Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
68/20.3T8VRL.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CASO JULGADO
REIVINDICAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Síntese conclusiva:

I – A procedência da ação de reivindicação encontra-se sujeita à demonstração cumulativa de três condições de procedência:
- O autor seja titular do direito real de gozo invocado;
- O réu tenha a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor;
- O réu não prove ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo.
II – No âmbito das ações de reivindicação tem-se entendido, de forma quase pacífica, que não basta ao autor invocar ser proprietário da coisa reivindicada, uma vez que também é indispensável que o autor alegue e prove uma das formas de aquisição originária; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária.
III – Considerando, contudo, que tal prova será por vezes de difícil consecução, o nosso ordenamento jurídico consente o recurso a determinadas presunções legais da existência e titularidade do direito real, designadamente a presunção da titularidade desse direito no possuidor, ao abrigo do art. 1268º, n.º 1, do Cód. Civil, bem como a presunção da sua existência a favor do titular inscrito no registo predial, nos termos do disposto no art. 7º do Código Registo Predial.
IV – Nada impede que o direito assim presumido fundamente uma ação destinada especificamente ao reconhecimento do direito de propriedade e à consequente condenação da outra parte a respeitá-lo.
V – A privação do uso e fruição de um bem sofrida pelo seu titular ou detentor, em consequência de um facto ilícito de outrem, exprime o próprio evento danoso que se projecta sobre o património do lesado – que se vê impossibilitado de retirar as utilidades económicas que entender de um bem que lhe pertence – e que é gerador da obrigação de indemnizar (arts. 483º, 562º, 566º e 1305º, do CC).
VI – O princípio da oficiosidade vale só para o conhecimento da litigância de má-fé e aplicação da correspondente multa, posto que a atribuição de indemnização carece necessariamente de ser pedida pela parte, estando sujeita ao princípio do dispositivo, inexistindo disposição legal que imponha ao tribunal a notificação à parte para formular o pedido de indemnização por litigância de má-fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA intentou, no Juízo Central Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra I) BB e mulher CC, II) DD, e III) EE, pedindo:

a) A condenação dos Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado em 1 da petição inicial;
b) A condenação dos 1ºs Réus a restituir à Autora esse prédio, completamente livre e desimpedido e;
c) A condenação solidária de todos os Réus a indemnizar a Autora dos prejuízos resultantes da privação do uso do mesmo prédio, desde novembro de 2013, à razão de 1.500€ por mês, até efetiva restituição, indemnização essa que ascende já à quantia de 111.000€ (cento e onze mil euros), à data da instauração da ação.
Para tanto alegou, em síntese, que é a legítima proprietária do prédio urbano que identifica, com a composição que descreve, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...00º e registado a seu favor, que adquiriu tal prédio em 23 de junho de 1992, por arrematação em hasta pública, com a realidade física que refere, apesar de no auto de arrematação constar uma descrição errada do prédio.
Na sequência da arrematação, promoveu nova inscrição do prédio na matriz, com a descrição correspondente à respetiva realidade física.
Por si e antecessores vem possuindo esse prédio, há mais de 30 anos, descrevendo os atos que vem praticando sobre o mesmo.
No ano de 1994, o prédio rústico onde o referido urbano está implantado foi vendido aos réus, mas que tal venda incidiu apenas sobre o terreno não ocupado pelas construções, não incluindo as construções, nem o logradouro arrematados pela autora, do que os réus foram informados.
Apesar disso, os réus apoderaram-se do imóvel da autora, em outubro de 2013, arrancando as portas e destruindo os muros que o vedavam, destruindo móveis e utensílios e vedando o imóvel para a autora não poder lá entrar;
- Desde novembro de 2013, a autora está privada da utilização e fruição do seu imóvel, o que lhe causa danos que quantificou.
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Citados, contestaram os Réus, por impugnação e reconvenção (ref.ª ...99), formulando os seguintes pedidos reconvencionais:
a) Seja declarado que os primeiros réus são os donos e legítimos possuidores do prédio urbano            identificado em           87º e 88º da contestação/reconvenção;
b) Seja a autora condenada a reconhecer o pedido formulado;
c) Seja a autora condenada a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, ocupar, perturbar, impedir, prejudicar ou turbar, o uso, gozo e fruição, de modo pleno e exclusivo, do direito de propriedade dos primeiros réus sobre o prédio urbano descrito e identificado em 87º e 88º da contestação/reconvenção.
Alegaram, em síntese, a aquisição do prédio rústico, no qual o urbano e logradouro reivindicados pela autora se encontra implantado e invocaram a posse desse prédio urbano e logradouro, desde 1994, data da aquisição do rústico.
Admitiram terem, em 2013, arrancado duas portas, destruído muros e retirado e/ou destruído documentação, e vedado tal prédio para ficar apenas em seu poder e ninguém da parte da autora nele pudesse entrar.
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A autora replicou, concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais (ref.ª ...09).
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Realizada audiência prévia, não foi possível realizar a mesma devido a problemas técnicos (ref.ª ...27).
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Datado de 10/01/2021, foi proferido despacho que admitiu a reconvenção e decidiu o incidente do valor da causa; de seguida, foi prolatado despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; procedeu-se ainda à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...35).
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento (ref.ªs ...86, ...74 e ...28).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 28/05/2022, nos termos da qual decidiu (ref.ª ...70):
1- Julgar a ação parcialmente procedente, pelo que:
a) Declarou e condenou os Réus a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado em 1. da petição inicial.
b) Condenou os primeiros Réus e Habilitados a restituir à Autora esse prédio, completamente livre e desimpedido.
c) Julgou improcedente o pedido de indemnização formulado, dele absolvendo os réus.
2- Julgar totalmente improcedente a reconvenção, pelo que absolveu a autora/reconvinda dos pedidos.
3- Condenou os réus/reconvintes como litigantes de má fé, em multa que fixou em 5 (cinco) UC`s.
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Inconformados, quer a autora, quer os Réus, interpuseram recurso da sentença (ref.ªs ...74 e ...16).

