Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2394/11.3TBVCT.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da Relatora):

I. Consubstanciando o pedido o efeito jurídico pretendido obter pelo autor, e coincidindo com o reconhecimento da extinção de um contrato-promessa de compra e venda e restituição das quantias nele entregues a título de sinal, não enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, a sentença que reconheceu aquela extinção, não pela resolução invocada, mas por impossibilidade superveniente objectiva da prestação da sua contraparte, assente nos mesmos exactos factos antes invocados pelas partes (art. 615º, nº1, als. d), II parte, e e), II parte, do C.P.C.).

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. O promitente-comprador que pretenda beneficiar do facto presumido no art. 441º do C.C. (de que «tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço»), terá previamente que alegar e provar o facto base da presunção (que foi ao promitente-vendedor que a entregou, nomeadamente por a pessoa física que a recebeu actuar naquele acto como representante legal da pessoa colectiva que assume aquela qualidade).

IV. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).

V. Obrigando-se a promitente-vendedora de um imóvel a vendê-lo com a prévia aprovação de um projecto de construção, pela qual diligenciou, e vindo a ser negada essa aprovação, mercê unicamente da projectada e anunciada expropriação do dito imóvel, a que foi de todo estranha, viu extinta a sua prestação, por superveniente impossibilidade objectiva da mesma (art. 790º, nº 1 do.C.).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Manuelaqui Recorrente), residente na Rua (...), em Viana do Castelo - e os depois intervenientes principais provocados Joaquim, residente no Largo (...), Viana do Castelo, António (aqui Recorrente), residente na Rua (...), em (...), e Leandro, residente na Rua (…), Viana do Castelo -, propuseram a presente acção declarativa, então sob a forma de processo ordinário, contra Irmãos X, Unipessoal, Limitada (aqui Recorrida), com sede no lugar (...), freguesia de (...), em Viana do Castelo, pedindo que

· fosse declarado resolvido um contrato-promessa de compra e venda de um rústico, que (como promitente-comprador) celebrou com a Ré (nele promitente-vendedora), por incumprimento culposo da mesma, condenando-se esta a pagar ao Autor (Manuel) a quantia de € 114.000,00 (a título de devolução em dobro do sinal de € 57.000,00, por ele previamente satisfeito), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

· ou (subsidiariamente) fosse declarado resolvido o mesmo contrato-promessa de compra e venda de terreno, por alteração anormal das circunstâncias em que as partes o celebraram, condenando-se a Ré (como promitente-vendedora) a devolver ao Autor (como promitente-comprador) a quantia de € 57.000,00 (a título de devolução em singelo do sinal de igual montante, por ele previamente satisfeito), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

O Autor (Manuel) alegou para o efeito, em síntese, ter ele próprio e o 2º Interveniente Principal (António) acordado com a Ré, em 26 de Março de 2007, adquirirem-lhe um prédio rústico, pelo preço global de € 170.000,00, tendo-lhe entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia global de € 57.000,00, dos quais € 35.000,00 foram satisfeito por ele próprio.

Mais alegou que, ficando acordado que a celebração da definitiva escritura de compra e venda seria agendada pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), logo que a mesma obtivesse a aprovação camarária de um projecto de construção pretendido para o dito terreno, verificou posteriormente que ela nada fez para a obter; e, tendo ele próprio e o 2º Interveniente Principal (António) agendado para o dia 25 de Fevereiro de 2010 a realização da escritura pública de compra e venda, face à reiterada fuga de contacto da Ré, viria a mesma a inviabilizá-la, ao não lhes facultar os documentos necessário para o efeito, não obstante prévia e regularmente notificada nesse sentido.

Alegou ainda o Autor (Manuel) ter a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) celebrado com um Terceiro, em 27 de Julho de 2010, novo contrato-promessa de compra e venda sobre o mesmo prédio rústico; e estar iminente a expropriação de parte do mesmo, o que lhe foi ocultado por ela, tendo assim perdido, por completo e definitivamente, o interesse na concretização do negócio antes acordado.
Defendeu, por isso, o Autor (Manuel), não só ter a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) incumprido culposamente a sua prestação (ao não diligenciar pela aprovação camarária do projecto de construção, ao não agendar a definitiva escritura de compra e venda, ao frustrar a realização daquela que ele próprio e o 2º Interveniente Principal (António) agendaram, e ao celebrar novo contrato-promessa sobre o mesmo objecto, com distinto sujeito), como ter-se tornado a mesma inclusivamente impossível (face à alteração do seu objecto inicial, pela parcial expropriação de que foi alvo).

1.1.2. Regularmente citada, a (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente

Alegou para o efeito, em síntese, serem quatro os promitentes-compradores do contrato-promessa invocado pelo Autor (este, o seu irmão António, o legal representante dela própria - Joaquim -, e o irmão deste último, Leandro), e não apenas aquele; e aos mesmos competindo agendarem a definitiva escritura de compra e venda, nos noventa dias subsequentes à assinatura do contrato-promessa, o que porém nunca fizeram.

Mais alegou ter ela própria promovido a aprovação do projecto de construção pensado para o prédio rústico prometido vender, o que não conseguiu, por já então se admitir a sua expropriação (total ou parcial); e nunca ter recebido do Autor a quantia de € 35.000,00 a título de sinal, mas apenas a quantia de € 22.000,00.

Alegou ainda a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) que tendo sabido, em Março de 2009, da efectiva vontade de expropriação de parte do prédio rústico em causa, comunicou-a de imediato a todos os promitentes-compradores, acordando todos eles, em Janeiro de 2010 e por esse motivo, em revogar o inicial contrato-promessa; e, tendo ficado ela própria obrigada a devolver em singelo as quantias recebidas a título de sinal, apenas não o fez ainda ao Autor (reportado à quantia de € 22.000,00) por o mesmo pretender que previamente se reduzissem a escrito os termos da revogação contratual havida, o que ele próprio não fez.

Defendeu, por isso, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) inexistir qualquer incumprimento contratual seu (por ter diligenciado pela aprovação do projecto de construção referido pelo Autor, por não lhe caber marcar a definitiva escritura de compra e venda, e por só após a revogação - por mútuo acordo - do primitivo contrato-promessa ter negociado um novo com Terceiro); e inexistir igualmente qualquer alteração anormal da circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar (tanto mais que todos os promitentes-compradores conheciam desde o início a hipótese de futura expropriação do prédio rústico em causa).

1.1.3. O Autor (Manuel) replicou, reiterando o seu pedido inicial.
Reafirmou para o efeito o antes alegado na respectiva petição inicial; e negou o prévio conhecimento por parte dos promitentes-compradores da possibilidade de futura expropriação do prédio rústico em causa, bem com a posterior revogação, por mútuo acordo, do contrato-promessa que o tinha por objecto.

1.1.4. A (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) treplicou, reiterando o já alegado na sua contestação.

1.1.5. Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador (fixando o valor da acção em € 114.000,00, e certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); foram elaboradas as peças pertinentes aos factos já então considerados assentes e aos ainda controvertidos (estes últimos integrantes da base instrutória); e apreciados os requerimentos probatórios das partes.

1.1.6. Realizada a audiência de julgamento (após sucessivas suspensões da instância, com vista à obtenção de um acordo entre as partes), foi proferida uma primeira sentença, julgando a acção totalmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência

a) declaro resolvido o contrato promessa indicado no ponto 2 dos Factos desta decisão;
b) condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros = € 57.000,00 x 2), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a taxa de 4% (Portaria 291/03m, de 8Abr).
(…)»

1.1.7. Tendo a Ré (Irmãos X Unipessoal, Limitada) interposto recurso de apelação, contra-alegado pelo Autor (Manuel), foi proferido despacho pelo Tribunal da Relação de Guimarães, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual preterição de um litisconsórcio necessário activo, o que as mesmas fizeram (a Ré defendendo a sua verificação, e o Autor defendendo a sua não verificação e, subsidiariamente, a possibilidade da sua sanação, por meio de incidente de intervenção principal provocada).

Posteriormente, foi proferido acórdão pelo mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, julgando «procedente a excepção de ilegitimidade activa do A., por preterição de litisconsórcio natural, e» absolvendo «a R. da instância», decisão depois confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista interposto pelo Autor (Manuel).

1.1.9. Deduzindo o Autor (Manuel) incidente de intervenção principal provocada de Joaquim, António e Leandro, admitido o mesmo, e citados os Intervenientes Principais provocados, todos eles vieram apresentar articulados próprios.

1.1.9.1. António, 2º Interveniente Principal provocado, fê-lo reiterando o já peticionado pelo Autor (Manuel), seu irmão, e pedindo ainda que

· fosse declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda de rústico em causa nos autos, que (como conjunto promitente-comprador) celebrara com a Ré (nele promitente-vendedora), por incumprimento culposo da mesma, condenando-se esta a pagar-lhe a quantia de € 44.000,00 (a título de devolução em dobro do sinal de € 22.000,00, por ele previamente satisfeito), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

· ou (subsidiariamente) fosse declarado resolvido o mesmo contrato-promessa de compra e venda de terreno, por alteração anormal das circunstâncias em que as partes o celebraram, condenando-se a Ré (como promitente-vendedora) a devolver-lhe (como promitente-comprador) a quantia de € 22.000,00 (a título de devolução em singelo do sinal de igual montante, por ele previamente satisfeito), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

O 2º Interveniente Principal (António) alegou, em síntese e acréscimo ao já constante da petição inicial, ter entregue à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia global de € 22.000,00; e, mercê do prévio incumprimento culposo da respectiva prestação por ela, da sua perda de interesse no negócio em causa, e da consequente resolução do contrato-promessa de compra e venda, ter direito à restituição daquela quantia em dobro, ou - subsidiariamente - em singelo.

1.1.9.2. Joaquim (simultâneo legal representante da Ré) e Leandro (irmão daquele), 1º e 3º Intervenientes Principais provocados, no articulado próprio conjunto que apresentaram, pediram que

· a acção procedesse quanto à devolução ao Autor (Manuel) da quantia entregue por ele à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), improcedendo no demais por ele peticionado, sendo ainda o Autor condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Os 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro) alegaram, em síntese e acréscimo ao já vertido na contestação da Ré (Irmãos X Unipessoal, Limitada), ter a mesma notificado os promitentes-compradores, em 10 de Abril de 2008, para que agendassem a celebração da definitiva escritura de compra e venda, o que os eles não fizeram.

Mais alegaram que a confirmação da expropriação parcial do prédio rústico em causa impossibilitou o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda dele objecto, uma vez que as partes respectivas nunca chegaram a acordar os termos da sua possível redução; e, por isso, terem-no as mesmas revogado no início de 2010, com devolução pela Ré (Irmãos X Unipessoal, Limitada), e em singelo, das quantias recebidas a título de sinal, o que só não fez quanto ao Autor (Manuel) e ao o 2º Interveniente Principal (António) por não se terem entendido quanto a valores e a prazos.

Por fim, os 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro) defenderam litigar o Autor (Manuel) contra a verdade dos factos por ele conhecidos, e deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, devendo por isso ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

1.1.10. O Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) vieram responder ao pedido de condenação por litigância de má-fé, apresentado pelos 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro), pedindo a sua condenação a esse mesmo título, em multa e numa indemnização não inferior a € 3.000,00.

Alegaram para o efeito, em síntese, ter sido apenas o 2º Interveniente Principal (António) interpelado pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) para proceder à marcação da escritura pública de compra e venda, e não também o Autor; e desconhecerem ambos até 2010 qualquer processo expropriativo que tivesse o prédio rústico pretendido vender por objecto, ao contrário da Ré, que dele tomou conhecimento pelo menos desde 16 de Setembro de 2008.
Mais alegaram que os 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro) tiveram conhecimento oportuno da realidade dos factos tal como por eles próprios alegados, pelo que, consciente e dolosamente, faltariam à verdade, assim se justificando a sua condenação como litigantes de má-fé, em multa e numa indemnização a seu favor, não inferior a € 3.000,00.

1.1.11. Notificada, a (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) contestou, quer o articulado próprio do 2º Interveniente Principal (António), quer aquele outro em que, conjuntamente com o Autor (Manuel), pediu a condenação dos 1º e 3º Intervenientes Principais provocados (Joaquim e Leandro) como litigantes de má-fé, pedindo que as respectivas pretensões fossem julgadas improcedentes, sendo ela própria delas absolvida.

Alegou para o efeito, em síntese, reiterar todos os seus anteriores articulados e os articulados dos 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro), por o então por ela afirmado ter não só sucedido com o Autor (Manuel), como igualmente com o 2º Interveniente Principal (António), todos eles na conjunta qualidade de promitentes-compradores; e, por isso, impugnou tudo o que em contrário foi por aqueles alegado.

Mais alegou que, tendo recebido do 2º Interveniente Principal (António), a título de sinal, a quantia de € 22.000,00, só estaria obrigada a restituí-la em singelo, mercê da posterior revogação, por mútuo acordo, em 2010, do contrato-promessa de compra e venda de imóvel; e só não o ter feito ainda por o mesmo e o Autor (Manuel) terem ficado de reduzir a escrito o acordo revogatório, o que nunca fizeram.

1.1.12. O Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) replicaram, reiterando os seus anteriores pedidos.

1.1.13. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho, mantendo o anterior saneamento dos autos, bem como a selecção da matéria de facto essencial para a decisão da causa antes feita, sem prejuízo de aditamentos realizados feitos à Matéria de Facto Assente e à Base Instrutória.

1.1.14. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar parcialmente procedente a acção e parcialmente procedente a pretensão deduzida pelo chamado António e em consequência decide:

a) declarar extinto por impossibilidade objectiva superveniente o contrato-promessa melhor descrito no ponto 1.2. dos factos provados;
b) condenar a Ré a pagar ao A. Manuel e ao chamado António o montante de € 22.000,00 a cada um, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados, relativamente ao A., desde a data para deduzir oposição ao pedido de intervenção de fls. 457 e ss (que provocou a renovação da instância julgada extinta por facto não imputável à Ré), e relativamente ao chamado António, desde a data da notificação do articulado de fls. 486 e ss, até integral e efectivo pagamento.
2. Custas a cargo de A., Chamado António e Ré na proporção do decaimento.
3. Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso (do Autor e do 2º Interveniente Principal)

1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a acção totalmente procedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, inicialmente vertidas em 470 pontos, e depois - sob prévio despacho da Relatora - reduzidas a 118):

I - DA ERRÓNEA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

I - O prazo de 90 dias previsto na Cláusula 5ª do Contrato-Promessa e credibilidade do depoimento de parte da Ré quanto a esta matéria

1. Ficou abundantemente demonstrado, que as partes (incluindo a Ré) não atribuíram a este prazo valor de prazo-limite-absoluto de 90 dias, manifestando, por várias formas, o interesse na sua realização para além do decurso do mesmo (quando estivesse, pelo menos, aprovado novo PDM que alterasse a afectação do imóvel para zona de construção).

2. Assim o demonstram:
- os factos assentes nº 4 e I;
- os documentos nº 8;
- e o depoimento do Chamado Joaquim, sessão de 20/4/2017:[00:03:48] (00:07:00)

3. Não obstante tudo quanto ficou demonstrado, o gerente da Ré, em declarações prestadas ao Tribunal sob juramento, proferiu as seguintes afirmações: Leandro (20/4/2017): (01:00:16) - (01:01:45).

4. A Ré, na sua contestação alega o incumprimento contratual dos Recorrentes por não marcarem a escritura até ao termo dos 90 dias previstos mais invocando o direito de embolsar a seu favor todos os sinais recebidos, sem nada ter a restituir (art. 53º da contestação).

5. Mas o gerente da Ré também afirma, em audiência, em sucessivas contradições, que afinal, após os 90 dias, a Ré ainda tinha interesse na realização do negócio: Tempo (00:13:20)(00:15:02).

6. Tudo revelando a má-fé com que não só a Ré como os Chamados Leandro (gerente daquela) e Joaquim litigaram nestes autos e depuseram em audiência.

