Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
798/18.0T8BRG.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não é admissível, a coberto de um convite ao aperfeiçoamento, vir alegar factos novos, que se inserem no núcleo duro da causa de pedir da ação, que não constavam da petição inicial (arts. 5º,1 e 265º,1 CPC), não havendo acordo do réu.

2. A norma do artigo 1817º,1 do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação da paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, padece de inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º,1, 36º,1, e 18º,2 da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Não é admissível, a coberto de um convite ao aperfeiçoamento, vir alegar factos novos, que se inserem no núcleo duro da causa de pedir da acção, que não constavam da petição inicial (arts. 5º,1 e 265º,1 CPC), não havendo acordo do réu. 2. A norma do artigo 1817º,1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação da paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, padece de inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º,1, 36º,1, e 18º,2 da Constituição da República Portuguesa.

I- Relatório

M. G. intentou esta acção constitutiva, sob a forma de processo comum, contra C. F., ambos com os sinais dos autos, pedindo que o Tribunal declare que ela é filha do réu, com as legais consequências.

Alega em síntese que nasceu em 20/2/1953, tendo sido registada como filha de M. A., mas ficando omissa no registo a menção da paternidade. Sucede que a mãe da autora e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa durante os meses da gestação, e com total exclusividade, e foi na sequência de uma delas que a mãe da autora engravidou e esta veio a nascer.

Citado, o réu contestou, começando por arguir a caducidade do direito de acção, impugnou os factos alegados pela autora, e pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor do réu.

Em sede de audiência prévia o Tribunal, considerando estar em condições de proferir decisão sobre a arguida caducidade, ditou para a acta sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito da autora M. G. de intentar a presente acção para investigação da sua paternidade e, em conformidade, absolveu o réu C. F. do pedido.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. A recorrente não pode ver-lhe negada a filiação com base numa norma que, pese embora gere a controvérsia existente, viola claramente os princípios constitucionais;
2. Os prazos especiais descritos no artigo 1817º do C.C não podem de forma alguma prejudicar o que porventura resulte do prazo geral, sob pena de grave atropelo de lógica;
3. A lei ordinária terá de respeitar sempre o princípio constitucional da igualdade, para não discriminar os filhos nascidos fora do casamento;
4. As normas previstas nos nº 1 e 3 do artigo 1817º do C.C violam grosseiramente o artigo 26º da CRP que consagra o direito à identidade pessoal, conjugado com o artigo 25º, nº 1 da CRP referente à garantia da integridade moral;
5. O direito da recorrente (filha) ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do direito fundamental à identidade pessoal;
6. As acções de investigação da paternidade instauradas pelos filhos, não estão, nem podem estar, sujeitas a prazos de caducidade;
7. O que revela para o caso é que a filha não tem um pai juridicamente reconhecido;
8. A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela do direito;
9. A identidade genética é oferecida pela ascendência biológica;
10. Os direitos fundamentais da pessoa ligados à verdade biológica têm de prevalecer sobre o estabelecimento de prazos de caducidade para as acções de filiação sob pena de atropelo e desconsideração total pela nossa CRP;
11. O estabelecimento de filiação é um direito Constitucional – artigo 26º da CRP;
12. O Tribunal Constitucional já declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do artigo 1817º nº 1 do C.C para a propositura da acção de investigação da paternidade com base na investigação biológica pura, referindo que a acção pode ser proposta a qualquer momento, independentemente do prazo;
13. Na mesma linha de raciocínio, devem considerar-se inconstitucionais os demais números do mesmo artigo, uma vez que no seu núcleo está precisamente o mesmo direito à identidade e dignidade pessoal, ao bom nome, reputação e identidade genética, consagrados no artigo 26º da CRP cuja natureza é inalienável e imprescritível;
14. Os tribunais estão obrigados a recusar a aplicação de normas inconstitucionais, daí a necessidade do presente recurso, pois em nosso entender, o tribunal a quo não procedeu dessa forma;
15. A lei nº 14/2009 de 01/04, com o óbvio propósito de ultrapassar a declarada inconstitucionalidade, veio alterar a redacção do referido artigo 1817º nº 1 do C.C, todavia, prosseguiu a dissensão jurisprudencial;
16. Como se justificou no Acórdão da Relação de Coimbra em 23 de Junho de 2009, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do nº 1 do artigo 1817º do CC foi generalizadamente interpretada como significando a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, ou seja, com o fim da sujeição a qualquer prazo;
17. Já depois das alterações introduzidas pela lei nº 14/2009 de 01/04, a jurisprudência continuou a manter a mesma orientação, argumentando-se que os prazos de caducidade sejam eles quais forem, são uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente à historicidade pessoal, pelo que também são inconstitucionais as demais normas do artigo 1817º, com o alargamento dos prazos (AC do STJ de 25/03/2010; AC STJ de 08/06/2010; AC relação de Lisboa de 09/02/2010; AC Relação do Porto de 15/03/2010 e até mesmo deste Tribunal da Relação de Guimarães de 09/11/2017);
18. Não é apenas o direito à identidade em si, à filiação, à paternidade o que está em causa, mas também o direito à verdade biológica dessa identidade pelo que o reconhecimento do estado de filiação constitui um direito pessoalíssimo, indisponível e imprescritível, que deve ser sem qualquer restrição, em face dos pais ou dos seus herdeiros (Acórdão da Relação de Guimarães de 28/02/2013);
19. Parece-nos pois que os argumentos que estiveram na base da declaração de inconstitucionalidade pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 continuam a manter toda a pertinência;
20. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, 2006, pág. 136 sustentam que os tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade, escrevendo que “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas, e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade”.
21. Pode concluir-se que a natureza dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família reclama a sua vigência plena em todo o ciclo de vida do titular, não se harmonizando com soluções limitativas, inibidoras da sua plena realização por critérios de restrição temporal.
22. Podemos ainda referir que na actualidade vem assumindo cada vez maior relevo o direito de cada um ao conhecimento das suas origens e é reconhecida a importância que tal conhecimento tem no próprio desenvolvimento da personalidade humana. É nesta linha evolutiva que o actual Regime Jurídico do Processo de Adopção (aprovada pela lei 143/2015 de 8/09) vem permitir ao adoptado de aceder ao conhecimento das suas origens.
23. De todo o supra explanado resulta que não se verifica a caducidade da acção intentada pela recorrente, o que implica a revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo.
24. Pugna a recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida por se ter fundado numa norma cuja inconstitucionalidade é indiscutível, e a substituição da mesma por outra que não considere verificada a caducidade da acção intentada pela recorrente.
25. Acresce que a recorrente na petição inicial invocou o artigo 1817º do C.C no seu todo, não excluindo a aplicação do nº 3 tal como afirma o tribunal a quo, sendo certo que só no convite de aperfeiçoamento a recorrente firmou terem cessado os tratamentos como filha, sensivelmente em Novembro de 2016.
26. A recorrente entende, salvo melhor opinião, que no seu caso concreto todo o artigo 1817º do C.C pode ser aplicado, visto que entende, como muita doutrina e jurisprudência, que a existência desses prazos são inconstitucionais.
27. A referência ao nº 3 do artigo 1817º só ocorreu por se fazer referência à cessação do tratamento de filha por parte do recorrido.
28. No fundo a recorrente, temendo pela não aplicação do nº 1 do artigo 1817º do C.C, o que veio efectivamente a suceder, e visto existirem factos que preenchessem a aplicação do nº 3 do mesmo normativo legal (para os tribunais que ainda insistem na constitucionalidade da norma) optou por alegar, com intenção de provar cabalmente o alegado, o que sucedeu a partir de Novembro de 2016, altura em que o recorrido sem mais deixou de tratar a recorrente como filha. Deixou de manter contacto com ela, manifestou vontade de não privar com a filha como sempre havia feito (a recorrente está certa que esta atitude do recorrido tem influencia da família que nunca gostou da relação entre pai e filha estabelecida à vista de todos, inclusive desta e do estado extremamente debilitado do pai confirmado pelo próprio com a junção de relatórios médicos aos autos).
29. Assim, mesmo que por mera hipótese teórica se entenda que a aplicação do nº 1 do artigo 1817º do C.C não se possa aplicar, devido à caducidade hipoteticamente operada, sempre poderá aplicar-se o nº 3 do mesmo artigo.

O réu recorrido contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I- Após a alteração legislativa de 1 de Abril (lei nº 14/2009), o Tribunal Constitucional (o mais alto Tribunal da jurisdição constitucional portuguesa), tem, coerentemente, mantido a posição assumida, razoavelmente, no douto Acórdão nº 401/2001 (Plenário do Tribunal Constitucional): não declarar inconstitucional a norma do artº 1817º, nº 1 do Código Civil, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da acção de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
II- Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem o entendimento de que, à luz do artº 8º, nº 1, da Convenção, é admissível e correcta a existência de um prazo limite de reconhecimento judicial da paternidade (cfr., p.f. item 5 das presentes contra-alegações).
III- A caducidade enquanto figura extintiva de direitos pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, obrigando os respectivos titulares a exercê-los num prazo razoável. E dez anos é muito tempo.
No caso sujeito, a Recorrente, que nasceu em 1953, fez 21 anos em 1974; casou em 1985 e a sua mãe já faleceu em 2004. Esperou por 2018 e, por isso tardiamente. Sibi imputet.
IV- O art. 1817º, nº 1, CC (redacção de 2009) ponderada e razoavelmente, consagrou um justo equilíbrio dos interesses em jogo, tendo subjacente o princípio da proporcionalidade, harmonizando-se, como se deixou antever, com a decisão do Plenário do Tribunal Constitucional e com a jurisprudência do TEDH.
V- Para a boa decisão da questão deverá ter-se em conta a alteração legislativa de 2009 (Lei nº 14/2009, de 01 de Abril), considerando esta com um marco separador entre o que havia antes e depois, sendo que aquilo que poderia ser válido antes, deixou de sê-lo depois.
E conjugar esta (alteração) com o entendimento dos Tribunais referidos supra -parte final da Conclusão IV.
VI- As Conclusões da A./Recorrente, conforme se deixa dito nas contra-alegações supra, por uma razão ou por outra, falecem todas.
VII- O Regime Jurídico do Processo de Adopção, salvo o devido respeito, não será relevante para apoiar a tese em que a A./Recorrente ora se louva.
VIII- A A/Recorrente, na sua Conclusão 29º, invoca a aplicação ao caso do disposto no artº 1817, nº 3, do Código Civil. Curioso que o faça depois de - Conclusões suas 4ª e 13ª- ter suscitado (ao que se entende) a inconstitucionalidade de tal norma. Esta postura, salvo o devido respeito, encerrará uma certa incoerência.
IX- Pior do que isso, os factos alegados, a propósito, na petição inicial, serão insuficientes para provocar a discussão de tal questão. Na verdade, a A. ou foi conclusiva ou deficiente (o que aduziu ou falta em absoluto – v.g. a cessação de tratamento como filha e a falta de situação de tais factos no tempo e no espaço. Ou seja: na petição inicial a A./Recorrente não alegou factos constitutivos do direito que se arroga. Ora, como diziam os latinos, quod non est in actis, non est in mundo.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se o direito que a autora veio pretender exercer nesta acção caducou.

III
Conhecendo do recurso.

No estádio da acção em que foi proferida a decisão recorrida (audiência prévia), não existem factos provados, apenas alegação de factos. É com base nessa alegação que se irá decidir se o eventual direito da autora caducou ou não.
Emerge do art. 1817º,1 CC (1), na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, que a acção de investigação da paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
O nº 3 consagra ainda um regime especial de caducidade, ao dispor que a acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: … b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai.
A autora alegou que nasceu em 20/2/1953, que foi registada apenas com a menção da maternidade, e que a sua mãe e o réu mantiveram relações de cópula completa no período da gestação, tendo ela sido gerada numa dessas relações.
Mais alega que o réu a trata como filha, e que os dois sempre mantiveram uma relação de pai e filha muito forte.

Como resulta da acta de audiência prévia de fls. 36 a 38 a autora foi convidada a suprir a insuficiência ou imprecisão da exposição da matéria de facto, concretamente a esclarecer quando é que soube, pela sua mãe, que o réu era o seu pai. Veio então a autora esclarecer, completando a sua petição inicial, que soube que era filha do réu quando tinha 10 anos de idade. Pelos seus 11/12 anos começou a conviver com o réu, continuando a fazê-lo na idade adulta. Aos 17 anos a autora emigrou para França e quando vinha a Portugal mantinha contactos com o réu.

Mais alegou a autora que até Novembro de 2016 o réu sempre a tratou como filha, tendo prometido que iria proceder à inscrição desse facto no registo civil, mas a partir dessa data o réu demonstrou uma postura de recusa de considerar a autora como sua pretensa filha.

O réu veio opor-se à admissão destes novos factos nos autos, ao abrigo do disposto nos arts. 265º e 5º CPC, para além de afirmar que os mesmos são muito vagos e manifestamente inverosímeis.

E com toda a razão.

Em primeiro lugar, a autora não se limitou a aceder ao convite ao aperfeiçoamento; foi muito para além dele.

Se a autora se tivesse limitado a alegar, na sequência do convite ao aperfeiçoamento, que soube que era filha do réu quando tinha 10 anos de idade, que pelos seus 11/12 anos começou a conviver com o réu, continuando a fazê-lo na idade adulta, que aos 17 anos ela emigrou para França e quando vinha a Portugal mantinha contactos com o réu, então ter-se-ia mantido no círculo factual permitido pelo convite ao aperfeiçoamento.

Porém, a autora veio dizer mais: veio alegar que até Novembro de 2016 o réu sempre a tratou como filha, tendo prometido que iria proceder à inscrição desse facto no registo civil, mas a partir dessa data o réu demonstrou uma postura de recusa de considerar a autora como sua pretensa filha.

Este facto, como bem afirma o réu/recorrido e como se decide na sentença, é um facto que se insere no núcleo duro da causa de pedir da acção, e é um facto novo. Não constava da petição inicial, e até podemos dizer que, largamente, é contraditório com o que vinha alegado nessa petição. Recordemos que aí, a autora alegou que o réu “a reputa e trata como filha, e que sempre mantiveram uma relação entre pai e filha muito forte”. Passando agora por cima da natureza manifestamente conclusiva -ergo, vazia de conteúdo factual- dessa alegação, o que importa agora é realçar que depois de alegar isso, a autora não pode vir, em sede de resposta ao convite ao aperfeiçoamento, alegar um facto que vai ao arrepio dessa primitiva alegação, dizendo que a partir de Novembro de 2016 o réu cessou o tratamento paternal que vinha a ter para com a autora.

Esse facto novo não pode agora ingressar na acção, por força do disposto nos arts. 5º,1 e 265º,1 CPC. Para que tal pudesse suceder, teria de haver acordo do réu, o que, como já vimos, não sucedeu, tendo-se este oposto terminantemente a que tal facto possa ser considerado nestes autos.

Assim sendo, na falta de acordo, as alterações à matéria de facto alegada, decorrentes de um despacho de convite ao aperfeiçoamento, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu (art. 590º,6 CPC).

Em anotação ao art. 265º CPC, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (2) o seguinte: “a restrição da réplica aos casos previstos no art. 584º (reconvenção e acções de simples apreciação negativa), em conjugação com as fortes limitações impostas à modificação do objecto da instância (causa de pedir e pedido), torna mais exigente para o autor a tarefa de elaboração da petição inicial, inviabiliza estratégias erráticas e obriga a uma definição séria dos contornos do litígio centrada na alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (art. 5º,1), sendo certo que a resposta a um eventual convite ao aperfeiçoamento deve deixar intacta a causa de pedir que foi invocada”.

Este excerto da anotação daqueles autores parece escrito de propósito para estes autos.

Repare-se que a autora podia, como fez, responder à excepção de caducidade arguida pelo réu. O que não podia era, nessa resposta, alegar factos novos, essenciais para o perímetro da causa de pedir alegada na petição inicial, fora das condições permitidas pelo art. 265º,1 CPC.

Donde, nesta parte, improcede o recurso, mantendo-se o referido facto novo de fora do objecto do processo.

Resta agora apreciar a excepção de caducidade do direito da autora arguida pelo réu, a qual tem de ser feita à luz da factualidade alegada na petição inicial.

A aplicação do regime jurídico constante do art. 1817º,1 CC, na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, aos factos alegados na petição leva directa e imediatamente à conclusão de que o direito da autora a intentar a presente acção caducou.

O prazo para intentar a acção de investigação da paternidade era de 10 anos, contados desde o dia em que a autora atingiu a maioridade. Como a autora nasceu em 20/2/1953, atingiu a maioridade quando perfez 18 anos, em 20/2/1971, e apenas intentou a acção em 16/2/2018, quando tinha 65 anos de idade, o prazo de caducidade referido já decorreu.

A única questão que resta para discutir é a da suscitada inconstitucionalidade da norma que fixa esse prazo de caducidade.

A sentença recorrida já fez uma breve resenha histórica dos antecedentes legislativos e jurisprudenciais da actual situação.

Brevemente, porque uma decisão judicial destina-se a resolver um litígio concreto e não a fazer dissertações teóricas, vamos seguir Guilherme de Oliveira, in Estabelecimento da Filiação, 2018, fls. 198 e seguintes, quando este autor faz a história da evolução legislativa sobre os prazos para agir nesta matéria:

a) de 1967 a 1998, e já na Reforma de 1977, a acção de investigação só podia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (art. 1817º,1). Havia depois casos especiais, nomeadamente aquele em que a partir de certo momento cessasse o tratamento como filho por parte do pretenso pai. Na aplicação deste regime suscitaram-se questões sobre a correcta interpretação da lei nos casos da cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai, problemas de legitimidade de certos familiares, e dúvidas sobre o ónus da prova do momento da cessação do tratamento.
b) A Lei 21/98 de 12/5 pretendeu pôr fim a estas questões, substituindo o nº 4 do art. 1817º por novos números 4, 5 e 6.
c) A Lei 14/2009 de 1/4 veio instituir o regime ainda hoje vigente, e que já supra resumimos.

Como ensina aquele Autor, o alargamento grande do prazo-regra pretendeu responder às críticas de que o filho não dispunha de um tempo razoável, no direito anterior, de tal modo que podia não conseguir exercer o direito de procurar as suas origens genéticas e estabelecer a paternidade, com ofensas de direitos fundamentais à integridade pessoal, à identidade, ao livre desenvolvimento da personalidade. Estas limitações graves tinham tido o mérito de convencer muitos magistrados a considerar o regime da lei inconstitucional -o que levou mesmo o Tribunal Constitucional, em 2006, a produzir uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Olhando agora para a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) entre 1988 e 1989, verifica-se que aquele Tribunal deliberou sempre no sentido da compatibilidade das normas com os princípios constitucionais, afirmando que o regime definia aquilo que se devia chamar um condicionamento do direito de investigar, mais do que uma verdadeira restrição; que o regime fazia uma ponderação aceitável dos direitos em conflito, por um lado o direito do filho ao reconhecimento da paternidade, e por outro lado, o interesse do pretenso progenitor a não ver protelada uma situação de incerteza, o interesse de não ter de defender-se quando a prova se tiver tornado mais aleatória, e ainda o interesse da paz da família conjugal do investigado.

O TC voltou a apreciar esta questão no acórdão 486/2004 de 7/7, concluindo desta feita pela inconstitucionalidade da norma, por entender que a exclusão do direito de investigar, logo a partir dos 20 anos de idade, tinha como consequência uma diminuição do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que violavam os arts. 26º,1, 36º,1 e 18º,2 CRP. Mas o texto do acórdão deixou claro que o que era inconstitucional não era a existência de um prazo de caducidade, mas sim o prazo estabelecido no art. 1817º,1 CC.

Em recurso, o Plenário do TC reiterou a decisão, no acórdão nº 11/2005, de 12 de Janeiro.

Seguiu-se a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 1817º,1 CC.

Na sequência da alteração dos prazos operada pela Lei 14/2009, o TC pronunciou-se, em plenário, pela não inconstitucionalidade do novo prazo do art. 1817º,1, no acórdão 401/2011 de 22/9, e pela não inconstitucionalidade do prazo do art. 1817º,3,b, no acórdão 247/2012 de 22/5.

Mas voltou a defender a inconstitucionalidade do prazo previsto no art. 1817º,1 no acórdão 488/2018 de 4/10.

O Supremo Tribunal de Justiça, após as alterações introduzidas pela Lei 14/2009 passou a aceitar mais vezes a opinião de que o alargamento dos prazos tornou a aplicação do art. 1817º compatível com a Constituição (por acórdãos de 29/11/2012, 19/6/2014, 15/5/2014 e 18/2/2015), muito embora tenha havido decisões em sentido contrário (21/9/2009, 10/1/2012, 14/1/2014 e 15/2/2018).

Como é evidente, não temos a veleidade de querer encontrar argumentos novos em matéria como esta, já tão exaustivamente debatida, e vertida em correntes jurisprudenciais sedimentadas.

Trata-se tão-só de escolher aquela das posições expostas que nos parece a melhor.

Para tanto, vejamos os argumentos utilizados para defender cada uma das posições.

No sentido da restrição do direito a investigar a paternidade:

a) um argumento de segurança jurídica, dos pretensos pais e dos seus herdeiros: como refere Guilherme de Oliveira, havia e há o sentimento de que as pretensões jurídicas não devem pairar indefinidamente sobre a cabeça dos sujeitos visados; tem de haver um momento a partir do qual a sua situação jurídica está definida.
b) o envelhecimento das provas.
c) o argumento da caça às fortunas: fala-se no medo das pretensões dos filhos ilegítimos, agindo contra as peças com alargadas posses materiais, movidos apenas por sentimentos de cobiça.

No sentido contrário, toda a argumentação se resume a uma só ideia: o direito de cada um de procurar as suas raízes genéticas e estabelecer a sua paternidade, o que tem consagração Constitucional nos direitos à integridade pessoal, à identidade, ao livre desenvolvimento da personalidade.

Com efeito, a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (art. 26º,1 CRP).

Igualmente, todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade (art. 36º,1). E os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação (art. 36º,2).

Finalmente, como pano de fundo, o art. 18º,1 CRP estabelece que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas; e a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (nº 2).

Pensamos, salvo o devido respeito por opiniões contrárias, que o pêndulo da Justiça cai inexoravelmente para o lado do direito de cada um a conhecer as suas raízes genéticas e a sua ascendência. Aliás, mais do que um direito, estamos em crer que é uma compulsão interior, uma necessidade incontornável que está associada à essência da humanidade, que o Direito se limita a reconhecer, acolher e proteger.

Não será necessária pois nem pequena, nem média, nem grande argumentação para defender este direito, pois ele impõe-se por si próprio, de tal forma que qualquer desenvolvimento que se tente acrescentar tem logo um sabor tautológico. É da essência do ser humano querer saber quem são os seus progenitores. E quando alguém tem a infelicidade de não saber quem é o seu pai ou a sua mãe, o Estado moderno, dotado de todos os meios científicos e jurídicos necessários, tem de lhe permitir chegar a essa informação essencial. Pode acontecer que apesar de todas as tentativas e de todos os esforços, não se consiga chegar à conclusão pretendida, pois sabe-se que há limites para o acesso à informação, e há inúmeras circunstâncias que podem impedir essa busca de ser bem sucedida. E isso também faz parte da inevitável contingência do mundo, das regras da natureza, e como tal, tem de se aceitar. O que já nos parece que não pode de forma alguma ser aceite, é ser o próprio Estado a criar limitações a essa busca, fixando limites artificiais baseados em preconceitos, ideologias ou apenas em noções mais ou menos abstractas de segurança jurídica.

Dizendo de outra forma: o direito de cada um a procurar as suas raízes genéticas e estabelecer a sua paternidade e maternidade, com consagração Constitucional nos direitos à integridade pessoal, à identidade, e ao livre desenvolvimento da personalidade, é um direito absoluto, no sentido de que não é fácil encontrar argumentos em sentido contrário. Melhor dizendo, não conseguimos encontrar uma única ideia ou um único valor que surja como contraposto, ou como obstáculo, a este direito.

Já os argumentos que são tradicionalmente utilizados para defender a fixação e manutenção de um prazo de caducidade nesta matéria, embora em si mereçam, é forçoso reconhecer, alguma simpatia e possam ter aqui ou ali algum fundamento sociológico, estão num patamar axiológico muito inferior ao do direito que pretendem paralisar, de tal forma que o choque entre os dois tem de levar forçosamente à prevalência do Direito claramente superior.

Vejamos. O argumento da segurança jurídica dos pretensos pais e dos seus herdeiros tem, bem vistas as coisas, e para ser simpático, muito pouco peso. Sendo o ser humano naturalmente um ser social, e vivendo necessariamente numa comunidade organizada, num Estado de Direito, ninguém pode pretender estar a salvo de pretensões jurídicas que contra si sejam dirigidas, uma vez que elas são uma consequência de pertencer a uma comunidade organizada. Apenas tem de haver, e há, um sistema jurídico organizado que garanta a existência de Tribunais independentes e imparciais, que, com respeito pelos princípios essenciais nesta matéria, entre os quais avulta o contraditório, analisem e julguem essas pretensões.

E para os casos em que tenha havido um abuso manifesto do direito de acção, lá estarão os institutos do abuso de direito e da litigância de má-fé, para punir os abusadores e desincentivar futuros casos. Já para não falar na responsabilidade civil extracontratual, que permitirá a quem tenha sido injustificadamente incomodado, ser indemnizado.

Nunca este argumento pode por isso ser dotado do poder de paralisar o direito a conhecer e querer ver reconhecida a paternidade.

O argumento do envelhecimento das provas, nesta fase, supomos que já só tem um valor meramente histórico. Basta-nos remeter para a citada obra de Guilherme de Oliveira, onde se explicam os avanços científicos e tecnológicos, que permitiram já há vários anos mapear o genoma humano, e que permitem actualmente estabelecer a ascendência genética de qualquer ser humano através de métodos científicos, validados e infalíveis.

O último argumento, então, não tem actualmente qualquer explicação. Dirige-se apenas aos casos patológicos de acesso aos Tribunais, e tomam esses pelo todo, sacrificando os justos por meia dúzia de pecadores. O que supra dissemos quanto ao argumento da segurança jurídica, tem aqui total aplicação.

Estamos pois em condições de concluir, tal como se pronuncia Guilherme de Oliveira na obra citada, e tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 488/2018, de 4 de Outubro de 2018 (Relatora: Maria Clara Sottomayor), que a norma do artigo 1817º,1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação da paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, padece de inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º,1, 36º,1, e 18º,2 da Constituição da República Portuguesa.

Com o que o recurso merece provimento.

IV- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar procedente o recurso interposto pela autora, e em consequência, revogando a decisão recorrida, julga improcedente a excepção de caducidade do direito da autora M. G. de intentar a presente acção para investigação da sua paternidade e determina, após baixa do processo, o prosseguimento dos autos.

Custas pelo recorrido (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 2/5/2018

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues:

Vencido, conforme declaração de voto que segue)

Voto de vencido:

Voto vencido a decisão na parte em que concluiu pela inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação conferida pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, no tocante à fixação de um prazo de caducidade para intentar a ação de investigação da paternidade (10 anos, contados desde o dia em que a autora atingiu a maioridade), por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Como é sabido, a questão de saber se as ações de investigação de paternidade devem ou não ser limitadas no tempo – e se tal limitação é ou não constitucional – não tem merecido uma resposta unívoca, nem na doutrina, nem na jurisprudência, não sendo essa discussão ainda hoje pacífica.

Como se explicitou no Ac. do STJ de 4/05/2017 (relator Tavares de Paiva), in www.dgsi.pt., são fundamentalmente duas as posições em confronto:

-Uma no sentido da imprescritibilidade do direito de estabelecimento da paternidade, por este se inserir no acervo de direitos pessoalíssimos, como seja o direito à identidade pessoal (no qual se inclui o direito de conhecer e ver reconhecida a ascendência biológica) e o direito ao desenvolvimento da personalidade e, como tal, o estabelecimento de um prazo para a instauração da ação de investigação de paternidade, seja ele qual for, constituir uma restrição desproporcionada aos referidos direitos, sendo, portanto, inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; e
-Outra que, estribando-se nos princípios da certeza e da segurança jurídicas dos pretensos pais e dos seus herdeiros, no progressivo “envelhecimento” e aleatoriedade das provas, na prevenção da “caça às fortunas”, no direito à intimidade e reserva da vida provada do investigado e na paz da sua família conjugal, tem defendido que o estabelecimento de tais prazos, para o mencionado efeito, se afigura razoável, não constituindo uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, mas antes um mero condicionamento do seu exercício, que é ditado pelos referidos valores também em jogo, com consagração constitucional, que têm de ser compatibilizados com o direito à identidade pessoal do investigante.
Essa controvérsia no que concerne à conformidade ou não conformidade constitucional do estabelecimento de prazos para instauração das ações de investigação de paternidade foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional (TC), cujo Plenário, através do Ac. n.º 23/06, de 10.01.06 (relator Paulo Mota Pinto), publicado no DR I-A, de 08.02, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que previa para a caducidade do direito de investigar a paternidade um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos arts. 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional não deixou, porém, de vincar que o que estava em causa não era qualquer imposição constitucional de uma ilimitada averiguação da verdade biológica da filiação, mas antes tão só e apenas o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação (portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante), que, pelas razões expendidas na decisão, foi considerado exíguo.

Foi, entretanto, aprovada e publicada a Lei n.º 14/2009, de 01-04, que visou, precisamente, dar resposta à aludida declaração de inconstitucionalidade, alterando o artigo 1817.º do CC, que passou a ter a seguinte redação:

«Artigo 1817.º
[...]
1 - A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
3 - A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.»
O prazo-regra passou a ser de 10 anos, contado a partir da maioridade ou da emancipação do investigante e os prazos especiais passaram a ser de 3 anos a partir do momento em que o investigante tenha conhecimento dos factos que justificam a investigação.
Chamado mais uma vez a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade deste preceito, agora na nova redação, o Plenário do TC, através do Ac. n.º 401/2011, de 22/09/11 (relator Cura Mariano), publicado no DR, 2ª Série, de 03.11, decidiu, por maioria, “[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante».

Escreveu-se, na respetiva fundamentação, nomeadamente:

«- O direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo.
- Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determi­nado prazo.
- É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva ação de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.
- Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.
- (…) o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817º do CC não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.
Verdadeiramente e apesar da formulação do preceito onde está inserido ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo».
Esse juízo de conformidade constitucionalidade tem vindo sucessivamente a ser reafirmado pelo TC – cfr. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015, 309/2016 e 424/2016, todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt. – e constitui entendimento predominantemente acolhido pelo STJ – cfr., designadamente, por referência aos mais recentes, e em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade afirmado pelo TC, os acórdãos do STJ de 04.05.2017 (relator Tavares de Paiva), 09.03.2017 (relator Lopes do Rego), 02.02.2017 (relator António Piçarra), de 08.11.2016 (relator Fernandes do Vale), de 23.06.2016 (relator Abrantes Geraldes), de 17.11.2015 (relator João Camilo), e de 22.10.2015 (relator Abrantes Geraldes), todos acessíveis em www.dgsi.pt.; em sentido contrário, numa posição manifestamente minoritária, os Acs. do STJ de 31.01.2017 (relator Pedro de Lima Gonçalves) e de 14/01/2014 (relator Martins de Sousa), in www.dgsi.pt..
Ora, não se encontrando razões de natureza jurídica nem argumentação de carácter sociológico para divergirmos do entendimento maioritário do nosso mais alto Tribunal Superior, afigura-se-nos ser de sufragar o mesmo.
Nesta conformidade, entendemos inexistir qualquer obstáculo constitucional na fixação de prazos de caducidade para o exercício do direito de investigar a maternidade/paternidade, desde que estes sejam razoáveis, razoabilidade que tem sido comummente reconhecida ao prazo-regra de 10 anos após a maioridade previsto no n.º 1 do art. 1817º do CC, (único) aqui em causa.
Acresce que também não enferma de inconstitucionalidade a interpretação desse normativo no sentido de que o prazo de 10 anos aí previsto é também de aplicar aos casos em que o investigante já tinha atingido a maioridade na data em que a alteração legal entrou em vigor (cfr. Acórdãos do STJ de 28-05-2015 (relator Abrantes Geraldes), de 22-10-2015 (relator Abrantes Geraldes) e de 4/05/2017 (relator Tavares de Paiva), disponíveis em www.dgsi.pt.).
Com efeito, tal como se afirmou no aludido Ac. do STJ de 4/05/2017 (relator Tavares de Paiva), «decorrendo expressamente do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04) que o prazo de dez anos aí previsto se conta a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tem cabimento convocar para o caso o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, quer porque o legislador tomou posição expressa sobre essa matéria, quer porque resulta dos trabalhos preparatórios que conduziram à citada Lei a clara intenção daquele em reportar o início do prazo em questão a um momento anterior ao da entrada em vigor da Lei, em consonância com a regra geral do artigo 329.º do Código Civil».
Assim, pelas razões expostas – divergindo do decidido –, afigura-se-nos que não padece de qualquer inconstitucionalidade o prazo (regra de 10 anos) de caducidade de investigação da paternidade previsto no n.º 1 do art.º 1817º do CC (aplicável por força da remissão prevista no art. 1873º do mesmo diploma), na redação introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01/04, dado o mesmo permitir o exercício desse direito em tempo útil.
Consequentemente, em face deste juízo de não inconstitucionalidade do prazo em causa, importaria retirar – como fez o Tribunal “a quo” – as respetivas consequências jurídicas referentes à verificação da exceção de caducidade do direito da autora de propor a ação de investigação da paternidade.
Atentos os termos em que a A./Recorrente configurou a ação, esta tem como causa de pedir unicamente a paternidade biológica (relação de procriação/vínculo biológico).
O limite temporal em causa é o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável às ações de investigação de paternidade, por força da remissão constante do artigo 1873.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo o qual essas ações só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Considerando, pois, que a A. nasceu a 20/02/1953 e atingiu a maioridade a 20/02/1974 (art. 122º do CC, na redação antecedente ao Dec. Lei n.º 497/77, de 25/11 - nos termos do qual a maioridade atingia-se, em regra, na data em que a pessoa perfizesse os vinte e um anos de idade), por referência ao fundamento no n.º 1 do art.º 1817º do CC o direito da A. investigar a sua paternidade está extinto, por caducidade, desde 20/02/1984.
Acresce que a autora não alegou (validamente) qualquer facto que nos permita concluir que a ação foi proposta nos três anos que se seguiram às previsões normativas do n.º 3 do art. 1817.º do CC.
Assim, tendo a ação sido instaurada apenas em 16.02.2018, julgaria procedente a deduzida exceção perentória da caducidade do direito ao visado reconhecimento judicial da paternidade da Autora, com a inerente improcedência do recurso de apelação e confirmação da sentença recorrida.

1 - Por remissão do art. 1873º CC.
2 - CPC anotado, volume 1º.