A autora, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Tendo sido provado que, em consequência de atuação dos RR., pelo menos desde Novembro de 2013, a A. ficou privada da utilização e fruição do seu imóvel, tanto bastava para aqueles deverem ser condenados na indemnização devida por essa privação, não sendo necessária nem exigível a demonstração de "concretos danos", como se entendeu e decidiu na sentença recorrida.
2. Uma vez que a utilização que a A. fazia do imóvel (arrumações e garagem na cave e escritórios, gabinete de engenharia e atendimento ao público no ... piso/... - ponto 24 dos factos provados e promoção de culturas hortícolas e tratamento de árvores de fruta no logradouro, com aproveitamento de toda a respectiva frutificação- ponto 26 dos factos provados), não é mensurável em termos monetários, deve admitir-se a equivalência da utilidade económica do mesmo imóvel ao valor da renda que poderia proporcionar no mercado de arrendamento e por esse mesmo valor ser calculada a indemnização a pagar pelos RR. .
3. Tendo sido provado que o valor dessa renda seria de 1.350€ por mês (ponto 54 dos factos provados), devia a acção ser julgada procedente, também quanto ao pedido de indemnização formulado na al.c) da parte final da p.i. com a condenação dos RR. a indemnizar a A. pela privação do uso do imóvel no montante correspondente a 1.350€ por mês desde Novembro de 2013, até desocupação e entrega efectiva.
4. Na sequência da condenação dos RR. por litigância de má-fé, devia ser ordenada a notificação da A. para peticionar indemnização por essa mesma litigância, a tal não obstando o facto de aquela ter pugnado por essa condenação sem, logo então, pedir indemnização.
5. Por assim não se ter entendido e decidido na sentença recorrida, consideramos que a mesma enferma de incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 483º do C. Civil e 542º, nº1 do C.P.C., pelo que .
No provimento do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou a acção improcedente (quanto ao pedido da al. c) da p.i. ) e, em consequência, também quanto a esse pedido, a acção ser julgada procedente nos termos expostos e ainda determinar-se a notificação da A. para pedir indemnização pela litigância de má-fé em que os RR. foram condenados, assim resultando, a nosso ver, melhor interpretada e aplicada a lei e também melhor realizada a
JUSTIÇA».
*
Por sua vez, os Réus finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):
«1. Os Recorrentes não se conformam com a decisão assim proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, na parte que lhes foi desfavorável, como a seguir se vai demonstrar.
2. Deveriam ter sido dados como não provados os seguintes factos dados como provados pelo Tribunal: 1., 2., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 29., 39., 40., 41., 53. e 72..
3. Deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos dados como não provados pelo Tribunal: pontos b, c, d, e, f, g, h, i, e j.
4. Deveria ter sido julgado improcedente o pedido de litigância de má-fé dos RR., e ainda, deveria ter sido dada como provada e procedente a reconvenção deduzida pelos RR.
5. Com base nas Declarações de Parte da R. FF, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 26-11-2021, com relevo para este recurso de 00:09:03 a 00:14:41.
6. Com base nas Declarações de Parte do R. DD, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 26-11-2021, com relevo para este recurso de 00:16:15 a 00:24:55.
7. Com base nas Declarações de Parte da R. habilitada GG, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 26-11-2021, com relevo para este recurso de 00:00:29 a 00:09:10.
8. Com base nas Declarações de Parte do R. habilitado HH, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 26-11-2021, com relevo para este recurso de 00:00:37 a 00:13:00.
9. Com base nas Declarações de Parte da R. habilitada II, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 26-11-2021, com relevo para este recurso de 00:00:31 a 00:07:50.
10. Com base nos depoimentos das testemunhas: JJ, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em  17-03-2022, com relevo para este recurso de 00:20:30 a 00:35:35; KK, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em  17-03-2022, com relevo para este recurso de 00:20:23 a 00:29:57; LL, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 17-03-2022, com relevo para este recurso de 00:25:26 a 00:37:58; MM, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em  17-03-2022, com relevo para este recurso de 00:07:36 a 00:10:40; NN, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 17-03-2022, com relevo para este recurso de 00:00:00 a 00:03:50.
11. Com base na Prova Documental composta pelos seguintes documentos: Documento nº ... junto com a contestação; Documento nº ... junto com a contestação; Documento nº ... junto com o requerimento datado de 07/01/2021, com a referência ...69; Documento nº ... junto com o requerimento datado de 20/01/2021, com a referência ...81; Documento nº ... junto com o requerimento datado de 20/01/2021, com a referência ...81; Documento nº ... junto com o requerimento datado de 20/01/2021, com a referência ...81; Documentos nº ... e ... juntos com o requerimento datado de 25/01/2021, com a referência ...86; Documentos nº ..., ..., ... e ... juntos com o requerimento datado de 10/02/2021, com a referência ...28;
12. O Tribunal recorrido fez errada decisão da matéria de facto.
13. Na sequência de todo o exposto resulta que a Recorrida não é dona, nem legítima possuidora, do prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1446,10 m2 inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
14. A realidade dos factos é a alegada pelos Recorrentes, conforme se constata da impugnação da matéria de factos supra apresentada, com recurso a prova constante dos presentes autos.
15. No dia 23 de Junho de 1992, no âmbito do processo de execução nº 172/90, que OO moveu no Tribunal do Trabalho ... contra O..., Lda., a A. arrematou o “prédio urbano onde a executada tem instalados os seus gabinetes técnicos e desenvolve os seus serviços de escritório e de atendimento ao público, prédio este composto de casa com superfície coberta de 100 m2, sito no Lugar ..., à margem da estrada que liga ... a ..., que confronta do poente com a estrada e dos outros lados com outras instalações também propriedade da mesma executada, não inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87, da freguesia ...”, o qual lhe foi adjudicado.
16. Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ..., datada de 7 de setembro de 1994, PP, em representação da Fazenda Nacional, declarou vender ao R. marido BB, o qual declarou comprar, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade O..., Lda., o prédio supra identificado.
17. Em 31 de Outubro de 1994, a A., através do modelo 129, que apresentou na Repartição de Finanças ..., participou e requereu a inscrição em seu nome de “um prédio urbano de dois pisos e logradouros, sendo o 1º destinado a habitação .../ 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 WC, 1 garagem e logradouro, e o ... piso destinado a escritórios c/ 6 assoalhadas, 3 WC, 1 arrecadação e logradouro”, sito no Lugar ..., da freguesia ..., com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta de 1.446,10 m2, a confrontar do Norte com estrada nacional ...08, do Sul com O..., Lda. e BB, no Nascente com BB/caminho público e do Poente com BB.
18. O supra referido prédio urbano encontra-se implantado no prédio rústico situado em ..., com a área de 18.718 m2, composto de cultura arvense de sequeiro, que confronta a Norte com estrada, a Sul com Rio ..., a Nascente com caminho e a Poente com QQ, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., com o nº ...26 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...55, secção C.
19. No referido modelo 129, a Recorrida fez constar a seguinte observação: “Este prédio pertenceu à sociedade O..., Lda. e foi penhorado em ação judicial pelo Tribunal de Trabalho ..., tendo sido arrematado pela declarante em 23 de Junho de 1992, no Tribunal Judicial .... Está descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87, da freguesia ..., para efeitos de penhora, o exequente OO participou através do s/advogado a omissão deste prédio, mas por desconhecimento das suas áreas e constituição, na declaração mod. 129 apresentada, descreveu-o deficientemente, o que agora se corrige”.
20. À requisição de registo de penhora no âmbito do referido processo de execução no Tribunal do Trabalho ... fora anexado duplicado para inscrição na matriz, apresentado na repartição de finanças deste concelho em 10 de dezembro de 1987, onde se identificava um prédio urbano composto de ..., apenas com área coberta de 100 m2, com cinco divisões assoalhadas, 2 casas de banho e corredor, a confrontar a poente com estrada municipal, a norte, sul e nascente com O..., Lda..
21. O pedido de inscrição na matriz, não deu origem a um novo artigo matricial, encontrando-se aí escrita a seguinte declaração: “Não foi autorizada esta Comissão no acesso ao prédio existente, tendo o gerente da Firma informado a Comissão que não tinha sido pedida a referida avaliação, porquanto o prédio em causa ainda se encontrava em fase de construção. Informou ainda que o pedido não se encontra assinado por ele nem por nenhum mandatário da Firma, sendo a assinatura ilegível”.
22. Pela apresentação 2546, de 19.11.2012, foi descrito sob o nº ...80, na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., com a área total de 1878,5 m2, sendo 435,4 m2 cobertos e 1446,1 descobertos, composto por casa com garagem, ..., ... andar e logradouro, confrontando de norte com a estrada nacional ...08, nascente e sul com caminho e poente com O..., Lda., correspondente ao artigo matricial ...00.
23. O prédio arrematado pela A. em hasta pública não possui características, em termos de constituição, dimensão e confrontações, iguais às do prédio mencionado em 1º da p.i..
24. O prédio arrematado pela A., aqui Recorrida, era composto por prédio urbano onde a sociedade comercial O..., Lda. tinha instalados gabinetes técnicos e desenvolvia serviços de escritório e atendimento ao público, composto por casa com superfície coberta de 100 m2, sito no lugar de ..., à margem da estrada que liga a ... a ..., que confronta do poente com a estradas e dos outros lados com outras instalações também propriedade da mesma sociedade comercial, não inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...87, da freguesia ....
25. Os aqui Recorrentes já instauraram, entre outras, uma ação de impugnação de justificação notarial, contra a A., considerando que esta, com vista a obter o registo do prédio em causa a seu favor, com a configuração que alega, procedeu à respetiva justificação notarial, a qual, contudo, acabou por ser considerada sem efeito, por via da dita ação de impugnação que foi julgada procedente.
26. Tendo sido declarado por decisão judicial transitada em julgado não ter a aqui A. adquirido o direito de propriedade sobre o prédio identificado no processo de justificação nº 16/2012, na sequência Ap. ...43 de 27 de novembro de 2012. Arquivada na Conservatória do Registo Predial ..., cuja decisão de justificação proferida em 17 de dezembro de 2012, pro conseguinte não produz qualquer efeito.
27. Do exposto resulta que a improcedência das causas de aquisição do direito de propriedade invocadas pela Recorrida, quanto ao prédio identificado em 1º da p.i., quer por via de aquisição derivada (por compra/arrematação em hasta pública), quer também pela via da prescrição aquisitiva ou usucapião, formou caso julgado material entre a Recorrida e os Recorrentes.
28. A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. Ao reivindicante cabe o ónus de alegação e o, correlativo, ónus da prova de que é proprietário da coisa e de que esta se encontra em poder da parte contrária.
29. Cabia à A., aqui Recorrida, alegar e provar factos que consubstanciem uma aquisição derivada ou atos de posse praticados dobre o imóvel em questão, o que a A. não logrou fazer, atenta a impugnação supra apresentada pelos aqui Recorrentes, da matéria de facto dada como provada e não provada.
30. Os aqui Recorrentes desde 7 de setembro de 1994 entraram na posse do imóvel descrito em 1º desta p.i., o que resultou provado nos presentes autos, conforme se pode constatar no ponto II das presentes alegações.
31. Os Recorrentes ocuparam o imóvel id. em 1º da p.i. e sempre agiram convictos de serem os seus donos e possuidores, perante toda a gente, inclusive a A. e até mesmo em Tribunal.
32. Os Recorrentes têm ocupado e administrado o prédio urbano id. em 1º da p.i., limpando-o, conservando-o, retirando e colhendo todos os rendimentos do prédio urbano, ou consentindo que o façam, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence, por mais de 20 anos, pelo que se outro título não tivesse sempre o havia adquirido por Usucapião que se invoca.