II - As circunstâncias e o momento da tomada de conhecimento, pelas partes, do decurso do processo de expropriação (parcial) do imóvel

7. Contraditoriamente, o Tribunal considera que os Recorrentes tomaram conhecimento da expropriação pela via (não oficial) supra descrita; no entanto, apenas considerou, por reporte aos factos provados, que a Ré (proprietária) tomou conhecimento de tal processo pela via formal que descreve no facto provado nº 21.

8. Estão aqui em causa os factos provados nº 19, 20 e 22,o facto não provado nº 10, e ainda o quesito nº 23 da base instrutória -o qual, não tendo sido alvo de resposta (pela sua não inserção quer nos factos provados nem nos não provados), deveria ter sido expressamente levado ao rol dos factos não provados.

A) Ponto prévio: a falta de rigor com que o Tribunal entendeu o conceito de "expropriação" à luz do caso concreto

9. O conhecimento que o Tribunal atribuiu aos Recorrentes da expropriação não se pode confundir nunca com o concreto conhecimento de que, por via expropriativa, havia intenção das autoridades públicas na aquisição da concreta parcela de 2.606 m2 (com as suas específicas delimitações, que melhor se retiram da documentação junta aos autos de arresto pelo Porto M. a fls. 32, 62 e 63 e ss. do apenso de arresto) do concreto artigo rústico objecto do CPCV de que eram outorgantes.

10. Só o segundo "tipo" de conhecimento supra descrito se pode considerar relevante para a apreciação jurídica que deve ser feita quanto ao concreto interesse negocial (ou perda do mesmo) pelos Recorrentes.

11. Essa informação nunca foi facultada aos Recorrentes, nem pela Ré, nem pelo Porto M., vide docs. nº 1 e 2 juntos em audiência de 10/09/2013, carta de 2/6/2010 de fls. 149 e ss.

12. Além das declarações das partes, retira-se da análise dos documentos juntos pelo Porto M. aos autos apensos (fls. 32, 62, 63, 66 e 67) que foi a existência projectada de uma rotunda, que não se chegou a construir (cujo quarto de círculo a sudeste invadiria, então, a parte sombreada da parcela pertencente à Ré), que determinou a DUP daquela parcela - entretanto caducada.

13. Sem aquela rotunda, a afectação seria (ou será) mínima, e apenas se resume a 4 metros na longitude da estrada nova - logo, a expropriação seria inconsequente no artigo prometido comprar.

14. É neste erro de base que o Tribunal assenta, na maior parte, os erros de análise e julgamento que se lhes seguem logicamente, e que levaram à decisão, ora impugnada, dos factos provados nº 19, 20 e 22, e o facto não provado nº 10, que agora se impugna expressamente: não há nenhuma prova nos autos de que a expropriação e os seus contornos tenha chegado aos Recorrentes, nem de que a Ré tenha conhecimento aos Recorrentes da comunicação que recebeu da Câmara Municipal em Março de 2009, nem do seu teor.

B) Da concreta impugnação da matéria de facto: nºs 19, 20 e 22 provados e nº 10 não provados, 23º da base instrutória

15. Quanto ao facto provado nº 19, sendo que a expressão "tomou conhecimento" se refere ao primeiro momento em que a Ré soube do interesse expropriativo, o facto foi dado como erradamente provado: com efeito, deveria ter, em sua vez, dado como provado que "A Ré, pelo menos, por carta de 16 de Setembro de 2008 por parte da Câmara Municipal, tomou conhecimento do interesse dessa expropriação".

16. Quanto ao facto provado nº 20, por total ausência de prova nesse sentido, por abundância de prova em contrário, e por ausência de qualquer referência ao momento e concreto conteúdo do conhecimento da expropriação pelos Recorrentes, deve o mesmo ser considerado como não provado e, além do mais, totalmente inútil para a decisão da causa.

17. Em sua substituição, deve dar-se como provado que "Nunca foi dado conhecimento aos Recorrentes, nem pela Ré nem por qualquer entidade, conhecimento do facto de que houve em curso processo expropriativo que iria afectar o prédio identificado em 2, tão-pouco quanto à concreta medida, no que toca à área e concreta delimitação da parcela visada, em que a expropriação poderia vir a afectar esse prédio, nomeadamente nos termos dos documentos de fls. 32, 62 e 63."

18. Ou, subsidiariamente, e sem conceder, deve dar-se como provado que "Pelo menos até 27 de Julho de 2010, não foi dado aos Recorrentes, nem pela Ré nem por qualquer entidade, conhecimento do facto de que houve em curso processo expropriativo que iria afectar o prédio identificado em 2, tão-pouco quanto à concreta medida, no que toca à área e concreta delimitação da parcela visada, em que a expropriação poderia vir a afectar esse prédio, nomeadamente nos termos dos documentos de fls. 32, 62 e 63."

19. Quanto ao facto provado nº 22, o mesmo tem de ser dado como não provado, o que se impõe por:

- não haver qualquer prova produzida nesse sentido;
- haver, antes pelo contrário, confissão da própria Ré, dizendo que não a transmitiu aos Recorrentes;
- o próprio Chamado Joaquim, comparte do gerente da Ré no lado activo e promitente comprador também confessa que não assistiu nem participou em qualquer conversa entre todos os outorgantes em que se tivesse discutido a questão da expropriação, nem sobre o destino a dar ao contrato em virtude dessa expropriação;
- a fundamentação da sentença recorrida é perfeitamente omissa quanto a este ponto.

20. Quanto ao facto não provado nº 10, é forçoso que o mesmo se dê como provado, sem prejuízo da impugnação e da redacção alternativa que se indicou quanto ao facto provado nº 20, supra.

São os seguintes os elementos dos autos e meios de prova que impõem as alterações pretendidas pelos Recorrentes acima discriminadas:

- o teor do documento nº 2 junto pelo Autor em requerimento de 2/12/2013, (fls. 179 e ss.);
- o documento de fls. 177, junto pela própria Ré aos autos, em 21/11/2013;
- Declarações em juízo de Leandro (sessão de 20/04/2017): Tempo (00:13:20) (00:14:58), Tempo (00:38:54)-(00:43:12), Tempo (00:51:37)-(00:54:20).
- os documentos nº 8 e 8-A, juntos pelos Recorrentes, respectivamente, em 10 e 11 de Março de 2017, datada de 27 de Agosto de 2009;
- a alegação, pela Ré na sua contestação, do facto que deu origem ao quesito 27 da base instrutória.
- o teor do documento de fls. 99 do arresto;
- Declarações em juízo de Joaquim (20/04/2017): Tempo (00:09:20)-(00:12:50);
- o documento de fls. 60 do arresto apenso.

21. É totalmente destruidor da tese da Ré o facto documentalmente provado de que a mesma pelo menos desde Setembro de 2008 (v. doc. nº 3 de 2.12.2013) efectuar pedidos de aprovação para o loteamento (urbanização) idealizado pelas partes no CPCV.

22. E sobretudo em Julho de 2009 (fls. 177) - ignorado pelo Tribunal mas de grandíssima importância nestes autos não só para esta matéria como também para a aferição do facto nº 3.

23. Demonstra este documento que, afinal, a Ré ainda tentava a aprovação do projecto de loteamento, muito para além de ter recebido comunicação da expropriação em curso.

24. Mas a Ré declara em juízo que as partes rescindiram verbalmente tal contrato-promessa em 2008; sendo que nos autos diz que isso acontece em Março de 2009; E ao Porto M., diz que tal facto ocorreu em 2010 (fls. 99); e é frontalmente contraditado pelo próprio Irmão e comparte nestes autos.

25. A Ré, tendo tomado conhecimento da expropriação, não deu conhecimento da mesma aos Recorrentes, tendo tentando insistentemente, de forma isolada, ver aprovado o seu projecto de loteamento para aquele terreno prometido vender, porque sabia que essa aprovação, uma vez conseguida, valorizaria imenso a parcela a expropriar o que lhe traria grandíssimos dividendos no momento de avaliar o quantum indemnizatório com a Administração do Porto, como forte arma de negociação mediante a invocação de prejuízos e lucros cessantes (com a não concretização da urbanização com projecto aprovado).

Outros meios de prova que sustentam a presente impugnação:

- Declarações em juízo de Leandro (20/4/2017): Tempo (00:15:17)-(00:19:21),Tempo (01:04:49)-(01:05:59)
- teor do documento de fls. 61 (apenso de arresto).

26. Impunha-se dar como efectivamente não provado o quesito nº 23 da base instrutória, o qual não foi incluso nem nos factos provados nem nos não provados.

27. A expropriação enquanto rumor já era uma realidade não só na data da outorga do CPCV objecto dos autos, mas remonta até a período muito anterior: e, mesmo assim, ele foi celebrado:

a) as declarações em juízo de José, 26/4/2017: Tempo (00:22:30) -(00:24:50),Tempo (00:32:30)- (00:34:10), que revelam: que o rumor de que a estrada para o Porto M. iria passar naquela zona já existe há pelo menos 15 anos; a expropriação da parcela em questão, até hoje, nunca se chegou a concretizar;

28. E a testemunha José atesta que, não obstante ser proprietário de um prédio (vivenda) ali na zona ("talvez a uns 300 metros"), também só veio a saber da expropriação na altura de fazer o (seu) contrato -que data de Julho de 2010!: Tempo (00:09:25)-(00:12:04),vindo depois à baila a questão do conhecimento detalhado da expropriação, confirmando o que os Recorrentes aqui defendem: Tempo (00:21:20)-Tempo (00:22:30).
b) as declarações de parte do Recorrente Autor (11/5/2017): Tempo (00:21:56)-(00:24:00), Tempo (00:40:46)-(00:41:39),Tempo (00:51:23)-(00:52:40);
c) Declarações em juízo do Chamado António (11/5/2017): Tempo (00:21:32)-(00:24:02).

29. Do conhecimento da expropriação nos autos pelos Recorrentes, os autos têm apenas como prova a interpelação pelo Chamado António à Administração do Porto M.: o documento de fls. 149 e ss., também ele desconsiderado pelo tribunal, e que marca temporalmente o primeiro indício de que os Recorrentes tiveram conhecimento de que uma expropriação poderia afectar o terreno que prometeram comprar – não havendo qualquer prova que possa infirmar tal afirmação, e pese embora nem sequer tal informação tenha sido prestada (fls. 151 e ss).

30. Este contacto foi confirmado pelas testemunhas A. L. e A. G., não tendo sido posto em causa por qualquer meio de prova:

- Declarações em juízo de A. L. (27-4-2017): Tempo (00:09:40) -(00:11:20) [aqui se confirma, além do mais, que a Ré deu conhecimento à administração do Porto M. da vigência de um contrato-promessa (aquele celebrado com os Recorrente), sendo que tais contactos só resultam provados nos autos em data posterior àquela em que o representante da Ré alega ter já "rescindido" o dito contrato com todos os outorgantes, de forma verbal], (00:11:20)-Tempo (00:15:42).
- Declarações em juízo de A. G. (27/4/2017) - assessor jurídico do Porto M.: Tempo (00:28:57) -Tempo (00:29:30)

31. As circunstâncias do envio desta missiva (fls. 146 e ss.), bem como do seu conhecimento do processo expropriativo, são também explicadas pelos Recorrentes em sede de depoimento de parte, que importam citar
- Declarações em juízo de Manuel (11-5-2017): Tempo (00:02:42)(00:04:10), (00:17:49)-(00:19:44), Tempo (00:21:36)-(00:22:14), e;
- Declarações em juízo do Chamado António (11-5-2017): Tempo (00:21:22)-(00:24:02), Tempo (00:25:40)-(00:28:15)

III - Do reforço de sinal no valor de € 35.000,00: factos não provados nº 3, 4, e 12

32. Os factos não provados nº 3 e 4, deviam ter sido dados como provados;

33. Por incindível ligação, reitera-se nesta sede tudo quanto ficou dito no ponto II destas alegações.

34. Estão aceites e demonstrados dois factos: no dia 14 de Novembro, Manuel entregou a Leandro a importância de € 35.000,00; que Leandro era, àquela data, único gerente da Ré.

35. Caberia à Ré provar que a quantia entregue por Manuel a Leandro não foi a título de sinal, mas a outro título, sendo o caso dos autos a situação de facto que por excelência justifica a própria existência desta presunção legal.

36. Foi dado como não provado o facto que a Ré tinha de provar para ilidir a presunção em causa.

37. Assim, tinha de se fazer operar a presunção legal do art. 411º CC, considerando tal pagamento ter ocorrido a título de sinal - ocorrendo em manifesto erro de apreciação da prova e das disposições legais aplicáveis.

38. Manifestando dúvida (como manifesta) o Tribunal tem de decidir contra quem tinha o ónus de provar determinado facto, dando como provada a matéria de 3 e 4 dos factos não provados, nunca podendo dar simultaneamente os dois factos como não provados.

39. Leandro, no sentido físico, efectivamente confunde-se com o representante legal da Ré, porque ele é uma e a mesma pessoa.

40. A interpretação da presunção pelo Tribunal traduz-se na impossibilidade absoluta (prova diabólica) do Autor em demonstrar cabalmente que, no exacto momento em que entregou aquela importância a Leandro, aquele estava investido na "ficção jurídica" que é a sociedade Ré, enquanto seu representante legal.

41.Também relevantes:

- o documento de fls. 177 junto em juízo pela própria Ré e de carácter confessório em todas as declarações que, compondo o teor do referido documento, lhe sejam desfavoráveis: este elemento de prova (ignorado pela sentença) revela o contexto real em que ocorreu a sobredita entrega dos € 35.000,00 a Leandro.
- os documentos nº 8 e 8-A, juntos a 10 de Março de 2017 (fls. 515 verso e 520), não foi impugnado pela parte contra quem foi apresentado (simultaneamente os Chamados V. e a própria Ré), no prazo legal. Tendo o seu autor material, confirmado a assinatura aposta, confrontado em juízo.

42. Nos termos conjugados dos artigos 374º e 376º do Cód. Civil, tinha de dar-se provado o seguinte facto: "Em 27 de Agosto de 2009, o Chamado Joaquim tinha interesse em realizar a escritura de compra e venda objecto da promessa em discussão nos autos e descrita em 1.2."

43.Veja-se ainda a nula credibilidade a tese de um empréstimo pessoal de tão grande monta merece quando o próprio Leandro afirma que falara com o Autor não mais que duas vezes, não tendo qualquer relação pessoal, tão-pouco de amizade:
- Declarações em juízo de Leandro (20/04/2017): Tempo (00:02:23) - (00:06:56)

44.No que toca ao argumento de que este sinal, pelo Autor, excederia aquilo que era a sua quota - parte de responsabilidade no pagamento do preço: a resposta é das regras de experiência comum: os Recorrentes são irmãos; partilham negócios entre si; operar-se-ia um acerto de contas entre irmãos, ocorrido face à momentânea falta de liquidez do Chamado António aquando do pedido do reforço de sinal de €3 5.000,00 pela Ré.

IV - Da marcação da escritura de compra e venda pelos Recorrentes

45. Estão aqui em crise os factos nº 11 e 15 e como não provados os respectivos factos nº 5, 6, 7, 8 e 9.

46. Importa proceder à alteração do teor do facto provado nº 11 para que conste "...comunicaram à Ré, ao Chamado Leandro e ao Chamado Joaquim que haviam agendado...", ao invés de "comunicaram à Ré que haviam agendado...".

47. Por documentos juntos pelos Recorrentes e não impugnados, provou-se ainda que missiva com igual teor seguiu também para o Chamado Manuel e o Chamado Leandro.
- documento nº 3 junto com a petição inicial (notificação ao Chamado Leandro);
- documentos nº 9 e 10 juntos com o requerimento dos Recorrentes dirigido aos autos em 10/3/2016 (notificação à Ré e ao Chamado Manuel).

