujeitar-se a várias consultas, exames médicos, tratamentos clínicos e medicamentosos.
35º Teve de usar colar cervical durante a noite e durante o dia, o que só por si lhe trazia desconforto, transtorno, incómodos e sofrimento físico e psicológico.
36º A Autora deixou de poder exercer a sua profissão, durante o tempo de incapacidade.
37º A Autora fez fisioterapia, deslocando-se 10 km em cada sessão, durante 36 sessões, …med, e 17 km, para 40 sessões de fisioterapia na clínica S., que foram pagas totalmente por si.
38º A Autora ficou a padecer de uma cervicalgia, o que lhe traz sofrimento e transtorno.
39º As sequelas de que a autora ficou a padecer, cervicalgias sem compromisso da mobilidade, implicam para a mesma um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 (três) pontos, sendo compatíveis com o exercício da atividade habitual, embora impliquem esforços suplementares.
40º A Autora em despesas médicas e medicamentosas despendeu a quantia de 2.453,47 € (dois mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta e sete cêntimos).
41º A Autora, para além da fisioterapia, fez reabilitação vestibular para tratar do desequilíbrio postural radicado em problemas do ouvido emergentes do trauma físico decorrente do impacto no solo e que se manifestou mais intensamente à medida em que melhorava na sua mobilidade e condição motora.
42º Produzindo alem do assinalado desequilíbrio, tonturas e náuseas.
43º As despesas, relativas a 15 sessões de reabilitação vestibular, foram pagas pela Ré.
44º O trabalho da autora consiste em contactar fornecedores de medicamentos e promover a venda de fármacos diversos de determinada marca junto de profissionais e entidades de saúde, como médicos, clínicas e hospitais privados, o que demanda viagens de automóvel quase diárias para contactos a hospitais, clínicas, centros de saúde, consultórios médicos.
45º O quantum doloris que resultou para a autora situa-se no grau 4 (quatro) numa escala crescente de sete graus.
46º A Autora, delegada profissional de farmácias, tinha um vencimento base de 607,70 € (seiscentos e sete euros e setenta cêntimos).
47º A autora, relativamente ao seu ordenado, entre 03-11-2014 e 30-06-2015, deveria receber 4.856,56 € e recebeu apenas 3.475,99 €.
48º Em deslocações para os tratamentos de fisioterapia, na Unidade Hospitalar de Coimbra, onde realizou 36 sessões e percorria, para o efeito, 10km, ida e volta, gastou, no mínimo (combustível e desgaste do veículo), a quantia de 10,00€, num total de 360,00€.
49º Em deslocações para os tratamentos de fisioterapia na Casa de Saúde S. (S.), em Coimbra, onde a Autora percorria 17km, ida e volta, em cada sessão das 40 que realizou, gastou o valor de 400,00€.
50º A autora foi seguida na S. – Casa de Saúde de S., S.A., entidade que, na sequência do acidente em discussão nos presentes autos, prestou assistência médica à autora e acompanhou a evolução das suas lesões, no período compreendido entre os dias 05.01.2015 e 11.08.2015, data em que aquela teve alta clínica.
51º No decurso dos tratamentos a que foi submetida, a autora foi apresentando melhorias do seu estado de saúde, tanto que, em 11.08.2015 – ou seja, cerca de 9 meses após o acidente – obteve a estabilização médico-legal das suas lesões, não sendo de esperar, a partir dessa data, melhorias no seu estado global de saúde.
52º Na data em que teve alta, a autora apresentava cervicalgias residuais, quando em esforço, não manifestando quaisquer outras queixas, nomeadamente queixas de equilíbrio.
53º À data dos factos, a Autora efetuava descontos mensais para a Segurança Social em montante não inferior a 78,00€, sendo-lhe igualmente retidos na fonte pela sua entidade patronal pelo menos 58,79€ relativos a IRS.
54º No período em que se encontrou totalmente incapacitada para o exercício da sua profissão, a autora recebeu da Segurança Social o correspondente subsídio de doença.
55º De acordo com informação do Instituto de Segurança Social, no período compreendido entre 03.11.2014 e 30.06.2015, terá sido liquidada à autora por esta entidade, a quantia global 3.475,99 €, a título de subsídio de doença.

