Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3335/17.0T8VCT.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Para um lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas, com perfuração dos pulmões, e traumatismo dos ombros e braços, que esteve internado e em coma durante oito dias, que sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a atividade profissional, mas implicam esforços suplementares, exerce a profissão de canalizador e auferia, à data do sinistro, a retribuição anual de € 8.997,30, consideram-se equitativos os valores de € 120.000,00 a título de danos patrimoniais futuros e de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Para um lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, em consequência do acidente sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços; esteve internado e em coma durante oito dias; sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares; exerce a profissão de canalizador, e auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30: consideram-se equitativos os valores de € 120.000,00 a título de danos patrimoniais futuros, e de € 50.000,00 quanto aos danos não patrimoniais.

I- Relatório

A. M., residente em ..., concelho de Monção intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra X, Companhia de Seguros, SA, (anteriormente designada Y), com sede Rua …, da cidade do Porto.
Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia líquida de € 150.000,00, acrescida de juros de mora.
Alegou, em síntese, os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro que descreve, do qual resultaram lesões corporais e prejuízos materiais para o autor e cuja ocorrência imputa à conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré.
A ré seguradora apresentou-se a contestar, impugnando a versão do acidente e ainda os danos e os montantes alegados, tendo alegado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor.
Terminou pedindo a improcedência da presente acção.

Dispensada a realização da audiência prévia e elaborado o Despacho Saneador, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no art. 596º CPC.

Após, realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e em consequência condenou a ré a pagar-lhe:

-a quantia de € 30.000,00, à qual deverão ser eventualmente deduzidos os valores já pagos ao autor por força do acidente de trabalho e no âmbito do processo identificado no ponto 42 do elenco dos factos provados, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e
-a quantia de € 12.500,00, acrescida de juros de mora a contar da data citação e até integral pagamento;
- absolvendo-a do restante pedido;

Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação (art. 644º CPC), a subir imediatamente nos próprios autos (art. 645º, a CPC), com efeito devolutivo (art. 647º,1 CPC).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. O A. exercia e continua a exercer a profissão de canalizador;
2. Auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30;
3. Após o acidente não se verificou qualquer diminuição de rendimentos;
4. O A. nasceu no dia -.-.1993;
5. Correu termos no Juízo de Trabalho do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, o processo nº 2501/15.7T8VCT, no âmbito do qual e em virtude do sinistro dos autos e da IPP que lhe foi atribuída, foi proferida decisão em 29.09.2011, transitada em julgado, a fixar ao A. uma pensão anual e vitalícia no valor de € 1.927,22 a cargo da Companhia de Seguros W, SA e outra no valor de € 51,44 a cargo da entidade patronal;
6. Tendo em conta estes factos e as fórmulas matemáticas / financeiras utilizadas para o cálculo da indemnização, a indemnização pela incapacidade parcial permanente a atribuir ao A. nunca deveria exceder os € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo apenas 25% (€12.500,00) da responsabilidade da R., devendo considerar-se exagerado o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal “a quo” a tal título e revogada a sentença;
7. Os danos morais sofridos pelo A. são de média gravidade;
8. Razão por que deve considerar-se exagerado o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) arbitrado pelo Tribunal de 1ª Instância a título de indemnização por danos não patrimoniais
9. Devendo ser revogada a sentença proferida, substituindo-se, nos termos do art. 496º, nº 3 do Código Civil, por um montante equitativo e, como tal, consideravelmente inferior, nunca superior a € 20.000,00 (vinte mil euros), sendo apenas 25% (€ 5.000,00) da responsabilidade da R.;
10. Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1ª Instância violou o disposto nos arts. 496º, nº 3 e os arts. 562º e seguintes do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se os valores arbitrados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são os correctos.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 16.10.2014, pelas 8h18, na EN 202, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula VL, conduzido pelo autor e o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula DS, pertencente a ... – Transportes e Serviços, Lda e conduzido por M. G..
2. O condutor do veículo de matrícula DS conduzia-o ao serviço e às ordens da aludida sociedade comercial ... – Transportes e Serviços, Lda.
3. A referida via, no local da intersecção entre a EN 202 e o CM nº 1099, desenhava-se em recta, sendo precedida de uma curva no sentido de marcha do veículo de matrícula DS.
4. Na referida confluência do CM nº 1099-2 com a EN 202, existe um sinal de STOP para os veículos provenientes do aludido caminho.
5. O local do embate é uma via com muito trânsito, sendo o limite de velocidade limitado a 70 Km/hora.
6. Na altura do embate, o piso da via encontrava-se molhado.
7. O veículo de matrícula DS circulava na EN 202 a uma velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a cerca de 70 kms/hora.
8. Quando o veículo de matrícula DS se encontrava a cerca de 20 metros da intersecção com o CM nº 1099-2, situada à direita, e que dá acesso à localidade de Longos Vales, surgiu proveniente deste caminho o veículo de matrícula VL, o qual não se imobilizou à entrada na EN 202.
9. Perante a presença do veículo conduzido pelo autor, o condutor do veículo de matrícula DS não travou, nem reduziu a velocidade de que vinha animado.
10. Indo embater com a parte da frente da viatura DS na parte lateral esquerda frente da viatura de matrícula VL.
11. O embate ocorreu na EN 202, na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo de matrícula DS.
12. Por força do embate, a viatura conduzida pelo autor foi projectada, a cerca de 22 metros do local do embate, ficando imobilizada na berma direita da EN 202, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula DS.
13. Por sua vez, a viatura de matrícula DS, por força do embate, ficou imobilizada na estrada berma da EN 202 a, pelo menos, 70 metros do local do embate.
14. O veículo de matrícula DS, na altura do embate, encontrava-se carregado.
15. Em consequência do embate, o autor sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços.
16. O autor foi conduzido ao Hospital de Viana do Castelo, tendo, dada a gravidade das lesões sofridas sido transferido para o Hospital de Braga, onde permaneceu em coma durante oito dias.
17. Foram-lhe realizados vários exames TC do crânio, TC maxilofacial e TC do tórax.
18. Do relatório do TC do crânio e TC maxilo-facial foram detectados os seguintes problemas:
I. Contusões hemorrágicas frontais com maior expressão à esquerda, sobretudo na região fronto-orbitária, onde se rodeiam de edema vasogénico, apagando os sulcos regionais, mas sem significativa deformação ventricular;
II. Hematoma extradural temporo-polar esquerdo, com cerca de 9 mm de espessura de sangue máxima, moldando regionalmente o parênquima;
III. Fímbria hemática subdural fronto-temporal esquerda. Pequena quantidade de sangue subaracnoideu em sulcos da convexidade e nas cisterna interduncular;
IV. Pequena quantidade de sangue decantado no corno occipital do ventrículo lateral direito;
V. Apagamento difuso dos sulcos da convexidade e diminuição da amplitude do sistema ventricular, reflectindo edema cerebral difuso, em grau moderado. Há incipiente desvio das estruturas medianas para a direita, de cerca de 3 mm.
VI. As amígdalas cerebelosas afloram o plano do buraco magno;
VII. Fractura cominutiva da base do andar anterior;
VIII. Fractura dos ossos próprios do nariz e septo nasal. Fractura da parede lateral da órbita esquerda, bem como da grande asa esfenoidal e parede póstero-externa do seio maxilar do mesmo lado. Existe hematoma intra-órbitário extracónico de predomínio súperoexterno, condicionando deformação do cone músculo-aponevrótico e proptose ocular;
IX. Fractura da apófises pterigóides bilateralmente;
X. Hemossinus de predomínio etmoidal e maxilar e esfenoidal;
XI. Fractura longitudinal do rochedo temporal esquerdo, com hemotímpano;
XII. Extenso enfisema pós-traumático no tecido celular subcutâneo e planos intermusculares cervico-faciais, e
XIII. Volumosa hematoma epicraniano frontotemporo-orbitário e parietal esquerdo.
19. Do relatório do TC do tórax foram detectados os seguintes problemas:
“I. Observa-se exuberante enfisema nos diferentes planos da parede torácica prolongando-se à parede abdominal;
II. Volumoso pneumotórax à direita. Ar no mediastino e um pequeno pneumotórax à esquerda;
III. Dreno na cavidade pleural direita insinuado posteriormente na região do fundo de saco costofrénico posterior. Pequeno derrame pleural à esquerda, e
IV. Condensação dos segmentos basais dos lados inferiores e diminuição de volume”.
20. Posteriormente, no dia 27.10.2014, o autor sujeitou-se novamente a exames no Hospital de Braga, nomeadamente realizou o TC do crânio, do qual resultou que: “comparativamente ao anterior exame de 20/10/2014 observa-se reabsorção parcial de focos hemorrágicos subcorticais, da convexidade frontal. Existe também foco de contusão hemorrágico fronto-orbitário e opercular esquerdo, parcialmente reabsorvido. Evolução subaguda de pequeno hematoma epidural temporal anterior esquerdo, com as mesmas dimensões do exame anterior. As vias de circulação do liquor estão actualmente mais descolpasadas, não se registando outras alterações densitométricas encefálicas suspeitas de lesões traumáticas. Presentemente sem cateter de pressão intracraniana. Necessidade de medidas de contenção física”.
21. No dia 30.10.2014, o autor foi transferido para o Hospital de Viana do Castelo.
22. E no dia 13.11.2014, o autor foi internado no Centro de Reabilitação do Norte – Misericórdia do Porto – para a reabilitação das sequelas de traumatismo cranioencefálico, onde permaneceu um mês.
23. Do relatório da alta resulta que à data o autor apresentava os seguintes problemas: impulsividade; ferida orelha direita e TGP e FA elevadas.
24. No dia 18.02.2015, o autor repetiu o TC do crânio.
25. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor perdeu completamente a visão do olho esquerdo, tendo sido acompanhado na Clínica Oftalmológica ....
26. E no dia 3.06.2015, o autor fez tratamento de estomatologia ao dente molar superior direito que fracturou em consequência do embate.
27. No dia 04.08.2015, o autor deu entrada no Hospital de Viana do Castelo, devido a um episódio de síncope/crise convulsiva, tendo-lhe sido realizada uma Tomografia Computorizada Cranioencefálica, uma vez que o Autor tem antecedentes de TCE (2014) do qual resultaram focos hemorrágicos no lado frontal esquerdo que foram reabsorvidos.
28. No dia 04.08.2015, o autor teve de novo TCE pós síncope/crise convulsiva.
29. Actualmente, em consequência do embate, o autor apresenta perda da visão do olho esquerdo, perda da noção de profundidade, esquecimentos frequentes e irritabilidade ligeira.
30. E ainda uma cicatriz com área de halopécia medindo 5x2 cm na região occipital; amaurose total esquerda; cicatriz nacarada no tórax com 2x1 cm na região anterior do hemitórax direito ao nível do 3.º espaço intercostal linha médio clavicular e outra cicatriz com as mesmas dimensões e características no 7.º espaço intercostal linha médio axilar.
31. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor é fixável em 12.06.2015.
32. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor sofreu um período de défice temporário total de 131 dias e um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 239 dias.
33. E sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3.
34. Bem como padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
35. À data do embate, o autor era uma pessoa robusta, saudável e praticava artes marciais.
36. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor necessita do auxílio de medicamentos para conseguir dormir e para recuperação da memória.
37. E tornou-se uma pessoa mais reservada e menos activa.
38. O autor exerce a profissão de canalizador.
39. Auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30.
40. O autor nasceu no dia -.-.1993.
41. À data do embate, a proprietária do veículo de matrícula DS havia transferido para a ré a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com aquele seu veículo, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice nº ….10.822629.
42. Correu termos no Juízo de Trabalho do Tribunal da Comarca de Viana do castelo, o processo nº 2501/15.7T8VCT, no âmbito do qual e em virtude do sinistro dos autos e da IPP que lhe foi atribuída, foi proferida decisão em 29.09.2011, transitada em julgado, a fixar ao autor uma pensão anual e vitalícia no valor de € 1.927,22 a cargo da Companhia de Seguros W, SA e outra no valor de € 51,44 a cargo da entidade patronal, conforme documento de fls. 99 a 100v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.

IV
Conhecendo do recurso.

É pacífico e incontroverso nos autos que a repartição de culpas neste acidente deve ser feita na proporção de 25% para o condutor do veículo seguro e 75% para o autor, e que estão preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da recorrente Seguradora, com base na responsabilidade civil extracontratual (art. 483º,1 CC), relativamente ao condutor do veículo seguro, na referida proporção de 25%.
O que está em discussão neste recurso é tão só a quantificação dos montantes indemnizatórios devidos.
Como vimos, a sentença recorrida julgou a acção parcialmente procedente e fixou o montante dos danos patrimoniais futuros em € 120.000,00, o que, atenta a proporção da culpa do condutor do veículo seguro na ré, correspondente a € 30.000,00 - e ao qual deverão ser deduzidos os montantes eventualmente já pagos ao autor a este título no âmbito do processo laboral.
E quanto aos danos não patrimoniais, a sentença fixou o montante em € 50.000,00, cuja proporção devida de 25% correspondente a € 12.500,00.
A recorrente pretende que esses valores sejam reduzidos, quanto aos danos patrimoniais, para € 50.000,00 (€12.500,00), e quanto não patrimoniais, para € 20.000,00 (€ 5.000,00).

Quid iuris ?

Vamos começar por dar aqui por reproduzida a listagem dos factos provados.

Importa porém recordar detalhadamente os mais importantes para a decisão:

a) o autor nasceu no dia -.-.1993, pelo que à data do acidente tinha 21 anos de idade;
b) Em consequência do acidente o autor sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços. Esteve internado e em coma durante oito dias.
c) Sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
d) O autor exerce a profissão de canalizador, e auferia à data do sinistro a retribuição anual de € 8.997,30.

A lei refere-se ao conceito de dano futuro no art. 564º CC, nos seguintes termos:

1) O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão;
2) Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º,1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º,2 do mesmo diploma, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.

Assim, a chave, em matéria de ressarcibilidade dos danos futuros, como bem se compreende, é a sua previsibilidade.

E não estamos a falar de um conceito de danos futuros em geral: interessam-nos apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. O conceito de dano biológico surgiu na Portaria nº 377/2008 de 26/05 em cujo preâmbulo se pode ler “(…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o art. 3º b) do diploma considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho.

A Jurisprudência tem aceite maioritariamente este dano. “A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária” (Acórdão do STJ de 19/4/2018 – Relator: António Piçarra).

Pode ler-se também no Acórdão do STJ de 11/11/2010, relatado por Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt: “(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”.

E “tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades do exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis diminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringido seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.

A jurisprudência começou por referir que a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida. E para calcular esse valor surgiram vários critérios: utilização das regras previstas nas leis do trabalho para o cálculo das pensões devidas por incapacidade permanente ou morte e sua remição; utilização da taxa de juro máxima para as operações bancárias passivas de modo a alcançar um capital que, àquela taxa, proporcione rendimento igual ao perdido; utilização da taxa de juro máxima para as operações bancárias passivas de modo a alcançar um capital que, àquela taxa, proporcione rendimento igual ao perdido, mas deduzido (o capital assim calculado) de 1/3 ou ¼ para compensar, segundo as circunstâncias, a manutenção do capital após o desaparecimento do lesado; utilização de tabelas financeiras de determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no fim da vida do lesado, aquele capital igualmente se esgote; um capital, pois, que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes ao capital perdido.

A Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não vincula os tribunais: o que se tem entendido é que tais tabelas se destinam a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade a adoptar pelo Julgador.

A jurisprudência tem-se, antes, orientado para considerar que a referida indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º,3 CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, tempo provável de vida activa (nos últimos tempos a jurisprudência do Supremo, face às recentes alterações legislativas, tem-se afastado dos 65 anos e aproximado dos 70 anos), esperança média de vida (segundo os últimos dados do INE 77 anos para os homens e 83 para as mulheres), grau de incapacidade geral permanente e salário auferido.

Com efeito, pode ler-se no Acórdão do STJ de 24/5/2018 (Relator: Olindo Geraldes) que “o cálculo da indemnização do dano futuro, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil. Não se justifica a autonomização do dano biológico, quando, verificando-se a impossibilidade do exercício da actividade profissional habitual ou o exercício de outra actividade profissional, com um esforço suplementar, a indemnização está abrangida no dano patrimonial futuro”.

Por outro lado, “a afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente; e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado” (Acórdão do STJ de 1/3/2018 – Relatora: Maria da Graça Trigo).

E como se pode ler noutro Acórdão do STJ: “como é sabido, a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado (Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017: Relator- Manuel Tomé Soares Gomes).

Vamos naturalmente seguir aqui esta interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, com total concordância.

Assim, o raciocínio seguido pela sentença recorrida assenta no seguinte: “deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a dos homens cerca de 75 anos (pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida). Funcionando sempre, como já dito, a equidade como elemento de correcção do resultado que se venha a atingir. Ora, como vimos, à data do acidente, o autor tinha 21 anos de idade e exercia a profissão de canalizador, auferindo um rendimento anual de cerca de € 9.000,00. E em virtude das sequelas sofridas por força do acidente, o autor ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, e não sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, implicam esforços acrescidos. Assim, tudo isto ponderado, designadamente a esperança de vida do lesado, o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório, que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, devendo o mesmo, repete-se, ficar esgotado no termo do período para que foi estimado, entende-se como ajustado a fixação do montante indemnizatório a este título em € 120.000,00, o qual será devido na proporção da culpa do condutor do veículo seguro na ré - correspondente a € 30.000,00 - e ao qual deverão ser deduzidos os montantes eventualmente já pagos ao autor a este título no âmbito do processo laboral.

As únicas operações aritméticas que se vislumbram aqui são as de multiplicar os 54 anos de vida activa pelo valor de € 3.000,00 (correspondente à perda de 1/3 da capacidade laboral), o que nos dá o valor de € 162.000,00. Como esse valor deveria ser recebido ao longo dos 54 anos de vida activa, e vai ser recebido de uma só vez, o mesmo sofre uma correcção de 25%, e assim chegamos ao valor arredondado de € 120.000,00, que emerge essencialmente de juízos de equidade.

A recorrente não aceita este valor, com o argumento que após o acidente não se verificou qualquer diminuição de rendimentos.

Ora, como bem se refere no último Acórdão do STJ citado, “a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido”. E, acrescentamos nós, é previsível que com o passar do tempo, e com a inevitável erosão do vigor físico e intelectual que decorre inexoravelmente do avanço da idade, esse esforço suplementar comece a tornar-se cada vez mais difícil para o lesado, até se tornar mesmo insustentável, ponto em que se traduzirá necessariamente em diminuição de rendimentos.

A questão seguinte é como quantificar esse dano patrimonial.

A resposta irá emergir da comparação com outros casos já tratados pela jurisprudência, menos graves, mais graves e semelhantes.

I- “Mostram-se conformes a tais critérios ou padrões, os valores, de 10.000 e de 8.000 euros, atribuídos a título de indemnização dos danos patrimoniais futuros e dos danos não patrimoniais com fundamento no seguinte quadro provado: (i) à data do acidente, o autor tinha 10 anos de idade e era (e é) estudante; (ii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que demanda maiores esforços no exercício da actividade habitual e demandará perda de capacidade de ganho quando ingressar no mercado de trabalho (iii) sofreu dores aquando do acidente e da convalescença, sendo o quantum doloris de grau 4 (numa escala progressiva de 7); (iv) a repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer corresponde ao grau 3 (numa escala progressiva de 7); (v) padeceu de incómodos e de tristeza por força do acidente, das lesões e das sequelas dele decorrentes; (vi) antes do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e confiante” (Acórdão do STJ de 27/2/2018- Relatora: Fátima Gomes).
II- Decidiu-se no Acórdão do STJ de 9/1/2018 (Relator- José Raínho) que “é adequada a indemnização de €250.000,00 por danos patrimoniais futuros (supressão da capacidade de ganho) ao sinistrado, pessoa de 41 anos de idade e com um rendimento mensal de €750,00, que, em decorrência de acidente de viação, e entre outros danos:- sofreu amputação de parte de uma perna;- ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 30 pontos em 100;- as sequelas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual. Tendo o lesado sofrido, e para além da amputação do membro e da respectiva intervenção cirúrgica, uma outra intervenção cirúrgica, internamento hospitalar, dano estético permanente de grau 6 (numa escala de 7), quantum doloris de grau 6 (numa escala de 7), e vários outros graves danos somáticos e psíquicos (nomeadamente stress pós-traumático crónico e quadro depressivo, inclusivamente com ideação suicida), justifica-se o arbitramento de uma indemnização de €125.000,00 a título de dano não patrimonial”.
III- Ou então: “Daqui se colhe, em síntese, que o A., à data do acidente, contava com pouco mais de 59 anos de idade (…); em consequência das lesões sofridas pelo acidente em causa, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6 pontos percentuais, a partir da alta médica em 14-03-2012, défice esse que o obriga a um relevante acréscimo de esforço na sua actividade profissional. O A. sofre de lombalgias e dores ocasionais na anca direita com irradiação ao joelho, com limitação na flexão do corpo, em todos os movimentos, e falta de firmeza na perna direita, o que lhe provoca dificuldade em dobrar-se e em dobrar aquele membro inferior, nomeadamente para apertar os sapatos ou apanhar objectos do chão, bem como dificuldades na marcha, após prolongados períodos de tempo, dificuldades em subir e descer as escadas, não conseguindo correr ou acelerar o passo e tem, por vezes, dificuldade em conciliar o sono. E para maior segurança no ato de caminhar, quando efectua percursos maiores a pé, recorre ao auxílio de uma bengala. Em virtude disso, no âmbito da sua actividade profissional, nas viagens aéreas que efectua, entre Portugal e o Brasil e neste país entre as cidades de S. Paulo e Rio de Janeiro, o A. tem dificuldade em transportar a bagagem de mão, em se deslocar entre terminais aeroportuários e descer escadas de acesso ao avião. E, quando permanece em posição de sentado, durante as viagens de avião, durante viagens de automóvel em percursos de longa distância ou quando tem de assistir a reuniões profissionais mais demoradas, sente dores na anca lesada. O referido défice funcional de 25,6 pontos, apesar de não representar incapacidade para o exercício da actividade profissional habitual do A., não pode deixar de traduzir redução na sua capacidade económica geral, na medida em que representa, para além das dificuldades acrescidas no exercício dessa actividade específica, limitações para o desempenho de outras actividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, bem como na realização de tarefas pessoais quotidianas. Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, com vem sendo seguido pela jurisprudência. (…) Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza. Nesta linha de entendimento, temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra tarefa fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de factores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é susceptível de provocar no contexto da actividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho. Posto isto, tendo em conta todo o circunstancialismo acima retratado, em especial a situação em que ficou o A. em consequência da sequelas sofridas com o acidente, quando dantes gozava de boa saúde, importa considerar que as limitações de mobilidade de que ficou afectado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6 pontos percentuais, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento do tipo de actividade que vinha então exercendo com deslocações ao estrangeiro e permanência demorada em reuniões profissionais, implicam inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de actividades económicas concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expectativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma. Nessas circunstâncias, tudo ponderado, sem esquecer o tempo decorrido entre a data da alta médica (14-03-2012) e a data da sentença da 1.ª instância (09/06/2016), no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, na quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), tida por actualizada à data da sentença, a que acrescem os juros legais nos termos fixados em 1.ª instância” (Supra citado Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017).
IV-No que toca à indemnização por perda de capacidade de ganho, o Tribunal recorrido ponderou, para efeito da determinação da referida indemnização, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 24 pontos de que o Autor ficou a padecer, bem como as circunstâncias de o mesmo ter à data do acidente a idade de 36 anos, trabalhar como motorista de pesados e auferir o salário mensal de € 857,90, bem como o facto de, apesar das sequelas e do défice funcional de que ficou a sofrer, poder continuar a exercer a sua profissão, ainda que com um esforço acrescido, o que, aliás, vem fazendo, agora trabalhando por conta própria. Em causa está a fixação de uma indemnização por danos futuros com recurso à equidade, desde já se antecipando que pelo tribunal a quo foram ponderados os factos decisivos para a determinação do valor adequado ao ressarcimento de tais danos. Senão vejamos. O prejuízo funcional que implique uma perda de capacidade de ganho – ainda que meramente previsível – corresponde a um dano patrimonial, avaliável em função da remuneração auferida pelo lesado, sendo, portanto, necessário que se autonomize, em termos médico-legais, esse prejuízo. A aludida autonomização é, agora, feita, em termos médico-legais, através do denominado “Rebate Profissional”, que, como se sublinha no aludido estudo de “Avaliação do Dano Pessoal”, corresponde ao rebate do défice funcional no exercício da actividade profissional da vítima à data do evento e (ou) à data da perícia, podendo verificar-se as seguintes situações relativamente ao estado sequelar: a) compatibilidade com o exercício da actividade profissional; b) compatibilidade com o exercício da actividade profissional mas implicando esforços suplementares no exercício da actividade profissional; c) incompatibilidade com o exercício da actividade profissional, sendo no entanto compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico-profissional; d) incompatibilidade com o exercício da actividade profissional, bem assim com qualquer outro dentro da área da sua preparação técnico-profissional. Não sendo imprescindível que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, nem sequer que o lesado se encontre a trabalhar à data da verificação do acidente, bastando apenas que o mesmo tenha potencialidades para o fazer e não se encontre já reformado, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial é necessário (e suficiente) que tal incapacidade “constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes”, como se escreveu no Ac. da Relação do Porto de 27.02.2012. A indemnização ora em causa tem de ser fixada com recurso à equidade, o que não afasta, porém, como se enfatiza no Acórdão do STJ de 11.12.2012, em que é relatora a Ex.ma Sr.ª Juíza Conselheira Isabel Pais Martins: “a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios”, sendo, por essa via e na falta de uma referência médico-legal que, nomeadamente, mediante a atribuição de pontos ao “rebate profissional”, permita uma mais adequada quantificação dos possíveis lucros cessantes, de acatar a jurisprudência do STJ, que tem afirmado que, “no respectivo cálculo, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta, nomeadamente, o salário auferido, a idade ao tempo do acidente, o tempo provável de vida activa, o tempo provável de vida posterior, a depreciação da moeda, o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez e, naturalmente, o grau de incapacidade” (não podendo, no entanto, deixar de se sublinhar, que este último factor, ou melhor o actualmente denominado Défice Funcional Permanente se destina a medir algo bem mais lato e, por isso, necessariamente, diverso do rebate profissional, pelo que o esforço da jurisprudência e da medicina legal para encontrar critérios mais rigorosos continua a ser uma obrigação). Aplicando estes considerandos aos factos apurados nos autos e tendo presentes os aludidos critérios habituais da jurisprudência, aquilo que se nos apraz dizer é que se de defeito padece a decisão a este respeito tomada na decisão recorrida é o de ser exígua a indemnização fixada (€ 60.000,00), nenhuma razão havendo para a reduzir ainda mais” (Acórdão desta Relação de 07.12.2017).
V- Ainda: Insurge-se também a Ré relativamente ao montante da indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro, que entende excessivo e desproporcionado para o caso concreto, invocando que deve atender-se ao montante da retribuição mensal mínima garantida, não se deve considerar o número de anos para além da idade da reforma pois a capacidade de ganho cessa com a reforma e deve considerar-se a redução resultante da aplicação da taxa de juro face ao recebimento imediato da indemnização, redução que entende não ter sido ponderada na decisão recorrida. Analisando os factos concretos temos que a Autora tinha à data do atropelamento 38 anos de idade e ficou afectada por Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 23 pontos e viu limitadas as hipóteses de ascensão na carreira profissional; a incapacidade não a impede do exercício da actividade profissional habitual, mas implica esforços suplementares. À data do acidente estava matriculada e frequentava o quarto e último ano do curso de Licenciatura em Comunicação Social. No caso concreto não se mostra assim apurado o valor exacto da diminuição de rendimento económico da Autora pelo que não se mostra adequado, como se referiu na sentença da 1.ª Instância, recorrer a um cálculo puramente aritmético, mas antes se impondo o recurso à equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, tendo por base a gravidade das sequelas existentes e dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos; assim, e ainda que para o cálculo da indemnização possa ter-se por base a aplicação de fórmulas matemáticas, o mesmo será sempre determinado pelo critério último da equidade (v. a este propósito, entre outros, o recente acórdão do STJ de 30/03/2017, in www.dgsi.pt). Para este efeito a sentença proferida em 1ª Instância analisa a tendência da jurisprudência nestes casos para a consideração do “salário médio previsível ou acessível” consignando que “sabendo-se que a Autora frequentava o último ano de um curso superior - o que, de acordo com o que acima se foi dizendo, com toda a probabilidade, lhe permitiria, no futuro, usufruir de um rendimento, senão equivalente ao médio do sector privado, pelo menos superior ao mínimo -, que, à data da consolidação das sequelas (abril de 2009), tinha 39 anos de idade, e, por último, que a mesma viu limitadas as hipóteses de ascensão na carreira profissional, como revisora de braille, de obras didácticas, literárias e outras, para cegos e amblíopes, na medida em que as sequelas de que ficou a padecer -correspondentes, recorde-se, a um Défice Funcional fixável em 23 pontos - embora não sejam incompatíveis com a sua actividade profissional habitual implicam esforços suplementares, tendo presente tudo o que já se deixou dito, e, ainda, que actualmente dificilmente se obtém juros superiores a 2% e que a esperança média de vida das mulheres se situa nos 80 anos de idade (certo que não há que atender apenas à duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos), mas tendo também presente o facto de se ter por certo que, no futuro, independentemente da ocorrência ou não de um acidente, o rendimento auferido no período correspondente à reforma será sempre substancialmente inferior ao rendimento auferido no período de vida activa e, por último, procedendo à necessária actualização da indemnização a fixar - como já se frisou o acidente ocorreu há quase 9 anos (em 10.10.2008) -, cremos justo e adequado fixar a indemnização a este título devida nos peticionados 50.000 €”. Da mesma forma, e ao contrário do entendimento da Recorrente, não se deverá também atender apenas à duração da vida profissional do lesado até atingir a idade da reforma; não nos parece razoável ficcionar que ao final da vida activa profissional do lesado corresponde o desaparecimento da vida física e com ela todas as suas necessidades, pelo que deverá considerar-se a idade que corresponde à esperança de média de vida das mulheres e que se situa hoje nos 80 anos de idade, ainda que se tenha em atenção que independentemente da ocorrência ou não de um acidente, o rendimento auferido no período correspondente à reforma será sempre inferior ao rendimento auferido no período de vida activa, o que foi também considerado na decisão recorrida. No caso dos autos, atenta a ponderação efectuada e o juízo de equidade, e mostrando-se a mesma enquadrada nos valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, afigura-se-nos adequada a indemnização arbitrada, devendo a mesma ser mantida” (Acórdão desta Relação de 8 de Fevereiro de 2018 (Relatora: Raquel Baptista Tavares).
VI- A autora tinha à data da acidente quase 78 anos, encontrava-se reformada, a esperança média de vida para as mulheres é de 83 anos, em consequência do acidente ficou com um défice funcional permanente de 18 pontos. A decisão jurisprudencial mais próxima que encontramos corresponde a uma senhora de 78 anos, com um défice funcional permanente de 4 pontos, reformada, a quem foi arbitrado um valor de € 8.000,00 para compensação do dano biológico (Ac.da R.P. de 07/04/2016, in www.dgsi.pt). No Ac. da R.L. de 13/12/2016, in www.dgsi.pt, fixou-se uma indemnização de € 3.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico sofrido por sinistrada em acidente de viação, reformada, de 66 anos, que ficou afectada de IPP de 2%. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, afigura-se-nos equitativa a indemnização fixada de € 20.000,00” (Acórdão desta Relação de 20/03/2018 (Relatora- Margarida Almeida Fernandes).

VII- “Tendo em atenção que o autor tinha à data da alta quase 54 anos, teria mais 13, 14 anos de vida activa, uma esperança de vida de 77 anos, que em consequência do acidente ficou com um défice funcional permanente de 1 ponto, que algumas tarefas profissionais podem causar-lhe dor e auferia um rendimento anual de cerca de € 12.670,00 afigura-se-nos equitativa a indemnização fixada de € 3.000,00. A título de exemplo da prática dos nossos tribunais superiores no Ac. da R.G. de 23/03/17, in www.dgsi.pt, foi fixada uma indemnização de € 2.000,00 numa situação de um lesado de 43 anos com uma incapacidade funcional permanente de 1 ponto sem rebate profissional” (Acórdão desta Relação de 12/04/2018).

VIII- “Insurge-se o apelante contra o valor de € 20.000,00 arbitrado à autora a título de dano biológico contrapondo o valor de € 10.000,00. A autora tinha à data da acidente quase 78 anos, encontrava-se reformada, a esperança média de vida para as mulheres é de 83 anos, em consequência do acidente ficou com um défice funcional permanente de 18 pontos. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, afigura-se-nos equitativa a indemnização fixada de € 20.000,00” (Acórdão desta Relação de 20/03/2018).

IX- Também: “aplicando estes considerandos ao caso em apreço, cabe concluir que o dano biológico sofrido pelo Autor não só deve ser indemnizado autonomamente, como o deve ser a título de dano patrimonial, certo que as sequelas decorrentes do acidente são compatíveis com o exercício da profissão do A., mas implicam esforços suplementares da sua parte, o que, sem dúvida, traduz uma afectação da capacidade de ganho. Assim sendo, tendo presente tudo o que se deixou exposto e considerando, nomeadamente, que, no caso sub judice, o lesado exercia e exerce a profissão de Agente da Guarda Nacional Republicana, ficou a sofrer de cervicalgias residuais com agravamento na mudança de tempo e com irradiação para as omoplatas, sequelas que correspondem a um défice funcional de 3 pontos e que, embora compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, implicam esforços suplementares no exercício dessa mesma actividade, que o Autor tinha 43 anos de idade à data da consolidação das lesões, com o inerente período de vida activa que, nessa data, ainda lhe restava, bem como considerando o quantum salarial que nos dá a valorização pecuniária do trabalho pelo mesmo realizado, cremos não ser desadequado, sendo ao invés equitativo e consentâneo com os padrões habituais da jurisprudência nesta matéria, o valor indemnizatório de 6.500 € fixado a este título pela 1ª instância” (Acórdão desta Relação de 24.05.2018; Relatora- Margarida Sousa).

X-Considera a apelante que a quantia fixada pelo tribunal a quo a título de perda de capacidade de ganho e dano biológico de € 45.000,00 é exagerada. Vejamos. Tendo em atenção que a autora tinha à data do acidente 52 anos, teria, pelo menos, mais 13, 15 anos de vida activa, uma esperança de vida de 83 anos, que em consequência do acidente ficou com um défice funcional permanente de 17 pontos, que as sequelas sofridas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e auferia um rendimento anual líquido de cerca de € 9.400,00 como assistente técnica numa unidade de saúde familiar (vide declarações de IRS dos anos 2011 e 2012 juntas a fls. 34 a 42) afigura-se-nos equitativa a indemnização fixada pelo tribunal a quo” (Acórdão desta Relação de 7/06/2018).

Assim, e partindo destes casos decididos pela jurisprudência, é possível obter uma concretização dos conceitos abstractos usados na lei e supra identificados, de forma a conseguir uma uniformização de julgados, mas sem esquecer nunca que o que se busca aqui é a decisão que faça a Justiça do caso concreto, e que cada caso tem particularidades singulares que o tornam diferente de todos os outros, e merecedor de tratamento individualizado.

Aqui chegados, podemos afirmar que não encontramos qualquer erro de subsunção jurídica, ou outro, na decisão da primeira instância.

Importa frisar que, como está subentendido em tudo o que já dissemos supra, o cálculo dos danos futuros não é um verdadeiro cálculo, porque, apesar de envolver alguns elementos concretos e determinados, envolve acima de tudo realidades futuras não conhecidas e não cognoscíveis. É um adquirido que o direito positivo não contém regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, em casos como o que agora nos ocupa, de incapacidade permanente de vítimas de acidentes de viação. Os traços distintivos desta situação são, por um lado, a previsibilidade da existência de danos patrimoniais futuros, mas por outro a impossibilidade de quantificação dos mesmos no presente.

A determinação do valor desse dano é sempre uma operação delicada, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão pouco segura, sobre danos verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal, e se mesmo assim não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no art. 566º,3 do CC (neste sentido, cfr. Vaz Serra, RLJ,112º, 339 e 114º, 287 e seguintes; Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114 e Acórdão do STJ de 10.2.1998, CJSTJ, Tomo I, pág. 67) (1).

Dizendo de outra forma, a fixação destes danos envolve sempre um elemento inevitável de arbítrio. O arbítrio está em que não é possível no dia de hoje prever qual o montante monetário que certa pessoa vai deixar de receber nos próximos 2, 3, 5, 10, 30 ou 40 ou mais anos (!) em consequência de determinado evento lesivo. Desde logo por não sabermos se a pessoa em causa estará viva daqui a 1, 5 ou 15 anos. É evidente que se o autor falecer daqui a 1 ano por causas que nada tenham a ver com o acidente destes autos, verificar-se-á um enriquecimento do seu património à custa da entidade obrigada à indemnização. E mesmo que ele sobreviva até ao final do período de vida útil previsível, ainda assim os imponderáveis a que a situação está sujeita são esmagadores: não é possível adivinhar qual seria a evolução da situação laboral do falecido, não é possível prever se ele não seria despedido ao fim de 5 anos, não é possível saber se a empresa não iria à falência ao fim de 2 anos, não é possível calcular o seu percurso profissional dentro daquela empresa em termos de saber se ele seria promovido ou despromovido, quando, em que termos, com que ganho patrimonial, não é possível antever se ele continuaria a exercer aquelas funções, ou seria reconvertido para outras totalmente diferentes, etc; e ainda por cima há situações como a presente, em que as lesões decorrentes do acidente geram uma indiscutível perda de capacidade de ganho, mas não o impedem de continuar a exercer a profissão actual, embora com esforços suplementares. E não podemos adivinhar quanto tempo o autor conseguirá continuar a exercer estas funções, com a penosidade acrescida decorrente do acidente: 1 ano ? 5 anos ? 10 anos ? Nem as consequências dessa realidade: despedimento ? Mudança de funções ? Reconversão profissional dentro da mesma empresa ? Mudança de empregador ?

Em resumo, estamos a lidar com uma ficção. O montante que importa encontrar é uma pura ficção, uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente. Mas é a essa ficção que o sistema jurídico impõe que se recorra, a fim de determinar o quantum indemnizatório devido ao lesado pelos danos futuros.

Assim, e tendo presente que não se trata de fazer complexos cálculos matemáticos, mas apenas de encontrar um valor que seja equitativo, tendo presente os exemplos jurisprudenciais acima citados, adiantamos já que o valor encontrado se nos afigura correcto.

Parece-nos razoável e legítimo prever que os referidos esforços suplementares irão, mais tarde ou mais cedo, interferir com a produtividade do autor, e, logo, colocar em causa a manutenção das próprias funções, num mundo cada vez mais obcecado não só com o conceito de produtividade, como com a introdução de sistemas para a medir com cada vez maior detalhe e rigor, a que nem os Tribunais e os Magistrados escapam (2).

Donde, o défice funcional referido, apesar de não representar incapacidade para o exercício da actividade profissional habitual do autor, não pode deixar de traduzir redução na sua capacidade económica geral, na medida em que representa, para além das dificuldades acrescidas no exercício dessa actividade específica, limitações para o desempenho de outras actividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, bem como na realização de tarefas pessoais quotidianas. Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, como vem sendo seguido pela jurisprudência (citado Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017). Daí que não mereça discussão, quanto a nós, a previsibilidade deste dano futuro.

E sobre a quantificação do mesmo, já considerámos, por contraponto com outras decisões jurisprudenciais, que o valor que a primeira instância encontrou não merece censura.

Quanto aos danos não patrimoniais (por vezes incorrectamente designados de “morais”): insiste a recorrente que os mesmos são de média gravidade, pelo que se deve considerar exagerado o montante de € 50.000,00 arbitrado pelo Tribunal de 1ª Instância.

Vejamos se assim é: a sentença recorrida ponderou: “com relevância para a determinação e quantificação dos danos de natureza não patrimonial, provou-se o seguinte: O autor tinha, à data do acidente, 21 anos de idade. Em resultado do embate, o autor sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas com perfuração dos pulmões e traumatismo dos ombros e braços. (…). Do relatório da alta resulta que à data o autor apresentava os seguintes problemas: impulsividade; ferida orelha direita e TGP e FA elevadas.
Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor perdeu completamente a visão do olho esquerdo, tendo sido acompanhado na Clínica Oftalmológica ....
E no dia 3.06.2015, o autor fez tratamento de estomatologia ao dente molar superior direito que fracturou em consequência do embate.
No dia 04.08.2015, o autor deu entrada no Hospital de Viana do Castelo, devido a um episódio de síncope/crise convulsiva, tendo-lhe sido realizada uma Tomografia Computorizada Cranioencefálica, uma vez que o Autor tem antecedentes de TCE (2014) do qual resultaram focos hemorrágicos no lado frontal esquerdo que foram reabsorvidos.
No dia 04.08.2015, o autor teve de novo TCE pós síncope/crise convulsiva.
Actualmente, em consequência do embate, o autor apresenta perda da visão do olho esquerdo, perda da noção de profundidade, esquecimentos frequentes e irritabilidade ligeira.
E ainda uma cicatriz com área de halopécia medindo 5x2 cm na região occipital; amaurose total esquerda; cicatriz nacarada no tórax com 2x1 cm na região anterior do hemitórax direito ao nível do 3.º espaço intercostal linha médio clavicular e outra cicatriz com as mesmas dimensões e características no 7.º espaço intercostal linha médio axilar.
Sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3.
À data do embate, o autor era uma pessoa robusta, saudável e praticava artes marciais.
Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor necessita ao auxílio de medicamentos para conseguir dormir e para recuperação da memória.
E tornou-se uma pessoa mais reservada e menos activa. (…)
Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art.º 496°, do CC, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo (Neste mesmo sentido, ac. do STJ de 25.06.2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134).
Posto isto, haverá ainda que salientar que as tabelas constantes da Portaria de actualização nº 679/09, de 25.06, não são vinculativos para os tribunais, constituem referenciais que, ao menos, impedem que os tribunais fiquem aquém dos valores aí previstos (ac. RL 2.03.2010, relator Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt), sendo que nestas tabelas se autonomiza um dano moral complementar quer para o dano biológico, quer para o esforço acrescido para a actividade habitual (não meramente profissional) do lesado.
A situação espelhada na matéria de facto provada demonstra que as aludidas componentes do dano não patrimonial acima mencionadas alcançam níveis muito relevantes.
Não pode também descurar-se o grau do “quantum doloris” e do dano estético fixado ao autor em consequência do embate, das lesões e sequelas decorrentes do embate.
Do mesmo modo que não se pode olvidar o prejuízo da saúde geral e da longevidade, considerando as consequências das lesões. No geral, importa atender ao facto de ao autor ter sido imposta, para toda a sua vida, uma importante diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).

Não vemos qualquer erro na aplicação do Direito aos factos provados feita na sentença, no que a este tipo de danos diz respeito.

É sabido que a nossa lei consagra a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos e com as condições resultantes do art. 496º,1,4 CC. A indemnização por danos morais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro (Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. RL de 5.05.95 in CJ Ano XX, tomo 3, pg. 95; Ac. STJ de 11.10.94 in CJ Ano II, tomo 3, pg. 89; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 15.12.98 in CJ Ano VI, tomo 3, pg. 155; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 25.11.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico; por outro lado, a sua valoração é actual, motivo pelo qual não há lugar à sua actualização nem deverão ser estipulados juros a partir da citação.

E, logo a seguir, refere-se que as circunstâncias a ponderar prendem-se com o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver, idade, esperança de vida, perspectivas para o futuro, etc.
Os factos provados traduzem um óbvio sofrimento, angústia e preocupação, por parte do autor, que justifica a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais.

Importa ponderar as circunstâncias do caso, tendo sempre presente que nesta matéria não há qualquer rigor científico ou matemático na escolha de um valor, nem há qualquer hipótese de demonstrar cientificamente que o valor fixado pela primeira instância está objectivamente certo ou errado; estamos mais uma vez perante um juízo de equidade, ancorado às várias circunstâncias concretas acabadas de referir.

Assim, importa ponderar todas as circunstâncias do caso, já referidas.

Ora, como ensina Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva. Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente.
Todavia, no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o nº 3 do artigo 8º do CC.

E temos de ter presente o que atrás foi dito sobre o abandono do alcance meramente simbólico ou miserabilista das indemnizações.

Assim, fazendo a comparação da situação destes autos com outras julgadas pelos Tribunais e supra referidas, ficamos convencidos que a decisão recorrida não merece censura.

Veja-se por exemplo, em situações julgadas por esta Relação de Guimarães, um caso em que a vítima sofreu ferimentos graves no membro inferior esquerdo; esteve internada (22 dias no Hospital de Vila Real e 30 dias no H. Santa Maria, no Porto); foi sujeita a várias cirurgias; a consolidação médico-legal das lesões ocorreu mais de três anos após o acidente; sofreu um quantum doloris de 6/7; um dano estético de 4/7; uma repercussão em actividades desportivas e de lazer de 2/7; ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 23 pontos, com possível dano futuro do foro psiquiátrico; ficou com uma incapacidade para o seu trabalho habitual; necessita da ajuda de terceira pessoa nas actividades domésticas e necessita de ajuda medicamentosa, técnica e tratamentos médicos regulares. Este caso mereceu uma compensação de € 50.000,00.

Outra situação, em que a autora sofreu traumatismo torácico, contusão pulmonar, factura do 4º arco costal esquerdo e da cabeça do úmero esquerdo e tromboflebite da perna direita, esteve internada (15 dias no H. de Vila Real e 14 dias num H. do Porto, inclusive nos cuidados intensivos devido a insuficiência respiratória aguda); a consolidação médico-legal das lesões ocorreu cerca de um ano após o acidente; sofreu um quantum doloris de 5/7; um dano estético de 3/7; ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 12 pontos, com possível dano futuro de 3 pontos do foro ortopédico e necessita de ajuda medicamentosa. E foi considerada justa uma indemnização de € 35.000,00.

Ou ainda: a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou, esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; passou a ter incontinência urinária; as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50.000,00.

Revelando esta mesma tendência, em acórdão do STJ de 07.05.2014 (Relator João Bernardo), fixou-se em € 60.000 (a reduzir em 1/3 em virtude da culpa do lesado) a compensação por danos não patrimoniais de lesado com 58 anos de idade, que sofreu lesões graves no crânio, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime de acamamento e tendo ficado com perdas de memória, necessidade da orientação fora do seu trajecto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epilépticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo (correspondendo as sequelas a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares).

Parece-nos especialmente adequado realçar a jovem idade do autor (21 anos), pelo que ela representa em termos de um futuro que poderia ser bem diferente do que agora lhe ficou reservado, isto atentas as severas limitações com que ficou, e o que com base nelas podemos prever ou extrapolar para o futuro.

Tudo sopesado, tendo presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima da ora em apreço nas decisões mais recentes e paradigmáticas - de forma a harmonizar os valores a arbitrar “com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis” (acórdão do STJ de 22.02.2017 - Relator Lopes do Rego), entendemos confirmar os valores arbitrados pela primeira instância.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 10/7/2019

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1 - Amélia Ameixoeira, revista do CEJ, 1º semestre de 2007, nº 6, pág. 37 e seguintes.
2 - Esquecendo por vezes os ensinamentos do Princípio da incerteza de Heisenberg, aplicável à Física mas sugestivo ao ponto de o citar aqui, com alguma liberdade gramatical, segundo o qual a observação minuciosa de uma realidade altera a realidade que se observa.