Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
171/16.4PBGMR.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: CRIME DE RECETAÇÃO
FASE DE JULGAMENTO
OMISSÃO ELEMENTOS TÍPICOS
ABSOLVIÇÃO
ARTºS 231º
NºS 1 E 2 DO CP
311º
NºS 2
AL. A) E 3 E 379º
Nº 1
AL. B) DO CPP E 32º
Nº 5 DA CRP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. O crime de recetação encontra-se previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 231.º do Código Penal em duas modalidades distintas.
A distinção entre os casos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 231.º está apenas ao nível dos elementos típicos subjetivos: enquanto no primeiro se exige o conhecimento efetivo pelo agente de que a coisa ou animal provém de um facto ilícito típico contra o património; na segunda modalidade, do n.º 2, já é suficiente que o agente admita que a coisa ou animal provém de facto ilícito típico contra o património.
Elemento comum às duas modalidades é a origem da coisa ou animal objeto do crime de recetação, que terá necessariamente de provir de facto ilícito típico contra o património, não bastando que tenha simplesmente origem em qualquer tipo de facto ilícito ou até mesmo criminoso.

II. Se a conduta do arguido nos termos descritos na acusação já não integrava um comportamento tipificado pela lei como crime de recetação, sendo, inclusive, absolutamente inócua em termos jurídico-penais e tendo o processo seguido para julgamento sem ter havido instrução, deveria a acusação ter sido rejeitada, não só por ser nula, mas também por ser manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea b) do Código de Processo Penal.
Não o tendo sido e chegados à fase da audiência com uma acusação onde é descrita uma conduta atípica, não há mecanismo legal que permita reparar essa verdadeira anomalia do processo, sob pena de violação da própria garantia constitucional consagrada no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e produção de decisão nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Outra solução não restando nestes casos senão absolvição do arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
Secção Penal

I – RELATÓRIO

No processo comum singular n.º 171/16.4PBGMR do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 4, da comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos J. M. e A. R., com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 28 de março de 2019 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julga-se a acusação, procedente, por provada e, consequentemente: Parte crime:
a) Condena-se o arguido J. M., como autor material, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1, 204.º, n.º 2, al. e) por referência ao artigo 202.º, al. d) todos do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos 02 (dois) meses de prisão efectiva.
b) Condena-se o arguido A. R., como autor material, de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
c) Condena-se os arguidos, ainda, no pagamento de 04 UC´s de taxa de justiça, e demais encargos do processo.
Notifique.
Proceda-se ao depósito da presente sentença (artº 372º, nº5º, do CPP). *
Remeta, após trânsito, boletim à D.S.I.C..»
*
Inconformado, o arguido A. R. interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«1. O arguido ora recorrente foi acusado e condenado pela prática do crime de receptação previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 231.º do CP;
2. O preenchimento deste tipo legal verifica-se, na sua vertente objetiva, com a aquisição ou recebimento, a qualquer título, de coisa que, em razão da sua qualidade e preço, bem como da condição de quem lhe oferece, gera uma suspeita razoável (juízo formulado pelo homem medianamente sagaz e diligente) de que provém de facto ilícito típico contra o património, sem que o agente se assegure, de antemão, da sua legítima proveniência.
Em sede de elemento subjetivo, divergem os autores entre a configuração deste tipo de crime como de dolo eventual OU negligente.
3. A jurisprudência maioritária dos tribunais superiores vem acolhendo a tese de que o crime de receptação é de natureza exclusivamente dolosa, sendo o tipo previsto no n° 2 de natureza dolosa eventual
- Nesse sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 2009.09.14 (proc. N.º 869/02.4PBGMR), Relação de Coimbra de 2005.04.27, da Relação do Porto de 2003.05.07, Relação de Lisboa de 2002.07.02, Relação do Porto de 2007.11.28, Relação de Lisboa de 2010.04.13 e da Relação do Porto de 2013.04.03 (proc. N.º 310/12.4TDPRT.P1),
Relação de Évora de 12.09.2017 (proc. N.º 252/15.1PBSTR.E1), entre outros.
4. Todavia, não foi este o sentido que o Tribunal recorrido interpretou a referida norma jurídica, como se transcreve do enquadramento jurídico-penal da douta sentença:
“Por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do nº 1 do art. 231º, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do nº 2 só encontra expressão se ai se integrar as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigúe da sua legítima proveniência.” (negrito nosso),
5. Não concordamos com tal interpretação normativa, porquanto o crime de receptação previsto e punível pelo artigo 231ºdo CP é de natureza dolosa, sendo que no n.º 1 exige-se o dolo específico e no n.º 2 prevê-se o ilícito cometido com dolo eventual,
6. Estatui o artigo 13.º do Código Penal que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, por negligência.”.
Ora, no caso do 231º n.º 2 do CP a sua punição a título de negligência não está especialmente prevista em nenhuma norma,
7. Nulla poena sine lege, princípio segundo o qual só são criminalmente puníveis os comportamentos como tais definidos na lei,
8. O artigo 9º, n.º 3, do Código Civil, estatui que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”,
9. Tendo em conta o grau acrescido de certeza e definição que deve ter a lei penal e o princípio hermenêutico de que o intérprete deve presumir que o legislador se exprimiu “em termos adequados”, caso o legislador tivesse pretendido prever um tipo negligente no n.º 2 do artigo 231º, do Código Penal, tê-lo-ia afirmado de modo a não deixar dúvidas,
10.Acresce que, o dever de informação incumbido ao agente não é compatível com a configuração negligente do tipo, nos casos em que aquele atua com negligência inconsciente. O dever de informação só se coaduna com os casos em que o agente suspeita da proveniência ilícita da coisa, pois só aí se compreende que sobre ele impenda um especial dever de informação acerca dela, dever que não existe para o comum das transações comerciais,
11.Por conseguinte, em sede de elemento subjetivo, o agente, além de representar intelectualmente as demais circunstâncias do elemento objetivo do tipo, representa, ainda, a possibilidade de os bens serem de proveniência ilícita (típica contra o património), conformando-se com essa possibilidade,
12.Pelo explanado, entendemos que o crime de receptação previsto no artigo 231.º n.º 2 do Código Penal contém um tipo doloso, não podendo o agente ser punido a título negligente, como ocorreu no caso em apreço.
13.Os factos provados (em concreto os pontos 6, 9 e 10) não integram todos os elementos do crime de receptação previsto e punível pelo artigo 231.º nº 2 do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado:
“6. O arguido A. R. integrou os objectos no seu património, não obstante ter motivos para suspeitar da sua proveniência ilícita, atento o valor reduzido pelo qual adquiriu os bens, quando comparado com o seu valor real, sendo do seu conhecimento esse mesmo valor, porquanto eram instrumentos que utilizava na sua profissão.”
“9. (…); e o arguido A. R. agiu livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de fazer seus os objectos supra referenciados, adquirindo-os a um preço muito inferior ao seu valor de mercado, sem previamente se assegurar da sua proveniência, não obstante ter razões para suspeitar da origem ilícita dos mesmos.”
“10. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”,
14.Os referidos factos dados como provados integram apenas a negligência inconsciente, faltam os factos que permitiriam integrar o dolo, mesmo na sua modalidade de dolo eventual;
15.Quer na douta acusação não estão descritos esses factos, quer na douta sentença não estão provados tais factos referentes aos elementos subjetivos do crime em apreço, nomeadamente o conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, a livre determinação do agente e a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor,
16.“A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.” – Vide AUJ n.º 1/2015 (publ. DR 18 série I de 2015-01-27;
17. Por outro lado, também não ficou provado (nem como “não provado”, pois não veio descrito na acusação) que o arguido suspeitou que os bens advinham de facto ilícito típico contra o património.
18.A letra da lei não deixa margem para dúvidas ao indicar no número um do artigo 231º “a facto ilícito típico contra o património” e ao indicar no número dois que quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber… coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, “faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património”,
19.O crime de receptação p. e p. pelo art. 231.º do CP não se basta com o conhecimento por parte do agente, caso da modalidade prevista no número um, ou com a suspeita por parte do agente, caso da modalidade constante do número dois, de que a coisa tem origem ilícita, sendo necessário que o agente tenha conhecimento ou suspeite, consoante os casos, que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património,
Neste sentido vide Acórdão da Relação de Guimarães de 28-01-2019 (proc. 562/16.0GBVLN.G1); Acórdão da Relação de Coimbra de 27-04-2005 (proc 1142/05).
20. Sucede que já a douta acusação do Ministério Público não contém/descreve todos os elementos de facto que preenchem este tipo legal de crime.
21.É a acusação que delimita o objeto do processo e são os factos dela constantes imputados a um concreto arguido que fixam o campo delimitador dentro do qual se tem de mover a investigação do tribunal, a sua atividade cognitiva e decisória. Essa vinculação temática do tribunal consubstancia os princípios da identidade – segundo o qual o objeto do processo (os factos) deve manter-se o mesmo, desde a acusação ao trânsito em julgado da sentença –, da unidade ou indivisibilidade – os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente – e da consunção do objeto do processo penal – mesmo quando o objeto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo) - Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 145),
22.Pelo que, se a conduta do arguido tal como imputada na acusação não é suscetível de preencher todos os elementos do tipo de crime de que o arguido vem acusado e não podendo tal omissão ser suprida em julgamento, sendo os factos constantes da acusação que fixam os limites da atividade cognitiva e decisória do Tribunal, impunha-se que a decisão recorrida tivesse de ser a absolvição do arguido.
Neste sentido vide - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, in Diário da Rep., 1ªsérie, de 27 janeiro de 2015; Acórdão da Relação de Guimarães de 28-01-2019 (proc. 562/16.0GBVLN.G1).

SEM PRESCINDIR,

23.O Tribunal a quo deu como provados os já aqui citados factos elencados nos pontos 6, 9 e 10,
24.E formou a sua convicção com base essencialmente no depoimento do ofendido , conforme decorre do texto da sentença na motivação da decisão de facto:

“O arguido A. R. disse-lhe que estava arrependido e que tinha desconfiado.” - Pág. 10 da douta sentença;
“(…) E apurou-se que o arguido A. R. suspeitou da proveniência ilícita dos bens, tendo em conta o valor diminuto que por eles pagou, sendo certo que trabalhava na área e sabia os seus valores de mercado – aliás logo o confessou ao ofendido quando por ele interpelado.” (negrito nosso) – Pág. 12 da douta sentença:
“(…) tendo antes até lhe dito que estava arrependido e tinha ficado desconfiado que os bens seriam furtados.” – Pág. 12 da douta sentença;
25.Porém, em momento algum do deu depoimento o ofendido afirma que o arguido A. R., quando por aquele interpelado, lhe confessou que tinha suspeitado da proveniência ilícita dos bens,
26.O ofendido declarou que o arguido A. R. lhe disse que estava arrependido, mas desse seu expresso arrependimento quando toma conhecimento (pelo ofendido) do furto não se pode afirmar nem concluir que no momento dos factos tivesse o arguido desconfiado da proveniência ilícita das coisas. Aliás é uma decorrência normal de uma pessoa de bem que ao acabar de saber pelo ofendido que as coisas tinham sido furtadas lhe transmite o seu arrependimento. Estranho seria se após tomar conhecimento da sua proveniência ilícita não se tivesse arrependido!
27.Das diversas vezes que o ofendido foi explicitamente questionado se o arguido lhe terá dito que suspeitara da proveniência ilícita dos bens, o ofendido nunca respondeu de forma categórica e afirmativa, limitou-se a dar a sua opinião sobre se a situação era de desconfiar:
“Ele já desconfiava, quando a esmola é pequena é de desconfiar, é assim o ditado, não é? A esmola foi pequena para as máquinas todas que lá tinha. E ele andou na escola. Já é de desconfiar que aquilo tinha que ser roubado.” (19:13 a 20:55, ficheiro 20190124151958_5550174_2870588
“Exatamente, eu desconfiei que… falava-se.” – note-se que o ofendido fala na sua própria pessoa (02:26, ficheiro 20190307111650_ 5550174_2870588)
28.Perante a falta ou clareza das respostas anteriores, o Meritíssimo Juiz a quo persiste em questionar se o ofendido não teria perguntado ao arguido se tinha desconfiado que as máquinas eram roubadas e responde o ofendido de forma perentória “claro que lhe perguntei” e que o arguido lhe terá respondido que não sabia. (03:07, ficheiro 20190307111650_ 5550174_2870588),
29.Quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas, face à ausência de prova produzida requer-se a análise do depoimento do ofendido produzido em sede de audiência de julgamento:
O depoimento prestado no dia 24-01.2019 pela testemunha/ofendido S. R. ficou registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20190124151958_5550174_2870588, com a duração de 00:22:38,
E prestado no dia 07-03.2019 pela mesma testemunha/ofendido S. R. ficou registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20190307111650_5550174_2870588 com a duração de 00:06:50.
As concretas passagens da impugnação, transcritas na motivação deste recurso:
Depoimento prestado no dia 24-01-2019 através do sistema integrado de gravação digital: 00:00 a 07:13
Depoimento prestado no dia 24-01-2019 através do sistema integrado de gravação digital: 19:13 a 20:55
Depoimento prestado no dia 07-03-2019 através do sistema integrado de gravação digital: 00:54 a 03:07
30.O Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova do depoimento prestado pelo ofendido, motivando a decisão de facto com base em supostas asserções por ele proferidas em audiência, mas que aquele depoimento tais asserções não se podem extrair ou concluir.
31.Na medida da pena o Tribunal a quo não aplicou a atenuação especial prevista no n.º 2 do art. 206.º do Código Penal,
32.O Tribunal deu como provado que “O arguido A. R., no dia 22/2/2016, devolveu ao ofendido S R. todos os objetos que adquiria ao arguido J. M., pertença do ofendido.” – Ponto 8,
33.Dispõe o n.º 3 alínea a) do artigo 231.º que é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 206.º, ambos do Código Penal,
34.Estatui o artigo 206.º n.º 3 do C.P.: “Quando a coisa ou o animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem restituídos, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.”,
35.Conforme dispõe o n.º 1 al. c) do art. 73.º do CP, sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, o limite da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal,
36.No caso de restituição ou reparação integral a atenuação especial da pena é obrigatória,
37.O Tribunal a quo condenou o arguido a uma pena de multa de cinquenta dias sem previamente levar em conta a nova moldura aplicável resultante da atenuação especial da pena, que resultaria numa pena concreta inferior;
38.A medida concreta da pena aplicada ao arguido é excessiva, desproporcional e violadora dos princípios da culpa , da proporcionalidade, da necessidade da pena e está desconforme com a dialética culpa/prevenção.
39.A douta sentença violou o disposto nos artigos 231.º n.º 2 e 3 al. a), 13.º, 14.º, 15.º, 206.º n.º 2, 40.º, 71, 73 todos do C.P, artigos 283 nº 3 e 339 nº 4 CPP, artigo 9º nº 3 do CC e artigo 32º nº 5 CRP.»
*
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, com o regime e efeitos adequados.
Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação, o Exmo Senhor Procurador–Geral adjunto emitiu douto e fundamentado parecer no sentido da procedência do recurso, salientando a atipicidade dos factos apurados, que terá de conduzir à absolvição do recorrente.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (1).
*
1. Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são:

A. a condenação a título negligente pelo crime de recetação previsto e punível pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, não obstante a sua natureza dolosa;
B. insuficiência da matéria fática apurada para a condenação;
C. impugnação de determinados pontos da matéria de facto provada, por erro de julgamento;
D. atenuação especial da pena e sua medida concreta.
*
2. Factos Provados

Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, constantes da sentença recorrida.

«1. Factos Provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
1. No início do ano de 2016, na Rua …, em …, Guimarães, S R. tinha duas casas em (re)construção e uma já construída, onde morava o arguido J. M. com a sua mãe.
2. Em dia não concretamente apurado, mas situado entre o dia 18 e 19 de Fevereiro de 2016, o arguido J. M., dirigiu-se à arrecadação de uma das casas em reconstrução, na referida Rua …, n.º …, em …, Guimarães, onde o mesmo sabia que o respectivo dono, S R., guardava, fechadas à chave, diversas ferramentas de construção civil.
3. Aí chegado, o arguido, munido de objecto não concretamente apurado estroncou a fechadura da porta e acedeu ao interior da arrecadação de onde retirou e fez seus os seguintes objectos:
1 - um martelo pneumático, de marca Hilt, no valor de €1000,00 (mil euros);
2 – uma máquina de furar, da marca Hilt, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros);
3 - uma rebarbadora, marca Bosh, no valor de €60,00 (sessenta euros);
4 - uma motosserra, marca Husqvarna, no valor de €100,00 (cem euros);
5 - máquina de lavar à pressão, no valor de cerca de €1.000,00 (mil euros);
6- uma máquina de cortar madeira, marca Skil, no valor de cerca de €100,00 (cem euros);
7 – uma máquina de cortar madeira, de marca Hitachi, no valor de €60,00 (sessenta euros).
4. Posteriormente, em data não concretamente apurada entre o dia 18 e 19 de Fevereiro de 2017, o arguido J. M. dirigiu-se a uma obra de construção de um edifício nas proximidades, em …, onde se encontrava a trabalhar o arguido A. R., e abordou-o, informando-o de que tinha os referidos bens para venda.
5. Aceitando a transacção, o arguido A. R., acompanhou o arguido J. M. ao prédio onde este vive, e onde se encontra a arrecadação do ofendido, comprou ao arguido J. M. os referidos objectos, acima descritos, mais concretamente um martelo pneumático, de marca Hilt, uma máquina de furar, da marca Hilt, uma rebarbadora, marca Bosh, uma motosserra, marca Husqvarna, uma máquina de lavar à pressão, e uma das máquinas de cortar madeira, de marca não apurada, e ajudou-o a colocá-los na sua carrinha, pagando-lhe o valor global de €100,00 (cem euros).
6. O arguido A. R. integrou os objectos no seu património, não obstante ter motivos para suspeitar da sua proveniência ilícita, atento o valor reduzido pelo qual adquiriu os bens, quando comparado com o seu valor real, sendo do seu conhecimento esse mesmo valor, porquanto eram instrumentos que utilizava na sua profissão.
7. No dia 20 de Fevereiro de 2016, o arguido J. M., depois de confrontado por S. R. sobre o paradeiro dos objectos, foi colocar novamente na arrecadação do ofendido, sorrateiramente, uma das máquinas de cortar madeira supra descritas.
8. O arguido A. R., no dia 22/2/2016, devolveu ao ofendido S R. todos os objectos que adquirira ao arguido J. M., pertença do ofendido.
9. Ao actuarem pela forma acima descrita: o arguido J. M., agiu livre e conscientemente com o propósito de se introduzir no interior de um espaço fechado com chave, destinado a arrecadação, pertencente a S. R., a fim de se apoderar de objectos com valor venal que de resto logrou concretizar no montante global de cerca de €2.470,00 (dois mil quatrocentos e setenta euros), bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono; e o arguido A. R. agiu livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de fazer seus os objectos supra referenciados, adquirindo-os a um preço muito inferior ao seu valor de mercado, sem previamente se assegurar da sua proveniência, não obstante ter razões para suspeitar da origem ilícita dos mesmos.
10. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11.O arguido J. M. pediu desculpa ao ofendido e admitiu parcialmente os factos.
12.O arguido J. M. encontra-se preso há cerca de 3 meses no E.P. de Guimarães.
13.O arguido J. M. integra um grupo familiar de etnia cigana e o seu processo de socialização decorreu no contexto normativo desta comunidade.
14.O progenitor dele faleceu quando ele tinha apenas um ano de idade, tendo tido como figura de referência masculina o companheiro da progenitora.
15.A dinâmica familiar foi pautada por instabilidade ao nível do relacionamento, condições habitacionais e laborais, e pela prisão da progenitora e do padrasto.
16.Aos catorze anos de idade foi sujeito a uma medida tutelar de internamento que cumpriu no Centro Educativo, onde permaneceu até aos 18 anos. O seu percurso institucional foi pautado por instabilidade, com registo de várias fugas.
17.Apos a saída da instituição, iniciou um relacionamento marital, do qual resultou um descendente, tendo ido viver com a família da companheira.
18.Regista um internamento de cerca de dois meses no Hospital …, no Porto, na sequência de quadro depressivo grave, após o qual passou a ser acompanhado em regime ambulatório.
19.Acompanhava a família na venda ambulante, em feiras e mercados no norte do país.
20.Envolveu-se no consumo de estupefacientes.
21.Em contexto prisional foi-lhe diagnosticada esquizofrenia, com necessidade de tratamento quando em liberdade.
22. Após ter sido restituído à liberdade, em 2013, reintegrou o agregado da progenitora, tendo em 2014 iniciado relação com uma companheira, e ido viver para junto da família dela, mas em 2015, voltou ao agregado da progenitora, até a nova reclusão.
23.Em 2017 foi atribuído ao seu agregado uma habitação social, e obteve uma pensão de invalidez no montante de €260,00.
24.Em reclusão, encontra-se a frequentar curso de educação e formação B2+3 que lhe permitirá obter equivalência o 9º ano.
25.Tem mantido um comportamento adequado às regras da instituição.
26.Adopta capacidade de análise reflexiva e critica relativamente ao seu percurso de vida.
27.O arguido A. R. trabalhou na construção civil até 2014.
28.Reside com a esposa, que trabalha como empregada doméstica.
29.Habitam a título gratuito numa casa da filha, que reside na Suíça.
30.Não detêm rendimento fixo, vivendo de economias e com a ajuda dos descendentes.
31.O arguido A. R. padece desde 2018 de doença do foro oncológico.
32.Detém imagem social positiva.
33.O arguido A. R. não tem antecedentes criminais.
34.O arguido J. M. tem antecedentes criminais:
1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 13.05.2005, condenado em 25.05.2005, na pena de 80 dias à taxa de €1,5;
1 crime de roubo, 1 crime de furto qualificado, 1 crime de ofensa à integridade física grave qualificada, praticados em 23.04.2003, condenado em 15.02.2005, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão efectiva;
1 crime de condução sem habilitação legal, praticado em 02.07.2008, condenado em 10.07.2006, na pena de 150 dias de multa à taxa de €3,00;
1 crime de condução sem habilitação legal, praticado em 28.09.2005, condenado em 04.10.2007, na pena de 140 dias de multa à taxa de €3,00;
1 crime de roubo, praticado em 30.04.2015, condenado em 13.03.2008, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa com regime de prova;
1 crime de ofensa á integridade física qualificada, praticado em 09.02.2007, condenado em 05.02.2009, na pena de 9 meses de prisão efectiva;
1 crime de aproveitamento de obra contrafeita, praticado em29.10.2006, condenado em 28.05.2009, condenado na pena 160 dias de multa à taxa de €2,50 e 3 meses de prisão, substituídos por 90 dias de multa;
1 crime de violência depois da subtracção, praticado em 02.04.2003, condenado em 11.05.2005, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano;
1 crime de roubo, praticado em 08.08.2015, condenado em 02.05.2017, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
*
2. Factos Não Provados:

a. O aludido em 2), foi pelas 20.00 horas do dia 17 de Fevereiro de 2016.
b. Na posse dos cinco primeiros descritos objectos, o arguido J. M. dirigiu-se a uma obra de construção de um edifício nas proximidades, em …, onde se encontrava a trabalhar o arguido A. R., e abordou-o, apresentando-lhe os referidos bens para venda.
c. A máquina de furar, da marca Hilt, tinha o valor de €250,00; a rebarbadora, tinha o valor de €75,00; a motosserra tinha o valor de €400,00; a máquina de cortar Skil, tinha o valor de €100,00; a máquina de lavar à pressão, no valor de cerca de €1.100,00; e a máquina de cortar Hitachi, tinha o valor de €180,00. E tinham o valor global de 3.155,00 (três mil cento e cinquenta e cinco euros).
d. O arguido J. M., depois de confrontado por S. R. sobre o paradeiro dos objectos, foi colocar novamente na arrecadação do ofendido, sorrateiramente, duas máquinas de cortar madeira.
e. O arguido J. M. disse ao arguido A. R. que tinha um assunto grave a resolver com a sua mãe no hospital, e que precisava de dinheiro, e que tinha as máquinas para vender.
f. E foi por isso que o arguido A. R. aceitou emprestar €100,00 ao arguido J. M., e ficou com as máquinas a título de caução.
g. O arguido A. R. disse ao arguido J. M. que lhe devolvia as máquinas até 4ª feira, para ele lhe devolver nessa altura o dinheiro.
Da discussão da causa e produção da prova não vieram a resultar outros factos não provados com interesse para a boa decisão da causa.»
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O recorrente A. R. insurge-se com a sua condenação como autor material de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, desde logo – e para além do mais – por entender que a própria matéria fática considerada apurada não preenche os elementos típicos subjetivos daquele crime.
Tal questão, pela sua prejudicialidade relativamente às demais suscitadas no recurso, será naturalmente conhecida em primeiro lugar.
O crime de recetação encontra-se previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 231.º do Código Penal em duas modalidades distintas.
O nº 1 reporta-se a quem «com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa ou animal que foi obtido por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse».
Já na segunda modalidade, a do n.º 2, prevê-se a conduta de quem «sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa ou animal que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património».
Elemento comum às duas modalidades é, como vemos, a origem da coisa ou animal objeto do crime de recetação, que terá necessariamente de provir de facto ilícito típico contra o património.
Não basta, assim, que essa coisa ou animal tenha simplesmente origem em qualquer tipo de facto ilícito ou até mesmo criminoso, como acontece, por exemplo – e entre outras situações – quando provenha de crimes de contrabando, de fraude no transporte de mercadorias ou de introdução fraudulenta no consumo, ps. e ps., respetivamente, pelos artigos 92.º a 94º, 95.º e 96.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (2) (RGIT); quando provenha de um crime de descaminho p. e p. pelo artigo 355.º do Código Penal; ou, simplesmente, quando a coisa ou animal provenha de um ilícito civil ou administrativo.
É necessário que a conduta do autor do facto referencial «preencha o tipo de ilícito (objetivo e subjetivo) de um crime patrimonial. As concretas condições em que o facto referencial foi praticado (v.g., a identidade do agente e da vítima, o local e o modo de obtenção da coisa, etc.) são irrelevantes e, por isso não carecem de ser provadas. O mesmo se diga da concreta subsunção jurídica do facto (v.g., é irrelevante determinar se o facto referencial constituiu um furto ou um abuso de confiança, desde que seja certo que integra necessariamente um desses crimes)» (3).
Não é pois por acaso que o crime de recetação se encontra inserido no TÍTULO II do Código Penal, denominado «Dos crimes contra o património», concretamente no seu Capítulo IV «Dos crimes contra direitos patrimoniais». Para a perfeição do tipo de recetação a coisa ou animal têm de provir – reitere-se – de ilícito típico contra o património.
O recetador tem sempre de atuar com a intenção de obter vantagem na perpetuação de uma situação anti-jurídica patrimonial (4).
A distinção entre os casos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 231.º está apenas ao nível dos elementos típicos subjetivos: enquanto no primeiro se exige o conhecimento efetivo pelo agente de que a coisa ou animal provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo específico); na segunda modalidade, do n.º 2, já é suficiente que o agente admita que a coisa ou animal provém de facto ilícito típico contra o património (dolo eventual).
Revertendo agora diretamente aos presentes autos, verifica-se que na sentença recorrida consta como provado que o arguido/recorrente A. R. tinha «motivos para suspeitar da …proveniência ilícita» dos objetos que comprou (ponto 6 dos Factos Provados) e que os adquiriu «sem previamente se assegurar da sua proveniência, não obstante ter razões para suspeitar da origem ilícita dos mesmos» (Ponto 9, parte final, dos Factos Provados).
Contudo, em momento algum do elenco dos factos provados é feita a mais leve referência a que o recorrente, para além de admitir que as coisas que comprou provinham de facto ilícito, admitisse também que tal facto ilícito era contra o património.
Temos pois de concluir que a factualidade considerada como apurada na sentença recorrida não preenche todos os elementos típicos do crime de recetação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, revelando uma conduta criminalmente atípica.
Contudo, se recuarmos ao final do inquérito, verificamos que essa falha provém já da acusação pública, em que o Ministério Público adotou neste particular uma mera formulação reportada à «proveniência ilícita» ou «origem ilícita» dos objetos, sem nunca referir a admissão pelo respetivo agente de que as coisas que comprou provinham não só de facto ilícito, mas que esse facto ilícito era contra o património.
A conduta do recorrente já nos termos descritos na acusação não integrava um comportamento tipificado pela lei como crime de recetação, sendo, inclusive, absolutamente inócua em termos jurídico-penais.
Tendo o processo seguido para julgamento sem ter havido instrução, o que deveria ter acontecido era a rejeição dessa parte da acusação (referente ao arguido A. R.) não só por ser nula, mas também por ser manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea b) do Código de Processo Penal.
Só que tal não aconteceu e, nestas circunstâncias, chegados à fase da audiência com uma acusação onde é descrita uma conduta atípica, não há mecanismo legal que permita integrar no objeto deste processo factos novos que, juntamente com os descritos na peça acusatória, permitam considerar a conduta do arguido como típica.
Não se pode sequer considerar aqui a possibilidade de utilização do mecanismo da alteração dos factos, previsto nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal, sob pena de se desvirtuar tal instituto, usando-o indevidamente para justificar uma introdução de factos novos em julgamento, como forma de suprir a nulidade de uma acusação, que foi indevidamente recebida pelo juiz.
Repare-se que nos termos da definição legal do artigo 1º, al. f) do Código de Processo Penal, alteração substancial dos factos é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. E, in casu, seria necessário acrescentar elementos constitutivos do próprio tipo subjetivo, com potencialidade para transformar uma conduta jurídico-penalmente inócua numa conduta típica, o que configura uma alteração substancial dos factos.
Mas, aqui, nem mesmo a figura jurídica da alteração substancial dos factos se mostra adequada ao caso, na medida em que a integração dos factos novos não implica a imputação de crime diverso, implica é que uma conduta atípica, sem relevância jurídico criminal, se transforme em conduta típica, ou seja, numa conduta criminosa. E, como resulta diretamente do disposto nos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º do Código de Processo Penal, o mecanismo legal da alteração substancial e não substancial dos factos situa-se num outro plano, tendo sempre como pressuposto que na acusação, ou na pronúncia, se encontram devidamente descritos factos integradores de um tipo de crime.
Assim, chegados à fase da audiência com uma acusação onde é descrita uma conduta atípica, não há mecanismo legal que permita reparar essa verdadeira anomalia do processo, sob pena de violação da própria garantia constitucional consagrada no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, produzindo decisão nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Neste contexto legal e processual, tendo em conta que a factualidade considerada apurada na sentença recorrida relativamente ao arguido A. R. não preenche todos os elementos típicos do crime de recetação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, pelo qual foi condenado, revelando antes uma conduta criminalmente atípica, outra solução não resta senão absolvê-lo, revogando a sentença em conformidade.
Procedendo o recurso por esta via e ficando prejudicado o conhecimento de todas as outras questões suscitadas.
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso do arguido A. R. e, em consequência,_____________________________________
. revogar a sentença recorrida na parte em que condena o arguido A. R., como autor material, de um crime de recetação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos); bem como no pagamento de 04 UC´s de taxa de justiça e demais encargos do processo.
. absolvendo-se o arguido A. R. da prática de um crime de recetação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal.
Sem tributação.
*
Guimarães, 9 de dezembro de 2019
(Elaborado e revisto pela relatora)

Fátima Furtado
Maria José Matos
(Assinado digitalmente)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, na sua atual redacção.
3. Comentário conimbricense, tomo II, pág. 487.
4. Cfr. neste sentido Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, anot. Ao artigo 231.º.