Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3548/20.7T8GMR.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR PARA ENTREGA JUDICIAL
LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I O artº. 17º-E, nº. 1, CIRE, quando dispõe quanto à suspensão da instância, não se aplica numa situação em que a resolução do contrato de locação financeira foi resolvido sem oposição e foi já decidida a entrega do bem locado ao abrigo do artº. 21º, nºs. 1 e 7, do do DL nº. 149/95, de 24 de junho, encontrando-se os autos na fase de entrega através do agente de execução.
II A suspensão ao abrigo do artº. 272º, nº. 1, do C.P.C. exige a alegação de uma situação concreta que permita concluir pelo “motivo justificado”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Banco ..., S.A., instaurou o presente procedimento cautelar para entrega judicial, nos termos e para os efeitos previstos no artº. 21º do DL nº. 149/95, de 24 de junho, contra “X – Agência Portuguesa Têxtil Sociedade Unipessoal, L.da”.
Para tanto, e em síntese, alega que cedeu em locação à requerida equipamento uma máquina de plissados .... 165 versão plus número …-17, não tendo a requerida procedido ao pagamento das prestações acordadas, pelo que procedeu à sua interpelação para regularização dos montantes em dívida, sob pena de o incumprimento se tornar definitivo; a requerida não liquidou os valores em causa, e a requerente resolveu o contrato de locação por carta registada com aviso de recepção; a requerida não devolveu à requerente o equipamento objecto do contrato de locação.
Mais requer a antecipação do juízo sobre a causa principal, nos termos do artº. 21º, nº. 7, do DL mencionado.
Citada a R., esta não deduziu oposição nem se pronunciou sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal.
Foi proferida decisão em 15/9/2020, pela qual se julgou procedente o presente procedimento cautelar e antecipando o juízo sobre a causa principal e, determinou-se:
- a entrega imediata à Requerente da máquina de plissados .... 165 versão plus número …-17;
- a condenação da Requerida no pagamento à Requerente da quantia diária de 127,32 € por cada dia de atraso na entrega da máquina, contada desde 17 de Março de 2020 até efectiva entrega.
Em 1/10/2020 veio a requerida juntar aos autos o despacho a que alude o n.º 4 do artigo 17.º-C do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, relativo ao Processo Especial de Revitalização que corre termos sob o n.º 4470/20.2T8GMR, requerendo a suspensão da presente instância. O despacho em causa tem data de 25/9/2020.
A requerente opôs-se á suspensão.
A agente de execução na diligência em que teria lugar a entrega da máquina não concretizou a mesma.
A requerida reiterou o pedido de suspensão ao abrigo do artº. 17º-E CIRE, mas se assim não se entender então por motivo justificado ao abrigo do artº. 272º, nº. 1, C.P.C..

Foi proferido sobre a matéria o despacho sob recurso, nos seguintes termos:

“Seguindo o entendimento que tem sido o da jurisprudência mais recente conhecida, a melhor interpretação a extrair da previsão legal do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE, ao aludir a quaisquer ações para cobrança de dívidas ou de idêntica finalidade, é a que valorize o escopo essencial do PER – de recuperação/revitalização do tecido empresarial em crise – e as razões de interesse público que lhe subjazem. Assim, aquela previsão legal de suspensão de processos contempla quaisquer ações – incluindo procedimentos cautelares – tendentes ao cumprimento de obrigações creditórias, referentes ao exercício da atividade económica do devedor. Comportando o procedimento cautelar de entrega judicial de equipamentos industriais locados também um juízo definitivo sobre a causa principal, conferindo-lhe uma conexa e inevitável finalidade de cobrança de dívidas – decorrentes de invocado incumprimento de contratos de locação financeira, por não pagamento de rendas, e litigiosa resolução contratual –, é de admitir a suspensão da instância cautelar enquanto decorrerem as negociações a que alude aquele art.º 17.º-E, n.º 1.
Se assim não se entendesse, seria de suspender a instância ao abrigo do disposto no art.º 272.º, n.º 1, do CPCiv (cfr., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/02/2016, relatado por António Santos, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/07/2017, relatado por Vítor Amaral, ambos publicados in www.dgsi.pt).
Concordando com os fundamentos citados, atento o estado dos autos e a decisão de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do PER identificado nos autos (e tendo como certo que quaisquer questões relacionadas com a admissibilidade do PER devem ser tratadas nesses autos), declara-se suspensa a presente instância.