Com interesse para a decisão, não se provou o seguinte:

a- O acidente ocorreu por força do condutor do veículo VI, conduzir o seu veículo desatento e distraído, tendo perdido o seu controle, saiu desgovernado da faixa de rodagem e invadiu a berma.
b- As lesões e sequelas sofridas pela autora, demandam sérias perturbações e handicaps no desempenho da sua atividade profissional.
c- A Autora sofreu lesões físicas muito graves ao nível do crânio e da cervical, que lhe causaram e causam muita dor e sofrimento, dores permanentes, apesar de contínuos tratamentos, como sejam sessões de fisioterapia diária e a toma de analgésicos.
d- A Autora continua a sofrer de desequilíbrios, náuseas e fortes dores de cabeça e tonturas, tendo dificuldades em dormir devido à dor.
e- Na ausência de melhoras, o médico da Ré (de avaliação do dano) disse-lhe que já não sabia que fazer e deu-lhe alta, aconselhando-a a experimentar as medicinas alternativas, designadamente osteopatia.
f- A Autora foi aconselhada a não conduzir após os tratamentos.
g- A Autora continua, devido às dores na cervical, a ter espasmos musculares (que enquanto não se suavizam impossibilitam que a Autora se mova), a padecer de dores de cabeça, pontadas fortes que lhe deixam o cérebro “dormente”, sem sensibilidade; as tonturas e náuseas constantes obrigam-na a permanecer praticamente imóvel, a não conduzir.
h- Continua à procura de tratamentos convencionais e alternativos com vista a tratar-se de modo adequado e eficaz, tendo-se endividado para os custear recorrendo a dinheiro emprestado, cerca de 3.000,00€ (três mil euros) de uma avó e ao dinheiro das poupanças dos pais.
i- A autora não consegue conduzir mais que meia hora por dia; tem extremas dificuldades em caminhar, cuja penosidade cresce rapidamente e à medida que aumenta a distância percorrida.
j- Por força das lesões sofridas e indicadas sequelas, perdeu parte da alegria de viver, tornou-se triste, deprimida, ansiosa e doente, impossibilitada de conviver socialmente, deixou de ir ao ginásio, tendo cancelado a sua inscrição; de sair à noite a um bar ou local de diversão análogo, com as pessoas do seu círculo de amizade, pois não consegue estar mais de meia hora de pé ou sentada sem ser acometida de dores, além de que lhe é difícil andar a pé na rua e muito menos num centro comercial porque além das dores padece de tonturas e náuseas.
l- A Autora executa o seu trabalho sob grande sacrifício, suportando dores, tonturas e náuseas que pioram com a condução, ficando muito cansada e prostrada.
m- Desde o acidente é acompanhada por psicólogo, devido ao medo, à dor e aos seus efeitos.
n- Muitas vezes tem de pedir à empresa para regressar a casa mais cedo pois não consegue trabalhar, incapacidade laboral essa que determina menor produtividade e impossibilidade de ascensão na carreira e de aproveitar eventuais ofertas e oportunidades profissionais.
o- À data do acidente, a autora tinha perspetivas na sua carreira que o sinistro comprometeu irremediavelmente.
p- A Autora necessitou de uma terceira pessoa nos dois primeiros meses após o acidente para a cuidar e ajudar na sua higiene corporal, a deslocar-se, a deitá-la e a levantá-la da cama, tendo ficado em consequência da incapacidade funcional e motora dependente da sua mãe, que deixou de trabalhar para lhe prestar assistência.
q- A Autora, para além das dores físicas e psíquicas, deixou de fruir de uma vida semelhante à da maioria das jovens da sua idade, deixando de conviver, de se divertir, de ir ao cinema, a uma discoteca, a um bar, a um “café”, às compras.
r- A Autora ficou privada de gozar férias devido às lesões e consequências do acidente, nomeadamente frequentar a praia, o que sempre gostou, não se sentido capaz nem com confiança para o fazer, mesmo depois de passado todo este tempo.
s- Só com extremado esforço é que a autora consegue fazer o seu trabalho.
t- A Autora é portadora de incapacidade permanente parcial que se cifra em 20 pontos.
u- O quantum doloris da autora guinda-se no nível 7, numa escala de 0 a 10.
v- Como sequela apresenta pobre controle motor cervical, fragilidade com perda funcional do ponto gatilho miofascial (músculo levantador) da escapula direita, o que implica (para toda a vida da Autora) intervenção e tratamentos fisiátricos, analgesia, adaptação ao posto de trabalho e exercícios posturais domiciliários, para atenuar e predita dor crónica e manter alguma funcionalidade escapular.
x- Atenta a natureza e localização da lesão e da mencionada sequela é altamente previsível, por provável, o seu agravamento, com ênfase na perda de funcionalidade e intensificação do quadro doloroso, com incremento da incapacidade pessoal e profissional.
z- Deixou de receber relativamente ao seu trabalho/ordenado, durante 8 meses, a quantia de 1.606,01€ (mil seiscentos e seis euros e um cêntimo), pois teria de receber 4.856,56 € (ilíquidos) e recebeu apenas 3.250,55 €.
aa- Deixou de receber comissões de venda, no valor mensal, em média, de 120,00 € (cento e vinte euros), desde o acidente até hoje, no valor de 1.320,00€ (mil trezentos e vinte euros).
bb- Deixou de receber 100 € de prémio por trimestre, num total, de 1.200,00€ (mil e duzentos euros).
cc- Em maio/junho de 2015, não teve aumento no seu ordenado por ter estado de baixa médica, ao contrário dos seus colegas que foram todos aumentados, no valor de 25,00€/mês, o que perfaz a quantia total, desde maio de 2015 até hoje, no valor de 875,00€ (oitocentos e setenta e cinco euros), e será sucessivamente prejudicada devido a não ter esse aumento.

A apelante impugna a decisão de facto relativamente aos pontos 14.º, 18.º e 34.º dos factos provados.
Quanto ao ponto 14.º, entende que o mesmo enferma de lapso manifesto no que se refere à data de 02.01.2014, que importa rectificar, uma vez que, conforme resulta do ponto n.º 1 dos mesmos factos provados, o acidente ocorreu no dia 02.11.2014 e não no dia 02.01.2014.

O ponto 14.º dos factos provados tem a seguinte redação:

14º - A Autora esteve de baixa médica desde o dia do acidente, 02/01/2014, até 23/07/2015.
Ora, como resulta do ponto n.º 1 dos factos provados (bem como de inúmera documentação junta aos autos), o acidente ocorreu no dia 02/11/2014.
A possibilidade de retificação da sentença está prevista no artigo 614.º do Código de Processo Civil.
É admissível a “correcção por mera retificação dos lapsos materiais consistentes em omissões e discrepâncias de escrita ou de cálculo que se revelam da mera leitura do texto da decisão, equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita revelados no contexto das declarações negociais, a que se refere o artigo 249º do Código Civil, como uniformemente tem sido recordado por este Supremo Tribunal – cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 23 de Setembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2469, de 18 de Dezembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2459, de 12 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08A2680, de 10 de Dezembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 52555/06.OYYLSB-E.L1.S1, ou de 23 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 4014/07.1TVLSB.L1.S1” – cfr. Acórdão do STJ de 26/11/2015, processo n.º 706/05.6TBOER.L1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza).
Ou seja, tal erro pode ser rectificado (ao abrigo do art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.
É o caso dos autos pois, não há dúvida, que o acidente ocorreu no dia 02/11/2014 e não no dia 02/01/2014.
Uma vez que não foi solicitada a retificação do lapso antes do recurso subir, não há, agora, lugar à retificação, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 614.º do CPC.

Contudo, é evidente que a apelante tem razão, pelo que, na procedência da sua impugnação, decide-se alterar o teor do ponto n.º 14 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:

“A autora esteve de baixa médica desde o dia do acidente, 02/11/2014, até 23/07/2015”

Quanto ao ponto n.º 18 dos factos provados, entende a apelante que o mesmo deve transitar para os factos não provados, por não se ter demonstrado que do acidente dos autos tenha resultado para a autora uma hérnia na cervical, designadamente, do relatório pericial, da documentação clínica existente nos autos e da prova testemunhal.
Quanto às lesões sofridas pela autora na sequência do acidente em causa nos autos, a Sra. Juíza considerou, e bem, de primacial importância, o relatório de perícia médico-legal de fls. 236 a 240, bem como todos os documentos clínicos constantes dos autos, sendo que, “os depoimentos das testemunhas ouvidas acabaram por acrescentar muito pouco ao que já resultava da prova documental, no que diz respeito às lesões e sequelas da autora”.
Ora, analisando os documentos clínicos e o relatório pericial, apenas damos conta da existência, em 13/01/2015, de uma ligeira discopatia desde C3-C4 a C6-C7, com ligeiro estreitamento dos espaços intercorporais e ligeira procidência discal posterior difusa em C6-C7, sendo que, no momento da alta clínica (11.08.2015), as cervicalgias eram já residuais e, em 14/05/2018 – data do exame médico-legal – não apresentava evidência de notória contractura da musculatura paravertebral (apesar de referir dor à palpação de processos espinhosos).
Assim, decorre destes documentos que terá existido uma ligeira hérnia na cervical – procidência discal posterior difusa em C6-C7 – pelo que não se vê motivo para alterar o ponto n.º 18 dos factos provados.

Finalmente, a apelante discorda da redação do ponto n.º 34 dos factos provados – “As lesões físicas ao nível da cervical, que lhe causaram e ainda causam dor, obrigaram e obrigam-na a sujeitar-se a várias consultas, exames médicos, tratamentos clínicos e medicamentosos” – entendendo que as lesões da autora ao nível da cervical obrigam-na, neste momento e para o futuro, apenas à toma de medicação analgésica ou anti-inflamatória em períodos de agudização, baseando-se, para tal, nas conclusões do relatório da perícia médico-legal.
Na verdade, a perícia médico-legal concluiu que a autora apenas precisará de medicação analgésica ou anti-inflamatória em períodos de agudização.
Da prova testemunhal, resultou que a autora continua a fazer fisioterapia e tratamentos para a dor – D. A. e L. A. (irmã e mãe da autora) – sendo que foi ouvido o fisioterapeuta que a acompanha, desde 2017 – O. C. – que disse que a autora continua a fazer fisioterapia, para alívio dos sintomas, quando sente mais dores, tendo esclarecido que entende que a autora sofre de dor crónica, resistente aos tratamentos. Por outro lado, o médico ortopedista J. O. afirmou que as cervicalgias não impedem a prática de exercício físico, nem de sair à noite e conviver, referindo que até ajuda, e esclareceu que a autora não tem uma lesão, apenas dor, e que a fisioterapia não lhe fará mal, mas não é necessária, resolvendo o problema com natação ou ginásio. Disse, ainda, que a autora andou a ser seguida em várias especialidades médicas e teve alta em todas.
Ora, da conjugação de todos estes meios de prova e dando especial prevalência à perícia médico-legal e à opinião do médico e do fisioterapeuta, entendemos que a autora apenas continuará a precisar do auxílio medicamentoso em períodos de agudização e que, quando muito, poderá fazer fisioterapia, não necessitando de se sujeitar a várias consultas, exames médicos e tratamentos clínicos.

Assim, a redação do ponto n.º 34 dos factos provados passará a ser a seguinte:
“As lesões físicas ao nível da cervical, que lhe causaram e ainda causam dor, obrigaram a autora a sujeitar-se a várias consultas, exames médicos, tratamentos clínicos e medicamentosos e obrigam-na à toma de medicação analgésica ou anti-inflamatória em períodos de agudização que, poderá ser complementada com fisioterapia”
Do que fica exposto resulta a parcial procedência da impugnação da decisão de facto aduzida pela apelante.

A apelante discorda, também, dos montantes das indemnizações arbitradas.
Entende que o dano patrimonial futuro, não tendo havido perda efetiva de rendimentos, deve ser compensado como dano biológico decorrente do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, integrado nos danos não patrimoniais, ocorrendo uma compensação única pelos danos não patrimoniais, que deverá ser fixada no montante total de € 14.000,00. Caso se entenda que deve haver divisão de indemnizações, então propõe os valores de € 6.000,00 para a IPP/dano biológico e € 8.000,00 quanto aos danos morais (em vez dos € 10.000,00 e € 30.000,00 arbitrados, respetivamente).
Discorda, também, da sua condenação no pagamento à autora da quantia de € 7.500,00 a título de despesas futuras com medicação, considerando que o valor justo é de € 700,00.

Vejamos.
Quanto ao valor devido para suportar despesas de medicação analgésica ou anti-inflamatória de que a autora necessitará no futuro, considerou-se na sentença que gastará cerca de € 200,00/ano.
Contudo, como bem refere a apelante, a própria autora juntou aos autos, para suportar a sua ampliação do pedido, documentos comprovativos dessas despesas efetuadas no ano de 2018, no valor de € 32,94 (verifica-se que todas as faturas se reportam ao ano de 2018 e não, também, conforme alegado pela apelante, ao ano de 2019), pelo que não deve considerar-se um valor superior ao efetivamente despendido.
Ora, considerando a idade da autora (40 anos) e o gasto anual, em medicação analgésica e/ou anti-inflamatória de cerca de € 35,00, julga-se adequado, a esse título, o montante de € 1.750,00.

Deve dizer-se, contudo, que se verifica um erro de cálculo na sentença quanto à soma dos danos patrimoniais emergentes do acidente, que aí foram calculados em € 3.564,04, quando a soma dos mesmos ascende a € 4.594,04, assim discriminados:
- consultas e medicamentos - € 2.453,47
- deslocações - € 760,00
- perdas salariais - € 1.380,57.

Esta diferença de € 1.030,00 pode e deve ser aqui considerada no valor a arbitrar a título de despesas de medicamentos, uma vez que se contém, ainda, dentro do valor total que foi fixado na sentença a esse título (quantias já gastas e a gastar no futuro em medicamentos), considerando que, perante pedidos parcelares de indemnização, se considera que o limite de cada parcela se reporta ao valor global peticionado (cfr. Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, vol. I, pág. 729), pelo que, em substituição do valor de € 7.500,00 arbitrado a título de gastos futuros com medicamentos, fixa-se, agora, o montante de € 2.780,00, nele se incluindo a quantia entretanto já gasta mas que, por lapso, não foi considerada na sentença.

A outra questão suscitada pela apelante prende-se com a avaliação do dano biológico sofrido pela autora, quer na sua vertente de dano não patrimonial que englobe o défice funcional permanente de 3 pontos de que ficou a padecer, ou de dano patrimonial, a que acrescerá o dano não patrimonial, sempre em valor que não ultrapassará os € 14.000,00, em contraponto com o valor total de € 40.000,00 (€ 10.000,00 + € 30.000,00) fixado na sentença.
Na sentença recorrida considerou-se justo, a título de danos patrimoniais futuros, em equidade, o valor de € 10.000,00, entendendo que se verifica uma perda da capacidade de ganho face ao maior esforço que a autora terá que despender para a realização das suas funções.
Quanto a danos não patrimoniais, foi fixado o valor de € 30.000,00.
O que se provou foi que a autora, que tinha 34 anos de idade à data do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos e que trabalhava como delegada profissional de farmácias, ramo em que continua a trabalhar (tendo, até, tido um incremento de vencimento, na mudança de entidade patronal), tendo agora que despender maior esforço para exercer essas funções, devido ao défice funcional de que ficou a padecer. Provou-se, ainda, que a autora, na sequência do atropelamento, sofreu várias lesões, foi assistida no Hospital, mas saiu no mesmo dia. Fez vários exames, fisioterapia, tratamento osteopático, reabilitação vestibular e tratamento psicológico. Sentiu e continua a sentir dor, tendo-lhe sido diagnosticada dor crónica e fixado o quantum doloris no grau 4, numa escala crescente de 7 graus. Usou colar cervical e teve uma hérnia, entretanto já desaparecida. Teve a estabilização médico-legal das suas lesões cerca de 9 meses após o acidente, com alta, apresentando cervicalgias residuais e necessitando de medicação analgésica ou anti-inflamatória em SOS.

Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, também do CC).
Ficando provado – como é o caso - que a lesada ficou afetada com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.
Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, quer porque o lesado está desempregado ou já é reformado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.
Em todos estes casos, pode-se discutir se a IPP constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
No caso dos autos, a autora manteve a sua atividade profissional sem qualquer perda de rendimento, tendo até arranjado outro emprego na mesma área, onde aufere um vencimento superior. Contudo, as sequelas de que ficou a padecer – cervicalgias sem compromisso da mobilidade – implicam para a mesma um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, sendo compatíveis com o exercício da atividade habitual, embora impliquem esforços suplementares.
Nestas situações, a uma perda de ganho efetiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cfr. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considerar-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida ativa e com o período posterior à normal cessação da atividade laboral.
No caso dos autos, a autora, com 34 anos de idade, à data do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 3 pontos, mas sem que as sequelas apuradas impeçam o desenvolvimento da sua actividade profissional. A repercussão negativa daqueles pontos centra-se na diminuição da sua condição física, numa “penosidade, dispêndio e desgaste físico acrescidos na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia”, designadamente tendo em vista as cervicalgias de que ficou a padecer.
Esta incapacidade funcional constitui, assim, uma desvalorização efetiva, com expressão patrimonial, tornando-se necessário o recurso à equidade (face à falta de valores de perda patrimonial), dentro da factualidade que resultou provada, para fixar a correspondente indemnização.
Nestes casos de incapacidade sem rebate nos rendimentos provenientes do trabalho, o rendimento anual do lesado não tem a mesma relevância que nos casos em que tem repercussão no nível dos rendimentos auferidos. O dano biológico traduzido numa determinada incapacidade sem perda de rendimento de trabalho, é sensivelmente o mesmo, quer o sinistrado aufira € 900,00, quer aufira € 2000,00.

A apelante defende que deverão ser adoptados os critérios orientadores da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, atualizada pela Portaria 679/2009, de 25/06, como forma de uniformização da jurisprudência.
Tais critérios fazem parte de um procedimento destinado a agilizar propostas «razoáveis» a apresentar pelas seguradoras aos lesados por dano corporal, no âmbito do DL n.º 291/2007 de 21/08 (nomeadamente dos seus artigos 37.º, 38.º e 39.º) mas não afastam a fixação de valores superiores aos propostos, como resulta do n.º 2 do seu artigo 1.º e do seu preâmbulo, não sendo vinculativos para os tribunais. Daí que, não sendo extrajudicialmente aceites os valores resultantes da aplicação desses critérios, são aplicáveis as regras gerais que decorrem dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, bem como, no caso dos danos não patrimoniais, as que decorrem do artigo 496.º, n.º 3 do CC – cfr, neste sentido, Acórdãos do STJ de 01/07/2010 e de 28/11/2013, bem como, desta Relação de Guimarães, de 09/06/2011 e de 11/09/2014, todos em www.dgsi.pt.

Assentes os pressupostos acima definidos, deve ainda dizer-se que a fixação da indemnização deve pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos: ora, podemos ver nos Acórdãos da Relação do Porto de 11/05/2011 e do STJ de 13/01/2009 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), que foi fixada em € 15.000,00 a indemnização pelo esforço equivalente à perda de capacidade de ganho de 5%, num menor de 13 anos, num caso e, no outro caso, com 8 anos e tendo-se ponderado um salário médio de € 800,00 ou de € 650/700,00. Também no Acórdão do STJ de 07/01/2010, já supra referido, entendeu-se que: “Provado que o autor tinha à data do acidente 26 anos, auferia o salário mensal de € 657,01 (14 vezes por ano) e que, em virtude do sinistro, ficou a padecer de uma IPP de 8% que não o impede do seu exercício profissional, mas exige esforços físicos suplementares, reputa-se de justa e equitativa a quantia de € 20 000 destinada à reparação dos danos patrimoniais sofridos pelo autor”
Em face de tudo o que fica dito, entendemos correto o valor fixado em 1.ª instância de € 10.000,00 a título de indemnização relativa aos danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho.

No caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso. Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, de há anos a esta parte, que, para responder de modo atualizado ao comando do art.º 496º, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa - Cf., entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 11.10.94, BMJ 440/449, de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso – neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, in www.dgsi.pt.

São de ponderar, ao nível não patrimonial, circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras.
No caso dos autos, a autora, com 34 anos de idade, teve um período de défice funcional, que se prolongou por cerca de 9 meses, mas não teve necessidade de se sujeitar a internamentos hospitalares ou cirurgias. Fez fisioterapia e tratamentos osteopáticos e vestibulares, tendo ficado a padecer de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 3 pontos, não impeditivos do exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares, com um quantum doloris de grau 4, tendo-lhe sido diagnosticada dor crónica, que interfere com a sua vida profissional e social.

Atendendo a que devemos pautar-nos por critérios de igualdade e razoabilidade na atribuição da indemnização (art.º 8º do Código Civil) - o que não obsta à realização do princípio da equidade -, vejamos algumas decisões dos Tribunais Superiores relativas aos danos não patrimoniais:
- No acórdão do STJ de 29/06/2011, decidiu-se: “VIII - Em matéria de lesões físicas do demandante sobressai a fractura do cotovelo, que o obrigou a uma intervenção cirúrgica e a um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial; as dores sofridas, tendo sido fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7. IX -Tendo em conta esta factualidade, com destaque para o período de tempo de doença e o quantum doloris, que são significativos, entende-se que o montante de indemnização fixado (€ 25 000) é justo e adequado à reparação dos danos não patrimoniais”
- No Acórdão do STJ de 19/02/2015 decidiu-se: “É adequada a quantia de € 20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7”
- No Acórdão do STJ de 20/11/2014 decidiu-se: “Resultando dos autos que a autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, julga-se adequado e equitativo o montante indemnizatório de € 10 000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais”
- Acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo 2272/15.7T8CHV.G1, em 01/18/2018: “A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua.”
- Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no processo 3181/14.2TBVFX-2, em 09/13/2018: “É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.”, em situação em que o lesado nasceu a 14/04/1954 e o acidente ocorreu em 30/03/2013 (tinha praticamente 79 anos).
- Acórdão da Relação do Porto, proferido no processo 595/14.1TBAMT.P1, em 09/26/2016: “fixa-se o montante da indemnização em € 15.000,00, sendo € 5.000,00 a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial e € 10.000,00 a título de danos morais. As sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (o Autor tinha à data do acidente 35 anos).

Neste quadro factual, legal e jurisprudencial comparativo, em que sobrelevam as especificidades do caso submetido à nossa apreciação, temos como justo e equilibrado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora, na quantia de € 20.000,00.

Do que fica exposto resulta que a apelação procede parcialmente, mantendo-se o valor de € 10.000,00, a título de danos patrimoniais futuros, mas reduzindo-se o valor de danos patrimoniais relativos a despesas futuras com medicação, para € 2.780,00 e reduzindo-se, igualmente, o valor de danos não patrimoniais para a quantia de € 20.000,00. Mantém-se, claro, por não impugnado, o valor devido a título de danos patrimoniais emergentes, no valor de € 3.564,04.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a pagar à autora a quantia total de € 36.344,04, a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em discussão nos autos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.
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Guimarães, 13 de julho de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho