Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
360/19.0GAPTLG1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: CONDUÇÃO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA DE PRISÃO
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva, a priori, da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação.
II - Não deve ser suspensa na sua execução a pena única de 18 meses de prisão cominada a arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de condução em estado de embriaguez, e de um crime de violação de proibições ou interdições, quando se constata que o mesmo se apresentou em Juízo com seis condenações penais, todas anteriores à prática dos factos sub-judice, respeitantes à prática de seis crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições e interdições, com o especial relevo para a circunstância de três delas terem sido punidas com penas de prisão, duas suspensas na sua execução e a outra em regime de dias livres. O que significa que, apesar das solenes advertências que ao arguido foram feitas nas aludidas anteriores decisões condenatórias, o mesmo insistiu em delinquir, mostrando uma personalidade distorcida, e que não acata as regras do bem viver em sociedade, e sobretudo evidenciando que falhou de forma fragrante o prognóstico, subjacente a todas aquelas decisões, de que o mesmo não voltaria a delinquir.
III - São extremamente elevadas as exigências de prevenção geral no que tange aos crimes de natureza rodoviária, tendo em conta a frequência com que são praticados no nosso País, avultando, entre esses ilícitos penais, os de condução de veículo em estado de embriaguez, crimes esses que, tantas vezes, estão associados a graves acidentes de viação, que representam uma das maiores causas de morbidade e de mortalidade, especialmente entre os jovens, com gravíssimas consequências para os próprios, para terceiros, e par a o conjunto da nossa sociedade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Especial Sumário nº 360/19.0GAPTL, do Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi submetido a julgamento o arguido:

N. C., filho de A. C. e de M. C., nascido em - de Outubro de 1983, na freguesia de …, concelho de Ponte da Barca, residente na Rua …, titular do Cartão de Cidadão nº …….
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2. Em 07/11/2019 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição 1):

“Pelo exposto e sem mais considerações, decide-se julgar procedente a douta acusação por provada e, em consequência, decido:

a) condenar o arguido N. C. como autor material, na forma consumada, e concurso real pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal e de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1(um) ano de prisão respectivamente por cada um dos crimes cometidos. Procedendo-se ao cumulo jurídico das penas em concreto aqui aplicadas ao arguido, vai este condenado na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, a qual se suspende na sua execução pelo período de 2(dois) anos pelos motivos supra referidos com a obrigação de se sujeitar tratamento especializado à dependência alcoólica com acompanhamento de regime de prova, assente no plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social.
b)- Mais condeno o arguido na sanção acessória de inibição de condução pelo período de (dois) anos pelos mesmos motivos que levaram à escolha e determinação da pena.

Fica o arguido advertido de que no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença deverá entregar a sua carta de condução na secretaria deste Tribunal ou na área do posto policial de sua residência sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada (...).”.
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3. Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 7.11.2019 nos autos em epígrafe, na qual o Mmº. Juiz a quo condenou o arguido N. C. como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, por cada um dos crimes cometidos, o que perfaz a pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos sujeita a regime de prova – sujeita a tratamento especializado à dependência alcoólica, e na pena acessória de dois anos.
2. Não se questionando a opção pela pena de prisão, vem o presente recurso limitado à não aplicação do cumprimento efectivo da pena de prisão a que foi condenado o arguido, porquanto não se conforma o Ministério Público com a circunstância de ter sido aplicada mais vez uma pena substitutiva da pena de prisão, in casu, mais uma vez, a suspensão da execução da pena de prisão determinada pelo Tribunal a quo, por entender que, no caso concreto, ao condenar o arguido naqueles termos foram violadas as normas constantes dos artigos 40º, 41º, 42, 50º, e 70º, e 71º e 292º e 353º todos do Código Penal.
3. Com efeito, no caso concreto, a condenação destes autos corresponde à sétima condenação do arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e à segunda pela prática do crime de violação de proibições e interdições, pois que o arguido, no que a estes crimes respeita, já foi condenado:

- Processo nº 94/10.0 GBAVV - 60 dias de multa e 4 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
- Processo nº 182/08.3 GAPTB – 40 dias de multa e 3 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
- Processo nº 48/12.2GTVCT – 100 dias de multa e 6 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
- Processo nº 193/14.0GAPTB 6 meses de prisão suspensa por um ano e 9 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
- Processo nº 225/14.4GBAVV 11 meses de prisão cumprida em 66 períodos cada um com 48 horas e 23 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
- Processo nº 134/19.8GAPTL na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano sujeito a regime de prova e na pena acessória de 12 pena acessória de proibição de conduzir;
4. Ou seja, para além desta ser a quarta condenação em pena de prisão, verifica-se que, em plena execução da suspensão da pena de prisão, e volvidos apenas dois meses desde o trânsito em julgado do seu decretamento, o arguido voltou a conduzir sob o efeito do álcool acusando uma taxa de alcoolemia 1,536 g/l, fazendo-o ainda com a carta de condução apreendida à ordem de outro processo.
5. Por esse motivo entendemos que não se encontram verificados os pressupostos que permita lançar novamente mão de uma pena substitutiva da pena de prisão, in casu, da suspensão da execução da pena de prisão – artº 50º do Código Penal.
6. Como sabemos, a aplicação desta pena de substituição - suspensão da execução da pena de prisão - só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, quando atendendo à personalidade do agente, às condições de vida do agente, e às circunstâncias do facto, e sua conduta do arguido anterior e posterior ao facto se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
7. Ora, Tribunal atribuiu muita relevância à jovem idade do arguido, à sua integração social, e ao seu comportamento anterior e posterior aos factos – cremos neste aspeto que o Tribunal se refira à documentação junta aos autos de onde resulta que o arguido estará a efectuar tratamento à dependência alcoólica de que padece.
8. Contudo, no nosso modesto entender, estes aspectos, que não olvidamos significativos, foram excessivamente valorizados, em detrimento de outros que considerámos muito relevantes, como sejam:
a. as elevadíssimas necessidades de prevenção geral e especial;
b. as inúmeras condenações a que o arguido foi sujeito pela prática do mesmo crime, com a aplicação de diversas e diferentes penas que não surtiram efeito e não foram capazes de demover o arguido de voltar a delinquir;
c. o comportamento reiterado do arguido que revela uma personalidade antijurídica e que revela que o mesmo não demostrou interiorizar as consequências da sua conduta,
d. e a ainda ineficácia das próprias penas substitutivas da pena de prisão, como seja a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado o arguido, por duas vezes que não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes, pelo que, estes factores não permitem fundar qualquer esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade.
9. Com efeito, o arguido contava à data da sentença com 36 anos de idade. Ademais, resulta dos autos que o arguido padece de um problema gravíssimo e acentuado de dependência de consumo de bebidas alcoólicas assumindo um padrão de consumo típico de um quadro de dependência alcoólica.
10. Resulta ainda dos autos que o arguido, ao longo dos anos já tentou efectuar outros tratamentos da dependência alcoólica de que padece, mas sem sucesso, pois ora descontinuava o tratamento, ora reincida no seu comportamento aditivo, manifestando sempre dificuldades de vinculação ao tratamento médico.
11. Resulta ainda dos autos que o arguido, já atentou contra a sua própria vida, tendo-o voltado a fazer no dia 11.8.2019, e bem assim resulta dos autos que o arguido, encontrando-se sob efeito do álcool assume comportamentos imprevisíveis e agressivos; ideação suicida; grande instabilidade emocional e comportamental para si e para os terceiros.
12. Resulta ainda dos autos que desde Setembro de 2019 que o arguido encontra-se medicado e que actualmente encontra-se a efectuar um tratamento de dependência alcoólica.
13. Contudo, não poderá e apenas este especto ser valorado de tal forma, como o fez, no mosso modesto entender, o Mmº Juiz, que ponha em causa as próprias finalidades da pena, aplicando mais uma vez a suspensão da execução da pena de prisão.
14. Conquanto, desconhecemos em absoluto o sucesso de tal tratamento ou sequer a adesão do arguido ao mesmo, pois que, por um lado a tal manifestação de vontade de se sujeitar a tratamento médico especializado não é certamente alheia a circunstância da mesma suceder na iminência da leitura da sentença; e bem assim a tal a corresponder a uma das condições a que estava subordinada a suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado no âmbito do processo nº 134/19.8 GAPTL.
15. Por outro lado, o arguido consome bebidas alcoólicas desde jovem e já efetuou outros internamentos e tratamentos sem sucesso, revelando sempre dificuldades de vinculação aos tratamentos, pelo que não temos qualquer elemento que nos permita formular um juízo de prognose favorável quanto à adesão terapêutica do arguido ao tratamento.
16. Ora, se em liberdade, enquanto tal sucede, se suceder, não poderá a sociedade assumir o risco do arguido voltar a delinquir.
17. De notar ainda que o arguido volta a conduzir sob o efeito do álcool numa altura em que já estava a ser acompanhado pela DGRSP e já tinha como obrigação decorrente do regime de prova efectuar tratamento especializado de dependência alcoólica com regime de prova e nem esse tratamento e condição da suspensão da execução da pena de prisão foi suficiente para o demover de voltar a ingerir bebidas alcoólicas e voltar a conduzir sob o efeito do álcool, pelo que não temos qualquer garantia que o arguido, desta vez, se em liberdade se abstenha de voltar a delinquir.
18. Com efeito, para além das necessidades de prevenção geral que neste tipo de crime se fazem sentir com especial acuidade, tendo em conta a frequência com que este tipo de crimes é cometido no nosso País, e relação directa e conhecida por todos entre a condução de veiculo em estado de embriaguez e os acidentes que infelizmente todos os dias ocorrem nas nossas estradas, com as conhecidas consequências nefastas, as necessidades de prevenção especial neste caso fazem-se sentir com muitíssima acuidade, atenta as inúmeras condenações do arguido pela prática de crimes da mesma natureza e de crimes conexos.
19. Ademais, a última e muito recente a oportunidade concedida ao arguido e o juízo de prognose favorável que foi efectuado no âmbito dos autos nº 134/19.8 GAPTL relativamente à personalidade do arguido e à capacidade do mesmo se abster da pratica destes ilícitos ficou, quanto a nós, irremediavelmente comprometida, pois volvidos dois meses após o trânsito em julgado da sentença que o condenou numa pena de prisão de 12 meses suspensa na sua execução por um ano subordinada a regime de prova, o arguido voltou a delinquir, conduzindo um veículo automóvel sob o efeito do álcool e tendo a carta de condução apreendida.
20. Para concluir que, não surtiu efeito as solenes advertências ínsitas nas anteriores condenações.
21. Acresce que o arguido desperdiçou todas as oportunidades anteriores de ressocialização (em liberdade e em reclusão).
22. Assim, e por esse facto entendemos que a substituição da pena, mesmo acompanhada de um regime de prova, não garantiria no caso as exigências de prevenção geral, e bem assim não garantirá as fortíssimas exigências de prevenção especial, já que não temos qualquer elemento que permita formular qualquer juízo de prognose de ressocialização em liberdade – neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 7.1.2016 publicado em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 11.7.2017 publicado em www.dgsi.pt; e o recentíssimo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 16-09-2019 e publicado em www.dgis.pt.
23. Não olvidámos que o tratamento médico, no caso, revela-se altamente desejável atenta a relação da dependência do consumo de álcool com a prática do crime, contudo, o arguido poderá, caso assim o entenda prosseguir com o tratamento no estabelecimento prisional, pois estes dispõem de um conjunto de respostas dirigidas às necessidades específicas de reclusos com problemas de dependência de álcool.
24. Com efeito, perante um comportamento persistente e reiterado por parte do arguido, não tendo surtido efeito as penas anteriormente aplicadas, nem mesmo as penas de substituição da pena de prisão, nem mesmo a pena efectiva em cumprimento por dias livres, pelo que, as exigências de prevenção geral e especial não permitem outra solução que não seja o contacto do arguido com o sistema prisional.
25. Ou seja, nem o anterior contacto com o sistema prisional pela prática deste ilícito fez demover o arguido de voltar a praticá-lo.
26. Ou seja, face a tudo quanto fica dito e a absoluta necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância do respeito pelo cumprimento das regras que tutelam a segurança rodoviária, e bem assim para assegurar a tutela das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e até mesmo para ir ao encontro da finalidade de ressocialização do arguido, entendemos que a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado o arguido não satisfazem estas necessidades e desideratos.
27. No caso vertente, como referimos a conduta do arguido atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física.
28. Com efeito, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária), pois que, sendo a condução de veículos automóveis, em si, já uma actividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer.
29. Tudo para concluir que, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial, as atinentes à necessidade da pena e, sobretudo, à intensidade da culpa, pensamos que as sentidas necessidades de prevenção geral e especial, bem como, a de procurar que o arguido não volte a delinquir apenas serão satisfeitas com o cumprimento efectivo da pena de prião a que foi condenado em cúmulo jurídico das penas.
30. Em suma: atento o percurso criminal do arguido, a pena de prisão aplicada na sentença não deve ser substituída, nomeadamente pela suspensão da execução da pena de prisão, desde logo por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir neste caso, pelo que foi violado o preceituado no artº 40º, 41º, 42º, 50º e 70º, 71º do CP.
31. Relativamente à pena única a que foi condenado o arguido, se quanto à pena parcelar a que foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez não nos merece qualquer reparo, o mesmo já não sucede quanto ao crime de violação de proibições.
32. Com efeito, tendo em conta que, relativamente ao crime de violação de proibições esta é apenas a segunda condenação, e que na anterior condenação pela prática deste ilícito o arguido foi condenado a uma pena parcelar de 4 meses de prisão (processo nº 225/15.4 GBAVV), admitimos que a pena de prisão de um ano a que o arguido foi condenado nestes poder-se-á, eventualmente considerar algo exagerada, vislumbrando-se mais adequada a pena de 8 meses de prisão, o que, naturalmente influenciará o cúmulo jurídico das penas que entendemos que a mesma dever-se-ia fixar na pena de única de 16 meses de prisão.

Assim, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, substituindo o segmento decisório em apreço por outro que condene o arguido:

- no cumprimento efectivo da pena única de prisão resultante do cúmulo das penas parcelares pela prática:
- como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69º, nº1, alínea a) e 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano de prisão;
- e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;
- e em cúmulo jurídico das penas, a pena única de 16 meses de prisão em cumprimento efectivo.
V. Ex.as., porém, decidirão como for de JUSTIÇA.
Com o que se fará,
JUSTIÇA”.
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4. Na 1ª instância o arguido respondeu ao recurso, defendendo a manutenção da sentença recorrida e, consequentemente, a improcedência do recurso.
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5. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, sufragando a posição do Ministério Público na 1ª instância, mas aventando a hipótese de ser equacionada a possibilidade do cumprimento da pena única peticionada, ou mesmo da pena única cominada, caso esta não venha a ser alterada, em regime de permanência na habitação, nos termos do Artº 43º, nº 1, al. a), do Código Penal.

5.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, respondeu o arguido, reiterando dever ser negado provimento ao recurso.
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6. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (2).

No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa dirimir:

- Saber se deve ser fixada em 8 meses de prisão a pena atinente ao crime de violação de proibição ou interdições e, concomitantemente, se deve ser fixada em 16 meses de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico das duas penas parcelares em que foi condenado o arguido; e
- Saber se deve ou não ser efectiva a pena única de prisão aplicada ao arguido pelos ilícitos cometidos.
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2. Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

“1. Por Sentença proferida a 30 de Maio de 2019, notificada pessoalmente ao arguido nesse mesmo dia, já transitada em julgado a 1.7.2019, no âmbito dos autos de processo sumario nº 134/19.8 GAPTL, que correu os seus termos no Juízo Local de Ponte de Lima, foi o arguido N. C. condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art° 292°, n°1, do Código Penal, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses.
2. No dia 8 de Julho de 2019, no âmbito desses o arguido entregou a carta de condução para cumprimento daquela pena acessória, que atingiria o seu terminus a 8.7.2020.
3. No dia - de Setembro de 2019, por volta das 20:46 horas, na via pública sita na ER 203, Km 23,500, …, Ponte de Lima, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula LH, acusando uma T.A.S. registada de 1,67 g/l a que corresponde o valor apurado após dedução do erro máximo admissível de 1,536 g/l por via da ingestão, voluntária e intencional de bebidas alcoólicas momentos antes de iniciar a condução.
4. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos com motor com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, e, não obstante, agiu pela forma supra, fazendo-o deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.
5. Ademais, sabia que na data referida em 3 ainda se encontrava a decorrer o período de proibição de conduzir veículos motorizados em que foi condenado no âmbito do processo id. em 1).
6. Com efeito, o arguido conduzia nos moldes descritos em 3º, fazendo-o, não obstante se encontrar proibido de conduzir veículos na via pública, pelo período de 12 meses, por sentença proferida no processo identificado em 1º, e tendo iniciado o cumprimento da pena acessória de proibição de condução a 8.7.2019 cujo terminus ocorrerá apenas a 8.7.2020.
7. Ao actuar da forma supra descrita o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente com intenção de conduzir aquele veículo, não obstante saber que tinha sido condenado em pena acessória de proibição de condução por sentença com trânsito em julgado e cujo cumprimento já havia iniciado.
8. O arguido levou a cabo esta conduta com manifesto desrespeito pela sentença supra referida e pela proibição que nela lhe fora imposta a título de pena acessória, apesar de ter conhecimento de ambas.
9. Em tudo, o arguido quis agir como agiu, livre, voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida, o que não o impediu de a encetar.
10. O arguido no exercício da sua profissão aufere o salário de 5,00€ por cada hora de trabalho.
11. Vive com uma companheira a qual recebe um subsídio de doença do montante de 485,00 mensais.
12. É pai de um filho de três meses de idade e filho de sua actual companheira.
13. Ambos vivem em casa arrendada pagando a renda mensal do montante de 200,00€.
14. O arguido aceitou submeter-se ao tratamento à dependência do álcool.
15. Está integrado socialmente e é pessoa respeitada no meio onde vive.
16. Na data de hoje o arguido está a fazer tratamento ao álcool como resulta dos documentos juntos a fls. 63 a 67.
17. Tem antecedentes criminais como resulta do seu certificado do registo criminal junto a fls. 20 a 26.

Assim no que diz respeito ao crime de condução sobre a influência do álcool sofreu as seguintes condenações:

Processo nº 94/10.0 GBAVV- 60 dias de multa e 4 meses de inibição
Processo nº 182/08.3 GAPTB – 40 dias de multa e 3 meses de inibição.
Processo nº 48/12.2GTVCT – 100 dias de multa e 6 meses de inibição de condução
Processo nº 193/14.0GAPTB 6 meses de prisão suspensa por um ano e 9 meses de inibição de condução
Processo nº 225/14.4GBAVV 11 meses de prisão cumprida em 66 períodos cada um com 48 horas e 23 meses de inibição da condução.
Processo nº 134/19.8GAPTL 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano sujeito a regime de prova e na pena acessória de 12 meses de inibição de condução.”.
*
2.2. Considerou inexistirem factos não provados.
*
2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):

“Ao dar-se a matéria de facto como provada o tribunal formou a sua convicção com base na confissão dos factos por banda do arguido. Na verdade, aceitou ter bebido álcool e sabia que estava inibido de conduzir. Apresentou a explicação que teve vir de urgência ao Hospital de Ponte de Lima porque a sua companheira foi acometida de uma dor aguda.
Para justificar tal comportamento juntou o documento junto a fl. 54 declaração hospitalar.
Das declarações da testemunha L. M., companheira do arguido, confirmou em julgamento que foi assistida no hospital de Ponte de Lima e que foi transportada pelo arguido.
O Tribunal não acreditou nesta versão. Na verdade, como resulta da referida declaração hospitalar a companheira teve alta pelas 21h18m. os factos ocorreram pelas 20h46m
É muito verosímil que a companheira tivesse sido assistida no hospital no dia em que os factos ocorreram. No entanto, o tribunal não acreditou se foi o arguido que a levou e trouxe de volta a casa.
Neste circunstancialismo assim nos ensina as máximas da experiência comum que a única defesa possível que o arguido lance mão de ter que se deslocar ao hospital de urgência para assim justificar o seu comportamento perante um estado de necessidade.
Mesmo que fosse verdade a versão do arguido só servira para justificar o seu comportamento só num caso de extrema necessidade é que poderia justificar o seu comportamento, caso fosse por exemplo da sua companheira correr perigo de vida. O que não foi o caso.
A testemunha J. G., conhecido do arguido depôs sobre o comportamento do arguido.
O arguido demonstrou ter consciência do seu passado criminal no que diz respeito á condução sob a influência do álcool.
No que diz respeito ao elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa o tribunal deu-o como provado, dada a lógica racional das coisas, o senso comum, o normal acontecer, bem como as máximas da experiência comum (regras de vida), o tribunal inferiu com segurança de que o arguido bem sabia que não podia conduzir e muito menos sob a influência do álcool bem sabendo que o seu comportamento era contrário á lei penal.

Documental
- auto de notícia; - CRC; - Talão de pesquisa de álcool no sangue de fls. 8; - copias de fls. 17 a 19;
- cópias cuja da sentença do processo nº 134/19.8 GAPTL cuja junção ora foi ordenada.
- Documentos juntos a fls. 63 a 67 de onde resulta que o arguido assumiu submeter-se ao tratamento ao álcool.

No que diz respeito à situação económica, social a familiar do arguido levou-se em as declarações por ele prestadas e as testemunhas que arrolou em sua defesa. Por serem conhecidas do arguido e fazerem parte das suas relações pessoais demonstraram ter conhecimento dos factos e relatório social de fls. 57 a 59”.
*
3. Como se viu, sem questionar a matéria de facto e o respectivo enquadramento jurídico, no presente recurso o Ministério Público vem defender que deve ser fixada em 8 meses de prisão a pena atinente ao crime de violação de proibição ou interdições e, concomitantemente, que deve ser fixada em 16 meses de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico das duas penas parcelares em que foi condenado o arguido, e bem assim que a pena única, ao invés de ser suspensa na sua execução, deve ser cumprida efectivamente.

Assim, com a decisão da matéria de facto definitivamente estabilizada, aceite pelo recorrente, e não havendo dúvidas, também, que face a essa matéria de facto, o arguido cometeu os ilícitos criminais pelos quais foi condenado, cujos elementos objectivos e subjectivos se mostram inteiramente preenchidos, nos termos explicitados na sentença recorrida, nada havendo que ser verificado oficiosamente, importa então perscrutar os elementos evidenciados pelos autos para as finalidades visadas.

Vejamos, pois.

Atentando-se, antes de mais, na fundamentação constante da sentença recorrida quando à determinação da pena (transcrição):

Da escolha e determinação da medida da pena.

A escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva político-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão (3).
A este propósito dispõe o art.º 70° do Código Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade.
É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face à de multa reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contra fáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor (4).
Todavia há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que "aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efetiva socialização" (5).
Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente "sensibilidade à privação da liberdade" possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena.
Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional.
Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas - previstos no art° 40°, nº 1 do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
Estes fins - comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização – traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização.
Para determinação da medida concreta da pena a aplicar, importa levar a cabo as consabidas três fases do procedimento de determinação da pena - investigação e determinação da moldura penal, investigação e determinação dentro daquela moldura legal da medida concreta a aplicar, e escolha da espécie da pena (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime", Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e "Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.97 no processo 1057/96).
O disposto no artigo 40° do Código Penal fornece os critérios que hão de presidir à aplicação das penas: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo de que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Compaginando o teor do artigo 40° nº 2 e os elementos contidos no artigo 71°, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infracção), deponham a favor do arguido ou contra ele.
A tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à "reafirmação contra fáctica da norma jurídica violada" e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial ou de socialização.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, Colectânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça, 2005, tomo 3, 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do C. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 993, p. 196/7, #255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena.
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n° 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: "Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção).
Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas".
E termina: "É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente".
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art.º 71°, n.º 1 do Código Penal.
Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no nº 2 da mesma disposição legal.

Assim, no caso sub judice, ponderar-se-ão:

- o grau de ilicitude dos factos que é elevadíssimo atento o modo da sua execução, a forma corno o arguido levou a cabo a sua conduta conduzia com uma taxa de alcoolemia elevada e sabia que não podia conduzir.
- O arguido actuou com dolo directo.
- as condições pessoais do Arguido, tem antecedentes criminais pela prática de crimes idênticos relacionados com a condução sobre a influência do álcool, a sua idade, tratou-se de um acto repetido e num período em que estava a cumprir pena suspensa.

Constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena, fornece-nos o quantum máximo de pena que ao Arguido pode ser aplicado.
A culpa do Arguido consubstancia-se numa conduta dolosa como se disse.
A condição pessoal do Arguido e os antecedentes criminais demonstram que este pode perfeitamente se ressocializar na medida em que tem um núcleo familiar constituído em particular tem um filho de três meses de idade o que de certa forma o tornará mais responsável para o futuro, apesar de militar contra si a reincidência.
- as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, urgindo reafirmar perante a comunidade a validade das normas que tutelam a autoridade pública do Estado, pilar fundamental de qualquer Estado de Direito, impõe a aplicação de uma pena que, se situe bem acima do limite mínimo da moldura penal abstracta.
Ponderadas as agravantes e as atenuantes, as exigências de prevenção geral e especial, face à moldura penal aplicável tem-se por adequado fixar a pena 1 (um) ano de prisão pela prática de cada um dos crimes cometidos.

Cumulo jurídico

Pelos motivos supra indicados que levou á escolha e determinação da pena entendemos aplicar ao arguido a pena única de 18 (dezoito) meses de prisão.
Importa agora indagar da admissibilidade de uma pena substitutiva, quanto a estes dois últimos, tendo presentes os critérios enunciados no artigo 50 °, nº 1 do Código Penal, seja, indagar da existência de um equilíbrio entre as exigências de prevenção geral e as de prevenção especial, equilibrando o mínimo socialmente suportável com o máximo que a socialização do agente aconselha.
Qualquer consideração da culpa do agente não tem aqui lugar, pois que o momento próprio para a sua apreciação foi o precedente. De facto e como decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça "(...). Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias".
É certo que as exigências de exteriorização física da reprovação do crime cometido impõem que lance mão da pena de prisão, já que a reprovação daquela pena expressa só é plenamente satisfeita com o cumprimento da mesma.
Para o efeito será de atender que a pena de prisão suspensa é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos ventores dos fins das penas.
Porém, outros dos seus ventores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes.
Será, pois, nesta dupla perspectiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão, sendo certo que para o efeito o seu ponto de partida será sempre o momento desta decisão e não da prática do crime - neste sentido veja-se o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2001/Mai./24, na Colectânea de Jurisprudência (S) II/201.
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, como sucede com o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2002 (Proc. nº 3026/01 - 3.ª Secção), divulgado em http://www.stj.pt. que "A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado", em que na sua base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco de prudência, em que se deverá "reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção".

Como se referiu no Ac. da R. C. de 2000/Fev./09 [Recurso n." 3139/00, relatado pelo Des. Oliveira Mendes.], divulgado em http.z/www.trc.pt, "Perante arguido já condenado por duas vezes, em menos de um ano, numa pena de multa e noutra de prisão não executada, pelo cometimento do mesmo crime, impõe-se a aplicação da pena de prisão efetiva pela prática de crime igual, já que o mesmo não só revela desprezo pela ordem jurídica, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral), como evidencia que relativamente a si as respostas penais não privativas da liberdade ou de prisão sem execução se mostram desprovidas de qualquer eficácia (prever especial). Também aí se refere que "O facto de se tratar de uma pena curta de prisão, obsta à sua execução em clausura, alenta a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes e de salvaguardar a vida em sociedade, sendo que de outra forma ficariam por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição".

Em face das determinações supra referidas, o arguido tem antecedentes criminais, já tem uma idade de jovem, a sua personalidade foi formada em padrões culturais diferentes aos dos actuais da sociedade moderna. A sua integração social e a conduta posterior aos factos é possível de, acordo com um normal juízo de prognose, concluir de novo que a conduta do arguido se irá pautar pela não repetição do mesmo crime por isso o arguido merece beneficiar da suspensão da execução da pena.

Termos de se suspende a execução da pena de prisão de 18 (dezoito) meses aqui aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos com a obrigação de se sujeitar tratamento especializado à dependência alcoólica com acompanhamento de regime de prova, assente no plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social.

No que que diz respeito à determinação da medida da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71º do C P, com a ressalva de que a finalidade a atingir a pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral (cfr., entre outros, Acs. Da RC de 07-11-1996, CJ/1996, V, p. 47; de 18-12-1996, CJ/1996, V, p. 62; e de 17-01-2001, CJ/2001, I, p. 51).

Termos que, fixamos a inibição da condução pelo período de 2 (dois) anos, pelas mesmas razões de fato e de direito que levaram à escolha da pena e à determinação do seu quantum.”.

Isto posto.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, bem como com a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, nos termos do Artº 69º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal.
Ao passo que o crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo Artº 353º, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Não questionando a opção que o tribunal a quo tomou quando decidiu aplicar ao arguido penas não privativas de liberdade pelos crimes cometidos, nem tampouco a pena concreta fixada quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, preconiza, porém, o Digno recorrente que a pena concreta aplicada em relação ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições deve ser fixada em 8 meses de prisão, em vez dos 12 meses de prisão, com o consequente “acerto” do cúmulo jurídico das duas penas parcelares, que entende dever fixar-se nos 16 meses de prisão.
Vejamos.
De acordo com o disposto no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do Artº 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.

Ora, a operação de determinação da(s) pena(s), dentro dos apontados limites, faz-se, segundo o Artº 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:

- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

No caso sub-judice, há que atentar, desde logo, ao elevado grau de ilicitude, pois ficou provado que o arguido conduzia na via pública, por volta das 20H46 do dia 06/09/2019, o veículo automóvel de matrícula LH, com uma taxa de álcool no sangue de 1,536 g/l, bastante acima do valor que confere significado criminal à conduta, conduta essa que, além do mais, levou a cabo num altura em que estava proibido de conduzir veículos motorizados. Pois, como se provou, por sentença proferida a 30/05/2019, notificada pessoalmente ao arguido nesse mesmo dia, transitada em julgado em 01/07/2019, no âmbito do Processo Sumário nº 134/19.8GAPTL, que correu os seus termos pelo Juízo Local de Ponte de Lima, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292°, n° 1, do Código Penal, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, tendo o mesmo entregue a carta de condução para cumprimento dessa pena acessória no dia 08/07/2019, a qual atingiria o seu terminus a 08/7/2020.
Depois, há que salientar que a culpa do arguido se mostra muito elevada, a merecer grande censura ética jurídica, sendo que agiu com dolo intenso, na sua forma mais grave, o dolo directo. Não sendo despiciendo afirmar que o arguido denota uma personalidade mal conformada, indiferente a bens ou valores jurídicos por cujo respeito se pugna, por ser muito frequente a sua ofensa, o que densifica o dolo com que actuou.
No que concerne ao perigo inerente à conduta do recorrente o mesmo não ultrapassou o abstracto, já valorado nos tipos legais.
Há que considerar, também, que o arguido se apresentou em Juízo com seis condenações penais, todas anteriores à prática dos factos sub-judice, respeitantes à prática de seis crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de imposições, proibições e interdições, com o especial relevo para a circunstância de três delas terem sido punidas com penas de prisão, duas suspensas na sua execução e a outra em regime de dias livres.
O que significa que, apesar das solenes advertências que ao arguido foram feitas nas aludidas anteriores decisões condenatórias, o mesmo insistiu em delinquir, mostrando uma personalidade distorcida, e que não acata as regras do bem viver em sociedade, e sobretudo evidenciando que falhou de forma fragrante o prognóstico, subjacente a todas aquelas decisões, de que o mesmo não voltaria a delinquir.
Tudo a evidenciar, pois, fortíssimas exigências de prevenção especial.
A favor do arguido há a ponderar as suas condições sócio-económicas, das quais decorre que: aufere a quantia de € 5,00 por cada hora de trabalho no exercício da sua profissão; vive com uma companheira a qual recebe um subsídio de doença do montante de 485,00 mensais; é pai de um filho de três meses de idade e filho de sua actual companheira; ambos vivem em casa arrendada pagando a renda mensal do montante de € 200,00; (ele, arguido) aceitou submeter-se ao tratamento à dependência do álcool; e que está integrado socialmente e é pessoa respeitada no meio onde vive.

Acresce que, como bem se salienta na sentença recorrida, são muito elevadas as necessidades de prevenção geral, “urgindo reafirmar perante a comunidade a validade das normas que tutelam a autoridade pública do Estado, pilar fundamental de qualquer Estado de Direito”.

Nessas circunstâncias, afigura-se-nos que nenhum exagero existiu na fixação da pena em 1 (um) ano de prisão, situado praticamente no meio da moldura penal abstracta prevista para o ilícito criminal em causa.

Como nenhum exagero se vislumbra no cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas ao arguido pelos dois crimes cometidos, pena essa cujo cálculo obedece aos parâmetros estabelecidos no Artº 77º do Código Penal.

Soçobra, pois, o recurso, nesta parte.
E quanto à suspensão da execução da pena única de 18 meses de prisão que foi decretada na sentença recorrida, questão esta que verdadeiramente consubstancia o cerne do presente recurso?
Efectivamente, nos termos do Artº 50º, nº 1, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como resulta deste preceito legal, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material.
A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgts.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).” (sublinhado nosso)

E termina a sua lição, neste particular aspecto, dizendo:

“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.
Há que referir, também, na esteira de Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica, consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.

Ora, no caso sub-judice, como se viu, para fundamentar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, o Mmº Juiz a quo teve basicamente em consideração as seguintes circunstâncias:

- A idade jovem do arguido;
- A personalidade do arguido, que “foi formada em padrões culturais diferentes aos dos actuais da sociedade moderna”; e
- A sua integração social e a conduta posterior aos factos.

A isto contrapõe o Ministério Público, ora recorrente, em síntese, o seguinte:

- A condenação destes autos corresponde à sétima condenação do arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e à segunda pela prática do crime de violação de proibições e interdições, pois que o arguido, no que a estes crimes respeita, já foi condenado:

a) No processo nº 94/10.0 GBAVV - 60 dias de multa e 4 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
b) No processo nº 182/08.3 GAPTB – 40 dias de multa e 3 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
c) No processo nº 48/12.2GTVCT – 100 dias de multa e 6 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
d) No processo nº 193/14.0GAPTB 6 meses de prisão suspensa por um ano e 9 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
e) No processo nº 225/14.4GBAVV 11 meses de prisão cumprida em 66 períodos cada um com 48 horas e 23 meses de pena acessória de proibição de conduzir;
f) No processo nº 134/19.8GAPTL na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano sujeito a regime de prova e na pena acessória de 12 pena acessória de proibição de conduzir;
- Para além desta ser a quarta condenação em pena de prisão, verifica-se que, em plena execução da suspensão da pena de prisão, e volvidos apenas dois meses desde o trânsito em julgado do seu decretamento, o arguido voltou a conduzir sob o efeito do álcool acusando uma taxa de alcoolemia 1,536 g/l, fazendo-o ainda com a carta de condução apreendida à ordem de outro processo.
Adiantando desde já a nossa resposta para a problemática em causa, afigura-se-nos que a razão está do lado do recorrente.
Na verdade, no caso vertente, muito embora se verifique o pressuposto formal para a aplicação do instituto em causa, face à pena concreta aplicada ao arguido, cremos que o mesmo será de afastar.
Efectivamente, desde logo relevam-nos os autos um acentuado grau de ilicitude dos factos, evidenciando o arguido total indiferença face às consequências da sua actuação, repetida aos longo dos anos, como evidencia o CRC junto aos autos.
Depois, importa ter presente as prementes exigências de prevenção geral, tendo em conta a frequência com que no nosso País são praticados crimes de natureza rodoviária, o que é atestado pelas negras estatísticas nacionais, que se podem analisar, por exemplo, no último Relatório Anual de Segurança Interna (6), reportado ao ano de 2018, que nos dá conta de terem sido registados, nesse ano, um total de 29.123 daqueles crimes.

Avultando, entre esses ilícitos penais, os de condução de veículo em estado de embriaguez com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/litro, cujo número, naquele ano de 2018, atingiu uns impressionantes 18.289 casos. Crimes esses que, tantas vezes, estão associados a graves acidentes de viação, que representam uma das maiores causas de morbidade e de mortalidade, especialmente entre os jovens, com gravíssimas consequências para os próprios, para terceiros, e para o conjunto da nossa sociedade.
Por outro lado, são extremamente elevadas as necessidades de prevenção especial, atentas as condenações penais que o arguido já sofreu. .

Efectivamente, resulta dos autos que o arguido já foi julgado e condenado:

a) Por factos ocorridos em 15/08/2008, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, no âmbito do processo sumaríssimo nº 182/08.3GAPTB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, por sentença de 05/02/2008, transitada em julgado em 05/02/2008, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o total de € 400,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 3 meses;
b) Por factos ocorridos em 23/02/2010, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, no âmbito do processo sumaríssimo nº 94/10.0GBAVV, do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, por sentença de 09/11/2010, transitada em julgado em 09/11/2010, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo o total de € 480,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 4 meses;
c) Por factos ocorridos em 10/02/2012, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, no âmbito do processo abreviado nº 48/12.2GTVCT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, por sentença de 24/05/2012, transitada em julgado em 13/06/2012, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, perfazendo o total de € 650,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 6 meses;
d) Por factos ocorridos em 16/08/2014, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, no âmbito do processo abreviado nº 193/14.0GAPTB, do Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, por sentença de 15/01/2015, transitada em julgado em 16/02/2015, na pena de 6 meses de prisão, cuja execução se suspendeu por 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 9 meses;
e) Por factos ocorridos em 20/04/2015, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, e a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo Artº 353º, do Código Penal, no âmbito do processo sumário nº 225/15.4GBAVV, do Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, por sentença de 13/05/2015, transitada em julgado em 12/06/2015, nas penas de, respectivamente, 9 meses de prisão e 4 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 meses de prisão, pena essa a cumprir em 66 períodos de 48 horas cada um, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 23 meses; e
f) Por factos ocorridos em 06/04/2019, os quais consubstanciam a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, no âmbito do processo sumário nº 134/19.8GAPTL, do Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, por sentença de 30/05/2019, transitada em julgado em 01/07/2019, na pena de 12 meses de prisão, cuja execução se suspendeu por 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 12 meses.

Ora, como se constata, todas as aludidas condenações penais são anteriores à prática dos factos sub-judice, nelas estando em causa a prática de seis crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, com especial relevo para a circunstância de três dessas condenações terem sido punidas com penas de prisão, duas suspensas na sua execução, e a outra a cumprir no regime de dias livres. E com a agravante de o arguido ter praticados os crimes ora em apreciação precisamente no período de suspensão da execução da pena de 12 meses de prisão que lhe havia sido cominada no processo supra identificado em último lugar.
O que significa, como já anteriormente referimos, e ora se enfatiza, que apesar das solenes advertências que ao arguido foram feitas nas aludidas anteriores decisões condenatórias, o mesmo insistiu em delinquir (quiçá contando uma vez mais com a benevolência do próprio sistema), mostrando uma personalidade distorcida, e que não acata as regras do bem viver em sociedade, e sobretudo evidenciando que falhou de forma fragrante o prognóstico, subjacente a todas aquelas decisões, de que o mesmo não voltaria a delinquir.
Tudo a evidenciar, pois, fortíssimas exigências de prevenção especial, e que a sua socialização em liberdade não pode ser atingida.
O juízo contrário teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na probabilidade forte de uma inflexão em termos de vida por banda do arguido, designadamente renegando a prática de actos ilícitos.
E essa factualidade, claramente, não existe.
Sendo manifestamente insuficientes, salvo o devido respeito, as circunstâncias nas quais o Mmº Juiz a quo estribou a sua decisão de aplicar ao arguido o instituto jurídico em causa, de suspensão da execução da pena de prisão.
Em síntese, diremos que, em face da personalidade revelada pelo arguido expressa nos factos, o grau de ilicitude dos mesmos, e ainda, dos seus vastos antecedentes criminais, não vemos como a suspensão da execução da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento, possa no futuro evitar a repetição de comportamentos delituosos.
Neste quadro circunstancial, mesmo considerando a situação pessoal do arguido, entendemos que só a pena de prisão efectiva poderá assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização do arguido, sendo também de afastar o mecanismo mais flexível previsto no Artº 43º do Código Penal, preconizado pelo Exmo. PGA, que na nossa perspectiva, face à concreta situação evidenciada nos autos, não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
Subscrevendo-se inteiramente as considerações expendidas pela Exma. Procuradora recorrente quando afirma que “o arguido desperdiçou todas as oportunidades anteriores de ressocialização (em liberdade e em reclusão)”, e que “perante um comportamento persistente e reiterado por parte do arguido, não tendo surtido efeito as penas anteriormente aplicadas, nem mesmo as penas de substituição da pena de prisão, nem mesmo a pena efectiva em cumprimento por dias livres (...) as exigências de prevenção geral e especial não permitem outra solução que não seja o contacto do arguido com o sistema prisional”, sendo certo que “nem o anterior contacto com o sistema prisional pela prática deste ilícito fez demover o arguido de voltar a praticá-lo.”.
Finalmente, há que sublinhar, sem tibiezas, que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, tal como decidido na sentença recorrida, atentos os contornos do caso, não seria minimamente compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça, abalando seriamente a credibilidade das próprias instituições jurídico-penais.
Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, o recurso terá de proceder, nesta parte.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que suspendeu a execução da pena única de 18 (dezoito) meses de prisão pela prática, pelo arguido N. C., em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo Artº 353º do Código Penal, e de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, determinando o cumprimento efectivo da mesma pena única de prisão;
b) Manter, em tudo o mais, a sentença recorrida.

Sem custas - Artº 522º, nº 1, do C.P.Penal.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 25 de Maio de 2020

António Teixeira (Relator)
Paulo Correia Serafim (Adjunto)


1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
3. Conforme bem explica Figueiredo Dias na sua obra Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Noticias, pág. 327.
4. Figueiredo Dias, ibidem, pág. 112.
5. Anabela Rodrigues, comentário ao acórdão de S.T.J. de 21 de Março de 1990 in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, pág.255.
6. Disponível in https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=ad5cfe37-0d52-412e-83fb-7f098448dba7