Notifique. “
*
O requerente Banco ..., S.A., não se conformando com o despacho veio interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. O despacho proferido violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.
2. Com o procedimento cautelar interposto, o Recorrente pretende a entrega de equipamento locado em contrato de locação financeira celebrado com a Recorrida.
3. O referido contrato de locação financeira encontra-se já resolvido por incumprimento.
4. Face ao exposto, o plano que venha a ser aprovado e homologado no âmbito do PER não poderá dispor dos bens locados, propriedade do Recorrente, nem poderá fazer renascer um contrato já resolvido em definitivo.
5. Assim, a presente acção não pode ser equiparada a uma acção para cobrança de dívidas, pelo que não poderá ser aplicado ao caso em questão, o preceituado no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.
6. Não obstante, o Tribunal a quo proferiu despacho a declarar a acção de procedimento cautelar suspensa atento o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.
7. Desse despacho de suspensão recorre agora o Recorrente pois que viola, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.
8. Face a tudo o exposto, o Recorrente entende que deve tal despacho de suspensão deverá ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos de procedimento cautelar para entrega do equipamento locado à Recorrida.
*
A requerida X – Agência Portuguesa Têxtil – Sociedade Unipessoal Lda. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-

I O PER tem efeitos nas acções já pendentes como para aquelas que eventualmente venham a ser propostas.
II Se assim é, e por uma questão de coerência lógica, pouco importa que o fundamento da acção ou procedimento (como quem diz causa de pedir, in casu, resolução do contrato de locação financeira) se arreigue em factos anteriores à entrada do PER.
III A resolução não tem natureza terminal quanto a todo o universo jurídico de opções, podendo as partes renegociar, senão o mesmo contrato, outro, com a mesma natureza e finalidade.
IV Sendo que o momento propício para esse efeito é o da fase da negociação, prevista na tramitação do PER, na qual se encontram actualmente.
V Está consagrado um verdadeiro primado da recuperação do devedor em relação à sua liquidação.
VI Encontra-se consagrado, no art. 17.º-E, n.º 1 do CIRE , um verdadeiro “breathing space” que só é logrado se se suspenderem todas as acções (declarativas ou executivas) que contendam com o património do devedor e cujo prosseguimento sentenciaria de morte, logo à nascença, a recuperação económica almejada pelo PER.
VIII Por conseguinte, devem ter-se enquadradas nos seus efeitos, não obstante não se tratar de um bem da recorrente, as providências cautelares ao abrigo do procedimento cautelar de entrega judicial previsto no art. 21.º, da DL n.º 149/95.
IX Ainda que se entenda que, em abstracto, o procedimento cautelar no qual se consubstanciam os autos não se encontra abrangido pelos efeitos processuais do PER, em face do projecto de recuperação, deverá entender-se que no caso em concreto o procedimento cautelar deverá ser suspenso.
X Por outro lado, caso seja outra a posição tomada, o que só se cogita por mera cautela de patrocínio, deverá suspender-se os presentes autos ao abrigo do art. 272.º, n.º 1 do CPC, por haver motivo justificado para a suspensão dos mesmos, em função do interesse público subjacente ao PER.
XI Pelo que, andou bem o Tribunal a quo quando ordenou a suspensão dos presentes autos, estribando-se nos artss 17.º-E, n.º 1 do CIRE e 272.º, n.º 1 do CPC.
Mais refere que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-deve ser revogada a decisão que suspendeu a instância cautelar.
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III- MATÉRIA DE FACTO.

A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório “supra”.
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IV O MÉRITO DO RECURSO.

No presente processo está em causa uma relação contratual de locação financeira imobiliária, tal como definida no artº. 1.º do DL nº. 149/95, de 24 de junho.
Nos termos do artº. 17º, nº. 1 desse diploma «O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação».
Nos termos do nº. 1 desse mencionado artº. 21º: «Se, findo o contrato por resolução (…), o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente». E diz o nº. 4 que: «O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.º 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada.»
Assim foi decidido no caso concreto, estando já os autos na fase da entrega propriamente dita do bem locado, através da intervenção do agente de execução.
Essa atuação foi “travada” com o pedido de suspensão dos autos, feito pela requerida –que não havia apresentado oposição ao procedimento- face á prolação de despacho proferido de acordo com o previsto no artº. 17º-C, nº. 4, CIRE, no âmbito do PER que está pendente.