48.Os Chamados V. e a Ré, no que toca à sua convocatória para a escritura de Fevereiro de 2010, negaram a verdade por si vivida e agora comprovada, litigando em clamorosa má-fé, o que ocorreu a várias instâncias dos seus articulados e depoimentos – mais detalhadamente explicitados em alegações supra.
- Declarações em juízo de Leandro (20/4/2017):Tempo (00:19:35) -Tempo (00:21:14)Tempo (00:23:11)-(00:24:48).
- Declarações em juízo de Joaquim (20/4/2017): Tempo (00:07:44)-(00:09:48).

49. Do imediato teor destas declarações, e porque também isso resulta necessariamente do que a Ré alegou, e da total omissão de prova que produziu quanto a esta matéria, era forçoso alterar-se a decisão quanto à seguinte factualidade:

- facto provado nº 15: o que a prova produzida revelou é que "Os quatro segundos outorgantes, nos termos do contrato promessa, nunca agendaram em conjunto a escritura relativa ao contrato prometido." devendo alterar-se a redacção deste facto com a inclusão da parte a negrito.
- factos não provados nº 5 e 6 -porque contextual e resultante da globalidade da demais prova produzida, também em função dos meios de prova que se indicarão de seguida, devem ser dados como provados;
- facto não provado nº 7: resulta confessado e logicamente decorrente do que foi declarado, em depoimento de parte, pelo gerente da Ré - além do que é dito também na sua contestação, já citado, deve ser dado como provado;

50. Acresce ainda que, no que tange ao facto provado nº 7, é a Ré que afirma, a fls. 230 (alegações de recurso), quanto a tal escritura, que "não podia nem devia comparecer, nem enviar documentos para a escritura"
- facto não provado nº 8: resulta provado do documento nº 4 junto com o requerimento inicial de arresto (Certificado emitido pelo notário em apreço) que atesta que o Chamado António agendou escritura para o dia 25 de Fevereiro de 2010, a qual foi desmarcada por comunicação no dia 24 de Fevereiro de 2010 - o que sucedeu, evidentemente, em virtude do facto de a Ré, como resultará provado no facto precedente, não ter procedido ao atempado envio dos documentos necessários à formalização do negócio, mais ainda ficando documentalmente provado nos autos, e comprovado pela Sra. Notária (sessão de 26/4/2017, 00:10:00 em diante) que foram os Recorrentes quem suportou as despesas de tal marcação (entretanto cancelada).
- facto não provado nº 9: deve resultar como provado, pela ausência e total contradição na prova produzida pela Ré e Chamados V. quanto a esta matéria, como supra exposto;

51. Acresce ainda que, no que tange ao facto não provado nº 9, é a Ré que afirma, a fls. 230 (alegações de recurso), quanto a tal escritura, que "não podia em devia comparecer, nem enviar documentos para a escritura".

52.O Tribunal, quanto a estes factos, tinha de fazer operar a presunção do art. 799º do Cód. Civil, que impõe que recaia sobre a Ré a prova de que não correspondem à verdade os factos dos factos não provados 7º, 8º e 9º, não o tendo feito na decisão desta matéria de facto, como se impunha.

53.Quanto à verídica versão de como estes factos ocorreram:

- Declarações em juízo de Manuel (11/5/2017): Tempo (00:59:48)-(01:01:40); e
- Declarações em juízo de António (11/5/2017): Tempo (00:14:53)-Tempo (00:21:37).

V - Consequências da expropriação e interesse negocial das partes

54. Tratamos neste ponto da matéria de facto incorrectamente levada aos factos provados nº 14, 23 (início) e 29, e facto não provado nº 11.

a) O erro de interpretação do artigo 35º da petição inicial

55. O teor do referido artigo da PI deveria ter sido interpretado de forma contextualizada e para além do seu rigoroso teor textual, com a demais factualidade alegada.

56. O tribunal reduziu o artigo à sua segunda metade, para daí, em grosseiro equívoco, retirar a conclusão de que a iminência da expropriação, só por si, retirou aos Recorrentes a vontade em concretizar o negócio.

57. A verdade é que foi a conjugação de dois factos - promessa de venda a terceiro e ocultação (e conhecimento tardio) do decurso de um processo que levaria à expropriação parcial do terreno, que levou à perda de interesse negocial dos Recorrentes, e que está expressa na sua petição inicial, quando lida de forma integrada.

b) Da falta de aquisição oficiosa de um facto instrumental resultante da instrução: a não efectivação da expropriação até à presente data

58. Resultou provado um conjunto de factos que, pela sua pertinência, deveriam ter sido adquiridos oficiosamente pelo Tribunal e levados à matéria provada, nos termos do artigo 5º, nº 2 do CPC:

- a expropriação parcial da parte do artigo objecto dos autos não se chegou a concretizar, o que permanece verdade à presente data;
- a Declaração de Utilidade Pública descrita no facto provado nº 7 caducou, como caducou também uma DUP semelhante que se lhe seguiu;
- a obra (acesso rodoviário ao Porto M.) subjacente ao processo expropriativo em discussão nos autos continua, à presente data, por realizar.

São estes factos relevantes porque:
59. O Tribunal parte do princípio de que a expropriação é um facto consumado, pela mera ocorrência da DUP de Julho de 2010 - veja-se, principalmente, o teor do facto provado nº 29.

60. Não tivesse a Ré vendido (porque além de prometer, já efectivamente vendeu a José, em 2012, a parcela sobrante, facto que está provado por documentos nos autos, e declarações do próprio adquirente em juízo: cfr. fls. 135 e ss. dos autos) a parte "sobrante" resultante dessa intenção pública de expropriação de 2.600 m2, e tivesse, como interpelada para tanto, celebrado a escritura de pública de compra e venda com os compradores, seriam estes quem, ainda à presente data, estariam, como legítimos proprietários, no domínio da totalidade do terreno adquirido, eventualmente negociando, eles próprios, uma possível expropriação que ainda possa vir a ocorrer, com as autoridades públicas.

61.São os seguintes os meios de prova que impunham tal aquisição oficiosa:

1 - a caducidade da DUP descrita no facto provado nº 7 é facto notório, pelo que carece de prova;
2 - a venda de parte do terreno identificado em facto provado nº 2 foi concretizada e levada a registo em 2012 -fls. 135 e ss. -sucedendo, portanto, na pendência dos autos;
3 - a desanexação do artigo que posteriormente foi vendido a José foi feito pela própria Ré, e não adveio de nenhum acto administrativo cadastral, cfr. documento predial junto aos autos pelo Autor Recorrente de fls. 135 e ss;
4 - declarações em juízo de José (27/4/2017): Tempo (00:22:30)-(00:24:50), Tempo (00:26:28)-(00:28:45);
5 - declarações em juízo de A. L. (27/4/2017): Tempo (00:18:35)-00:22:50).

62. Das declarações transcritas em alegações resulta, dito por parte de elemento da administração do Porto M., que a parcela em questão ainda não foi expropriada à presente data; que há em curso uma reformulação que, inclusive e porque foi revisto o PDM da cidade (o qual, como vimos, passou a habilitar a parcela em causa com aptidão construtiva, o que naturalmente vai valorizá-la), e que as parcelas vão ser reavaliadas.

63. Deveria o Tribunal ter dado como não provados os factos nº 14, 23 e 29, e dar como provado o facto não provado nº 11.

64. O Tribunal não poderia ter decretado a impossibilidade objectiva superveniente do contrato-promessa tendo por base um facto (expropriação) que, pura e simplesmente, não aconteceu.

65.Nem aquilo que foi comunicado à Ré, em 12/3/2009, foi a expropriação parcial do prédio; nem ela, alguma vez, veio a suceder até hoje; nem, por decorrência lógica, pôde ter ocorrido a impossibilidade superveniente, porque assente nesse facto falso; tão-pouco a mesma, alguma vez, ainda à presente data, estariam, como legítimos proprietários, no domínio da totalidade do terreno adquirido, eventualmente negociando, eles próprios, uma possível expropriação que ainda possa vir a ocorrer, com as autoridades públicas.

c) O interesse negocial

a) Factores subjectivos: o comportamento das partes e respectiva manutenção do interesse em realizar o negócio

I. Pelos Recorrentes

66. A concertação destes meios de prova revela, só por si, a manifestação externa da vontade dos Recorrentes em proceder ao negócio prometido celebrar até terem tido conhecimento da promessa descrita no facto nº 5, e deve levar à revogação da decisão da matéria dos factos nº 14, 23 e 29, e do facto não provado nº 11:

- os documentos juntos em 10/3/2016, pelos Recorrentes (docs. 2 até 7 de tal articulado);
- a entrega, pelo Recorrente Autor, da quantia de € 35.000,00 à Ré, a título de sinal, em 14 de Novembro de 2009;
- a marcação da escritura, em Fevereiro de 2010, doc. nº 3 da p.i. e docs. nº 9 e 10 do requerimento de 10/3/2016, para o dia 25 do mesmo mês, nas circunstâncias e com as consequências já acima descritas;
- a interpelação do Porto M., pelo Chamado António, e subsequentes comunicações, datada de 2/6/2010 e seguintes -documento de fls. 149 e ss.;
- a abordagem e interpelação feita a José após o conhecimento, pelos Recorrentes, de que a Ré teria prometido vender parte do artigo em apreço a esse terceiro (manifestação inequívoca da manutenção dos Recorrentes em celebrar a escritura até terem conhecimento dessa mesma promessa de venda a terceiro), aqui plasmada: Declarações em juízo de José (26/4/2017): Tempo (00:05:38) -Tempo (00:08:40).

II -Pelo Chamado Joaquim

67. Relevam aqui, essencialmente, os documentos nº 8 e 8-A (juntos pelos recorrentes em 10 e 11 de Março de 2016), não impugnados e confirmados pelo seu autor em audiência e que obriga o Tribunal a que se dê como provado que o referido Chamado, em 27 de Agosto de 2009, como o promitente comprador mantinha vontade em outorgar a escritura prometida no CPCV em apreço nos autos.

III -Pela Ré

68. Se a versão da Ré fosse verdade, e se tivesse perdido o interesse negocial logo em 2008, assim que lhe foi dada a conhecer a existência de uma expropriação:

1 - a Ré não teria enviado nova proposta de aprovação do loteamento idealizado pelas partes, enviada em 29-9-2008 e respondida em Dezembro de 2008, como resulta provado nos autos (doc. nº 3 junto em 2-12-2013);
2 - a Ré não teria enviado um requerimento (doc. junto em 21/11/2013 pela própria Ré de fls. 177 e ss.) dirigido por esta à Câmara Municipal em 17 de Julho de 2009 (mais de ano e meio sobre o conhecimento formal da expropriação), através do qual veio submeter àquela edilidade a aprovação do projecto da obra para a totalidade da área do artigo (...) rústico, e não de uma qualquer área sobrante como resultado de iminente expropriação, sendo a própria Ré quem identifica a descrição predial nesse requerimento, a mesma (como resulta de fls. 135 e ss) ainda importava o prédio com a área original de 5.519 m2, dado que a desanexação da área vendida a José, terceiro adquirente só ocorre com essa mesma aquisição, registada em 26 de Dezembro de 2012.
3 - a Ré teria certamente respondido, igualmente por escrito (e junto aos autos tal resposta) à carta que compõe os docs. 2 até 8 do requerimento de 10/3/2016 dos Recorrentes (presumivelmente com surpresa e estupefacção);
4 - a Ré não teria recebido do Autor, a título de sinal, em 14/9/2009, a quantia de € 35.000,00 (numa altura em que já lhe devia, supostamente, € 22.000,00 relativos ao sinal em singelo);
5 - a Ré teria certamente respondido à carta enviada pelos Recorrente em Fevereiro de 2010 com o agendamento da escritura.

69. A Ré praticou actos positivos de interesse negocial, e que demonstram a manutenção da possibilidade do negócio se vir a concretizar, tentando, além do mais, a viabilidade do loteamento em Julho de 2009.

70. Mas em comum à Ré e aos Chamados V., veja-se o artigo 17º da contestação dos Chamados: afinal, era possível, mesmo com a expropriação parcial, cumprir-se o contrato promessa celebrado.

b) Apreciação objectiva da perda de interesse:

71. A intenção original das partes era lotear e construir, após a compra dos 5.519 m2 que compunham o terreno objecto do CPCV, 9 moradias.

72. A expropriação nunca se chegou a concretizar, sendo ainda hoje o seu traçado e a valorização das parcelas um dado incerto.

73. Objectivamente (como o tempo veio a demonstrar) o mero facto de haver uma expropriação parcial de um terreno não é apto a afastar a vontade das partes na concretização da sua compra, nem há nos autos qualquer prova de que assim tenha sucedido.

74.A posição que (hoje ainda) a Ré assume como proprietária da parcela do terreno que eventualmente virá a ser expropriado, nomeadamente na condução das respectivas negociações e recepção dos respectivos dividendos, devia estar a ser ocupada pelos promitentes-compradores, tivesse o contrato-promessa sido cumprido pelas partes inadimplentes (Ré e Chamados V.).

75. Assim como devia ter sido dos Recorrentes a posição que também a Ré assumiu na venda de parte do terreno a terceiro, José, em 2010, com evidente rentabilidade em função da "iminente expropriação" da parcela adjacente.

76. Os Recorrentes teriam de ter sido postos, em tempo útil e pela Ré, na posição de partes contratuais informadas, para decidir efectivamente o que fazer perante aquele facto novo - e assim poderem responder de forma cabal à pergunta que tantas vezes lhes foi colocada em julgamento.

77. Desde logo porque até se mostrou solução rentável, os Recorrentes podiam ter pretendido, não obstante a expropriação, ainda assim adquirir o imóvel e sentar-se, eles mesmos à mesa das negociações com as entidades administrativas (de resto, ainda à data da instauração do arresto, a negociação entre Ré a Administração do Porto M. era uma realidade).

78. O que a prova revelou foi que os Recorrentes foram surpreendidos com a notícia de que parte do artigo já estava prometido a terceiro, com o paralelo decurso da expropriação do restante - momento em que perderam em definitivo o interesse em comprar.

79. Sentença dos autos de 24-2-2014: "Nota final a respeito da defesa da R, (…) relacionada com a expropriação que atingiu o imóvel objecto da promessa para dizer que o acto expropriativo, objectivamente considerado, não inviabilizava -pelo menos de forma integral -o cumprimento do contrato-promessa por parte da R., como o comprova o facto de, já depois da publicação em DR do despacho que declarou a utilidade pública da parcela nº 20 (15 de Julho de 2010), a R. ter celebrado o dito contrato-promessa com o terceiro (27 de Julho de 2010) [tal significa que a expropriação abrangeu somente uma parte do prédio prometido vender ao A: cf. documentos de fls. 135-140]”.

80. Outros meios de prova relevantes:
- documento nº 3 junto pelo Autor em 2.12.2013: donde se retira que projecto de loteamento e expropriação são compatíveis, pese embora a necessidade de readaptação: era possível construir-se ainda 4 ou 5 lotes de terreno na parte sobrante.

81. Não há nenhuma prova nos autos que indique que os Recorrentes tenham rejeitado esta hipótese (além de a mesma ser objectivamente exequível), pelo que não podia o Tribunal ter tirado tal conclusão.
- declarações em juízo de José (26/7/2017): Tempo (00:09:25)-(00:09:49), Tempo (00:12:07)-(00:12:22), Tempo (00:26:28)-(00:28:38),Tempo (00:30:40)-Tempo (00:32:20), (00:32:40)-(00:33:00).

82. Deste depoimento decorre que Ré viu como muito mais rentável o não vender o prédio aos Recorrentes, mas antes a este terceiro – neste sentido, atente-se no cálculo efectuado em alegações, supra.
- declarações do gerente da Ré: Tempo (00:15:42)-(00:18:59);
-declarações em juízo de A. G. (27/4/2017): Tempo (00:02:48)-(00:04:50), (00:05:59)(00:06:45), (00:26:05)-(00:35:17).

83. Foi por isto que a Ré se furtou sempre à realização da escritura: teve oportunidade de usar aquele projecto de loteamento para seu exclusivo proveito, invocando prejuízos e lucros cessantes com a entidade expropriante.

84. Com o que são compatíveis a declarações dos Recorrentes:
- declarações em juízo de Manuel (11-5-2017), "Tempo (00:03:39)-(00:07:50), Tempo (00:24:00), (00:25:02), Tempo (00:28:06)-(00:29:06), Tempo (01:06:28)-(01:08:45);
- declarações em juízo de António (11/5/2017): Tempo (00:14:53)-(00:16:00), (00:27:47)(00:29:22),Tempo (00:29:46)-(00:41:02), Tempo (00:57:21)-(01:00:12), (010:05:50),Tempo (01:07:49),Tempo (01:14:58).

VI -Da pretensa revogação por mútuo acordo do contrato-promessa

85. Estão em causa os factos insertos nos nºs 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29 dos factos provados e ainda a não inserção, nos factos não provados, do quesito 27 da base instrutória (não tendo tal quesito sido respondido em qualquer sentido), cuja impugnação supra aduzida aqui se dá por reproduzida.

86. Esta factualidade só resulta da mera alegação da Ré, a qual conta pelo menos com 7 (sete) versões intrinsecamente incompatíveis e mutuamente exclusivas quanto ao "mútuo acordo" ocorrido entre as partes para a revogação deste contrato – pelo que não podia Tribunal poderia lançar mão deste meio de prova para dar esta factualidade como provada.

87. Foram aqui (erroneamente) valoradas as declarações em juízo dos Recorrentes:
- declarações em juízo de Manuel (11/5/2017): Tempo (00:24:07)-(00:28:02), Tempo(00:28:46)-(00:39:29), Tempo (01:04:40)-(01:07:48);
- declarações em juízo de A. G. (27/4/2017): Tempo (00:02:48)-(00:04:50), (00:05:59)(00:06:45), (00:26:05)-(00:35:17).

88. Estamos no âmbito de negociações frustradas, extra-judiciais, mantidas entre advogados, a que a Ré invoca, em desespero e tangente licitude disciplinar.

89. Sem que os Recorrentes alguma vez admitissem tal cessação contratual, o Tribunal deu-a como provada, pelo simples facto de terem ocorrido negociações frustradas pré-judiciais envolvendo valores muito inferiores àqueles que os Recorrentes, de facto, têm direito a receber por força de lei.

90. Não é plausível que a Ré aceitasse desembolsar € 6.000,00 a mais, se não tivesse tido qualquer culpa na impossibilidade da concretização da escritura.

91. Outras razões que põem em crise a factualidade em apreço:
- a testemunha Notária I. M. confirmou o agendamento de uma escritura de confissão de dívida e hipoteca, como alegaram os Recorrentes, e não qualquer revogação contratual - o que infirma a factualidade que veio a ser dada como provada;
- as declarações do Chamado Joaquim quando instado sobre este revogar da promessa que outorgou: Tempo (00:11:14)-(00:13:02) – infirmam também a factualidade em causa;
- não há nos autos qualquer indício de que a devolução do sinal em singelo saiu do património da sociedade, e ingressou no do Chamado Manuel – que não poderia deixar de estar reflectido na respectiva contabilidade, com documento de suporte e comprovativo do respectivo movimento económico e financeiro;
- o Chamado Joaquim, promitente-comprador, não consta do cabeçalho destinado às partes outorgantes (que a Sra. Notária detalhadamente enumerou, sem qualquer menção ao dito Chamado);
- o teor do facto provado nº 25 é totalmente incompatível com o alegado pelo Chamado Leandro em 28º da sua contestação; no entanto, a sua alegação provém da mesma pessoa: Leandro., simultaneamente gerente da Ré e Chamado.

92. Resulta evidente da factualidade provada que, no entender do Tribunal, esse "acordo revogatório" só nessa ocasião (meados de Junho de 2011) foi logrado obter entre as partes.

93. Se o Tribunal só situa o acordo revogatório em 2011, então também é forçoso concluir que a Ré, quando promete vender a terceiro parte do terreno, o faz na vigência do contrato-promessa que celebrou com os Recorrentes, e portanto em clamoroso incumprimento contratual, donde se conclui a contradição intrínseca da decisão recorrida.

94. Face ao que segue exposto, deve esta instância revogar e dar como não provados os factos
nº 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29, na sua exacta redacção.

II - BREVES CONSIDERAÇÕES DE DIREITO

1. A violação do princípio do dispositivo - condenação ultra petitium

95. A Ré alega nestes autos que o contrato-promessa em apreço -vide art. 69º e 70º da contestação - se extinguiu em Janeiro de 2010 por revogação verbal consumada em Janeiro de 2010, não alegando que a expropriação tornou o contrato impossível, e muito menos peticiona que se decrete a extinção do contrato - seja por que fundamento extintivo for.

96. No entanto, o decisório da sentença, na sua alínea a), decreta a extinção do contrato-promessa , efeito que não foi pretendido pela Ré, em nenhuma das suas modalidades.

97. A sentença baseia-se em causa de pedir ou fundamento de defesa não invocado pela Ré, antes é frontalmente contrária aos factos alegados pela Ré.

98. Tão-pouco essa matéria era de conhecimento ou aquisição oficiosa -desde logo é frontalmente contrária aos factos alegados pela Ré.

99. Não estamos assim perante a mera aplicação das regras de direito, na livre disponibilidade do Tribunal -cfr. art. 5º, nº 3 do CPC, mas antes no domínio da matéria de facto articulado pelas partes.

100. Com a decisão vertida na alínea a) do seu decisório, viola o princípio do dispositivo, bem como do contraditório, vertidos respectivamente nos artigos 5º e 3º, nº 3 do CPC, pelo que se deve revogar a decisão recorrida, nesta parte.

2. O Incumprimento Contratual

101. Não há nenhum facto apto a suportar a impossibilidade objectiva absoluta superveniente aventada pelo Tribunal: a declaração da utilidade pública não se confunde com o facto expropriativo (efectiva transmissão da propriedade do bem expropriado para a esfera jurídica de uma entidade de direito público).

102. A declaração de utilidade pública do facto nº 7 (bem como outra subsequente) caducaram, e nem o rumor de expropriação nem sequer a sua efectivação, se ela tivesse acontecido, seria causa automática da extinção das obrigações contratuais.

103. Estaríamos eventualmente e no máximo, sem conceder, perante um caso de impossibilidade parcial, regulado pelo art. 802º do Cód. Civil, e em cujos termos se prevê a faculdade de resolução do negócio ou exigência do cumprimento do que for possível, com redução da sua contraprestação (ajuste do preço), sem prejuízo de direito indemnizatório.

104. A Ré, ao não enviar os documentos necessários para a realização da escritura de Fevereiro de 2010 -colocou-se em situação de mora: 804º, nº 2 e 805º, nº 2 a), facto que, dotado de presunção, a Ré não logrou ilidir.

105. Após tal momento, os Recorrentes mantiveram interesse na prestação, sendo certo que tal prestação continuava a ser possível.

106. O facto provado nº 5 representa autêntica recusa ao cumprimento, por parte da Ré e configura então, verdadeiramente, um incumprimento definitivo, imputável àquela - e objectivamente legitima a invocação da falta ou perda de interesse por parte dos Recorrentes na celebração da escritura, pois que exprime verdadeiramente a vontade de não cumprir a sua parte no contrato.

107. Incumbia à Ré alegar e provar o facto extintivo do vínculo contratual, mas apenas se provou (sem prescindir) que as partes encetaram negociações tendo em vista a revogação do contrato (factos nº 23 até 29).

108. Mas mesmo que se interprete, sem conceder, que o facto provado nº 24 retrata uma efectiva revogação consumada, a verdade é que tão-pouco o Tribunal logrou apurar a data dessa consumação.

109. E era ónus absoluto da Ré provar que essa revogação ocorreu antes da celebração de contrato-promessa com 3º (sob pena de se qualificar, inexoravelmente, tal facto como incumprimento faltoso, definitivo, e imputável à Ré).

110. Não o fazendo, a Ré teria de, pelo menos, e por via reconvencional, peticionar a resolução do contrato a título subsidiário e em caso de falência de prova do facto extintivo - o que também não fez.

111. Mesmo mantendo esta instância a decisão de facto intacta, pela improcedência do efeito jurídico do art. 790º CC - e portanto, não se verificando a hipótese de impossibilidade objectiva tal como interpretou o Tribunal recorrido – e pela ausência de qualquer facto provado extintivo dos efeitos contratuais anterior ao dia 27 de Julho de 2010, o facto nº 5 terá de ser qualificado como incumprimento definitivo e praticado com culpa, imputável à Ré.

112. Dando-se provado o facto provado nº 10, a Ré incorreu também em incumprimento contratual por manifesta violação do dever acessório contratual de informação, que, pela sua gravidade, importa resolução do contrato.

113. Deve reconhecer-se a resolução do contrato-promessa indicado no facto provado nº 2; o direito aos Recorrentes ao dobro do sinal por si prestado, conforme peticionado.

114. Sendo que, no caso do Autor, importa a devolução em dobro da quantia de € 57.000,00, e no caso do Chamado, a devolução em dobro da quantia de € 22.000,00, tudo num total de € 158.000,00 (cento e cinquenta e oito mil euros).

3. Os juros de mora

115. Deve a Ré ser condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas desde a data do facto que determinou o incumprimento faltoso definitivo - facto provado nº 5 -27 de Julho de 2010 – ou, sem conceder, ser condenada a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da primeira citação recebida no âmbito destes autos, ocorrida em 2011, e ao Chamado os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da notificação do articulado de fls. 486 e ss., sem conceder: cfr. art. 805º e 559º do Cód. Civil.

4. A litigância de má-fé

116. A sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia ao não apreciar o pedido de litigância de má-fé deduzido pelos Recorrentes nos autos.

117. A Ré e Chamados Leandro e Manuel deveriam ter sido condenados como litigantes de má-fé por se verificarem preenchidos os pressupostos nos artigos 542º e 543º do CPC, o que se requer, pela fixação de indemnização a favor dos Recorrentes em valor a determinar equitativamente pelo Tribunal.
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118. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, sem prejuízo do douto suprimento, as normas jurídicas contidas nos artigos 374º, 376º, 406º, 410º, 441º, 442º, 480º, a), 559º, 790º, 799º, 804º, nº 2, 805º, 805º, nº 2 a), 808º, nº 1, 808º, nº 2 do Cód. Civil, e 3º, nº 3, 5º, e 542º e 543º do CPC.
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1.2.2. Contra-alegações (da Ré)

A (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) não contra-alegou, por alegadamente não ter «condições económicas e financeiras para custear as despesas inerentes às contra alegações do recurso interposto».
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C.), e ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. d), II parte, do C.P.C.), bem como ter condenado em objecto diferente do pedido (violando o disposto no art. 615º, al. e), II parte, do C.P.C.) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente quanto

. às circunstâncias e ao momento de tomada de conhecimento, pelas partes, do decurso do processo de expropriação do imóvel objecto do contrato-promessa em causa nos autos (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 19, 20 e 22, e do facto não provado aí enunciado sob o número 10, bem como a consideração do artigo 23º da base instrutória);

. ao reforço do sinal nele prestado pelo Autor, no valor de € 35.000,00 (impondo a alteração dos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 3, 4 e 12);

. à marcação da definitiva escritura de compra e venda pelo Autor e pelo 2º Interveniente Principal (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 11 e 15, e dos factos não provados aí enunciados sob os números 5, 6, 7, 8 e 9);

. às consequências da expropriação, incluindo no interesse contratual das partes (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 14, 23 - início -, e 29, e do facto não provado aí enunciado sob o número 11);

. à revogação por mútuo acordo do contrato-promessa (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29, bem como a consideração do artigo 27º da base instrutória) ?

- Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção procedente (condenando-se a Ré integralmente nos pedidos principais formulados pelo Autor e pelo 2º Interveniente Principal) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidade da sentença

3.1. Conhecimento de nulidade da sentença – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».

Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C., que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pelos Autor e 2º Interveniente Principal (irmãos Manuel e António), recorrentes, a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os outros citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença

3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).

Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo nº 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo).

Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».

Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Omissão de pronúncia - Art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C.

3.2.1.2.1. Lê-se, a propósito, no art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C. (como já antes se lia no art. 668º, nº 1, al. d) do anterior C.P.C.), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608º, nº 2 do C.P.C. (art. 660º, nº 2 do anterior C.P.C.), que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p.143, com bold apócrifo).

Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., p. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo nº 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).

Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).

Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ nº 439, pg. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, p. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira).

Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo nº 05B2287, com bold apócrifo).

Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo nº 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo nº 00A3277).

Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.1.2.2. Concretizando, e relativamente à alegada violação da al. d), I parte (não se ter o juiz pronunciado sobre questões que devesse apreciar), do nº 1, do art. 615º do C.P.C., radicam-na os Recorrentes (Autor, e seu irmão, 2º Interveniente Principal) no facto do Tribunal a quo ter, na sentença proferida, omitido qualquer decisão sobre o pedido de condenação da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) e dos 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro) como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor não inferior a € 3.000,00.

Precisa-se, a propósito, que os 1º e 3º Intervenientes Principais, prévia e igualmente, tinham pedido a condenação do Autor (Manuel) e do 2º Interveniente Principal (António) a esse mesmo título, também em multa e em indemnização, cujo quantitativo porém não adiantaram.

Ora, compulsada a sentença recorrida verifica-se que, de facto, não consta da mesma qualquer decisão relativa à condenação das partes como litigantes de má-fé, a isto é, nem apreciou a suficiência dos factos provados e dos fundamentos aduzidos por elas para aquele feito, nem proferiu qualquer decisão - condenatória ou absolutória - com este objecto.

Logo, existe a nulidade arguida pelos Recorrentes, com base na violação da al. d), I parte, do nº 1, do art. 615º do C.P.C..

Contudo, lê-se o art. 665º do C.P.C. que, ainda «que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação» (nº 1); e, se «o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, (…) a Relação (…) delas conhece (…), sempre que disponha dos elementos necessários».
Ora, não só nos autos ficará definitivamente fixada a matéria de facto necessária para este efeito, como as partes foram previamente advertidas e ouvidas sobre esta concreta possibilidade, neste Tribunal de recurso.
Logo, e no final do presente acórdão, se procederá em conformidade, apreciando a conduta processual de ambas as partes, mercê dos respectivos e cruzados pedidos de condenação como litigantes de má-fé.
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3.2.1.3. Excesso de pronúncia - Art. 615º, nº 1, al. d), II parte, e al. e), II parte, do C.P.C.

3.2.1.3.1. Lê-se no art. 615º, nº 1, al. d), II parte, e al.), II parte, do C.P.C. (como já antes se lia art. 668º, nº 1, al. d), II parte, e al. e), II parte, do anterior C.P.C.), que «é nula a sentença quando»:

. excesso de pronúncia - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» e «condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no actual art. 608º, nº 2 do C.P.C. (anterior art. 660º, nº 2), que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»; e lê-se no art. actual art. 609º, nº 1 do C.P.C. (anterior art. 661º, nº 1) que a «sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».

Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

Compreende-se, por isso, que se lesse no anterior art. 264º, nº 2 do C.P.C. que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no seu anterior art. 664º do C.P.C. que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264».

Contudo, com a última reforma do C.P.C., mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no actual art. 5º, nº 1 e nº 2 que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no nº 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

Compreende-se, por isso, que a regra enunciada no nº 1 do art. 609º do C.P.C. deva ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo; ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela (conforme Ac. do STJ, de 23.01.2004, Ferreira Girão).

Do mesmo modo o vem entendendo o STJ, na uniformização da jurisprudência que lhe incumbe fazer, nomeadamente:

. no Assento do STJ nº 4/95, de 28 de Março (DR, I Série A, de 17.05.1995) - onde se consignou que, quando «o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289º, nº 1 do C.C.»;

. no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2001, de 23 de Janeiro (DR, I Série A, de 09.02.2001) - onde se consignou que, tendo «o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (art. 616º, nº 1 do C.C.), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664º do C.P.C.» [hoje, art. 5º, nº 3 do mesmo diploma].

Deverá, porém, em hipóteses como estas ser assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, salvo caso de manifesta desnecessidade, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente contraditando (art. 3º, nº 3 do C.P.C.).

Precisando, e no que tange à proibição de condenação em quantidade superior, há que considerar que o limite quantitativo da condenação é o da importância global pedido (conforme Ac. do STJ, de 15.06.1989, AJ 0º/89, pg. 13), não se reportando os limites da condenação às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo (conforme Ac. da RL, de 26.05.1992, Aragão Barros, BMJ nº 417, p. 812, e Ac. da RE, de 30.09.2004, Oliveira Pires, CJ, 2004, Tomo IV, p. 248).
Dir-se-á, assim, que o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...)
Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 67 e 68, com bold apócrifo).
*
3.2.1.3.2. Concretizando, os Recorrentes (Autor, e seu irmão, 2º Interveniente Principal) radicam a alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia no facto da mesma ter declarado extinto o contrato-promessa em causa nos autos por superveniente impossibilidade objectiva das prestações das respectivas partes, quando esta causa de extinção não tinha sido alegada por qualquer delas: eles próprios fundaram o seu pedido de reconhecimento da extinção do contrato-promessa no direito que lhes assistiria de o resolverem, por prévio incumprimento culposo da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada); e esta radicou a extinção do dito acordo numa pretensa e posterior revogação do mesmo pelas primitivas partes.

Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, não assiste razão aos Recorrentes, nomeadamente quanto os mesmos afirmam que «o decisório da sentença, na sua alínea a), decreta a extinção do contrato-promessa, efeito que não foi pretendido pela Ré, em nenhuma das suas modalidades», uma vez que, quer eles próprios, quer a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) e os 1º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim e Leandro) defenderam e pediram nos autos a extinção do dito contrato, eles directamente, quando impetraram que se declarasse resolvido, e aquela quando pediu que a acção fosse julgada improcedente, precisamente com esse fundamento (do contrato ter sido revogado por mútuo acordo).

Ora, consubstanciando o pedido a concreta pretensão de tutela jurisdicional pedida pela parte ao Tribunal, o efeito jurídico que se pretende obter por via da acção (art. 581º, nº 3 do C.P.C.), no caso dos autos o mesmo foi feito coincidir, por todas as partes, precisamente com o reconhecimento da extinção do contrato-promessa que por elas tinha sido conjuntamente celebrado.

Assim, tendo os Recorrentes pedido nos autos o reconhecimento da extinção do contrato-promessa por eles (e pelos 1º e 3º Intervenientes Principais) celebrado com a Ré, bem como a condenação desta a restituir-lhes as quantias a que, por força dessa mesma extinção, teriam direito, a diferente qualificação jurídica da causa da dita extinção, feita pelo Tribunal a quo, bem como do quantitativo que teriam a receber, não viola (pelas razões já expostas) o principio do dispositivo.

Aduziram ainda os Recorrentes (Autor, e seu irmão, 2º Interveniente Principal), em abono da sua tese de alegado excesso de pronúncia pelo Tribunal a quo, que a «sentença baseia-se em causa de pedir ou fundamento de defesa não invocado pela Ré, antes é frontalmente contrária aos factos alegados pela Ré».

Ora, salvaguardando de novo o devido respeito pelos Recorrentes, a causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação consagrada no art. 581º, nº 4 do C.P.C., é o facto concreto de onde emana o direito invocado pela parte que dele se pretende fazer valer, o seu «princípio gerador (…), a sua causa eficiente», e não a qualificação jurídica que a mesma reclame para ele (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, p. 121 e 123).

Ora, a causa de pedir invocada pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) nos autos radica na celebração do concreto acordo de vontades das partes, no objecto do mesmo, e nas vicissitudes que foi sofrendo com o decurso do tempo, nomeadamente com o processo de expropriação de que o prédio dele objecto foi alvo; e foram estes os únicos factos, uma vez provados, de que o Tribunal a quo se valeu, para basear a sua decisão.

Já os efeitos jurídicos que deles decorrem contendem com a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, actividade em que o juiz não está sujeito às alegações das partes, nos termos do art. 5º, nº 3 do C.P.C., desde que respeite o pedido formulado por elas; e esse (conforme já referido e demonstrado supra) foi respeitado.

Por fim, se é certo que o Tribunal a quo deveria ter permitido às partes que se pronunciassem previamente sobre esta diferente qualificação jurídica dos factos (como causa de extinção do contrato-promessa em causa), nos termos do art. 3º, nº 3 do C.P.C., certo é igualmente que, no momento presente, os Recorrentes já exerceram longamente esse seu direito, nas alegações de recurso apresentadas (habilitando agora este Tribunal de recurso a ponderá-las).

Consubstanciaria, assim, um acto inútil, proibido pelo art. 130º do C.P.C., anular a sentença recorrida com este fundamento, e devolvê-la ao Tribunal a quo, tão só e apenas para este único fim, que se mostra já plenamente assegurado nesta instância de recurso.
Logo, inexiste a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, consistente em excesso de pronúncia, por alegadamente ter tomado conhecimento de questões de que não podia conhecer, ou ter condenado em objecto diverso do pedido.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, e renumerados em conformidade):

1 - Irmãos X, Unipessoal, Limitada (aqui Ré) é dona e legítima proprietária de um prédio rústico, composto de pinhal com mato, com 5.519 m2, sito em (...) - (...), freguesia de (...), em Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...), (...), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor tributável de € 9,43.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1 - matéria de facto assente)

2 - Por documento datado de 26 de Março de 2007, designado «Contrato-promessa de compra e venda de PRÉDIO RÚSTICO», celebrado entre Irmãos X, Unipessoal, Limitada (aqui Ré), como primeiro outorgante, e Joaquim (aqui 1º Interveniente Principal), António (aqui 2º Interveniente Principal), Manuel aqui Autor) e Leandro (aqui 3º Interveniente Principal) como segundos outorgantes foi declarado:

«(…)
CLÁUSULA 1ª
A Primeira Outorgante é proprietária e legítima possuidora de um prédio rústico, composto de pinhal com mato, sito em (...) - (...), freguesia de (...), em Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...) com o valor tributável de € 9,43.

CLÁUSULA 2ª
Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante prometem vender aos Segundos, ou a quem estes indicarem (a indicação deverá ser conjunta e cumulativa por todos os segundos Outorgantes, podendo o terceiro a indicar tratar-se de pessoa(s) colectiva( s) a formar conjuntamente por todos os segundos outorgantes) que, por sua vez lhes prometem comprar ou quem por estes vier a ser indicado, livre de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades o prédio rústico acima identificada na cláusula 1ª.

CLÁUSULA 3ª
O preço da compra e venda é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) pagos da seguinte forma:
a) a quantia de € 80.000,00 (que diz respeito à proporção de € 20.000,00 para cada um dos segundos) na data da celebração do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, de que a Primeira Outorgante dá quitação;
b) a quantia de € 80.000,00 (que diz respeito à proporção de € 20.000,00 para cada um dos segundos outorgantes) na data da outorgada escritura definitiva;
c) a restante quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) apenas será paga aquando da realização plena das mais valias a levar a efeito sobre o prédio em questão.

CLÁUSULA 4ª
Não obstante a existência de sinal como princípio de pagamento, as partes Outorgantes acordam expressamente na submissão do presente contrato ao regime da execução específica, previsto no art. 830º do Código Civil.

CLÁUSULA 5ª
5. 1. A escritura pública de compra e venda será celebrada, salvo caso de força maior, dentro dos próximos noventa dias a contar da data da assinatura deste contrato-promessa, em data, hora, local a designar pelos Segundos Outorgantes, mediante comunicação por carta registada com aviso de recepção dirigida à Primeira Outorgante com pelo menos 15 dias de antecedência.
5.2.- A Primeira Outorgante deverá apresentar toda a documentação necessária à celebração do contrato prometido até dez dias antes da data marcada para a realização da escritura.

CLÁUSULA 6ª
São da responsabilidade dos Segundos outorgantes todas as despesas com a escritura e registo emergentes da celebração do presente acordo.

CLÁUSULA 7ª
A responsabilidade pelo pagamento das verbas identificadas na cláusula 3ª do presente acordo não assume natureza solidária, pelo que cada um dos segundos outorgantes apenas é responsável pela exacta proporção do compromisso aqui assumido e nessa cláusula expressa (cfr. documento de fls. 18 a 20 junto aos autos do procedimento cautelar, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2 - matéria de facto assente)

3 - No acto da celebração do contrato-promessa descrito no facto provado enunciado sob o número 2, o Autor (Manuel) entregou à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos), a título de sinal e princípio de pagamento, do qual deu quitação.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3 - matéria de facto assente)

4 - No acto de celebração e outorga do contrato-promessa objecto dos presentes autos, o 2º Interveniente Principal (António) entregou à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos), a título de sinal e princípio de pagamento, do qual a Ré deu integral quitação.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8 - matéria de facto assente)

5 - Após o contrato-promessa referido no facto provado enunciado sob o número 2, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) fez diligências no sentido de fazer aprovar para esse prédio uma viabilidade de construção, mas não o tendo conseguido.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 16 - base instrutória)

6 - Os quatro segundos outorgantes (o Autor, e os 1º, 2º e 3º Intervenientes Principais), nos termos do contrato-promessa, nunca agendaram a escritura relativa ao contrato prometido.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 15 - base instrutória)

7 - Em 11 de Janeiro de 2008, o Autor (Manuel) entregou à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), que a recebeu, através da pessoa do seu representante legal, Leandro, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros, e zero cêntimos), correspondente «ao pagamento de parte da quantia emergente do contrato outorgado em 26 de Março de 2007» (conforme documento 2 junto ao procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá como reproduzido para os devidos e legais efeitos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4 - matéria de facto assente)

8 - Em 11 de Janeiro de 2008, o 2º Interveniente Principal (António) entregou à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), que a recebeu, através da pessoa do seu representante legal, Leandro, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros, e zero cêntimos), correspondente «ao pagamento de parte da quantia emergente do contrato outorgado em 26 de Março de 2007» (conforme documento 2 junto ao procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá como reproduzido para os devidos e legais efeitos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9 - matéria de facto assente)

9 - As entidades Camarárias, como previam que esse terreno pudesse vir a ser expropriado pelo Estado - neste caso, o Porto V. -, não aprovaram o pedido de viabilidade de construção pretendido pela Ré.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 17 - base instrutória)

10 - O Porto M. de Viana do Castelo, entidade estadual, começou por manifestar interesse em expropriar à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) o prédio, ou parte desse prédio, identificado no facto provado enunciado sob o número 1, por utilidade pública, a fim de construir o acesso rodoviário ao sector comercial do Porto V..
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 18 - base instrutória)

11 - Em Março de 2009, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) recebeu uma carta do Porto V., a manifestar o interesse na expropriação de 2.060 m2 desse terreno.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 21 - base instrutória)

12 - A Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), por carta de 12 de Março de 2009, tomou conhecimento no interesse dessa expropriação.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 19 - base instrutória)

13 - Deste facto, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) deu conhecimento ao Autor (Manuel) e a todos os promitentes-compradores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 22 - base instrutória)

14 - O Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António), promitente-comprador, tiveram conhecimento do interesse do Porto V. em expropriar esse terreno à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 20 - base instrutória)

15 - Por carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Fevereiro de 2010, o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António), promitente-comprador, comunicaram à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) que haviam agendado o dia 25 de Fevereiro do mesmo ano, pelas 09.30 horas, no Cartório Notarial de I. M., sito na Rua do (…) Viana do Castelo, para a celebração da escritura pública de compra e venda referente ao prédio identificado no facto provado enunciado sob o número 1.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 11 - base instrutória)

16 - Por despacho nº 11537/2010, DR 2ª série, n. 136, de 15 de Julho de 2010, foi determinada a declaração de utilidade pública, nomeadamente na parcela nº 20 pertencente a Irmãos X Unipessoal, Ldª do concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o nº (...), freguesia de (...), com a área de 2606 m2 (confrontar fls. 31 a 33 dos autos de procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá como reproduzido para os legais e devidos efeitos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7 - matéria de facto assente)

17 - O processo de expropriação do prédio descrito no facto provado enunciado sob o número 1 foi conduzido pelo IPTM, com sede no (…) Viana do Castelo.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 13 - base instrutória)

18 - A iminente expropriação do mesmo terreno pelas autoridades públicas afastou a vontade do Autor (Manuel) e do 2º Interveniente Principal (António) em concretizar a compra do terreno.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 14 - base instrutória)

19 - Em face da iminente expropriação do imóvel, em data não concretamente apurada, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) e todos os promitentes-compradores, entre os quais o Autor (Manuel), encetaram negociações no sentido de «revogar por mútuo acordo» o aludido contrato promessa, dando o mesmo sem efeito, desobrigando a Ré dessa promessa de venda e os compradores da promessa de compra.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 23 - base instrutória)

20 - Na sequência da expropriação parcial do prédio descrito no facto provado enunciado sob o número 1, a realização do projecto previsto pelos promitentes-compradores para o imóvel prometido comprar ficou inviabilizada, na sequência do que procederam a negociações para revogação do contrato-promessa por mútuo acordo nos termos descritos no facto provado seguinte.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 29 - base instrutória)

21 - No âmbito desse acordo de revogação, foi acordado, em data não concretamente apurada, que a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) devolveria posteriormente em singelo ao Autor (Manuel) e ao 2º Interveniente Principal (António) a quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros, e zero cêntimos) que deles tinha recebido a título de sinal e princípio de pagamento do preço ajustado, e tão só esta quantia, mas com prestação de garantias do recebimento dessa quantia.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 24 - base instrutória)

22 - Por acordo denominado «CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA», de 27 de Julho de 2010, entre Irmãos X Unipessoal, Limitada, como primeiro outorgante ou promitente-vendedor, e José como segundo outorgante ou promitente-comprador, foi declarado:
«(…)
Pelo primeiro outorgante foi dito:

Que é dono e legítimo possuidor do seguinte imóvel: Prédio Rústico, sito no lugar da (...), freguesia de (...), concelho de Viana do Castelo, inscrito na Matriz Predial Rústica da freguesia de (...) sob o artigo nº (...) e omisso na Conservatória do Registo Predial. Este prédio será vendido com o projecto aprovado, após expropriação a ser efectuada pela Câmara Municipal.

Pelo presente contrato, promete vender ao segundo outorgante e este promete comprar-lhe, pelo preço de C 110.000,00 (Cento e Dez Mil Euros) o prédio acima identificado.

A título de sinal e início de pagamento, confessa ter recebido do segundo outorgante, nesta data, a quantia de C 15.000,00 (Quinze Mil Euros), quantia esta de que dá inteira quitação.

O restante pagamento, ou seja a quantia de C 95.000,00 (Noventa e Cinco Mil Euros), será liquidada da seguinte forma:

Será entregue um apartamento para venda, sito na Rua (…), tipo T1, inscrito na matriz predial sob o artigo (...)- Fracção "J" pelo montante de C 80.000,00 (Oitenta Mil Euros). No dia da celebração de escritura pública será liquidada a quantia de C 15.000,00 (Quinze Mil Euros).

O prédio, objecto deste contrato-promessa de compra e venda, será entregue devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos.
(…)
Pelo segundo outorgante foi dito que:

Que, por sua vez, se obriga a comprar o imóvel referido na cláusula primeira deste contrato, pelo preço e demais condições constantes das suas cláusulas.

Por todos os outorgantes foi dito:
10ª
Que, no caso de o objecto deste contrato, não possa ser cumprido por razões alheias a vontade das partes, o presente contrato será nulo e sem qualquer efeito e as quantias entregues serão devolvidas em singelo.
(conforme documento de fls. 26 e 27 junto ao procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá como reproduzido para os devidos e legais efeitos).
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5 - matéria de facto assente)

23 - Pese embora a diferente designação do lugar, o contrato descrito no facto provado anterior reporta-se ao prédio rústico identificado no facto provado enunciado sob o número 1, com a alteração / modificação traduzida na redução da sua área decorrente da expropriação parcial de que foi objecto.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6 - matéria de facto assente)

24 - O Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) nunca foram informados pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) da celebração ou existência do contrato-promessa descrito no facto provado enunciado sob o número 22.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 12 - base instrutória)

25 - A Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) nunca devolveu ao 2º Interveniente Principal (António) qualquer valor por conta dos pagamentos efectuados, supra descritos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 10 - matéria de facto assente)

26 - O Autor (Manuel) só não recebeu ainda os € 22.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos), porque entretanto solicitou à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) que essa revogação verbal fosse reduzida a escrito, designadamente devido às garantias a prestar por parte dela e do seu legal representante.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25 - base instrutória)

27 - Para o efeito, o Autor (Manuel) incumbiu a sua Mandatária de reduzir a escrito as condições dessa revogação, pedindo à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) que lhe entregasse documentos prediais, a fim de, se fosse necessário, prestar garantias reais que assegurassem a restituição desses € 22.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 26 - base instrutória)

28 - A Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), por intermédio do seu sócio gerente, entregou à Ilustre Mandatária do Autor (Manuel) todos os documentos de identificação e documentos prediais, a fim de esta reduzir a escrito essa revogação, e, se necessário fosse, formalizar a prestação de garantias reais que segurassem o recebimento desses € 22.000,00 (vinte mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 27 - base instrutória)

29 - Até hoje, o Autor (Manuel) ainda não reduziu a escrito os documentos que entende necessários a essas garantias e revogação, conforme se comprometeu a fazê-lo.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 28 - base instrutória)
*
4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1ª Instância deu como não provados os seguintes factos (aqui apenas identificados com um acrescido «»):

1’ - Apesar do teor da Cláusula 5, do acordo aludido no facto provado enunciado sob o número 2, ficou acordado entre todos os outorgantes que a escritura pública de compra e venda do terreno seria agendada, logo após a aprovação do respectivo processo camarário de viabilidade construção a edificar no prédio prometido vender, por cuja elaboração e diligência no sentido da sua aprovação ficou responsável a sociedade Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada).

2’ - As partes acordaram que seria incumbência da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) proceder à marcação da escritura pública, uma vez terminadas as diligências que lhe competiam realizar no sentido de obter a efectiva aprovação do dito projecto de construção para o terreno prometido vender, junto das autoridades competentes.

3’ - Em 14 de Novembro de 2009, o Autor (Manuel) entregou ainda à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros, e zero cêntimos).

4’ - A entrega da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros, e zero cêntimos) ocorreu mediante promessa do representante legal da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), de que a formalização do negócio através de escritura pública se faria em breve.

5’ - Com o decurso do tempo após a celebração do contrato-promessa aludido no facto provado enunciado sob o número 2 o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António), promitente-comprador, começaram a aperceber-se de que não havia sido feito qualquer impulso ou diligência, por parte da Ré, no sentido de obter a aprovação do referido projecto de construção.

6’ - O projecto de construção, efectivamente, desde a celebração do contrato-promessa até à presente data, não conheceu qualquer desenvolvimento, por inércia da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada).

7’ - Não obstante ter recebido a comunicação referida no facto provado enunciado sob o número 15, e contrariamente ao expressamente ali solicitado, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) não enviou os seus documentos de identificação ao Autor (Manuel) ou ao 2º Interveniente Principal (António), promitente-comprador, necessários para a formalização do negócio.

8’ - Mercê do referido no facto anterior, o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) foram forçados a desmarcar, junto da Notária, a escritura pública agendada.

9’ - Não compareceu qualquer representante legal da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), no dia, hora e local supra mencionados, a fim de celebrar o negócio prometido; e tão pouco a Ré justificou, perante o Autor (Manuel) ou junto do Cartório onde se iria realizar a escritura pública, as razões para a sua ausência e omissão.

10’ - O Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) nunca foram informados pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) da existência ou decurso desse processo administrativo de expropriação.

11’ - O facto de a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) ter prometido vender o prédio em causa a terceiros afastou a vontade do Autor (Manuel) em concretizar a compra do terreno.

12- O Autor (Manuel) por sua única iniciativa emprestou a Leandro, a título individual, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros, e zero cêntimos).

13’ - Foram o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António) que comunicaram à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), muito depois do contrato assinado, e após ter expirado o prazo para a marcação da escritura, há muito tempo, que o Porto de V. poderia vir a expropriar esse terreno, o que a Ré desconhecia.
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto

4.2.1. Erro de julgamento - Incorrecta apreciação da prova legal
4.2.1.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).

Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5, do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).

Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.

Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
*
4.2.2. Erro de julgamento - Incorrecta livre apreciação da prova

4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no nº 2, als. a) e b), do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».

«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).

É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.

Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).

Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).

Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).

Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).

Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).

Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).

«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).

«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 591, com bold apócrifo).

Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).

É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).

Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12.0T2AVR.C1).

Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação»).
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4.2.2.4. Caso concreto

Concretizando, considera-se que os Recorrentes (Autor, e seu irmão, 2º Interveniente Principal) cumpriram o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados, e como não provados).

Com efeito, indicaram nas suas conclusões de recurso: os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente; e a decisão que, no seu entender, se impunha.

Prosseguindo - na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo dos Recorrentes (Autor, e seu irmão, 2º Interveniente Principal), e relativamente ao juízo crítico próprio, assentou o mesmo numa diferente valoração feita das declarações de parte prestadas pelos diversos Intervenientes no contrato-promessa em causa, dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, e dos documentos insertos nos autos.

Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente essa prova pessoal que os Recorrentes seleccionaram na sua impugnação, bem como consultou os documentos por eles referidos para este efeito, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face às regras da experiência.

Assim, pretendendo os Recorrentes sindicar este juízo, importaria que indicassem as razões objectivas pelas quais entendem que às provas pessoal e documental que seleccionaram deveria ter sido dada outra relevância (nomeadamente, refutando de forma fundada as razões objectivas apresentadas pelo Tribunal a quo em sentido contrário). Contudo, nem sempre o fizeram, reiterando algumas das vezes a sua própria avaliação subjectiva da dita prova, tal como já haviam feito nas alegações proferidas em sede de audiência de julgamento.

Vem, porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

Crê-se, assim, estar este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640º do C.P.C., à reapreciação da matéria de facto pretendida pelo Autor (Manuel) e pelo 2º Interveniente Principal (António), aqui recorrentes.
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4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

4.3.1. Reforço do sinal prestado pelo Autor, no valor de € 35.000,00 (factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 3, 4 e 12)

Vieram os Recorrentes defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entenderem que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha que se desse como demonstrado o reforço, pelo Autor (Manuel), no valor de € 35.000,00, do prévio sinal de € 22.000,00, por ele prestado no âmbito do contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos.

Esta factualidade encontra-se vertida nos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob o número 3 («Em 14 de Novembro de 2009, o Autor entregou ainda à Ré, em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 35.000,00»), sob o número 4 («Mediante promessa do representante legal da Ré de que a formalização do negócio através da escritura pública se faria em breve»), e sob o número 12 («O Autor, por sua única iniciativa, emprestou a Leandro, a título individual, a quantia de € 35.000,00»).

Invocaram para o efeito a presunção prevista no art. 441º do C.C. (e não, como por lapso em que terão incorrido, no art. 411º do mesmo diploma), as declarações de parte do 3º Interveniente Principal (Leandro), e os documentos de fls. 177, e de fls. 515, verso, e fls. 520 dos autos).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes.
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):

«(…)
Por último, quanto ao pedido relativo à alegada entrega do montante de € 35.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento: considerou o Tribunal como não provado que tal montante foi entregue à Ré, que não se confunde pessoalmente com o seu legal representante a título individual, facto que tinha ser provado pelo A., para funcionamento da presunção do artigo 441º CC. Em primeiro lugar, a alegada entrega desta quantia a título de sinal e pagamento ocorre alegadamente em data em que a expropriação era sobejamente conhecida (artigo 10º da p.i. 14/11/2009), em segundo lugar porque se considerou que não foi produzida prova segura e séria sobre tal facto. Na verdade, o Tribunal considerou não credíveis e sérias as declarações do A. e do chamado o que se alastrou e condicionou para este facto (sendo certo que foi a única prova produzida), tendo no mínimo ficado a dúvida quanto ao facto desse montante ter sido entregue efectivamente à Ré, na qualidade de promitente vendedora, a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito do contrato-promessa em causa nos autos, ou se ao próprio chamado Leandro. Em primeiro lugar, pela data em que ocorre, como se referiu, quando a expropriação era sobejamente conhecida; em segundo lugar por haver contradições entre as declarações e disparidades que põem em causa esse facto: o A alega na p.i. que entregou tal quantia, em sede de julgamento A. e chamado António alegam que foram os dois que pagaram tal quantia à Ré, mas a parte que deveria ser paga pelo chamado António foi adiantada pelo A.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de não demonstração dos factos não provados enunciado na sentença recorrida sob os números 3, 4 e 10, ponderou toda a prova pessoal produzida sobre eles, incluindo aquela que os Recorrentes seleccionaram para sindicarem aquele seu juízo; e considerou-a insuficiente para sustentar o vencimento de qualquer uma das contraditórias teses apresentadas pelas partes (de reforço de sinal, sustentada pelos Autor e 2º Interveniente Principal, ou de empréstimo particular do Autor ao 3º Interveniente Principal, sustentada por este, pela Ré e pelo 1º Interveniente Principal), nomeadamente face à contraprova produzida pela parte contrária, deixando bem expressas as razões objectivas que, mercê da análise crítica a que procedeu, o levaram a concluir desse modo.

Com efeito, e começando pela presunção contida no art. 441º do C.C. («No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço»), dir-se-á que, para beneficiar do facto presumido (a quantia entregue tem carácter de sinal), teriam previamente os Recorrentes que ter alegado e provado que a mesma foi entregue ao promitente-vendedor (facto base da presunção).

Ora, e tal como bem ajuizou o Tribunal a quo, essa prova ficou por fazer, uma vez que não basta a confissão, por parte do 3º Interveniente Principal (Leandro), simultâneo legal representante da Ré (promitente-vendedora) de que lhe foi entregue essa quantia, uma vez que desde logo impugnou a qualidade imputada em que a teria recebido, defendendo que lhe foi entregue como um empréstimo a título pessoal.

Face a esta impugnação, e ao carácter interessado das partes - e apenas elas depuseram, contraditoriamente, sobre esta matéria -, confrontou-se o Tribunal (a quo, e este de recurso) com a circunstância de: um tal reforço de sinal ocorrer quando já se encontrava iminente um processo de expropriação, que inviabilizaria a concretização do negócio projectado, pelo menos na forma como tinha sido querido e idealizado pelas partes; ter sido a mesma entrega de dinheiro realizada em numerário, e sem a junção do pertinente recibo de quitação, ao contrário do que sucedera com os prévios e sucessivos dois pagamentos parcelares do mesmo sinal; e não terem os Recorrentes, em momento oportuno (como lhes teria sido fácil) pedido a notificação da Ré para juntar o comprovativo da entrada dessa quantia na sua contabilidade (sem que apresentassem qualquer justificação idónea para essa omissão, nem a descortinando este Tribunal).

Já relativamente ao documento de fls. 177, o mesmo consubstancia apenas um pedido dirigido pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) ao Presidente da Câmara Municipal, em 17 de Julho de 2009, submetendo-lhe para aprovação um projecto de loteamento do prédio objecto do contrato-promessa em causa, sem que aí se refiram quaisquer quantias, nomeadamente as pagas a título de sinal no mesmo acordo.
Ainda em sede de prova documental eleita para este feito pelos Recorrentes, dir-se-á que os documentos de fls. 515, verso, e de fls. 520, mais não são que uma carta dirigia pela Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) ao Autor (Manuel) e ao 2º Interveniente Principal (António), em 17 de Agosto de 2009, reiterando a sua «vontade na outorga da escritura definitiva, assim cumprindo o compromisso assumido no aludido contrato-promessa», também nada referindo quanto a quantias recebidas/pagas, ou devidas, nomeadamente por conta do sinal ali acordado.

Assim, face à inicial fraqueza da prova produzida pelos Recorrentes para firmarem o facto base da presunção de que pretendiam beneficiar, e à eficaz contraprova produzida pela parte contrária (destinada a tornar aquele facto apenas duvidoso, por tanto ser suficiente para que se quedasse indemonstrado, nos termos do art. 346º do C.C.), andou correctamente o Tribunal a quo, quando deixou por provar qualquer uma das versões apresentados nos autos, relativas à entrega pelo Autor (Manuel) ao 3º Interveniente Principal (Leandro) da quantia de € 35.000,00; e, desse modo, prejudicando a pretensão daquele (nos termos do art. 414º do C.P.C.).

Por fim, dir-se-á que a reiteração do juízo pessoal de prova que os Recorrentes perfilham (cujo conteúdo e sentido o próprio Tribunal a quo já reconhecera na respectiva motivação de facto), e a posterior conclusão pela sua suficiência, não refutou as ponderações objectivas realizadas antes pelo Tribunal a quo, e que aqui se reiteraram e completaram.

Por outras palavras, impondo-se aos Recorrentes a indicação dos «concretos meios probatórios que impunham [e não apenas que permitiam] decisão sobre pontos da matéria de facto impugnados diversos da recorrida», teriam que ter contrariado a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas. Ora, a simples reiteração do conteúdo, e indicação do sentido, da prova pessoal e documental já antes ouvida, vista e apreciada, pelo dito Tribunal a quo, é claramente inidónea para este feito.

Concluindo, tendo-se como correctamente realizada a apreciação crítica da prova pessoal e documental produzida pelo Tribunal a quo, e não sendo eficazmente contrariada pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso, reitera-se a conclusão daquele: cabendo-lhes o ónus da prova da entrega à Ré, como promitente-vendedora, da quantia de € 35.000,00, não o lograram cumprir, face desde logo à contraprova produzida por ela, que tornou duvidosa a qualidade em que o 3º Interveniente Principal (seu simultâneo legal representante) a recebeu; e, por isso, não se logrou atingir o standard (suficiência) de prova exigível para a demonstração do facto base da presunção de que pretendiam beneficiar (art. 346º do C.C.).

Recorda-se que «o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe a prova do facto, como de determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 306).

Compreende-se, por isso, que se afirme que o ónus da prova comporta necessariamente uma prévia dimensão fáctica (pertinente ao processo interior do julgador, quanto ao convencimento sobre a ocorrência do facto), que impõe que a dúvida sobre a realidade de um facto» se resolva «contra a parte a quem o facto aproveita» (art. 414º do C.P.C.).

Improcede, assim, o recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pelos Recorrentes (Manuel e António), relativo aos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 3, 4 e 12 - que por isso permanecem inalterados.
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4.3.2. Remanescente matéria de facto impugnada

Vieram, ainda, o Autor (Manuel) e o 2º Interveniente Principal (António), recorrentes, defender outras e novas alterações da decisão sobre a matéria de facto, por entenderem que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente quanto: às circunstâncias e ao momento de tomada de conhecimento, pelas partes, do decurso do processo de expropriação do imóvel objecto do contrato-promessa em causa nos autos (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 19, 20 e 22, e do facto não provado aí enunciado sob o número 10, bem como a consideração do artigo 23º da base instrutória); à marcação da definitiva escritura de compra e venda pelo Autor e pelo 2ª Interveniente Principal (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 11 e 15, e dos factos não provados aí enunciados sob os números 5, 6, 7, 8 e 9); às consequências da expropriação, incluindo no interesse contratual das partes (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 14, 23 - início -, e 29, e do facto não provado aí enunciado sob o número 11); e à revogação por mútuo acordo do contrato-promessa (impondo a alteração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29, bem como a consideração do artigo 27º da base instrutória).

Contudo, e tal como também já antes ajuizado na sentença recorrida, considera-se que os demais factos provados, e não objecto de impugnação por qualquer das partes (por apenas o Autor e o 2º Interveniente Principal terem recorrido, e a sua sindicância não abranger aquela factualidade), impõem desde logo uma definitiva apreciação jurídica da lide; e, desse modo, tornaram-se aqueles outros irrelevantes, porque insusceptíveis de fundarem uma outra correcta solução de direito da causa.
É, assim, de todo inútil a sua reponderação.

Não se toma, por isso, conhecimento do remanescente objecto do recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pelo Autor (Manuel) e pelo 2º Interveniente Principal (António), relativo aos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 11, 14, 15, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29, aos factos não provados aí enunciados sob os números 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, e aos artigos 23º e 27º da Base Instrutória - que por isso permanecem inalterados.
*
Mantém-se, assim, integralmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Impossibilidade objectiva superveniente de cumprimento

5.1.1. Lê-se no art. 790º, nº 1 do C.C. que a «obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor».

Prevê-se aqui uma impossibilidade superveniente, isto é, não coincidente com o momento da celebração do contrato de que emerge a prestação em causa, em que a mesma era ainda possível (sob pena de, sendo originariamente impossível, tornar o contrato desde logo nulo, conforme arts. 280º e 401º, ambos do C.C.).
Prevê-se ainda uma impossibilidade absoluta, não confundível com uma excessiva onerosidade, mercê de uma qualquer posterior alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar (hipótese em que o credor pode obter a resolução do contrato, ou a sua modificação, segundo juízos de equidade, nos termos do art. 437º do C.C.).

Importa ainda que esta impossibilidade (superveniente e absoluta) da prestação seja objectiva, isto é, diga respeito à prestação em si mesma, de forma independente da pessoa que a deva realizar, não se ficando nomeadamente a dever a culpa do próprio devedor. Poderá, porém, ficar a dever-se a uma multiplicidade de causas, naturais ou humanas, nomeadamente a força maior ou a caso fortuito, ao outro contraente, ou a um terceiro).

Por fim, esta impossibilidade (superveniente, absoluta e objectiva) da prestação, que determina a sua extinção, deverá ser definitiva, e não traduzir-se numa mera mora.
Ora, e de acordo com o disposto no art. 793º, nº 2 do C.C. a «impossibilidade [da prestação convencionada] só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor».

Diz-se, por isso, que, em «bom rigor, esta impossibilidade definitiva que radica, não no esforço do devedor e no conteúdo da prestação, mas na perda reconhecível do interesse do credor na prestação, é mais uma impossibilidade de cumprimento (ou de satisfação do interesse do credor) do que uma impossibilidade de prestação (vide B. Machado, Risco contratual e mora do credor, na Rev. Leg. Jurisp., 116º, pág. 194» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1986, p, 46).

Por fim, lê-se no art. 793º, nº 1 e nº 2 do C.C. que, se «a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada», excepto se o credor não tiver, «justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação», podendo então «resolver o negócio».

«O critério pelo qual se avalia o desinteresse do credor no cumprimento parcial da obrigação é de natureza mista - de fundo subjectivo, mas temperado por um crivo (justificadamente) de carácter objectivo» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1986, p. 47).

Na verificação, ou não verificação, de todos estes pressupostos, importa «ter presente, sobretudo, a boa fé, que se impõe ao credor e ao devedor no cumprimento das obrigações (art. 762º, nº 2)» (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 754-5).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável» (João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4ª edição, Almedina, 1990, p. 65).

Verificada esta impossibilidade superveniente, absoluta, objectiva e definitiva, será, nos contratos sinalagmáticos, e atenta a sua precisa natureza, não apenas «causa de extinção do direito do credor (art. 790º), mas antes causa de extinção de todo o contrato, acarretando a caducidade deste, sendo distribuído o risco por ambas as partes através da extinção recíproca das suas obrigações. Neste caso, se uma das prestações já estivesse realizada, poderia ser pedida a restituição por enriquecimento sem causa, com fundamento no desaparecimento superveniente da causa para a recepção da prestação (condictio ab causam finitam; cfr. Art. 473º, nº 2» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, Almedina, Outubro de 2008, p. 122, com bold apócrifo).
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5.1.2.1. Concretizando, verifica-se que, o Autor (Manuel), e os 1º, 2º e 3º Intervenientes Principais (Joaquim, António e Leandro), como conjuntos promitentes-compradores, acordaram com a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), como promitente-vendedora, comprarem-lhe, e esta vender-lhes, um prédio rústico, pelo preço global de € 170.000,00.

Mais se verifica, por desde logo ter sido alegado pelo Autor e pelo 2º Interveniente Principal, que «o que ficou realmente acordado entre todos os outorgantes» foi que a Ré promoveria a «elaboração», e diligenciaria «no sentido de obter a efectiva aprovação» de um «processo camarário de viabilidade de construção a edificar no prédio prometido vender».
Compreende-se, por isso, que se afirme na motivação da decisão de facto da sentença recorrida (nesta parte não objecto de qualquer impugnação, de forma conforme com a anterior posição assumida nos autos pelos Recorrentes), e relativamente ao «objectivo ou destino pretendido pelos promitentes-compradores com a aquisição do imóvel», que:

«(…)
Quanto ao primeiro facto, apurou-se, através das próprias declarações das partes, que os promitentes-compradores tinham em mente a urbanização e loteamento do imóvel com intuito lucrativo (até porque todos se encontravam conectados com a construção civi); o que de resto resultava desde logo do alegado pelo A. e pelo chamado António (este por adesão) na p.i.. O imóvel a transaccionar, à data da celebração do contrato-promessa, tinha natureza rústica, não se situava em zona de construção, o que era do conhecimento de todas as partes, sendo que estas tinham a promessa da alteração para zona construtiva com a alteração do PDM, tendo a Ré apresentado projecto camarário para construção. Atentou-se neste âmbito que o imóvel à data da celebração do contrato-promessa tinha a área de 5.519m2 sendo que os promitentes-compradores pretendiam em conjunto proceder à sua urbanização e loteamento com construção de 9 moradias com intuito lucrativo.
(…)»

Verifica-se ainda que (de forma também absolutamente insindicada pelos Recorrentes), após a celebração do dito contrato-promessa, a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) diligenciou efectivamente no sentido de fazer aprovar para o prédio dele objecto a viabilidade de construção pretendida; e que, como as entidades Camarárias previam que esse terreno pudesse vir a ser expropriado pelo Estado, no caso o Porto V., não aprovaram o pretendido pedido de viabilidade de construção.
Entende-se, por isso, que, integrando essa pretendida aprovação a prestação a que a Ré se tinha obrigado (reitera-se, como desde logo sustentado pelo Autor na sua petição inicial, e depois sempre mantido nos autos pelos Recorrentes), e condicionando a futura realização da prometido venda, a sua não obtenção tornou desde logo impossível, por causa não imputável àquela parte, a dita alienação (conteúdo último da sua prestação).

Com efeito, não foi alegado nos autos, nem ficou provado, que a não aprovação camarária do projecto de construção/loteamento submetido pela Ré foi condicionada (nomeadamente, à não verificação futura de uma qualquer condição), ou meramente temporária (extinguindo-se após o decurso de determinado prazo). Assim, tendo a Ré desenvolvido os seus esforços para a obtenção daquele resultado, que se frustrou por motivos a que era de todo alheia, viu a sua prestação tornar-se superveniente e objectivamente impossível.

Essa superveniente e objectiva impossibilidade revestiu ainda carácter absoluto e definitivo, já que a posterior declaração de utilidade pública de cerca de metade do dito prédio, para efeitos de posterior expropriação, apenas contendeu com a causa determinante da não aprovação (explicitando-a e reforçando-a), mas não com a decisão em si (já antes certa e definitiva, isto é, não condicionada a qualquer facto futuro e incerto, ou ao decurso de determinado prazo, nomeadamente para efeitos de caducidade própria).

Por outras palavas, tendo-se a Ré obrigado, como parte integrante da sua prestação, a conseguir para o terreno prometido vender a respectiva viabilidade construtiva (para um concreto projecto de loteamento de nove moradias), viu a mesma frustrada por uma decisão camarária, que não controlava, alegadamente radicada na futura intenção de expropriação do dito terreno.

Confirmada esta causa de indeferimento, e mesmo que depois desaparecesse, sempre subsistiria a prévia (por já proferida) decisão de não aprovação de qualquer viabilidade construtiva para o terreno em causa; e também não foi alegado, nem provado, que, sem aquela concreta causa de indeferimento (iminência de um processo de expropriação), outra decisão camarária teria sido proferida (nomeadamente, com o exacto sentido e alcance pretendido pelas partes).

Isto mesmo acabaria por ser reconhecido pelo Autor (Manuel) - e pelo 2º Interveniente Principal (António), que fez sua a alegação da petição inicial -, quando, após afirmar que o «facto da Ré ter prometido vender o terreno em causa a terceiro, após a outorga de contrato semelhante com o Autor» contribuiu para perder, «por completo e em definitivo, o interesse no negócio de compra e venda que prometeu celebra com a Ré», não deixou também de expressamente revelar que «a iminente expropriação do mesmo terreno pelas autoridades públicas» afastaria «em absoluto a vontade daquele em concretizar a compra do terreno aqui em causa», já que tal «negócio afigurar-se-ia como inócuo e inconsequente perante a imperatividade do processo de expropriação, o qual inviabilizaria por completo a aquisição pelo Autor do terreno em causa» (com bold apócrifo).

Não defendeu, então, o Autor (Manuel), nem posteriormente o 2º Interveniente Principal (António), ser aquela impossibilidade de cumprimento por parte da Ré meramente temporária, por incerta, uma vez que sempre estaria condicionada à efectiva concretização da expropriação anunciada (o que, reitera-se, confunde a causa da decisão - eventualmente removível - com a própria decisão - já então certa e definitiva, para o concreto projecto de loteamento visado pelas partes, só ele tendo sido por elas referido em sede de audiência de julgamento); ou ser a mesma impossibilidade de cumprimento por parte da Ré meramente parcial, por o projecto de construção/loteamento ser cindível e viável sobre a parte sobrante do prédio, não objecto da expropriação anunciada (recorda-se, por ela reduzido praticamente a metade).

Compreende-se, por isso, que se afirme na sentença recorrida, e relativamente às «consequências dessa expropriação, por um lado, para os objectivos pretendidos pelos promitentes-compradores para o imóvel e, por outro lado, para o próprio contrato-promessa e conteúdo do contrato prometido», que:

«(…)
Quanto ao terceiro facto supra elencado, constata-se desde logo que a expropriação incidiu sobre a área de 2.606m2 do imóvel (cf. DUP), ou seja, o prédio ficou reduzido a quase metade da sua área, concluindo-se que os propósitos construtivos e lucrativos que os promitentes-compradores pretendiam para o imóvel ficaram manifestamente alterados e prejudicados, sendo o próprio A. e o chamado António quem afirma (cf. artigo 35º da p.i.) que a iminente expropriação do terreno afastava em absoluto a vontade em concretizar a compra do terreno em causa, sendo certo que, como decorre do que se vem vindo a expor e exporá, a questão da venda a terceiro como fundamento da perda de interesse é uma falsa questão.

(…)
Com a expropriação o conteúdo negocial gizado no contrato-promessa para o contrato prometido, ante as evidentes alterações do seu objecto (desde logo as físicas (redução da área) do objecto mediato e objectivos visados prejudicados), sofria necessariamente alterações. Para além da afirmação e confissão do A. e chamado António que perderam interesse na celebração do contrato prometido com a iminente expropriação (…). Porque a expropriação inviabilizava as pretensões construtivas e lucrativas dos quatro promitentes-compradores. Aliás, o próprio A. e chamado António assumem na p.i. e respectivo articulado, como determinante da vontade negocial subjacente ao contrato-promessa e contrato prometido, a viabilidade da construção a realizar no prédio prometido vender, alegando ter ficado a celebração da escritura do contrato definitivo dependente da aprovação do projecto de construção pretendido para o imóvel. Sendo que essa aprovação evidentemente ficou condicionada e senão mesmo prejudicada com o processo expropriativo encetado pela entidade expropriante em 2007/2008.

(…)
De resto, essa expropriação parcial e tendo em conta a área da mesma acarretou a inviabilização do projecto previsto pelos promitentes-compradores para o imóvel, e que motivou a celebração do contrato-promessa.
Aliás, a este respeito, é o A. e o chamado António quem expressamente declaram no processo que com a iminente expropriação do prédio perderam interesse na concretização da compra do terreno em causa.

(…)
Por outro lado, a expropriação parcial do prédio comunicada à Ré em 12/3/2009 acarretou uma impossibilidade superveniente objectiva absoluta da prestação - artigo 790º Código Civil.
O contrato-promessa não tinha natureza aleatória - por condicional - mas antes teve por objecto coisa futura concreta e determinada.
Autor, Chamados e Ré celebraram um contrato promessa obrigando-se à celebração do contrato prometido - compra e venda - para o qual acordaram os seus termos e conteúdo - designadamente o preço e respectivo pagamento e obrigações assumidas por cada um dos promitentes-compradores - tendo por objecto mediato um imóvel com determinadas características.
A expropriação de parte desse imóvel naturalmente provocou alteração desse objecto e concomitantemente dos termos acordados do contrato prometido e definitivo. Assim sendo, a prestação prometida, tal como foi acordada no contrato-promessa, passou a ser impossível de realizar, pelo que se extinguiu, sendo certo que nem A., nem os chamados, designadamente o chamado António conseguiram concretizar em que termos, conhecida a expropriação, poderia então ser celebrado o contrato definitivo.
Com a expropriação ocorreu uma impossibilidade objectiva absoluta da prestação, de natureza superveniente - artigo 790º CC.
(…)»

Reiterado aqui o acerto do juízo do Tribunal a quo, também nada há a apontar às consequências que do mesmo extraiu, nomeadamente quando afirmou:

«(…)
Como consequência, com essa expropriação e declaração de utilidade pública o contrato extinguiu-se.
Extinção essa não imputável a qualquer das partes, designadamente à Ré, na qualidade de promitente-vendedora, ficando então o A. e chamado António, na qualidade de credores com o direito de reaver o que prestaram, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
(…)
Quanto ao que deve ser restituído, deverá a Ré restituir ao A. e ao Chamado António o montante de €22.000,00, a cada um, acrescida dos juros de mora (nos termos do disposto no artigo 480º, aI. a) Cód. Civil), à taxa legal de 4%, contados, relativamente ao A., desde a data para deduzir oposição ao pedido de intervenção de fls. 457 e ss (que provocou a renovação da instância julgada extinta por facto não imputável à Ré), e relativamente ao chamado António, desde a data da notificação do articulado de fls. 486 e ss, até integral e efectivo pagamento.
(…)»

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando verificada a impossibilidade superveniente objectiva da prestação da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), com a consequente extinção do contrato-promessa por ela outorgado com os Recorrentes (Manuel e António).
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5.1.2.2. Tendo, porém, os Recorrentes (Manuel e António) vindo reiterar, em sede de alegações de recurso, ter existido prévio incumprimento culposo da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), à agora confirmada superveniente impossibilidade objectiva da sua prestação, que autorizaria o exercício do respectivo direito a resolverem o contrato-promessa em causa em momento anterior, dir-se-á não lhes assistir razão.

Com efeito, ainda que a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) e todos os demais promitentes-compradores tivessem sido regularmente notificados para a escritura pública de compra e venda que eles próprios agendaram para o dia 25 de Fevereiro de 2010, não tendo a Ré disponibilizado então os documentos necessários para a sua concretização, certo é que, à data, ainda não estava assegurada a aprovação do projecto de construção pressuposto da celebração da dita escritura de compra e venda (o que desde logo desoneraria a Ré daquela outra prestação).

Dir-se-á ainda que, mesmo que se entendesse de outro modo, certo é que a notificação para a realização da dita escritura de compra e venda não foi realizada de forma admonitória, isto é, advertindo que a ausência dos notificados seria considerada como incumprimento definitivo da respectiva prestação (pelo que, a verificar-se, apenas traduziria simples mora, e não inadimplemento justificativo do direito de resolução).

Compreende-se, por isso, que se afirme na sentença recorrida, que:

«(…)
Relativamente ao primeiro dos fundamentos não se pode concluir que o mesmo traduza um incumprimento definitivo por parte da Ré. De resto, compulsada a notificação para a realização da escritura do contrato definitivo - cf. doc. de fls. 22 da providência cautelar apensa - da mesma não consta qualquer interpelação admonitória à Ré, no sentido de que a sua não celebração por motivo culposo ou imputável a esta última seria considerado incumprimento definitivo.
(…)»

Relativamente ao segundo fundamento do incumprimento culposo e definitivo imputado pelos Recorrentes (Manuel e António) à Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) - isto é, a celebração com um Terceiro de posterior contrato-promessa sobre o mesmo terreno -, dir-se-á que aquela apenas ocorre após a já reconhecida extinção da prestação da Ré para com eles, por impossibilidade superveniente objectiva da mesma (e do próprio contrato). Logo, e necessariamente, o bem prometido vender ao dito Terceiro não corresponde ao bem prometido vender aos Recorrentes (por ser materialmente menor, e por não estar beneficiado com a prévia aprovação de qualquer projecto de construção).

Compreende-se, por isso, que se afirme na sentença recorrida, que:
«(…)
Quanto à alegada alienação a terceiro do imóvel.
Cumpre desde logo notar que o contrato-promessa realizado entre a Ré e o terceiro adquirente apenas ocorreu em 27/7/2010, após a publicação em 15/7/2010 no DR da declaração de utilidade pública da expropriação parcial do prédio em causa determinada por despacho de 29/6/2010 e que amputou o prédio numa área de 2.606 m2.
Assim, o prédio prometido vender a terceiro por parte da Ré não é o mesmo prédio prometido vender ao A. e chamados: é um prédio com uma área totalmente diferente, diferença essa que influencia ou até mesmo prejudica os objectivos construtivos previstos pelos promitentes compradores para tal imóvel.
De resto, essa expropriação parcial e tendo em conta a área da mesma acarretou a inviabilização do projecto previsto pelos promitentes compradores para o imóvel, e que motivou a celebração do contrato-promessa.
(…)»

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando não só verificada a impossibilidade superveniente objectiva da prestação da Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada), com a consequente extinção do contrato-promessa por ela outorgado com os Recorrentes (Manuel e António), como não verificado qualquer prévio incumprimento definitivo e culposo seu (da respectiva prestação, no mesmo acordo).
*
5.2. Litigância de má-fé

5.2.1.1. Definição legal

Lê-se no art. 542º, nº 2, als. a), b), c) e d) do C.P.C. (como no art. 456º, nº 2, als. a), b), c) e d) do anterior C.P.C.), que será considerado litigante de má-fé «quem, como dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, ou tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Enquanto as alíneas a) e b) se reportam à chamada má-fé substancial (directa e indirecta), as restantes alíneas contendem com a má-fé instrumental.

Face à expressa redacção em causa, dúvidas não subsistem que existe um dever de verdade por parte dos litigantes, mesmo que ela resulte contra si (afastando-se a tese de que ninguém seria obrigado a articular a verdade contra si próprio), conforme claramente também resulta do art. 459º do C.P.C., que impõe que o depoente de parte seja advertido «do dever de ser fiel à verdade» (Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1987, p. 169 e 170).

De forma mais abrangente, dir-se-á que o «juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“». Compreende-se, por isso, que, tipificando a lei «as situações objectivas de má fé», exija «simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico» (Ac. da RC, de 16.12.2015, Jorge Arcanjo, Processo nº 298/14.7TBCNT-A.C1, com bold apócrifo, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).

O dever de cooperação (referido na alínea c) citada) encontra-se definido no art. 7º, nº 1 do C.P.C. (como no art. 266º, nº 1 do anterior C.P.C.), aí se afirmando que «na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio».
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «o instituto da litigância de má-fé não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial» (Ac. da RP, 20.10.2009, Ramos Lopes, Processo nº 30010-A/1995.P1).

Importa, porém, precisar que, já antes da redacção conferida ao C.P.C. pelo Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (na altura, ao seu do art. 456º, nº 2), tanto a jurisprudência como a doutrina entendiam que a condenação por litigância de má-fé pressupunha a existência de dolo, neste caso a voluntária dedução de uma oposição cuja falta de fundamento se não ignorava, ou a voluntária e consciente alteração da verdade dos factos. Era, pois, necessária a consciência de não se ter razão (Ac. da RC, de 11.01.1983, CJ, Tomo I, p. 28).

Por outras palavras, então o que importava é que existisse uma «intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas (…) leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 358). Estas leviandade e imprudência, bem como o erro, ou a falta de justa causa, seriam insuficientes para caracterizarem a má-fé processual, exigindo-se a consciência (o saber) e a vontade (o querer) de se estar a actuar contra a verdade, ou com propósitos ilegais.

Assim, «no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável» (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, p. 380, com bold apócrifo).

O fundamental era, pois, a equiparação ou aproximação do dolo à má-fé, sendo que «na base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 1982, p. 263).

No mesmo sentido se foi concertadamente pronunciando a jurisprudência, concluindo: pela má-fé, «quando facto negado pela parte é verdadeiro e pessoal» (Ac. da RC, de 29.07.1958, Jurisprudência das Relações, 1958, 1029); «má-fé é incompatível com ignorância ou imperfeito conhecimento da verdade» (Ac. da RL, de 09.01.1959, Jurisprudência das Relações, 1959, 9); «para haver má-fé exige-se o conhecimento e não só a mera presunção do conhecimento de que a pretensão ou a oposição deduzida são infundadas» (Ac. da RP, de 18.11.1966, Jurisprudência das Relações, 1966, 909); «é requisito da má-fé o dolo» (Ac. do STJ, de 28.10.1975, BMJ nº 250, p. 156); «má-fé tem como pressuposto o dolo, que é a consciência de se não ter razão» (Ac. da RC, de 14.01.1983, CJ, Tomo 1, p. 28).

(Na doutrina, com utilidade: Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, p. 382; Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, em especial, p. 178-182, 269-286; Cunha de Sá, Abuso do Direito, reimpressão da edição de 1973, Almedina, 1997, p. 268 a 274).

Com o Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, consagrou-se um regime mais exigente, em conformidade com o reforço dos deveres de colaboração das partes, consagrados nomeadamente no art. 266º-A (dever de boa fé processual) e no art. 266º-B (dever de recíproca correcção).

Assim, admitiu-se expressamente que, ao lado do dolo, figurasse igualmente a negligência grave, por isso se substituindo o necessário conhecimento da falta de fundamento da oposição deduzida, pela obrigação de conhecer a falta de fundamento da oposição deduzida.

Esta intenção foi claramente assumida e explicitada no Relatório do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, onde se lê que se consagrou «expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos».

Integram o conceito de negligência grave designadamente as seguintes situações: lide temerária ou ousada (a parte, embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro, ajuizando a acção ou a defesa com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão); o que demanda por mero capricho, com espírito de emulação ou com erro grosseiro; a lide leviana ou imprudente; a falta grave do dever de diligência; a pertinaz e contundente oposição, clara e decisivamente infundada, por incorrecta interpretação e aplicação da lei e por desajustamento aos factos provados; a pretensão ou defesa manifestamente inviáveis, constitutivas do abuso do direito de acção; e a deficiência técnica grave (apud Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Almedina, I Vol., 1998, pg. 317. Na jurisprudência, com idêntico detalhe, Ac. da RE, de 12.03.2015, Bernardo Domingos, Processo nº 119631/12.3YIPRT-A.E1).

Contudo, a condenação como litigante de má-fé pressupõe prudência e cuidado do julgador, bem como a correcta destrinça entre lide temerária ou ousada e a actuação dolosa ou gravemente negligente, sob pena de se poder estar a cercear indevidamente o direito de acção.

Com efeito, o direito de acção integra-se no direito fundamental de acesso aos tribunais (art. 20º, nº 1 da C.R.P.), constituindo um direito subjectivo autónomo e distinto do direito material que se pretende fazer actuar em juízo, pelo que o seu exercício não está dependente de qualquer requisito prévio de demonstração da existência do direito substancial. Exigir isso, seria fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm, e aos que têm razão. Assim, o recurso aos tribunais judiciais representa um facto lícito, mesmo que se venha a demonstrar que o direito que se pretendeu fazer valer em juízo não existia. O direito de acção só é ilegítimo quando se litiga com má-fé (mais desenvolvidamente, Ac. da RL, de 16.12.2003, Arnaldo Silva, Processo nº 7724/2003-7).

Logo, a litigância de má-fé não pode confundir-se com: pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da prova respectiva, de não se ter logrado convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento; a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos; ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, lograr convencer.

Com efeito:

. «Não havendo a parte logrado provar os factos por si articulados, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou a desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé com base na alínea b) do nº2 do Artigo 456º do Código de Processo Civil» (Ac. do STJ, de 11.12.2003, Lucas Coelho, Processo nº 03B294).
«Ou seja, o juízo sobre a má fé não deve ser mera decorrência da prevalência de uma das teses factuais em confronto, devendo, antes, basear-se num convencimento assente em dados irrefutáveis» (Ac. do STJ, de 19.09.2002, Quirino Soares, Processo nº 02B1949).

. «A falta de razão da parte, segundo o entendimento do tribunal, não chega para caracterizar a má fé. Se estivermos no âmbito duma interpretação dos factos e do direito em que seja ainda aceitável divergência de opiniões e discordância das partes, estando estas genuinamente convictas da sua razão substantiva, então será de reconhecer que nos situamos no domínio do exercício (lícito) do direito de acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente protegido» (Ac. da RP, de 27.01.2009, Mário Serrano, Processo nº 0827486).

. Em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta (Ac. do STJ, de 26.02.2009, Salvador da Costa, Processo nº 09B0278).

Nestas circunstâncias, não pode arredar-se a hipótese de a Autora ter litigado com a suposição errada, mas seriamente tomada, de que a acção seria processualmente viável e, em caso de séria dúvida, é assim que deverá julgar-se (Ac. do STJ, de 02.10.2003, Araújo de Barros, Processo nº 03B1972. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 15.10.2015, Ana Cristina Duarte, Processo nº 3030/11.3TJVNF.G1).
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5.2.1.2. Consequências

Concluindo-se pela má-fé, será a parte prevaricadora condenada em multa que sancione o seu comportamento, e, caso tenha sido pedida pela parte contrária, numa indemnização a favor desta (actual art. 542º, nº 1 e anterior art. 456º, nº 1, ambos do C.P.C.).

A respeito da multa dispõe o 27º, nº 3 do R.C.P. (como já antes dispunha o art. 102º, al. a) do C.C.J.), devendo a mesma ser fixada entre duas a cem unidades de conta processuais.

Dentro destes limites, deverá atender-se «ao grau de má fé, revelado através dos factos concretos, e à situação económica do litigante doloso, por forma a assegurar quer a função repressiva, de punir o delito cometido, quer a função preventiva, de evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1981, p. 269).

Já a respeito da indemnização dispõe o art. 543º do C.P.C. (anterior art. 457º), segundo o qual a mesma poderá consistir «no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários» (al a), bem como, e em acréscimo àquele reembolso, «na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé» (al b).

Deste modo, a situação prevista na alínea a) constitui uma modalidade de indemnização limitada, simples ou de primeiro grau, que se reporta ao «reembolso das despesas que a má-fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos».

Contudo, «o litigante de má fé só tem que pagar a importância equivalente às despesas que o seu adversário teve de fazer como consequência directa da má fé. Quer dizer, a responsabilidade limita-se aos danos directamente emergentes do procedimento doloso» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 276-277).

A situação prevista na alínea b) constitui uma modalidade de indemnização plena, agravada ou de segundo grau, que se reporta ao «reembolso das despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária». Agora «a responsabilidade traduz-se na fórmula “lucros cessantes e danos emergentes”, quer os danos sejam consequência directa da má fé processual, quer sejam consequência indirecta» (Alberto dos Reis, ibidem).

Por outras palavras, a indemnização integra prejuízos correspondentes a danos emergentes e a lucros cessantes que tenham, directa ou indirectamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial desde que com a litigância tenham o nexo exigido por lei, de causalidade adequada (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, p. 336).

Face a ambas as formas legais, das alíneas a) e b) citadas, o juiz deverá optar «pela indemnização que julgar mais adequada à conduta da parte»; «naturalmente, que o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples, ou a indemnização agravada, conforme o grau de má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa», não tendo «que ser levado em conta (…) a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção», ponderados sim a propósito da multa igualmente aplicada a este título (Alberto dos Reis, op. cit., p. 278).

Resta dizer que, «em qualquer dos casos [das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 456º citado], não estão em causa todos os danos que a parte contrária possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas aqueles que, tendo-se produzido posteriormente a ela, são imputáveis à litigância de má fé» (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, p. 225, com bold apócrifo).

Diz-se então que «a indemnização há-de circunscrever-se ao âmbito processual em que a má fé operou. (…) Pelo Código só tem de tomar em consideração as despesas ocasionadas pela má fé e como esta pode dizer respeito unicamente a determinada fase do processo, a actos, termos e incidentes limitados, daí a diferença considerável» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 278).

Por outras palavras, se a condenação respeitar apenas a uma fase processual, a indemnização à parte contrária deve corresponder apenas às despesas feitas nessa fase.

Assim, e por exemplo, se a má-fé ocorreu com a apresentação da contestação, apenas os danos sofridos a partir daí poderão ser tidos como consequência dessa má fé (cfr. Ac. da RP, de 04.03.1993, Emérico Soares, BMJ nº 425, pg. 624). Logo, a indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má-fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa (Ac. da RL, 31.05.2007, Américo Marcelino, Processo nº 3490/2007-2).

No caso do reembolso de despesas tidas com honorários, estes «são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado» (nº 4 do actual art. 543º, e nº 3 do anterior art. 457º, citados).
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5.2.2. Concretizando, verifica-se que, tendo as Partes reciprocamente pedido a respectiva condenação como litigantes de má-fé, o fizeram por alegadamente a outra ter deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e por ter alterado a verdade de factos de que tinha conhecimento pessoal.

Dir-se-á, a propósito, que quer os Recorrentes (Manuel e António), quer as demais partes (Irmãos X, Unipessoal, Limitada, Joaquim e Leandro), tinham fundamento legal para as respectivas pretensões, atento nomeadamente o pedido subsidiário deduzido por aqueles primeiros (de reconhecimento da extinção do contrato-promessa em causa, e de condenação da Ré a devolver-lhes em singelo as quantias por si entregues), e o pedido de improcedência do que a título principal tinham reclamado, formulado por aquelas segundas.

Recorda-se, ainda, que: este Tribunal não conheceu, na sua maior parte, do pedido de alteração da matéria de facto formulado pelos Recorrentes (por ter esta como irrelevante para a decisão de mérito a proferir); ficou por provar qualquer das contraditórias teses apresentadas nos autos, quanto aos únicos factos que, sob aquela sindicância, verificou; e, não obstante os Recorrentes (Manuel e António) tenham alegado que a Ré (Irmãos X, Unipessoal, Limitada) nada fez para obter a aprovação do pretendido projecto de construção, provando-se o contrário, poderiam aqueles desconhecer as suas efectivas diligências, por a mesma não os ir mantendo a par dos esforços que encetava naquele sentido.

Considera-se, assim, que, sendo embora uma possibilidade, os autos não reúnem indícios suficientemente fortes para que se possa afirmar que qualquer das partes litigou de má-fé.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos Recorrentes (Manuel e António); e pela absolvição dos Recorrentes (Manuel e António) e das demais partes (Irmãos X, Unipessoal, Limitada, Joaquim e Leandro) do pedido de condenação respectiva como litigante de má-fé.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (Manuel) e pelo 2º Interveniente Principal (António) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida;

· Absolver todas e qualquer uma das partes do pedido de condenação respectiva como litigante de má-fé.
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Custas da apelação pelos Recorrentes (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Guimarães, 20 de Setembro de 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha