Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1587/20.7T8GMR.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Quando numa causa o réu é condenado a indemnizar o autor, porque o Tribunal se convenceu da realidade dos factos alegados com base em toda a prova produzida, incluindo depoimentos de várias testemunhas, e esse julgamento é confirmado em recurso pela Relação, não pode o Réu vir posteriormente intentar uma acção a pedir uma indemnização a uma das testemunhas ali ouvidas alegando que ela mentiu em audiência, para ser ressarcido do valor que foi condenado a pagar e pagou naquela acção, pois a isso opõe-se a autoridade do caso julgado do primeiro processo, no qual o depoimento daquela testemunha foi analisado e considerado credível.
2. O julgamento sobre a credibilidade daquela testemunha efectuado, com trânsito em julgado no primeiro processo, impõe-se necessariamente no segundo.
3. Ainda que assim não fosse, e o Tribunal viesse agora a concluir que a testemunha tinha mentido, o alegado dano sofrido pelo autor não teria sido causado pela testemunha, mas sim pela decisão judicial condenatória, o que significa que a acção para ressarcimento dos alegados danos deveria ser intentada não contra a testemunha, mas sim contra o Estado, ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, pelo exercício da função jurisdicional, constante da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.
4. Ou, estando reunidos os requisitos para tal, poderia o lesado interpor recurso extraordinário de revisão.
5. Assim, uma acção de indemnização intentada contra réu que foi ouvido como testemunha em processo anterior, pedindo a condenação dele a ressarcir o autor pelo prejuízo sofrido com a prolação da sentença, está sempre votada ao fracasso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

O Banco ..., S.A. – Sociedade Aberta, intentou contra A. C. acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, para ressarcimento dos danos sofridos em virtude da conduta do réu, o qual, ouvido como testemunha em processo no qual o ora autor era demandado por um cliente, prestou falso depoimento, o qual levou à procedência da acção e consequente condenação do ora autor a indemnizar o seu cliente no montante que este peticionava. O autor interpôs recurso dessa sentença mas como a mesma foi confirmada na Relação e no Supremo, tendo transitado em julgado, acabou por pagar ao demandante o montante arbitrado pelo Tribunal.

Apesar de a definição dos factos provados ter assim ficado definitivamente decidida naquele processo (6917/16.3T8GMR), por toda a prova produzida ter sido reapreciada em recurso na Relação, chegando esta à conclusão, definitiva porque transitada em julgado, que a matéria de facto estava bem julgada, e o direito bem aplicado, o ora autor não se conformou, e por isso intentou a presente acção na qual vem alegar o seguinte:

a) só foi possível julgar aquela acção procedente com fundamento nos factos constantes dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e só foi possível estes factos serem dados como provados com base no depoimento falso prestado em audiência como testemunha pelo aqui réu A. C. que, ao tempo da subscrição das obrigações, era funcionário do Banco ... e foi quem, na circunstância, atendeu aquele J. A.;
b) não são verdadeiros os factos que o Tribunal deu como provados e que constam dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do elenco constante da sentença da Primeira Instância e do Acórdão da Relação de Guimarães sobre ela proferido.
c) se é certo que os mesmos foram dados por provados, tal ficou a dever-se ao depoimento produzido em audiência final pelo aqui réu A. C.;
d) quando depôs em tribunal na acção intentada por J. A., o aqui réu já não era funcionário do Banco ... pois o respectivo contrato de trabalho tinha sido resolvido por despedimento com invocação de justa causa fundada no facto de, enquanto trabalhador, ter ele praticado a adulteração de valores faciais de cheques, beneficiando, assim, de forma indevida e fraudulenta, de fundos de clientes, sendo que por estes factos ele foi criminalmente condenado.
e) o que o réu assim declarou naquela audiência de julgamento não é verdade, nem como tal alguma vez se passou.
f) nunca o Banco deu instruções para que os seus funcionários, ao colocar produtos financeiros ao balcão, informassem falsamente os clientes dando-lhes por seguros e garantidos os investimentos em obrigações ou em acções.
g) jamais deu instruções para que informassem os clientes que o investimento em obrigações, designadamente as Obrigações que a Telecomunicações ... emitiu em 2012 e que eram as que estavam em causa na acção em que o Réu depôs como testemunha, era tão seguro como uma aplicação em depósito a prazo;
h) ao agir como agiu, o réu faltou ao dever de fidelidade em relação à verdade, quebrando o juramento que prestou antes de depor e, deste modo, violando o disposto no art. 459º do Código de Processo Civil;
E é por isso que agora vem pedir a condenação do réu no pagamento da quantia de €65.564,43, acrescida de juros, a título de indemnização por danos patrimoniais.

O réu contestou, impugnando os factos alegados na petição inicial.
Concreta e resumidamente, o réu disse que: a) tudo o que ele declarou na qualidade de testemunha na acção de Processo Comum n.º 6917/16.3T8GMR foi a verdade; b) é alheio à forma como o seu depoimento foi valorado nas instâncias, no âmbito do processo judicial supra mencionado; c) nunca em momento algum o Réu garantiu ter vendido ao ali Autor o produto financeiro em causa na referida acção, ou sequer ter-lhe prestado uma informação como a que resultou provada no ponto 5 da douta sentença; d) resulta à saciedade, quer da douta sentença, quer do douto acórdão proferidos na mencionada acção judicial, que não foi devido ao depoimento do Réu que foram julgados provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 da referida douta sentença;

Foi dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, onde se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal.
Foi então proferida sentença, que julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu o réu do pedido.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo
(cfr. arts. 629º,1, 631º,1, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a), e 647º,1, todos do Código de Processo Civil). Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1ª. O presente recurso tem por objecto obter a modificação do julgamento da matéria de facto para depois, e na sequência da modificação operada, se obter a alteração da decisão de direito mediante a inerente condenação do recorrido a indemnizar o Recorrente pelo prejuízo decorrente do falso testemunho que prestou;
2ª. A improcedência da acção resultou, na Instância, de o Tribunal da Comarca ter dado como não provados os factos constantes dos números Pontos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10, todos eles alegados na petição inicial da acção como fundamento da responsabilidade civil pedida ao réu;
3ª. Estes factos, no provimento do presente recurso, devem todos eles merecer resposta de provados;
4ª. O Tribunal da Instância errou ao dar aqueles factos como não provados porque, sabendo-se que a natureza jurídica das obrigações da Telecomunicações ..., emitidas em 2012, não autorizava de modo nenhum a informação aos clientes de que envolviam um investimento tão seguro como o de um depósito a prazo, não interligou, em termos de convicção probatória, esta regra de experiência da vida com os depoimentos concordantes que foram prestados em audiência pelas testemunhas A. L. e A. V.;
5ª. São decisivos para chegar a esta conclusão os excertos dos depoimentos destas duas testemunhas que se escutam nos segmentos gravados a minutos 08:10 a 13:45 e 22:25 a 24:00;
6ª. Se articularmos os depoimentos prestados por estas testemunhas com a regra da experiência da vida que nos diz, fora de casos extremos, que o que é evidente, evidente é, temos que a sentença recorrida, ao dar como não provados os factos elencados na Conclusão 2ª violou o disposto no nº 5 do artº 607 do Cód. Proc. Civil que, ao conceder ao juiz da causa a liberdade de apreciar as provas segundo a sua prudente convicção, o que lhe concede é uma liberdade para a objectividade e não para a mera subjectividade;
7ª. Objectivamente apreciada a prova, está bom de concluir e concluir com segurança que o aqui Recorrido, ao depor como depôs no processo em que o Recorrente foi réu, faltou conscientemente à verdade por bem saber que no momento da subscrição das obrigações não podia ter dito e de certeza não disse ao cliente que podia subscrever as obrigações tranquilo por aquele produto financeiro ser tão seguro como um depósito a prazo; Assim,
8ª. Não tendo o Recorrido dito ao cliente aquando da subscrição das obrigações da Telecomunicações ... em 2012 que estas eram de capital tão garantido como se se tratasse de um depósito a prazo – não o tendo dito, necessariamente que faltou conscientemente à verdade quando, na audiência final da acção intentada por aquele cliente contra o Banco, afirmou o contrário, acusando o Banco de, por seu intermédio, ter violado o dever de informação em que estava constituído;
9ª. Reapreciado o julgamento da matéria de facto temos que devem ser dados como provados os seguintes factos:
a. Que não são verdadeiros os factos que o Tribunal deu como provados e que constam dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do elenco constante da sentença da Primeira Instância e do Acórdão da Relação de Guimarães sobre ela proferido.
b. Que os factos dados por provados na acção intentada contra o Banco o foram em consequência do depoimento falso produzido em audiência pelo aqui réu A. C..
c. Quando depôs em tribunal na acção intentada por J. A., o aqui réu já não era funcionário do Banco ... pois o respectivo contrato de trabalho tinha sido resolvido por despedimento com invocação de justa causa fundada no facto de, enquanto trabalhador, ter ele praticado a adulteração de valores faciais de cheques, beneficiando, assim, de forma indevida e fraudulenta, de fundos de clientes.
d. Nunca o Banco deu instruções para que os seus funcionários, ao colocar produtos financeiros ao balcão, informassem falsamente os clientes dando-lhes por seguros e garantidos os investimentos em obrigações ou em acções.
e. E jamais deu instruções para que informassem os clientes que o investimento em obrigações, designadamente as Obrigações que a Telecomunicações ... emitiu em 2012 e que eram as que estavam em causa na acção em que o Réu depôs como testemunha, era tão seguro como uma aplicação em depósito a prazo.
f. Quando o Réu falou com o referido J. A. em 2012, não lhe disse que o investimento em Obrigações da Telecomunicações ... que o mesmo subscreveu era de capital garantido, pois sabia bem que, como obrigações que eram, correspondiam à emissão de dívida que estava sujeita à solvabilidade da emitente Telecomunicações ....
g. Quando, na acção 6917/16.3T8GMR, o aqui réu produziu em audiência final as declarações atrás transcritas sabia bem que estava a produzir afirmações que não eram verdadeiras pois as não tinha produzido quando falou com o cliente em 2012.
10ª. Dados estes factos como provados, deles decorre a inevitável procedência da acção porque transportam consigo, quer a ilicitude, quer a culpa, enquanto pressupostos da responsabilidade civil que está pedida na acção;
11ª Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no nº 5 do artº 607º do Cód. Proc. Civil e, por ausência de aplicação, o disposto no artº 483º do Código Civil.

O recorrido apresentou contra-alegações, findando com as seguintes conclusões:

1- Peticiona o apelante a alteração da resposta dada aos factos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10 como não provados, entendendo que os mesmo se deverão dar como provados;
2- Entendendo da conjugação da prova documental e dos depoimentos ouvidos em sede de discussão e julgamento ter ficado provado que o apelado prestou depoimento falso no processo 6917/16.3T8GMR o que teria levado à sua condenação (da apelante) no pagamento de determinada quantia a terceira pessoa;
3- Porém, sem qualquer razão, bastando para o efeito, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, atender quanto ao que ficou dito e supra transcrito pelas testemunhas A. L. e A. V. que não conhecem o apelado e que nada sabem em concreto quanto aos factos em discussão nos presentes autos.
4- A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe a verificação de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso - cf. art. 483.º, n.º 1, do CC.;
5- Por constitutivo do respectivo direito indemnizatório, é o lesado, enquanto demandante cível, que tem o ónus de provar os factos constitutivos da responsabilidade civil por facto ilícito nos termos supra-indicados - cf. art. 342.º, n.º 1, do CC.;
6- Ora, não existindo qualquer conduta do apelado e, muito menos, que se possa qualificar como ilícita, inexiste, na situação sub judice, dois dos indicados pressupostos da responsabilidade civil;
7- Em consequência, dada a natureza cumulativa de tais pressupostos, supra indicados, sem necessidade de apreciar os restantes, inexiste o direito indemnizatório invocado pelo apelante nos presentes autos, pelo que será de manter a douta sentença “a quo”.
8- A douta sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consistiria em saber se o Tribunal recorrido tinha errado ao decidir a matéria de facto, e, caso a resposta fosse afirmativa, aplicar o Direito à nova factualidade assente. Como veremos, tal não será possível.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) No ano de 2016, o Banco ..., aqui autor, foi demandado por J. A. em acção que pendeu sob o nº 6917/16.3T8GMR do Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 4, para efeito de ser condenado a restituir-lhe a quantia de 59.277,81 €, acrescida de juros à taxa de 6,25% contados desde 12 de Julho de 2012 e de uma compensação por danos não patrimoniais que, na petição, foi fixada em 10.000,00 €.
B) Para tanto, alegou o autor que em Julho de 2012 adquiriu no Banco ... € 59.277,81 de Obrigações da Telecomunicações ... Internacional Finance ... por lhe ter sido garantido pelo funcionário do Banco que o atendeu ao balcão que aquele produto não tinha risco de capital ou de juros e que o autor o poderia movimentar quando quisesse, tendo ficado convencido que se tratava de produto financeiro análogo a depósito a prazo.
C) Efectuado o julgamento daquela acção, o Tribunal da 1ª Instância deu como provados os seguintes factos: 1) O autor é titular da conta bancária aberta no Banco ... com o nº .........79. 2) Em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.277,81. 3) Este lançamento correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de € 1.000,00 cada, de "Obrigações Telecomunicações ... taxa fixa 2012/2016 6,25 %". 4) Aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25% / ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos. 5) O funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse. 6) O funcionário do réu sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa. 7) No momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas. 8) Nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento. 9) Nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento do réu. 10) No dia 27.07.2016 vencia-se o produto que o autor pensava corresponder a um depósito a prazo, tendo o mesmo ido à Agência de Fafe com o intuito de resgatar a quantia empregue. 11) Nessa data o autor foi informado de que não havia constituído um depósito a prazo mas sim subscrito as Obrigações da Telecomunicações ..., as quais nessa data se encontravam bloqueadas. 12) Com o sucedido, o autor passou a encontrar-se num permanente estado de preocupação, ansiedade e tristeza, com constrangimentos financeiros, receio de não reaver o seu dinheiro ou de não saber quando poderia reavê-lo, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida. 13) As “Obrigações Telecomunicações ... Taxa Fixa 2012/2016” correspondiam a um título de dívida não subordinado caracterizado por uma rentabilidade superior à das aplicações tradicionais, com pagamento semestral de juros a uma taxa fixa bruta pré-definida de 6,25 por cento ao ano. 14) Segundo as suas condições de emissão, a Telecomunicações ... Internacional Finance ... obrigou-se a reembolsar as obrigações aos subscritores, pelo seu valor nominal, de uma só vez, em 26 de Julho de 2016, tendo assim este investimento uma maturidade de quatro anos (26.07.2012 a 26.07.2016). 15) À data, a maioria dos cidadãos e instituições bancárias acreditava que a Telecomunicações ... Internacional Finance ... tinha uma situação económica e financeira sólida. 16) O autor investiu em acções da Distribuidora de Energia … e do X no período compreendido entre 1998 e 2001. 17) O funcionário bancário que atendeu o autor solicitou-lhe a prestação de informações com vista a apurar o seu perfil de investidor e, face às respostas dadas, aquele foi classificado como Investidor Não Profissional, tendo assinado o documento que corporiza aquele questionário, do qual consta, entre o demais, o seguinte teor: «[l] Li e compreendi a informação prestada neste documento e concordo que é adequada e fiável. Compreendo, de igual modo, que investimentos especulativos em instrumentos financeiros podem eventualmente permitir eventuais ganhos mas podem originar perdas substanciais que, em alguns casos, poderão ser superiores ao valor do capital investido. Caso opte por esse tipo de investimento assumo que o faço por minha conta e risco e (…) as decisões de investimento que concretizar serão da minha inteira responsabilidade». 18) O autor subscreveu uma declaração elaborada pelo réu com o seguinte teor: Pretende adquirir o instrumento financeiro Telecomunicações … Taxa Fixa 2012/2016 6,25 % X; Que o Banco … solicitou ao cliente e este prestou ao Banco, nos termos legalmente aplicáveis, toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência e matéria de investimento e/ou sobre o seu património. Que com base na informação prestada o Banco ... o advertiu expressamente que não considera a presente operação adequada ao seu perfil de cliente”. 19) No documento referido no artigo anterior consta que o autor: (i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Banco ..., e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento; (ii) sabe poder assumir, em resultado de operações sobre este concreto instrumento financeiro, compromissos e obrigações adicionais, nomeadamente patrimoniais, além do custo da presente aquisição, pelo que a sua decisão de investimento é esclarecida e tomada sob a sua única e total responsabilidade; (iii) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Banco ... para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda”. 20) O Banco réu emitiu uma nota de lançamento da subscrição e enviou para a morada do autor, que a recebeu, e onde vem enunciada a compra de títulos na …, Telecomunicações … TAXA FIXA 2012/2016 6,25% (SUBSCRIÇ). 21) Nos meses de Julho e Janeiro dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, foram creditados os rendimentos desta operação na conta de depósitos à ordem do autor, que os embolsou, no montante total de € 9.006,34. 22) Tendo-lhe sido remetidas as respectivas notas de lançamento. 23) A Telecomunicações ... International Finance B.V, na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, não efectuou qualquer reembolso. 24) No dia 21 de Junho de 2016 a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou a suspensão da negociação das obrigações “Obrigações Telecomunicações ... Taxa Fixa 2012/2016” até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Y, apresentado no dia 20 de Junho. 25) Esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente. 26) Ao longo dos (mais) de quatro anos que mediaram a subscrição do produto em questão e a propositura da presente acção, o autor recebeu mensalmente o extracto combinado da conta nº .........79, que o Banco lhe enviou, onde vem descrita e bem identificada, num capítulo reservado a “carteira de títulos” a aplicação em causa.
D) Em consequência destes factos terem sido dados como provados, conjugados com o facto de a Telecomunicações ... não ter efectuado no vencimento, em 2016, o pagamento do capital das obrigações em causa, a acção foi julgada provada e procedente e, em consequência, o Banco ... condenado a pagar àquele J. A. a quantia de € 65.564,43, correspondendo € 59.277,81 a capital, € 1.286,62 a juros e € 5.000,00 a danos não patrimoniais.
E) Inconformado com esta decisão, o Banco ... interpôs recurso de apelação cujo objecto estendeu ao julgamento da matéria de facto efectuado pela Primeira Instância.
F) O recurso interposto pelo Banco veio porém a não ter provimento, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães confirmado, tanto o julgamento da matéria de facto como o julgamento de direito que sobre ela recaiu.
G) Inconformado também com este acórdão, o Banco recorreu de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, revista que, apesar de admitida, não teve provimento.
H) Cumprindo a sentença, o Banco pagou ao referido J. A., desembolsando dinheiro que era seu, a quantia de € 65.564,43.
I) Na sentença da primeira instância lê-se no capítulo da fundamentação que, das palavras da testemunha, aqui réu, “resultou que havia campanhas no Banco e indicações da Direcção Comercial para venderem estes produtos, particularmente as obrigações, devendo fazê-lo como se fossem produtos a prazo, reforçando essa ideia de segurança. Daí que, conforme admitiu, como se sentia sempre bastante pressionado pelos resultados, mesmo quando estavam em causa obrigações emitidas por sociedades externas ao grupo, possa ter dito ao autor que aquele produto tinha a segurança de um depósito a prazo, onde o capital está sempre garantido.”
J) No Acórdão da Relação de Guimarães que reapreciou o julgamento da matéria de facto e o manteve nos precisos termos pode ler-se, a propósito do depoimento prestado pelo aqui Réu: “…a importância do seu depoimento reside no facto de, reconhecendo ele a sua rubrica nos documentos relacionados com esta aplicação juntos aos autos pelo próprio Banco Réu, e, portanto, a sua intervenção na referida operação bancária, o mesmo ter admitido que, “como comerciais”, “podiam reforçar segurança” dizendo “isto é como um depósito a prazo, isto é garantido”, podendo ter sido isso que sucedeu, “sobretudo se eram obrigações”.
K) Ouvido a pergunta da advogada do autor, disse o aqui réu que “… às vezes tínhamos indicações, por exemplo da direcção comercial, que nos dava total segurança do produto, dizia podem vender por exemplo um produto como se fosse um depósito a prazo, dêem garantia ao cliente, era o que a gente por vezes dizia, isso era uma prática.”
L) E dizendo mais, disse, ter podido dar garantia ao produto já que “nós, como comerciais há … também com a pressão de ter de comercializar os produtos”.
M) E acrescentou, sem se limitar “Exactamente. Podíamos eventualmente ter manifestado reforçar a segurança, olhe que isto é como um depósito a prazo, isto é garantido, podemos ter dito isso”.
N) Respondendo a pergunta posta pela advogada do autor que o interrogou sobre a concreta informação prestada a propósito das Obrigações da Telecomunicações ... que estavam em causa na acção disse: “…pode ter acontecido que a direcção nos tenha porque era prática do Banco … (…), havia resultados que tínhamos de obter e por vezes éramos instigados a comercializar produtos, não atropelar regras mas a reforçar que era seguro, que era um produto seguro, isso admito que possa ter acontecido”.

FACTOS NÃO PROVADOS

1- Não são verdadeiros os factos que o Tribunal deu como provados e que constam dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do elenco constante da sentença da Primeira Instância e do Acórdão da Relação de Guimarães sobre ela proferido.
2- Os factos dados por provados na acção intentada contra o Banco o foram em consequência do depoimento falso produzido em audiência pelo aqui réu A. C..
3- Quando depôs em tribunal na acção intentada por J. A., o aqui réu já não era funcionário do Banco ... pois o respectivo contrato de trabalho tinha sido resolvido por despedimento com invocação de justa causa fundada no facto de, enquanto trabalhador, ter ele praticado a adulteração de valores faciais de cheques, beneficiando, assim, de forma indevida e fraudulenta, de fundos de clientes.
4- Sendo certo que, por estes factos, foi mesmo criminalmente condenado.
5- O Réu prestou estas declarações na audiência de julgamento do processo nº 6917/16.3T8GMR, atrás melhor identificado depois de ter sido advertido pelo Juiz da causa, a coberto do disposto no artº 459º do Código de Processo Civil, da obrigação de ser fiel à verdade, tendo sido advertido das sanções aplicáveis às falsas declarações.
6- Foi por isso que, advertido de tudo isto, prestou juramento, jurando falar verdade e só a verdade.
7- Nunca o Banco deu instruções para que os seus funcionários, ao colocar produtos financeiros ao balcão, informassem falsamente os clientes dando-lhes por seguros e garantidos os investimentos em obrigações ou em acções.
8- E jamais deu instruções para que informassem os clientes que o investimento em obrigações, designadamente as Obrigações que a Telecomunicações ... emitiu em 2012 e que eram as que estavam em causa na acção em que o Réu depôs como testemunha, era tão seguro como uma aplicação em depósito a prazo.
9- Quando o Réu falou com o referido J. A. em 2012, não lhe disse que o investimento em Obrigações da Telecomunicações ... que o mesmo subscreveu era de capital garantido, pois sabia bem que, como obrigações que eram, correspondiam à emissão de dívida que estava sujeita à solvabilidade da emitente Telecomunicações ....
10-Quando, na acção 6917/16.3T8GMR, o aqui réu produziu em audiência final as declarações atrás transcritas sabia bem que estava a produzir afirmações que não eram verdadeiras pois as não tinha produzido quando falou com o cliente em 2012.

IV
Antes de olhar para as conclusões de recurso, há uma Questão Prévia cujo conhecimento imediato se impõe.
Lendo o resumo que supra ficou feito no relatório, é impossível não pensar imediatamente que a presente acção surge como uma maneira de contornar a decisão transitada em julgado que foi produzida naquele processo 6917/16.3T8GMR, tentando fazer com que o depoimento de uma das testemunhas ali ouvidas, agora na posição de réu, seja novamente reapreciado, pela terceira e quarta vezes, sobre a mesma exacta matéria de facto, com o objectivo de obter decisão contrária à que ali foi proferida.
Com efeito, se representarmos estas duas acções, graficamente, como circunferências numa folha de papel, veremos que a presente acção, a que corresponde uma circunferência mais pequena, está situada dentro da circunferência maior que corresponde à acção já decidida com trânsito em julgado. Queremos com isto dizer que o objecto da presente acção coincide com parte do objecto da acção previamente julgada.

Para que sobre isto não haja a menor dúvida, repare-se como a Relação, ao julgar o recurso no P. 6917/16.3T8GMR, reapreciou a prova produzida, nomeadamente o depoimento da testemunha ora réu (alguns excertos):

Neste contexto, é verosímil o relato feito pelo filho e pela mulher do Autor, no sentido não só de que a iniciativa de investimento do dinheiro da conta à ordem na aplicação ora em causa partiu da esfera do Banco (concretamente, da testemunha A. F., então funcionário do Banco), como também que, segundo o funcionário que falou com eles (o referido A. C.), “aquilo era uma conta-poupança”, um investimento “sem risco” (nas palavras do filho do Autor), era “pôr o dinheiro a prazo” (na expressão da mulher do Autor).
E é este relato – que, pelas razões que já se referiu, não é de estranhar face às regras da normalidade e da experiência – que é corroborado pelo depoimento do referido A. F. quando admitiu que, nas palavras da sentença recorrida, possa ter dito ao autor que aquele produto tinha a segurança de um depósito a prazo, onde o capital está sempre garantido.
Defende o Recorrente que, face à própria motivação da 1ª instância, não resulta que o funcionário A. F. tenha assegurado essa realidade, tal como ficou provado no ponto 5º da matéria de facto.
Sucede, porém, que, como se viu, este depoimento não vale por si só, valendo, sim, sobretudo, como complemento, corroboração, dos depoimentos das testemunhas acima referidas, enquanto testemunho do genérico modo de proceder que era o do referido funcionário do Banco Réu.
Veja-se que esta testemunha nunca disse que se recordava da concreta venda em causa, apenas se recordando de ter atendido o Autor algumas vezes, não podendo, por isso, logicamente, assegurar ter, em concreto, procedido desta ou daquela maneira. A importância do seu depoimento reside no facto de, reconhecendo ele a sua rúbrica nos documentos relacionados com esta aplicação juntos aos autos pelo próprio Banco Réu e, portanto, a sua intervenção na referida operação bancária, o mesmo ter admitido que, “como comerciais”, “podiam reforçar segurança”, dizendo “isto é como um depósito a prazo, isto é garantido”, podendo ter sido isso que sucedeu, “sobretudo se eram obrigações”.
E não se pode dizer que, como defende o Recorrente, a revolta que este ex-funcionário nutre contra o Banco Réu é notória e ficou bem explicita no seu depoimento. Com efeito, apesar de ter sido despedido pelo Banco com justa causa, percebe-se que o referido A. F. rapidamente refez a sua vida, tendo características que aparentemente lhe garantem sucesso – “é um comunicador, ele sabe falar”, “é uma pessoa que conhece muita gente, as pessoas dão-se muito bem com ele”, frisou a testemunha D. L., seu ex-colega de trabalho – e que, acrescente-se, se coadunam com o perfil persuasor que a respeito do mesmo se extrai do relato dos familiares do Autor, o que torna ainda mais credível o depoimento destes.
Deve ainda dizer-se que as contradições entre o depoimento desta testemunha e o da testemunha D. L. não nos fazem duvidar da veracidade da afirmação da primeira a que a Sr.ª Juíza a quo deu relevância, nomeadamente porque, como já se frisou, a última das referidas testemunhas, apesar de já reformada por invalidez, se mostra manifestamente grata ao Banco pelo modo como foi por este tratado quando se viu confrontado com o grave problema de saúde que o incapacitou, revelando um espírito de lealdade para com a sua ex-entidade patronal nem sempre conciliável com uma total isenção. Exemplificando: esta testemunha começou por garantir que ele (tal como os demais funcionários seus colegas) só venderia obrigações se o cliente dissesse que o Banco ao lado tinha uma campanha, isto é, se o cliente já fosse conhecedor da campanha e lho pedisse – o que não é de todo credível e é inclusive contrário ao referido pela testemunha C. S. que mencionou, como também se diz na sentença recorrida, que quanto a este produto – Obrigações da Telecomunicações ... - os funcionários comercializavam o produto normalmente, propondo-o (nomeadamente) a quem tenha dinheiro à ordem (como, recorde-se, era o caso do Autor) –, justificando o referido D. L. as suas afirmações com referências vagas e pouco consistentes quanto à falta de interesse dos Bancos na venda de obrigações (a ser como descrito pela referida testemunha, nem se chega a perceber a razão porque têm os Bancos obrigações de terceiros à venda nas suas sucursais).
Assim, não obstante D. L. ter referido, como se diz na sentença, que no leque de opções de investimento que apresentaria a um cliente, não deixaria de referir, quanto às obrigações, que não havia garantia de capital, muitas dúvidas se nos suscitam que fosse exactamente assim esse o seu procedimento e, muitas mais, sobre serem igualmente tão rigorosas, no sentido do total esclarecimento dos clientes, as orientações da administração. Tanto mais que, como a própria testemunha refere, quanto a outras situações – segundo esta mesma testemunha, de venda de “produtos da casa” –, a pressão era “fortíssima” (“uma pessoa nem dormia”), o que nos leva facilmente a entender aquilo a que tais pressões poderiam conduzir os funcionários (por muito honestos que fossem) a fazer, ainda que tal não lhes fosse directamente solicitado.
Por último, ainda que o procedimento normalmente adoptado fosse o referido pela testemunha D. L., isso nunca impediria a formação da convicção firmada na sentença no sentido de que não era contudo nesses termos que A. C. - funcionário que trabalhava na caixa, atendia clientes, vendia produtos e prestava informações - compreendia a vontade das chefias, tanto mais que, como também se refere na motivação da sentença, o referido D. L. não teve (…) contactos directos com o autor, pelo que não pôde assegurar que (relativamente ao caso em apreço) tenham sido adoptados tais procedimentos.
Muito menos poderá o depoimento da testemunha M. M. determinar a desconsideração da afirmação a que a 1ª instância deu relevância. Basta sublinhar que esta testemunha – funcionária do Banco Réu – nos emails de fls. 8 e seguintes trocados com os colegas para pedir a documentação respeitante a esta aplicação a tratou sempre como “depósito a prazo Obrigações Telecomunicações ...”, o que bem revela que os próprios funcionários do Banco não distinguiam com a clareza devida, nem sequer internamente, uma aquisição de obrigações de um depósito a prazo, não tendo convencido, como se diz na sentença, a explicação que deu, no sentido de tal ter acontecido porque pretendia que se fizesse busca em todos os locais/arquivos, pois se assim fosse então constariam daqueles e-mails muitas outras referências a outros produtos, o que não sucede.
Por fim, a reforçar a hipótese admitida pela testemunha A. F. e a afastar quaisquer dúvidas que os depoimentos das testemunhas anteriormente referidas pudessem suscitar quanto à possibilidade de verificação da mesma, atente-se no depoimento de C. S., subgerente da agência de Fafe desde Fevereiro de 2012 até Março de 2015 que no decorrer do processo disciplinar contra o referido A. F. referiu que também houve queixas de clientes afirmando que aquele funcionário vendera produtos diferentes dos pretendido. (…)
Face ao exposto, não vemos como se possa afirmar ter havido erro na apreciação da prova por parte da 1ª instância quando deu como provado que aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos e que o funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse.
E, assim sendo, torna-se evidente que o aludido funcionário do réu (o referido A. F.) sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa, senão não poderia estar a referir-se nos termos em que se referiu à aplicação em causa, sendo, pelo contrário, de crer que, como referido pelos familiares do mesmo, nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que, como decorre da informação pelo referido funcionário prestada, era do conhecimento dele e, consequentemente, do réu. (…)
Sustentando o ponto correspondente à alínea 8) – nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento –, não só o que decorre dos depoimentos dos familiares do Autor, como o depoimento do referido A. F. quando referiu que o documento em si não liamos (embora de seguida tenha corrigido para não liamos na íntegra), acrescentando, de modo esclarecedor, acho que ninguém, ninguém fazia isso. (…)
Improcede, pois, a alteração da matéria de facto propugnada pelo Réu/Recorrente”.

E, uma vez constatada esta realidade, se formos apreciar o objecto da presente causa, ficaremos necessariamente numa situação em que ou teremos de reproduzir o que foi decidido neste mesmo Tribunal da Relação, em sede de recurso, no processo 6917/16.3T8GMR, ou teremos de dizer o contrário do que ali foi dito.
Mais concretamente, se fossemos conhecer do objecto deste processo, apenas poderíamos decidir que o réu quando foi ouvido como testemunha naqueles autos prestou depoimento que não corresponde à verdade, e como tal o que ele disse não merece credibilidade, alterando a decisão da matéria de facto, e assim contradizendo decisão anterior desta Relação transitada em julgado, ou então teríamos de reproduzir o que nela foi decidido, dizendo que o réu prestou depoimento convincente, que corresponde à verdade, e que continua a não haver razão nenhuma para pensar que ele teria mentido, caso em que estaremos apenas a repetir o que ali foi decidido.
Nenhum destes cenários é legalmente admissível.
O que nos conduz ao conceito de caso julgado.
Indo buscar auxílio aos clássicos, ensinava Alberto dos Reis, in CPC anotado, anotação ao art. 672º, que “com o trânsito da sentença em julgado, facto processual definido no § único do art. 677º, produz-se este fenómeno: a formação do caso julgado. O art. 671º propõe-se determinar a autoridade e o valor desta formação. E determina-os assim: a decisão proferida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele. Se confrontarmos este ditame com o que se lê no art. 672º, ficamos logo advertidos de que a decisão transitada em julgado nem sempre tem o mesmo valor ou a mesma eficácia: ao passo que o art. 671º fala de força obrigatória dentro do processo e fora dele, o art. 672º só atribui à decisão força obrigatória dentro do processo.
Estamos, pois, em presença de duas figuras diferentes, de duas realidades perfeitamente distintas. À que o art. 671º considera dá-se o nome de caso julgado material ou substancial: à que o art. 672º desenha cabe a designação de caso julgado formal ou processual. Quando é que o caso julgado reveste a primeira ou a segunda modalidade? A aproximação dos dois artigos habilita a dar a resposta. Se a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, temos o caso julgado formal. Se recai sobre o mérito da causa, e portanto sobre a relação jurídica substancial, temos o caso julgado material”.
O conceito de caso julgado emerge actualmente dos arts. 580º e 581º CPC.
No primeiro pode ler-se que “1 - As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2 - Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
E o art. 581º dispõe que: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico…”.
Com particular clareza escreve Lebre de Freitas em anotação ao art. 580º CPC o seguinte: “não faria, efectivamente sentido que, proferida e transitada em julgado uma decisão, o tribunal (o mesmo ou outro), fora dos casos excepcionais em que tal é permitido (recurso extraordinário de revisão, e na actual -embora estranha- configuração da lei, recurso para uniformização da jurisprudência: arts. 696º e 698º-1), fosse de novo ocupar-se, perante as mesmas partes, do mesmo objecto, reapreciando-o, quer para reproduzir a decisão anterior (o que seria inútil), quer para a contradizer, decidindo diversamente (o que desfaria a sua eficácia). Havendo já caso julgado, a decisão, que o nº 2 proíbe de reproduzir ou contradizer, está já adquirida: quando há ainda mera litispendência, trata-se de evitar que duas decisões sejam proferidas ou que se tenha de aguardar o momento em que a decisão seja proferida e transite numa das causas para que a outra seja impedida de prosseguir (1).”
Como escrevem Abrantes Geraldes e outros (CPC anotado, vol. I, anotação ao art. 580º), “a litispendência e o caso julgado são pressupostos processuais de índole negativa, na medida em que a sua verificação gera uma excepção dilatória e conduz à absolvição da instância (arts. 278º,1,e, e 577º,i)”.
Mais recentemente, como escrevem os mesmos autores acabados de citar, “vem surgindo com alguma frequência em arestos dos diversos tribunais o recurso à figura da “autoridade do caso julgado” (ou efeito positivo do caso julgado), com vista a extrair de algumas decisões o mesmo efeito impeditivo que emerge da verificação da excepção dilatória de caso julgado.
Vejamos melhor. Sobre o valor da sentença transitada em julgado rege o art. 619º,1 CPC, que dispõe: “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”.
A força obrigatória que este artigo impõe é balizada, nos termos do mesmo segmento normativo, pelos limites fixados pelos artigos 580º e 581º. Ou seja, somos reconduzidos para a necessidade de estar perante os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
Ora, como referem ainda os mesmos Autores supra citados, em anotação a este artigo, “o preceito trata do caso julgado material, isto é, daquele que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa, dele emergindo não apenas a eficácia intraprocessual, mas ainda a extraprocessual. A sua aparente singeleza oculta, porém, numerosas dificuldades de integração que deverão ser resolvidas com apelo a outros preceitos ou por via da interpretação e integração, com recurso à jurisprudência e à doutrina”.
Concordamos integralmente. A referida aparente singeleza, que se manifesta na leitura em abstracto da norma, dá lugar a enormes dificuldades quando nos deparamos com certos casos concretos.
Pensamos que a melhor ajuda para aplicar devidamente este regime aos casos concretos pode vir do art. 580º CPC: depois de, no nº 1, explicar em que consistem as excepções de litispendência e de caso julgado, o nº 2 põe o dedo na ferida: “tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Essa aferição só pode ser feita em concreto, num raciocínio circular e concêntrico que parta dos factos concretos para cada um dos requisitos abstractos da existência do caso julgado (mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir), e destes para a visão de conjunto que permita perceber se poderemos estar a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
E acrescentam aqueles Autores: “naturalmente que nenhum efeito de caso julgado (ou mesmo de autoridade de caso julgado) pode ser extraído de uma decisão relativamente a sujeitos que não tiveram qualquer intervenção na acção em que foi proferida nem se integram na esfera da identidade subjectiva definida pelo art. 581º,2”.
Desde logo, sabemos que uma das partes nas duas acções é a mesma, o ora Banco autor, e o ora réu teve intervenção na primeira acção, como testemunha.
O art. 581º,1 CPC diz que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Para perceber o que esta formulação significa basta ler o que escrevem Abrantes Geraldes e outros in Código de Processo Civil anotado: “a identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, aquelas que assumiram mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitado em julgado”. E mais adiante: “também ocorre a identidade de sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09)”. E citando o acórdão do STJ de 22.2.2015 (P. 915/09), “para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte, concretamente actuou e actua no processo”.
Com esta compreensão ampla do conceito de identidade dos sujeitos, supomos que é possível e razoável sustentar que se verifica a requerida identidade.
O Banco ora autor foi réu na acção anteriormente julgada. É claro que a contraparte não é a mesma nas duas acções: ali, a contraparte era o cliente que se considerou prejudicado com a actuação do Banco, aqui é a testemunha apresentada por esse cliente. Porém, temos de ter presente o diferente enquadramento das duas acções: ali, estava em causa aferir do alegado direito de indemnização invocado por um cliente contra o Banco, em que a testemunha e o seu depoimento representam apenas uma pequena parte do processo; aqui está em causa como objecto central do processo esse mesmo depoimento, para aferir do alegado direito de indemnização do Banco contra a testemunha que ali teria deposto faltando dolosamente à verdade. Ora, é evidente que se estivéssemos a ponderar o efeito de caso julgado da primeira decisão na sua amplitude máxima, isto é, tendo em conta o pedido e a causa de pedir naquela acção, que envolvia o direito de indemnização do cliente do Banco, não poderíamos defender qualquer identidade de sujeitos nas duas acções. Mas o conceito de autoridade de caso julgado que estamos a convocar para ajudar a decidir este recurso é muito mais restrito, e situa-se apenas no âmbito do julgamento da matéria de facto feito naquela primeira acção, e, ainda dentro deste, restringe-se apenas ao depoimento do ora réu naquele processo, enquanto testemunha.
E assim, considerando que o foco apontado àquela sentença transitada em julgado não incide sobre a globalidade da mesma mas apenas sobre um seu aspecto muito concreto e delimitado, entendemos que é possível considerar que dentro desse âmbito se verifica a requerida identidade dos sujeitos, uma vez que o ora réu só está a ser demandado agora nesta acção porque foi testemunha naquela acção, e só por causa desse depoimento que ali prestou.

Prosseguindo: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre defendem no CPC anotado, vol. I, 4ª edição, fls. 205-207, que a autoridade de caso julgado que emerge da sentença que transitou em julgado e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica: “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
E ainda escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa no CPC anotado, anotação 11 ao art. 619º o seguinte: “a apreciação dos efeitos que emanam de uma sentença transitada em julgado tem sido ainda feita em torno dos meios de defesa que foram ou poderiam ter sido invocados pelo réu, valendo para este efeito a norma preclusiva do art. 573, que foi invocada em STJ 10-10-12, 1999/11, onde se decidiu que “ a autoridade de caso julgado de uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial mobiliária”, na medida em que uma tal pretensão poderia (e deveria) ter sido deduzida por via reconvencional na primeira acção, como defende Miguel Mesquita, em Reconvenção e excepção em Processo Civil, pp. 418 e ss (no mesmo sentido, aludindo ao efeito preclusivo dos meios de defesa, STJ 29-5-14, 1722/12)”.

Para efeitos de fazer valer a autoridade de caso julgado de uma sentença transitada em julgado no âmbito de outra acção posterior em que haja a já referida identidade de sujeitos, não é necessário que se verifique ainda a identidade dos pedidos e da causa de pedir. Contudo, se olharmos para as duas acções e para os pedidos formulados numa e noutra, fica patente a semelhança entre ambos, tendo em conta que são pedidos de condenação a pagar uma indemnização, e o valor agora pedido é nem mais nem menos que o valor que o Banco autor foi condenado a pagar naquela acção. Já as causas de pedir são totalmente diferentes, se olharmos para a sentença no seu todo. Mas não é para aí que devemos olhar agora. Agora a nossa atenção tem de se focar apenas naquela parcela do julgamento da matéria de facto feito naquela acção que dependeu do depoimento ali prestado pelo ora réu. E, com essa delimitação, parece-nos óbvio que a autora veio com esta acção pretender obter mais uma vez a reapreciação do depoimento daquela testemunha para ver o mesmo ser considerado falso.
E agora chegámos ao ponto nevrálgico da autoridade do caso julgado. É que, para o Banco autor, o depoimento de A. C., prestado no âmbito do processo 6917/16.3T8GMR, só podia ser atacado na sua credibilidade, alvo de contraprova ou sujeito a qualquer incidente destinado a retirar-lhe credibilidade, dentro daquele mesmo processo. Para isso o Banco teve a audiência de julgamento em primeira instância para suscitar todas as questões que entendesse sobre esse depoimento, e teve ainda a instância de recurso, perante o Tribunal da Relação, na qual impugnou o julgamento da matéria de facto, e onde teve a oportunidade de defender que aquela testemunha tinha mentido. No final, o Tribunal da Relação, reapreciando toda a prova produzida, concluiu que não tinha havido qualquer erro na decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, julgamento este onde estava incluída a apreciação do depoimento prestado pelo ora réu. E confirmou a mesma.
Não pode o Banco autor e ora recorrente vir agora pretender reabrir a discussão sobre se esse depoimento merece credibilidade ou não, se a testemunha mentiu ou não, pois essa questão estava circunscrita ao processo 6917/16.3T8GMR.
E foi aí decidida com força de caso julgado.
E a autoridade desse caso julgado projecta-se agora neste processo, impedindo que a questão sobre que recai seja novamente aqui apreciada.
Aqui chegados, a decisão do presente recurso torna-se simples.
O Banco recorrente pretendia com esta acção ser indemnizado pelo réu dos danos que para si teriam decorrido do depoimento falso que este, enquanto testemunha, prestou em acção em que ele Banco era réu. Tal depoimento falso teria levado à procedência da acção e consequente condenação do ora autor.
Ora, nos termos do art. 483º CC, invocado pelo próprio autor / recorrente, para que existisse um direito de indemnização do Banco sobre o ora réu seria necessário demonstrar, entre outas coisas, que este tinha praticado acto ilícito e culposo, faltando à verdade no seu depoimento.
A questão de saber se o ora réu faltou à verdade no seu depoimento prestado no P. 6917/16.3T8GMR foi definitivamente decidida por esta Relação, em recurso da sentença ali proferida, e decidida no sentido negativo.
A autoridade de caso julgado daquela decisão não só nos impede de voltar a apreciar a credibilidade do depoimento do réu enquanto testemunha, como nos impõe o aceitar que o réu, enquanto testemunha naqueles autos foi credível, e não faltou à verdade.
E diga-se ainda que, mesmo que entendêssemos que era possível reapreciar o valor probatório do depoimento do réu enquanto testemunha, como bem se refere na sentença recorrida, “não foi apenas com base no depoimento do R. que foi proferida a sentença condenatória naquele processo. Com efeito, e como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que a apreciou e manteve, este depoimento não vale por si, valendo, sim, sobretudo, como complemento, corroboração, dos restantes depoimentos, enquanto testemunho do genérico modo de proceder que era o do referido funcionário do Banco Réu”.
O que nos leva a pensar que o ora autor/recorrente jamais conseguiria demonstrar o nexo de causalidade adequada entre o acto do réu de prestar aquele depoimento e o dano. E por duas razões, qualquer delas pouco menos que inultrapassável: primeiro, a decisão final condenatória do ora Banco autor foi o resultado da conjugação de vários meios de prova, como vários depoimentos testemunhais e variada prova documental, e não o resultado directo de um só depoimento; segundo, e ainda mais relevante, não vemos que se possa afirmar que haja uma relação causal directa e “juridicamente operante” entre o depoimento testemunhal do ora réu e a condenação do Banco naqueles autos. O réu salientou este ponto na sua contestação, dizendo que “é alheio à forma como o seu depoimento foi valorado nas instâncias, no âmbito do processo judicial supra mencionado”. Com efeito, e olhando para a situação em abstracto, pensamos ser óbvio que a relação de causalidade que se queira ver entre um depoimento testemunhal, uma sentença condenatória nessa acção, e o dano causado por essa sentença, é quebrada pela intervenção do Tribunal, sob a forma do acto de julgar. Dizendo de outra forma, do depoimento de uma testemunha não decorre automaticamente uma decisão condenatória, pois entre uma coisa e outra tem intervenção o Juíz do processo, apreciando o depoimento da testemunha, conjugando-o com outros meios de prova, e concluindo fundamentadamente se o mesmo mereceu credibilidade ou não. Dizendo ainda de outra forma: quem causou o alegado dano sofrido pelo Banco autor, assumindo que o mesmo existe, não foi a testemunha, mas sim o Tribunal.
O centro do problema, assim, desloca-se para o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, pelo exercício da função jurisdicional, constante da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.
Terminando este ponto, se fosse de concluir que o Banco autor tinha sofrido um dano com a sentença proferida, e que estavam reunidos todos os requisitos para ser ressarcido, então o lesante seria o Estado, pelo exercício da função jurisdicional, e não uma singela testemunha.
Destarte, e para além do que ficou dito, o Banco autor e recorrente não logrou provar que o réu praticou acto ilícito e culposo, como tinha obrigação de fazer, por força do disposto nos arts. 342º,1 e 483º CC. Como tal, não demonstrou ter o direito de indemnização a que se arrogou.

Não queremos terminar sem fazer uma última referência, de ordem sistemática.
A situação que o recorrente veio alegar nestes autos pode ocorrer na realidade.
Ou seja, pode suceder que se venha posteriormente a demonstrar que uma testemunha, cujo depoimento foi fulcral para uma determinada decisão ter sido proferida, mentiu em audiência, enganando o Juiz do processo, e assim prejudicando ilicitamente uma das partes. Dir-se-á, e bem, que a ordem jurídica tem de prever mecanismos que permitam à parte prejudicada fazer valer o seu direito.
Ora, esse mecanismo existe, mas não é a instauração de uma acção a pedir uma indemnização à testemunha. Essa via, como acabámos de ver, não só está votada ao fracasso pela impossibilidade jurídica de reapreciar o depoimento da testemunha, como seria uma solução deveras perigosa, por poder ser usada por litigantes com grande capacidade económica como um meio de intimidação das testemunhas, fazendo-lhes ver que se depusessem de maneira contrária ao pretendido veriam a sua vida transformada num inferno.
E por isso é que a ordem jurídica não o permite.
A solução para essas situações é obviamente a figura do recurso extraordinário de revisão.
No art. 696º CPC estão elencados taxativamente os fundamentos que fazem com que uma decisão transitada em julgado possa ser objecto de revisão.
Assim, o legislador consagrou nas 8 taxativas alíneas do art. 696º as causas que podem levar à revisão de uma sentença transitada em julgado. E na alínea b) prevê-se o caso de “se verificar a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida”. O cuidado com que o legislador concedeu a possibilidade de reabrir um processo já findo com decisão transitada em julgado foi, e bem, ao ponto de exigir que v.g., a questão da falsidade do depoimento não tenha sido objecto de discussão no processo já findo. No caso destes autos, como vimos, pensamos que não seria possível o recurso a essa via, pois já no processo anterior o Banco ora autor/recorrente tinha suscitado a questão da falsidade do depoimento da testemunha, invocando o mesmo que agora invocou, que a testemunha estaria revoltada contra o Banco por ter sido por ele despedida com justa causa.
Assim, a acção agora instaurada pode ser vista como uma tentativa, fracassada, de contornar esta impossibilidade de interpor recurso de revisão.
E assim, embora com fundamentação diversa, apenas nos resta confirmar a sentença recorrida.

Sumário:

1. Quando numa causa o réu é condenado a indemnizar o autor, porque o Tribunal se convenceu da realidade dos factos alegados com base em toda a prova produzida, incluindo depoimentos de várias testemunhas, e esse julgamento é confirmado em recurso pela Relação, não pode o Réu vir posteriormente intentar uma acção a pedir uma indemnização a uma das testemunhas ali ouvidas alegando que ela mentiu em audiência, para ser ressarcido do valor que foi condenado a pagar e pagou naquela acção, pois a isso opõe-se a autoridade do caso julgado do primeiro processo, no qual o depoimento daquela testemunha foi analisado e considerado credível.
2. O julgamento sobre a credibilidade daquela testemunha efectuado, com trânsito em julgado no primeiro processo, impõe-se necessariamente no segundo.
3. Ainda que assim não fosse, e o Tribunal viesse agora a concluir que a testemunha tinha mentido, o alegado dano sofrido pelo autor não teria sido causado pela testemunha, mas sim pela decisão judicial condenatória, o que significa que a acção para ressarcimento dos alegados danos deveria ser intentada não contra a testemunha, mas sim contra o Estado, ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, pelo exercício da função jurisdicional, constante da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.
4. Ou, estando reunidos os requisitos para tal, poderia o lesado interpor recurso extraordinário de revisão.
5. Assim, uma acção de indemnização intentada contra réu que foi ouvido como testemunha em processo anterior, pedindo a condenação dele a ressarcir o autor pelo prejuízo sofrido com a prolação da sentença, está sempre votada ao fracasso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirmar, embora com diversa fundamentação, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 16/12/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)

1. CPC anotado, 3ª edição.