A questão a decidir nos autos pode e deve colocar-se sob duas perspetivas e em dois momentos distintos:
-a suspensão da instância por força da aplicação do disposto no artº. 17º-E, nº. 1, CIRE; ou, visto por outro prisma, se o presente procedimento cautelar e a resolução do contrato de locação financeira se enquadram na previsão do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E.;
-se assim não for, a suspensão da instância por força da aplicação do artº. 272º, nº. 1, C.P.C., por verificação de “motivo justificado”.

As partes e o Tribunal citaram a pertinente e vasta (e contraditória) jurisprudência sob a matéria, que repetiremos na medida em que se justifica por uma questão de ordem, e também para secundar ou discordar, do nosso ponto de vista, dos respetivos argumentos.
Desde já porém pensamos que deve ser feita uma restrição quanto ao âmbito da análise a fazer à jurisprudência referida. De facto, pensamos que a ponderação relativa á aplicação do artº. 17º-E, nº. 1, tem de ser feita especificamente no âmbito da providência cautelar intentada ao abrigo do artº. 21º do DL nº. 149/95, de 24de junho, e mais concretamente ainda face ao pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal ao abrigo do seu nº. 7 –sendo essa a regra, independentemente de pedido nesse sentido do requerente e desde que a parte tenha trazido aos autos elementos necessários para à resolução definitiva do litígio. E, ainda assim, impõe-se uma análise casuística desta situação (como de cada uma que se apresente).
Justificando esta afirmação, a posição que se adote por exemplo numa providência cautelar de arresto, não pode ser transposta sem mais para este caso por serem diferentes o pedido e os efeitos de um arresto e desta providência aqui em causa –(veja-se no caso do arresto a pertinente argumentação que consta do Ac. da Relação de Lisboa de 20/12/2018, em www.dgsi.pt).
Mas iniciando a matéria, diremos antes de mais que nos parece pacífico o entendimento segundo o qual o artº. 17º-E, nº. 1, abarca não só as ações declarativas, mas também as executivas e as providências cautelares cujo escopo se integre e esgote na “cobrança de dívidas”. Já estamos por isso a assumir que para nós não haverá grandes dúvidas quanto à inclusão do arresto. Mais à frente retomaremos a abrangência da norma.
O Ac. da Relação de Lisboa de 12/3/2019 (www.dgsi.pt) sintetiza as várias posições nesta matéria de forma quase exaustiva e nestes termos, com destacado a negrito nosso e eliminando-se a referência ao processo e respetivo relator, bem como as pertinentes referências doutrinais por uma questão de síntese:
“Em face do assim disposto na lei, para uns, nas “ações para cobrança de dívidas” compreendem-se apenas as ações executivas para pagamento de quantia certa e as diligências de natureza executória respeitantes a cobranças dessas dívidas (neste sentido: (…) entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Relação de Lisboa de 10/11/2016 (…); de 19/6/2016 (…); de 25/2/2016 (…); de 25/8/2015 (…) disponíveis em www.dgsi.pt). Mas, para outros, as “ações de cobrança de dívida” compreendem também as ações declarativas pelas quais se exija o cumprimento de obrigações pecuniárias (neste sentido (…) entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 17/12/2015 –(…) disponível in “Sumários do STJ”; e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/6/2015 (…); de 11/7/2013 (…); de 13/7/2017 (…); do Tribunal da Relação do Porto de 15/2/2016 (…) e de 5/1/2015 (…); do Tribunal de Relação de Évora de 10/5/2018 (…) todos estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt).
A questão coloca-se igualmente relativamente às providências cautelares e, para quem entenda que o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. compreende apenas ações executivas, sustentará que esse efeito suspensivo das ações pendentes, ou inibitório à iniciativa do credor de instaurar novas ações, estende-se a todas as providências cautelares que tenham um efeito material executório quanto à cobrança duma dívida (…). Mas, para quem sustente que nesse preceito se compreendem igualmente as ações declarativas para reconhecimento de obrigações pecuniárias, estende o efeito do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. às providências cautelares destinadas a garantir o efeito útil dessas ações declarativas de cobrança de dívida.
Neste domínio particular, o terreno apresenta-se mais escorregadio, em face das diferentes finalidades possíveis dos procedimentos cautelares.
Assim, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/6/2016 e de 25/2/2016 (…) excluem-se a generalidade das providências cautelares, com exceção das providências antecipatórias de ações que se deveriam suspender ao abrigo do Art. 17.-E n.º 1 do C.I.R.E., excluindo-se do âmbito deste normativo todas as ações declarativas e as executivas para entrega de coisa certa ou de prestação de facto. Logo, presumir-se-á daqui que as providências cautelares para entrega de coisa certa não deveriam ser suspensas, nem haveria qualquer fundamento que obstasse à iniciativa do credor para a sua instauração.
No acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 10/11/2016 (…) defende-se a inclusão no âmbito de aplicação do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. apenas das providências cautelares de natureza executiva respeitantes a quaisquer dívidas, mas entendeu-se, ao contrário do expedido nos dois acórdãos anteriores, que se compreendia ainda assim dentro destas as que tivessem por objeto a entrega de coisas certa.
Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/6/2015 (…) a suspensão prevista no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. incluía os procedimentos cautelares antecipatórios das ações que deveriam ser suspensas ao abrigo desse preceito legal, ou seja, todas as ações de cobrança de dívida.
Num âmbito que julgamos suscetível de acolher um entendimento mais alargado, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/2/2015 (…) foi considerado que o arresto deve ser incluído na previsão do Art. 17.º-E do C.I.R.E. (no mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/11/2015(…– este só disponível em https://blook.pt). De igual modo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/8/2015 (…), considerou-se que aí se compreendiam as providências que impliquem a apreensão de bens do requerido devedor. O que permitiria a conclusão, “a contrario”, que se o bem não pertencesse ao devedor, mas sim ao credor, nada obstaria à instauração desse tipo de procedimento cautelar.
É isso mesmo que é sustentado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/10/2015 (…) quando aí se defende que o efeito previsto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. não abrange todas as ações que, direta ou indiretamente, influam no património ou na atividade da empresa, pois o objetivo do PER é apenas a renegociação de créditos tendo em vista a viabilização da empresa devedora dentro dos parâmetros dos Art.s 17.º-A e 17.º-B. Nesse contexto, estando aí em causa uma providência cautelar de entrega de coisa certa decorrente da resolução de contrato de locação financeira por incumprimento das rendas, sem se peticionar o pagamento de qualquer crédito pecuniário, não teria aplicação o disposto no Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E., não havendo por isso motivo para suspender esse procedimento cautelar deduzido ao abrigo do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6.
Na mesma linha, vão também os acórdãos da Relação do Porto de 9/7/2014 (…) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/9/2017 (…), que excluem do âmbito de aplicação do Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. e do conceito de “ações de cobrança de dívidas” as providências cautelares destinadas à entrega de bens locados deduzidas ao abrigo do Art. 21.º do Dec.Lei n.º 149/95 de 24/6, fundadas na resolução do contrato de locação financeira por incumprimento da obrigação de pagamento das rendas.
Mas não se julgue que existe unanimidade quanto a esta conclusão, pois no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/2/2016 (…) sustentou-se que nas “ações de cobrança de dívida” incluem-se as providências cautelares de entrega de bem locado por incumprimento do contrato de locação financeira. Sendo que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 3/3/2015 (…), sustentou que na pendência das negociações com vista à aprovação do plano de recuperação, nos termos dos Art.s 17.º-A a 17.º-I do C.I.R.E., o credor não pode propor ações contra o devedor, ou simplesmente agir contra o mesmo, tal como prescreve o Art. 17.-D n.º 10 do mesmo código e o princípio quinto da resolução n.º 43/2011 da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no D.R. Iª Série de 25/10/2011. Por essa razão, nesse período temporal, o credor que seja locador financeiro, não pode resolver o contrato incidente sobre imóveis em que o devedor seja locatário financeiro, mesmo que tenha causa legal para o efeito, considerando que essa resolução tornaria inviável o plano de recuperação já aprovado, apesar do voto contrato do locador financeiro.”
Acrescentamos a este elenco os Acs. da Relação de Lisboa de 21/11/2013, 22/01/2015, 31/10/2013, 20/12/2018 (este procedimento deve suspender-se por força do dispositivo em análise), e do Porto de 28/01/2019 e de 21/01/206, em sentido contrário.
E, assumindo posição, conclui esse Acórdão de Lisboa de 12/3/2019 que “Postos assim os termos da discussão, em face do caráter tendencialmente instrumental e subordinado das providências cautelares relativamente à ação principal, tal como consagrado no Art. 364.º n.º 1 do C.P.C. (vide, a propósito: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017, 3.ª Ed., pág.s 117 e ss), diremos que o Art. 17.º-E n.º 1 do C.I.R.E. abrangerá de igual modo as providências cautelares que tenham por finalidade principal garantir o efeito útil de “ações (principais) de cobrança de dívida”.
Na melhor das hipóteses discutidas na doutrina e jurisprudência, essas “ações principais de cobrança de dívida” serão aquelas destinadas à obtenção de pagamento de quantias pecuniárias. Pelo que, a providência cautelar de arresto de bens do devedor, destinados a garantir o pagamento de obrigações pecuniárias devidas ao credor requerente, estão claramente compreendidas na previsão do Art. 17.º-E do C.I.R.E..
Se, pelo contrário, a providência cautelar se destina à entrega judicial de bens que não são propriedade do devedor, mas estão sob a sua mera detenção material, como será o caso dos bens objeto de locação financeira, por regra não haverá motivo que justifique a suspensão do procedimento cautelar pendente ou a inibição do locador financeiro de o instaurar, porque a resolução do contrato, mesmo que fundada no não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, em condições normais, não implicará diretamente com o plano de pagamento das dívidas que são o motivo justificativo para o despoletar do processo negocial tendente à recuperação da empresa, nos termos dos Art.s 17.º-A e 17.º-B do C.I.R.E..”
Alinhamos nesta perspetiva, sem prescindir mais à frente da dita análise casuística.
Neste concreto procedimento não se tratando especificamente de ação “para cobrança de dívidas”, nem de apreensão de bens do património da devedora a fim de responderem pela satisfação daquelas dívidas, mas estando em causa a entrega cautelar à requerente de bens de que é proprietária e sobre os quais, já que está extinta a locação por resolução operada, terá de novo o seu domínio, a questão tem de ser vista por um prisma diferente, que passaria necessariamente por uma visão ainda mais abrangente do artº. 17º-E, nº. 1.
Obviamente, tendo já sido decretada a procedência da providência, pela sua execução a requerida ficará sem poder gozar as utilidades da máquina.
Não desconsideramos a evolução legislativa na matéria da recuperação de empresas, tão pouco as finalidades legislativas que estiveram na origem da introdução desta norma, tudo como vem devida e cuidadosamente salientado no Ac. da Relação do Porto de 26/9/2019, bem como no Ac. da Relação de Coimbra de 12/7/2017 (www.dgsi.pt, conforme todos os que citaremos).
Certo é que o legislador não operou ainda qualquer revisão no artº. 17º-E, nº.1, muito embora tenha tido para tal “oportunidade” face a sucessivas alterações do CIRE, nomeadamente incidindo sobre esse artigo.
Não se desconhece também a polémica relativamente ao âmbito ou abrangência do juízo antecipatório previsto no nº. 7 do artº. 21º do diploma invocado na providência –aqui pedido. Contudo essa polémica está arredada deste caso uma vez que a condenação não abrangeu –não foi pedido- o pagamento de rendas. Cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa 10/5/2011, que cita outros:
“Tem-se visto defender, no entanto, que esta antecipação do juízo sobre a causa principal só diz respeito ao preciso objecto do procedimento cautelar. Ora, este objecto é só a entrega do bem locado, não a condenação solidária dos requeridos (um deles como fiador) no pagamento das rendas vencidas e percentagem das rendas vincendas e do valor residual e juros vencidos e vincendos.
No fundo considera-se que o juízo e actividade sumária de um procedimento cautelar, para um simples pedido de entrega de uma coisa, não é, nem pode substituir um juízo de mais larga indagação, e com mais garantias processuais, de um objecto diverso.
Neste sentido da inadmissibilidade da decisão definitiva ir para além da condenação definitiva na entrega do objecto locado, vejam-se os seguintes dois acórdãos dos tribunais das Relações (o STJ, dada a natureza deste processo não tem tido ocasião de se pronunciar):” Coimbra, 30/6/2009; Lisboa, 28/9/2010. Já este Acórdão defende que não há razões para a interpretação restritiva.”
Conforme Marco Carvalho Gonçalves (“Providências Cautelares, 2º edição, pags. 144 a 154, com citação de abundante jurisprudência), e é a situação que se verifica nos autos face á condenação proferida (e não obstante a sanção pecuniária fixada que tem natureza indemnizatória), o que se evita com este juízo antecipatório é a propositura em duplicado de ações judiciais (procedimento cautelar e ação principal) com vista ao reconhecimento do incumprimento e da resolução do contrato e consequentemente a entrega do bem locado ao locador.
É verdade contudo que a operacionalização da resolução do contrato pressupõe o reconhecimento dos créditos, que assim daí emergem. Mas não estão em causa neste procedimento, o seu pendor essencialmente de cariz executivo, culminando com a entrega da coisa, não abrange qualquer crédito. E esses efeitos executivos têm que ver com um bem que é da requerente, não incide sobre o património da requerida.
Ainda que por trás deste pedido esteja mais do que mera declaração definitiva do direito à entrega do bem, nada mais foi aqui pedido, pelo que o objeto definitivo coincide aqui com o cautelar, e é só a entrega e não o direito à cobrança.
Note-se que (diferentemente da situação em causa no Ac. da Relação de Coimbra de 12/7/2017 já citado) a resolução aqui não foi litigiosa. E os autos já se encontram na fase de entrega do bem (-sem queremos com isto tirar qualquer tipo de ilação que entendemos ser abusiva quanto a um “mau uso” do PER -para evitar estas e outras diligências dos credores).
Seguimos por isso a seguir a posição que se nos afigura mais correta –o artº. 17º-E, nº. 1, CIRE, não abrange este procedimento aqui em concreto- desde logo pelas razões que são invocadas no Ac. desta Relação de 21/9/2017, que por sua vez adere á posição do Acórdão desta mesma Relação de 2/6/2016 e que são, passando a citar-se sumariamente:
“Em primeiro lugar, pelas razões nele expostas, que se nos afiguram mais consentâneas com as regras interpretativas, tendo em conta a clareza da letra da lei e o sentido unívoco da expressão “acções para cobrança de dívida” no meio forense e, portanto, entre juristas. A tarefa de interpretar e de, para o efeito, lançar mão das regras legais, doutrinais e jurisprudenciais, pressupõe que a norma compreenda uma pluralidade de sentidos possíveis e haja necessidade de reconstituir o pensamento legislativo. Porém, como refere o nº 2, do artº 9º, do C. Civil, não pode o intérprete considerar aquele que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência. A providência cautelar de entrega em nada corresponde literalmente a acção para cobrança de dívida.
Em segundo lugar, porque a suspensão da providência de entrega seria inconsequente após a aprovação e homologação de plano de recuperação, uma vez que manifestamente subtraída à compreensível e coerente extinção das acções para cobrança de dívida prevista na parte final do nº 1, do artº 17º-E.
Em terceiro lugar, porque, ante a polémica criada, o legislador, presumidamente dela bem ciente, entendeu, na sua mais recente intervenção, manter “ipsis verbis” a redacção do preceito conformando-se com a sua clareza e implicitamente considerando desnecessário qualquer aperfeiçoamento facilitador da interpretação. Tal só pode ter sucedido porque ponderou ter a jurisprudência, naquela orientação mais chegada à sua letra, alcançado o sentido verdadeiramente por si querido e adequadamente expressivo do seu pensamento (artº 9º, nº 3, CC).
Em quarto lugar, porque subjazendo ao entendimento contrário a ideia de que se está ante lacuna carente justamente de regulamentação e justificativa de recurso à analogia ou a de que o legislador terá dito menos do que pretendia e deve colmatar-se a sua falha por interpretação extensiva, não nos parece estar-se ante caso que justifique lançar mão de tais recursos. (…)”.
Deriva depois o Acórdão para considerações com aplicação ao caso concreto.
Acrescentamos nós e reforçando, em contra-argumento à forte razão apontada pela posição que preconiza a suspensão, que o legislador certamente sopesou os vários interesses em jogo: o interesse público de salvaguarda da atividade económica nacional, através da revitalização/recuperação de empresas em crise, deixando secundarizado o escopo de liquidação, nos dizeres do Ac. da Relação do Porto de 26/9/2019, mas também os interesses do demais envolvidos na teia da vida empresarial (-destaca-se mais uma vez que o património em causa, dada a resolução, não é do devedor), e, não obstante, optou e manteve a opção por se referir a “cobrança de dívidas”, sendo para nós, salvo o devido respeito por opinião contrária, por um critério teleológico abranger sob a “capa” do artº. 17º-E, nº. 1, toda a atividade económica do devedor, em prol da defesa daquele outro interesse mais vasto. Dispõe o artº. 9º, nº. 3, do C.C., além do disposto nos nºs. 1 e 2, que na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Veja-se ainda o alcance que o legislador exprimiu de forma expressa nos nºs 7, 8 e 9 do mesmo artigo.
Agora respondendo ao conteúdo das contra-alegações, não se está desta forma a privilegiar um credor porque não está em causa o exercício de um direito de crédito; está em causa a recuperação de um bem. Ainda que o dispositivo abrangesse, numa interpretação totalmente ampla, o lado passivo de qualquer relação obrigacional (englobando a prestação de coisa ou de facto), não é isso que está em causa nestes autos, estão em causa os efeitos de uma resolução contratual, ou seja, os efeitos da “extinção” da relação/contratual e consequentemente obrigacional. E mais longe ainda, estamos já na fase da entrega propriamente dita, pelo que ainda que se pudesse preconizar que se aplica o artº. 17º-E, nº. 1, quando o despacho previsto no artº. 17º-C, nº. 4, fosse proferido em fase anterior ao trânsito da decisão, também não seria aqui aplicável.
Respondendo mais uma vez às contra-alegações, é verdade que pode ser renegociado um novo contrato no âmbito das negociações; mas não vemos é como é que esse argumento implica a suspensão da instância, pois que se for renegociado será então de novo cumprido e colocado de novo o bem à disposição do devedor, com maior ou menor hiato temporal (-o que depende sempre do decurso das negociações). A renegociação do contrato pode sempre e qualquer altura ser feita, o que se trata no PER é o pagamento das rendas vencidas.
Acresce e com muita pertinência o argumento relativo à posterior extinção da instância, consequência direta da suspensão aí prevista, salvo se o plano prever a sua continuação tal como resulta da leitura do dispositivo. Essa consequência é meramente adjetiva ou processual e não substantiva. Ora, não se visando a cobrança de dívida, não tem cabimento a extinção da instância por força da homologação do plano de recuperação que incide sobre o modo de pagamento de créditos.
Por outro lado, caso o plano de recuperação não “chegue a bom porto”, todos os efeitos da apresentação ao PER cessam –artº. 17º-G, nºs. 1 e 2. A não ser que tal se verifique porque a empresa está antes em situação de insolvência.
E se assim for, então, e sendo declarada a insolvência do devedor, a regra que vigora no tocante às ações declarativas à data existentes é a de, quando muito, serem as mesmas apensadas ao processo de insolvência, caso tal apensação seja requerida pelo administrador da insolvência (cfr. artº. 85º, do CIRE), e não suspensas. As diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente, essas são suspensas, obstando a declaração de insolvência ainda à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência (cfr. artº. 88º, nº. 1, do CIRE). Ora, não cremos que o bem locado operada a resolução, possa integrar a massa insolvente –cfr. Ac. da Relação do Porto de 27/9/2017-, tão pouco na presença de uma ação declarativa pendente (-novas divergências se levantam nesta matéria com a conciliação do artigo com a locação –cfr. a título de exemplo o Ac. da Relação de Évora de 16/12/2014).
Igualmente podemos estabelecer o paralelismo em sede interpretativa com o que foi regulado no artº. 11º, nº. 2, do DL nº. 178/2012, de 3/8 (que instituiu o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, já revogado pelo artigo 36º, nº. 1, da Lei n.º 8/2018, de 2/3), no qual se dizia que: “O despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE obsta à instauração contra a empresa, ou respetivos garantes relativamente às operações garantidas, de quaisquer ações executivas para pagamento de quantia certa ou outras ações destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias enquanto o procedimento não for extinto, e suspende, automaticamente e por igual período, as ações executivas para pagamento de quantia certa ou quaisquer outras ações destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa, ou respetivos garantes relativamente às operações garantidas, que se encontrem pendentes à data da respetiva prolação”. Articula-se por isso na mesma linha do artº. 88º, nº. 1.
Aceitando-se então que a “expressão ações para cobrança de dívidas” a que se refere o artº. 17º-E, nº. 1, abrange as ações executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos nos artigos 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios de ações que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal, e ainda que se aceitando-se também que abrange as ações declarativas, as ações executivas para entrega de coisa certa, as ações executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares, não cremos ainda assim que, dada a particularidade deste, abrange em tese o procedimento cautelar destinado a obter a entrega coerciva dos bens entregues em regime de locação financeira, e em concreto que o abranja quando em fase de entrega e já consumada a resolução, como sucede no caso presente (não sendo pedido o pagamento das rendas, mas apenas de uma “indemnização pelo atraso na entrega, matéria relativamente à qual a instância já está finda). Deixamos assim em aberto a hipótese de o abranger numa fase anterior e nomeadamente quanto a resolução é litigiosa.
Mais reportado ao caso concreto, acrescentamos como argumento que não sabemos se as razões que presidiram a este dispositivo e à suspensão da instância estão presentes no mesmo, pois que não sabemos da imprescindibilidade da máquina em questão, nem podemos “presumir” que a sua falta afeta a vida económica (supostamente já de si frágil, daí o PER) da empresa. Entendemos que não é possível concluir em abstrato que o prosseguimento destas ações impede ou inviabiliza as finalidades essenciais do PER, a dita recuperação/revitalização, e as razões de interesse público que lhe subjazem. E para sum juízo concreto poderia valer o apelo ao disposto no artº. 272º, nº. 1, do C.P.C., a que voltaremos mais à frente.
Nem a cobrança das rendas nem a “indemnização” pelo atraso estão/vão ser aqui operacionalizadas –só a entrega do bem, sendo esse o escopo em que se esgota o procedimento.
Por isso, e mais uma vez aferindo da situação casuisticamente, o património da requerida não vai ser aqui “beliscado”, acrescendo que o que tinha de ser apreciado quanto a tal já foi; ou seja, a condenação na quantia pecuniária contratualmente prevista por cada dia de atraso na entrega da máquina já foi proferida, portanto não faz sentido ser argumento para a suspensão da instância que…nesse item já findou (-não vamos suspender o que já está extinto ou findo). A instância segue apenas para a concretização da entrega da máquina determinada pela mesma decisão, não fazendo para nós sentido que seja esta matéria (que como vimos, na nossa perspetiva, nada tem de cobrança de dívida ou ataque ao património da requerida) a ficar paralisada por força de uma suspensão baseada naquele outro ítem (secundário), esse sim de cariz patrimonial (o pagamento da indemnização não sendo “strictu sensu uma dívida a cobrar, é similar) mas cuja instância já não corre.
Tendo-se concluído desta forma, terá ainda de se aferir se é caso de suspensão da instância ao abrigo do artº. 272º, nº. 1, C.P.C.. Esta hipótese foi avançada pelo Tribunal recorrido, de certo modo como argumento subsidiário para o caso de se entender que improcede o primeiro. E por isso constitui objeto deste recurso em que se pretende obter a revogação da suspensão, muito embora a recorrente a ele não se tenha referido expressamente (no sentido de o rebater).
Este artigo prevê a suspensão por causa prejudicial ou por motivo justificado. Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1º, pag. 550 da 4ª edição. Claramente está afastada esta hipótese no caso concreto, pois que a ação de recuperação e a sua “sorte” não interfere com o pedido de restituição do bem por força de resolução do contrato de locação já operada.
Resta saber se há motivo justificado para a suspensão. E aqui temos de arredar os argumentos que fundamentariam a aplicação do artº. 17º-E, nº. 1, nomeadamente razões de ordem teleológica, porque assim estaríamos a operar por uma via o que pela outra não se quis abarcar. As razões subjacentes às negociações em curso e ao objetivo de recuperação das empresas poderiam justificar a opção legislativa plasmada no artº. 17º-E, nº. 1, expressamente ou implicitamente.
Se entendemos que não foi o caso, então teremos de verificar se há outros e diferentes argumentos/motivos que justifiquem a suspensão em concreto, que não meros juízos abstratos (ficando assim afastado o argumento das contra-alegações).
E no caso concreto cremos que não há. Não foram trazidos para os autos argumentos no sentido de, por exemplo e repetindo, a atividade da requerida ficar paralisada sem aquela máquina, porque até só tem aquela para aquele trabalho (ou se pelo contrário a máquina nem estava afeta à produção), ou se por exemplo estivessem em causa as instalações, e por isso se a sua entrega poderia comprometer a vida empresarial da requerida (e, se mais se entender, a sua eventual recuperação ou as finalidades de um PER; até porque, repete-se, a suspensão teria de ter um termo, e o período é curto, antes voltaria “a correr”).
Em suma, entendemos que o despacho sob recurso deve ser revogado determinando-se a tramitação dos autos, sem prejuízo de a requerida poder eventualmente apresentar requerimento em que ainda concretize o pedido de suspensão por motivo justificado.
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VI DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogar decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas do recurso pela recorrida (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 17 de dezembro de 2020.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)