33. Pedo que deve a ação improceder, com absolvição dos RR., aqui Recorrentes, de todos os pedidos contra si formulados.
Reconvenção:
34. Os Recorrentes são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1 446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
35. Os Recorrentes desde 7 de setembro de 1994 entraram na posse do imóvel urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1 446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
36. Uma vez que tal imóvel se encontra implantado no rústico que os Recorrentes compraram à Fazenda Nacional.
37. Os Recorrentes ocuparam o prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1 446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
38. Na sequência de tudo isso, em finais de 2013, os RR. BB e CC entraram mesmo no prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1 446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27, mediante o arrancamento das duas portas principais e destruíram os muros que vedavam todo o espaço e respetivo logradouro.
39. Os RR. BB e CC vedaram o imóvel para ficar apenas em seu poder e ninguém da parte da A. nele poder entrar e colocaram, no exterior da edificação e nos lugares mais visíveis, várias placas a anunciar a sua venda, com a inscrição “vende-se” e imediatamente por baixo o nº de telemóvel ...48, ou seja, os Recorrentes ocupam e administram, como ocuparam e administraram, o referido prédio urbano.
40. Desde logo, limpando-o, conservando-o, retirando e colhendo todos os rendimentos do prédio urbano, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, muito menos da A., de forma ininterrupta e consecutiva, por mais de 20 anos.
41. Na intenção e convicção de que o prédio urbano lhes pertenceu, como pertence, tendo tornado diretamente conhecida de toda a gente, inclusive da A., a sua intenção de atuar como donos e legítimos possuidores do imóvel.
42. Os Recorrentes desde 7 de Setembro de 1994 tornaram diretamente conhecida de toda a gente, inclusive da Recorrida, a sua intenção de atuar como donos e legítimos possuidores do imóvel id. em 1º da p.i., para efeitos de inversão do título de posse, disposto no artigo 1265º do C.C..
43. Os aqui Recorrentes atuam, como atuaram, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o imóvel id. em 1º da p.i. – artigo 1251º do C.C. e exercem os poderes de facto sobre o imóvel id. em 1º da p.i., pelo que se presume neles a posse sobre o imóvel id. em 1º da p.i. – artigo 1253º do C.C..
44. Por qualquer uma das vias supra indicadas, os Recorrentes, enquanto donos e legítimos possuidores do prédio id. em 1º da p.i., gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem nos termos do artigo n.º 1305 do CC.
45. A propriedade dos Recorrentes sobre o imóvel id. em 1º da p.i. abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém - artigo 1344, n.º 1 do C.C.
46. Os Recorrentes têm o direito e exigem que a Recorrida reconheça o direito de propriedade destes e se abstenha de por qualquer forma, via ou meio, ocupar, perturbar, impedir, prejudicar ou turbar, o uso, gozo e fruição, de modo pleno e exclusivo, do direito de propriedade dos Recorrentes sobre o prédio urbano supra identificado.
47. Deverá a sentença proferida ser revogada por outra que julgue a reconvenção totalmente provada e procedente.
48. Nos termos do n.º1 artigo 542º do Código de Processo Civil “tendo litigado de má fé, a parte pode efetivamente será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” e diz-se litigante de má fé, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, quem, com dolo ou negligência grave: tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;  tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;  tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
49. Na verdade, o que importa é que exista uma "intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas com leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)" (Manuel de Andrade, ob. cit., pag. 358):  não basta pois a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e o saber que se está a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais ("no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável" - Menezes Cordeiro, ob. cit., pag. 380).
50. A jurisprudência vem sendo vincadamente restritiva na admissão da litigância de má fé -Dias Ferreira, citado por Menezes Cordeiro - ob. cit. pag. 380, nota 446 - afirmava até que "tão grande é a repugnância dos tribunais em impor multas, mesmo aos litigantes de má fé que é preciso ser esta evidentíssima para decretarem a condenação".
51. Os RR. não atuam com dolo ou negligência grave, antes, atuaram convictos de tudo o que alegou e que justificou com os documentos juntos com a sua p.i. e réplica.
52. A condenação por litigância de má fé só deve ser proferida quando não haja dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Daí que, para que se conclua que uma parte litigou de má fé não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal – veja-se, neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 12/05/2005 e 06/10/2005 in www.dgsi.pt/jtrp.
53. Não resulta dos autos, a nosso ver, que os Recorrente tenham atuado com dolo ou negligência grave e, como tal, de má-fé, pois os mesmos não ultrapassaram os limites daquilo a que Luso Soares chamou de "litigiosidade séria" (que "dimana da incerteza" - Luso Soares, ob. cit. pag. 26), motivo pelo qual deve a sentença ser revogada também nesta parte e substituída por outra.
54. Caso o Tribunal da Relação de Guimarães não entenda todo o supra exposto, sempre diremos que o valor da multa em 5UC é excessiva violando o estipulado no artigo 27º, n.º 4 do CPC o qual estabelece que a multa por litigância de má-fé é fixada entre 2 UC e 100 UC.
55. No caso vertente, aquela condenação de 5UC é excessiva atendendo a que o tribunal desconhece a situação patrimonial dos RR., podendo, com tal condenação onerar os mesmos em pagamento desproporcional com a sua situação económica.
56. Assim, e caso o douto Tribunal da Relação entenda ser de manter a condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, deve o valor da multa ser aplicado pelo mínimo, isto é, 2 UC pois só assim se respeitará os princípios de adequação e proporcionalidade, devendo neste segmento ser revogada a sentença agora recorrida e substituída por outra que condene os Recorrentes no pagamento de uma multa de 2 UC.
57. Deverá a Sentença ser revogada e substituída por outra que determine a improcedência da ação com total absolvição dos RR. dos pedidos contra si formulados, isto é: Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da Autora e absolver os RR. de reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado em 1. Da petição inicial; Absolver os RR. a restituírem à A. esse prédio; A procedência da Reconvenção e, em consequência, declarar-se que os 1ºs RR. são os donos e legítimos possuidores do prédio urbano em discussão nestes autos; Ser a A. condenada a reconhecer o pedido formulado em i); Ser a A. condenada a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, ocupar, perturbar, impedir, prejudicar ou turbar, o uso, gozo e fruição, de modo pleno e exclusivo, do direito de propriedade dos 1ºs RR. sobre o prédio urbano em discussão nestes autos; Ser a A. condenada em custas e procuradoria. Absolver os RR. como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa de 5 UC;
58. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 1316º, 1287º, 1251º, 1265º, 1253º, 1268º, 1305º e 1344 nº 1 todos do Código Civil, dos artigos 580º, 581º, 619º e 542º nº 1 al. a) e nº 2 todos do Código de Processo Civil e ainda o artigo 27º nº 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa…
JUSTIÇA.».
*
Contra-alegou a autora, pugnando pelo não provimento do recurso (interposto pelos RR.) e manutenção da sentença recorrida (ref.ª ...54).
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...89).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto dos recursos.             

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, tendo sido apresentados dois recursos autónomos, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:          

I) Da apelação dos Réus:
i) - Da violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto nos arts. 580º, 581º e 619º, todos do CPC;
ii) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
iii) - Da violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto nos arts. 1251º, 1287º e 1316º, todos do Código Civil;
iv) - Da revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a reconvenção deduzida pelos RR./Recorrentes;
v) - Da violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto no art. 542º, n.º 1, als. a) e 2 do CPC; e subsidiariamente,
vi) - Da violação do estipulado no art. 27º, n.º 4, do RCP (excessividade do valor da multa em 5UC);
II) Da apelação da Autora:
vii) - Da atribuição de indemnização pela privação de uso do imóvel em causa;
viii) - Da imposição ao Tribunal de notificação da A. para pedir indemnização pela litigância de má-fé em que os RR. foram condenados.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1- Existe um prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
2- Esse prédio veio à posse da Autora em 23 de junho de 1992, por arrematação em hasta pública, que teve lugar na Comarca ..., em cumprimento da carta precatória nº 47/92 - 1ª Secção vinda do Tribunal do Trabalho ... e extraída de um processo de execução desse Tribunal deprecante com o nº 172/90 e em que era executada a sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, O..., Lda.
3- Tendo como finalidade social a fabricação e comercialização de artefactos de cimento, a mencionada sociedade deliberou levar a cabo essa sua atividade no referido Lugar ..., em terreno que para o efeito adquiriu por compra, terreno esse com a área de 18.718 m2, inscrito na matriz cadastral da dita freguesia ..., sob o artigo ...55... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...14.
4- Após a compra desse terreno, a referida sociedade logo tratou de nele construir as instalações urbanas adequadas e necessárias para a indicada atividade industrial e comercial que se propunha desenvolver.
5- Numa parte do terreno construiu as instalações fabris e noutras partes construiu outras instalações de apoio à comercialização dos produtos fabricados e serviço de escritório.
6- Bem como à laboração de um gabinete técnico de engenharia, atividade que o principal sócio e gerente da dita sociedade, RR, também se propunha desenvolver, como efetivamente desenvolveu, dado estar para tal devidamente habilitado.
7- As instalações fabris foram implantadas num local do terreno mais afastado da estrada.
8- Enquanto que as outras, porque afetas a serviço de escritório, gabinete de engenharia e atendimento ao público, foram implantadas no limite do terreno ao longo da estrada nacional (que liga ... e ...) com a qual confronta e com acesso direto a partir dessa mesma, para a qual o edifício em referência tinha voltadas as respetivas entradas.
9- Sendo inicialmente destinadas aos serviços de escritório e gabinete de engenharia, as instalações em referência foram construídas apenas com dois pisos, sendo um ao nível da estrada para os referidos serviços de escritório e  gabinete de engenharia e outro abaixo desse, destinado a garagem, arrumações e habitação.
10- Sendo que a parte destinada a habitação, cerca de metade desse piso, nunca chegou a ser devidamente concluída nas condições necessárias para poder ser utilizada para tal fim (habitação).
11- Mas já com a área coberta que sempre teve, de 432,40 m2.
12- Foi delimitada uma porção de terreno que ficou afeta ao edifício em questão, como seu logradouro.
13- Com a conservação e aproveitamento das árvores de fruto já existentes nessa área, plantação de outras e promoção de culturas hortícolas.
14- Tendo assim resultado totalmente vedado e delimitado um logradouro com uma área de 1.446,10 m2.
15- Quando foi penhorado (no referenciado processo do foro laboral) e vendido por arrematação em hasta pública em que a Autora o adquiriu, o prédio já tinha essa composição.
16- Por não estar inscrito na matriz, o exequente, com vista à sua penhora, apresentou a competente participação para inscrição matricial, descrevendo-o como "prédio urbano onde a executada tem instalados os seus gabinetes técnicos e desenvolve os seus serviços de escritório e de atendimento ao público, prédio este composto de casa com a superfície coberta de 100m2, sito no Lugar ..., à margem da estrada que liga ... a ....
17- Apesar disso, ao apresentar a sua proposta na respetiva arrematação, a Autora conhecia a realidade física do prédio em questão.
18- Por isso bem sabendo que estava a arrematar o prédio com uma área coberta muito maior e com o respetivo logradouro.
19- Conhecimento esse que tinha por trabalhar precisamente nesse prédio como empregada de escritório da executada.
20- A decisão da autora, de arrematar o prédio, visou permitir que, embora passando a ser sua propriedade, a executada o pudesse continuar a utilizar normalmente.
21- Para além de funcionária, a autora vivia em união de facto com o principal sócio-gerente, RR.
22- Na sequência da referida arrematação, através da competente declaração modelo 129, a Autora promoveu nova inscrição do prédio na matriz com a descrição correspondente à sua indicada realidade física, tendo-lhe sido atribuído o artigo ...00 da freguesia ....
23- Devido, à relação pessoal que a Autora tinha com o mencionado principal sócio e gerente da executada, o prédio continuou a ser utilizado e fruído exatamente da mesma forma por que vinha sendo até então.
24- Para arrumações e garagem na cave e para escritórios e gabinete de engenharia e atendimento ao público, no ... piso/....
25- No lado direito desse mesmo piso em relação a quem está na estrada virado de frente para o mesmo, havia instalações sanitárias e cómodos que em  dias de maior aperto de trabalho e até mais tarde, permitiam que lá pernoitassem.
26- No logradouro, para além de se tratar o respetivo terreno, nele se promoviam culturas hortícolas e se tratavam árvores de frutos nele existentes, colhendo e aproveitando toda a respetiva frutificação.
27- No mesmo prédio, a Autora foi praticando todos os atos adequados à sua conservação, nele introduzindo todas as transformações e melhoramentos que a cada momento se entendiam convenientes ou necessários, nomeadamente pinturas, reparações e todos os demais atos de fruição e disposição plenas, próprios de sua dona, como tal se afirmando e sendo reputada por toda a gente.
28- Igualmente pagando as respetivas contribuições e impostos.
29- Verificando-se toda essa situação até à compra da Autora (em 1992) protagonizada pela sociedade executada, já há mais de 14 anos, assim se manteve até finais de 2013, ou seja, durante mais de 30 anos, continuada e ininterruptamente.
30- Entretanto, a mencionada sociedade comercial também foi alvo de uma execução fiscal em cujo processo foi penhorado o prédio rústico em que foram construídas e implantadas as referidas instalações urbanas destinadas ao exercício da sua atividade.
31- No âmbito dessa execução, esse prédio rústico acabou por ser vendido pela Fazenda Nacional aos ora primeiros Réus, no ano de 1994.
32- Apesar, de nele já estarem implantadas as referidas construções executadas pela dita sociedade comercial, a referida compra e venda celebrada entre a Fazenda Nacional e os primeiros Réus teve como objeto apenas o terreno não ocupado pelas construções.
33- Não abrangendo o terreno em que essas construções tinham sido implantadas, nem o logradouro do imóvel arrematado pela Autora.
34- Nessa data, o imóvel arrematado pela autora, já se encontrava devidamente vedado e demarcado da parte restante do prédio rústico original.
35- Disso mesmo foram os interessados nessa compra e venda, incluindo os primeiros Réus, devidamente informados, tanto pelos funcionários da entidade exequente, como pelo teor dos editais da respetiva venda.
36- Mesmo assim, os Réus sempre teimaram em pretender que também tinham comprado as referidas construções que existiam no terreno.
37- Para tanto instauraram vários processos judiciais, mas sempre, foi declarado precisamente o contrário.
38- Assim tendo acontecido na ação ordinária nº 219/1999 que correu termos pelo ... Juízo da Comarca ..., conforme sentença cuja cópia se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida.
39- Após a respetiva arrematação e aquisição pela Autora, desde junho de 1992, o identificado prédio sempre continuou em poder desta e a ser utilizado nas condições e para os fins expostos, dando continuidade à situação que já se verificava com a dita sociedade, anterior proprietária.
40- Situação, essa, que se manteve inalterada e pacífica, sem a mínima oposição de quem quer que fosse.
41- Incluindo os próprios Réus que, apesar de terem instaurado vários processos judiciais com vista a obterem a declaração que a sua compra (dos 1ºs RR.) também tinha incluído as construções já existentes no terreno e até já terem destruído as instalações fabris, quanto ao identificado prédio e a uma outra edificação situada mesmo ao lado desse, destinada a lavandaria, os Réus nunca impediram ou sequer perturbaram a sua utilização e fruição normais, tanto pela citada sociedade comercial como, depois, pela Autora, até ao ano de 2013.
42- Os Réus acabaram por se apoderar do identificado imóvel urbano.
43- No âmbito de mais uma (porque já várias outras tinham efetuado) movimentação de terras que então levaram a efeito, entre os meses de outubro e dezembro de 2013, os primeiros Réus acabaram de soterrar a totalidade das instalações fabris e destruíram a outra referida edificação (destinada a lavandaria) existente ao lado do prédio com o artigo matricial ...00.
44- Durante a madrugada de um dia do referido mês de outubro de 2013, aproveitando-se da circunstância de não se encontrar lá ninguém, os Réus entraram no prédio urbano mediante o arrancamento das duas portas.
45- Não sem antes terem destruído os muros que vedavam todo o espaço do respetivo logradouro, à exceção do existente ao longo da estrada nacional e à frente das respetivas entradas.
46- No interior, retiraram, destruíram e/ou dissiparam todos os móveis e utensílios que lá se encontravam e que eram utilizados na atividade de gabinete de engenharia aí instalado, nomeadamente, estiradores, pastas de arquivo e processos diversos, computadores com programas de engenharia e arquitetura instalados, impressoras, fotocopiadores, réguas de cálculo, réguas de escala, réguas T, livros técnicos.
47- Depois, os Réus vedaram o imóvel para ficar apenas em seu poder e ninguém, da parte da Autora, nele poder entrar.
48- Tendo, inclusivamente, colocado no exterior da edificação e nos lugares mais visíveis, placas a anunciar a sua venda, com a inscrição "Vende-se" e, imediatamente por baixo o nº de telemóvel ...48.
49- Toda a descrita atuação dos Réus foi objeto do processo-crime que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... sob o nº 429/13.....
50- Nesse processo-crime foi dada como provada a maior parte e a parte mais relevante da factualidade exposta.
51- Nesse processo-crime apenas foi condenado o primeiro Réu marido BB.
52- A Ré mulher era casada com o primeiro Réu, entretanto falecido, sob o regime da comunhão de adquiridos, e o mesmo, com a sua atuação, visou integrar o imóvel no património do casal.
53- Em consequência da atuação dos Réus, pelo menos, desde novembro de 2013, a Autora está privada da utilização e fruição do identificado imóvel.
54- A utilidade económica proporcionável pelo dito prédio, atentas a sua localização (à entrada/saída de ..., à margem da estrada Nacional que liga esta localidade a ... e ao ...) e áreas (coberta de 432,40m2 e descoberta de 1.878,50m2) é de montante de cerca de 1 350,00 € por mês.
55- Corresponderia a essa importância a renda pela qual o mesmo imóvel poderia ser arrendado.
56- O prédio rústico situado em ..., com a área de 18.718 m2, composto de cultura arvense de sequeiro, que confronta a Norte com estrada, a Sul com Rio ..., a Nascente com caminho e a Poente com QQ, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., com o nº ...26 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...55, secção C.
57- Encontra-se inscrita no registo predial, com data de apresentação de 9 de outubro de 1978, a aquisição do prédio rústico identificado, a favor de O..., Lda., por compra a RR e mulher SS.
58- No registo predial foram inscritas duas penhoras, efetivadas em 24 de novembro de 1983 e 5 de maio de 1987, em execuções movidas pela Fazenda Nacional, sobre o prédio rústico identificado.
59- No dia 23 de Junho de 1992, no âmbito do processo de execução nº 172/90, que OO moveu no Tribunal do Trabalho ... contra O..., Lda., a Autora arrematou o “prédio urbano onde a executada tem instalados os seus gabinetes técnicos e desenvolve os seus serviços de escritório e de atendimento ao público, prédio este composto de casa com superfície coberta de 100 m2, sito no Lugar ..., à margem da estrada que liga ... a ..., que confronta do poente com a estrada e dos outros lados com outras instalações também propriedade da mesma executada, não inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87, da freguesia ...”, o qual lhe foi adjudicado.
60- Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ..., datada de 7 de setembro de 1994, PP, em representação da Fazenda Nacional, declarou vender ao Réu marido BB, o qual declarou comprar, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade O..., Lda., o prédio rústico identificado supra.
61- Encontra-se inscrita no registo predial, com data de apresentação de 15 de setembro de 1994, a aquisição do prédio rústico identificado, a favor do Réu BB, casado com a Ré CC, por compra em execução.
62- Em 31 de outubro de 1994, a Autora, através do modelo 129, que apresentou na Repartição de Finanças ..., participou e requereu a inscrição em seu nome de “um prédio urbano de dois pisos e logradouros, sendo o 1º destinado a habitação .../ 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 WC, 1 garagem e logradouro, e o ... piso destinado a escritórios c/ 6 assoalhadas, 3 WC, 1 arrecadação e logradouro”, sito no Lugar ..., da freguesia ..., com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta de 1.446,10 m2, a confrontar do Norte com estrada nacional ...08, do Sul com O..., Lda. e BB, no Nascente com BB/caminho público e do Poente com BB.
63- O edifício mencionado encontra-se implantado no prédio rústico aludido.
64- Na declaração que apresentou no Serviço de Finanças, a Autora fez constar a seguinte observação: “Este prédio pertenceu à sociedade O..., Lda. e foi penhorado em ação judicial pelo Tribunal de Trabalho ..., tendo sido arrematado pela declarante em 23 de junho de 1992, no Tribunal Judicial .... Está descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87, da freguesia ..., para efeitos de penhora, o exequente OO participou através do s/advogado a omissão deste prédio, mas por desconhecimento das suas áreas e constituição,  na declaração mod. 129 apresentada, descreveu-o deficientemente, o que agora se corrige”.
65- À requisição de registo de penhora no âmbito do referido processo de execução no Tribunal do Trabalho ... fora anexado duplicado para inscrição na matriz, apresentado na repartição de finanças deste concelho em 10 de dezembro de 1987, onde se identificava um prédio urbano composto de ..., apenas com área coberta de 100 m2, com cinco divisões assoalhadas, 2 casas de banho e corredor, a confrontar a poente com estrada municipal, a norte, sul e nascente com O..., Lda.
66- O pedido de inscrição na matriz referido (feito pela Autora) não deu origem a um novo artigo matricial, encontrando-se aí escrita a seguinte declaração: “Não foi autorizada esta Comissão no acesso ao prédio existente, tendo o gerente da Firma informado a Comissão que não tinha sido pedida a referida avaliação, porquanto o prédio em causa ainda se encontrava em fase de construção. Informou ainda que o pedido não se encontra assinado por ele nem por nenhum mandatário da Firma, sendo a assinatura ilegível”.
67- Pela apresentação 2546, de 19.11.2012, foi descrito sob o nº ...80, na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., com a área total de 1878,5 m2, sendo 435,4 m2 cobertos e 1446,1 descobertos, composto por casa com garagem, ..., ... andar e logradouro, confrontando de norte com a estrada nacional ...08, nascente e sul com caminho e poente com O..., Lda., correspondente ao artigo matricial ...00.
68- Em 11.12.2012, a referida descrição com o nº 1980 foi inutilizada e cancelada por falta de inscrições em vigor.
69- O prédio arrematado pela Autora era composto por prédio urbano onde a sociedade comercial O..., Lda. tinha instalados gabinetes técnicos e desenvolvia serviços de escritório e atendimento ao público, sito no lugar de ..., à margem da estrada que liga a ... a ..., que confronta do poente com a estrada e dos outros lados com outras instalações também propriedade da mesma sociedade comercial, não inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...87, da freguesia ....
70- O prédio urbano ora reivindicado pela Autora, é composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1 446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
71- Em cuja descrição predial e inscrição matricial aparece identificado com a área total de 1878,5 m2, área coberta de 432,4 m2 e área descoberta de 1446,1 m2, sendo composto por casa com garagem, ..., ... andar e logradouro, a confrontar do Norte com estrada nacional ...08, do Nascente e de Sul com caminho e de Poente com O..., Lda., inscrito na matriz  predial urbana sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
72- Tal imóvel encontra-se implantado em área que pertenceu ao rústico que os primeiros Réus compraram à Fazenda Nacional.
73- Os primeiros Réus sempre teimaram que também tinham comprado o imóvel identificado em 1º da petição inicial.
74- Na sequência de tudo isso, em finais de 2013, os Réus BB e CC entraram nesse prédio, mediante o arrancamento das duas portas principais e destruíram os muros que vedavam todo o espaço e respetivo logradouro.
75- Com a ocupação do prédio, em 2013, os réus/habilitados tornaram diretamente conhecida de toda a gente, inclusive da Autora, a sua intenção de atuar como donos e legítimos possuidores do imóvel identificado em 1º da petição inicial.
76- A Autora já em 27.11.2012 havia requerido ao Conservador do Registo Predial ... o reconhecimento do “direito de propriedade do terreno mencionado a favor da requerente”, o que deu origem ao processo de justificação nº 16/2012.
77- Com base no referido requerimento de justificação, a Autora logrou obter, em 27 de novembro de 2012, a descrição predial, com o nº ...91 do prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área total de 1.878,5 m2, a área coberta de 432.4 m2 e a  área descoberta de 1446,1 m2, composto por casa com garagem, ..., ... andar e logradouro, confrontando a norte com a estrada nacional ...08, a nascente e sul com caminho e a poente com O..., Lda., assim como, na mesma data, a inscrição da aquisição a seu favor do mesmo prédio por usucapião.
78- O Conservador do Registo Predial, em 17 de dezembro de 2012, deu por justificada a pretensão da requerente e, em consequência, declarou que ela adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o mencionado prédio.
79- Os aqui Réus BB e mulher CC interpuseram ação com processo comum para impugnação de justificação notarial.
80- A qual correu termos sob o Processo Nº. 13/16.0T8PRG do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ....
81- Esta ação judicial intentada pelos Réus contra a Autora foi julgada procedente.
82- Tendo sido declarado por decisão judicial transitada em julgado, não ter a aqui Autora adquirido o direito de propriedade sobre o prédio identificado no processo de justificação nº 16/2012, na sequência Ap. ...43 de 27 de novembro de 2012, arquivada na Conservatória do Registo Predial ..., cuja decisão de justificação proferida em 17 de dezembro de 2012, por conseguinte não produz qualquer efeito.
83- Mais tendo sido determinado por decisão judicial transitada em julgado, o cancelamento de todos os registos efetuados com base no referido processo de justificação.
84- A sentença de primeira instância foi confirmada, quanto ao direito, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
85- No processo-crime aludido, os 2º e 3º Réus foram absolvidos das imputações feitas pela Autora.
*
B - E deu como não provados os seguintes factos:

a- Os terceiro e quarto Réus também estiveram envolvidos na descrita situação, com participação/colaboração efetiva em todos os atos que lhe deram origem.
b- O prédio arrematado pela Autora em hasta pública não possui características, em termos de constituição, dimensão e confrontações, iguais às do prédio mencionado em 1º da petição inicial.
c- O prédio arrematado pela Autora era composto por casa com superfície coberta de 100 m2.
d- O prédio arrematado não corresponde, como nunca correspondeu, ao prédio que a Autora reivindica.
e- Os primeiros Réus, desde 7 de setembro de 1994, entraram na posse do imóvel descrito em 1º da petição inicial.
f- E sempre agiram convictos de serem os seus donos e possuidores.
g- Perante toda a gente, inclusive a Autora e até mesmo em Tribunal.
h- Os primeiros Réus têm ocupado e administrado o prédio urbano id. em 1º da p.i., limpando-o, conservando-o, retirando e colhendo todos os rendimentos do prédio urbano, ou consentindo que o façam, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence, por mais de 20 anos.
i- Os primeiros Réus, desde 7 de setembro de 1994, tornaram diretamente conhecida de toda a gente, inclusive da Autora, a sua intenção de atuar como donos e legítimos possuidores do imóvel id. em 1º da p.i..
j- A Autora perturba, prejudica e viola o direito de propriedade dos primeiros Réus.
*
V. Fundamentação de direito.

I) Da apelação dos Réus:

1. Da violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto nos arts. 580º, 581º e 619º, todos do CPC (caso julgado material).
Está em causa saber se a decisão definitiva proferida na ação comum de impugnação de justificação notarial, que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 13/16.0T8PRG, instaurada pela ora Ré CC (e pelo falecido BB) contra a ora autora, constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do conhecimento de mérito da presente ação.
Isto porque, sustentam os RR./recorrentes, «já instauraram, entre outras, uma ação de impugnação de justificação notarial, contra a A.[/recorrida], considerando que esta, com vista a obter o registo do prédio em causa a seu favor, com a configuração que alega, procedeu à respetiva justificação notarial, a qual, contudo, acabou por ser considerada sem efeito, por via da dita ação de impugnação, que foi julgada procedente», porquanto «a aí R., aqui A./Recorrida, não logrou fazer prova dos factos justificativos e que consubstanciavam a aquisição originária do prédio em causa, por via da usucapião», «[t]endo sido declarado por decisão judicial transitada em julgado não ter a A. adquirido o direito de propriedade sobre o prédio identificado no processo de justificação n.º 16/2012, na sequência Ap. ...43 de 27 de novembro de 2012. Arquivada na Conservatória do Registo Predial ..., cuja decisão de justificação proferida em 17 de dezembro de 2012», pelo que – defendem – a improcedência das causas de aquisição do direito de propriedade invocadas pela Recorrida, quanto ao prédio identificado em 1º da p.i., quer por via de aquisição derivada (por compra/arrematação em hasta pública), quer também pela via da prescrição aquisitiva ou usucapião, formou caso julgado material entre a Recorrida e os Recorrentes.
Contrapõe a recorrida, aduzindo não se verificar a exceção do caso julgado, porquanto o que estava em causa na acção de impugnação de uma justificação notarial n.º 13/16.0T8PRG era a aquisição originária, ao passo que o que está em causa na presente acção é a aquisição derivada, que exige apenas a prova de que o direito em causa (propriedade) já existia na titularidade do transmitente.
Vejamos como decidir.
Como é sabido, o efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.
Diz-se que a decisão – despacho, sentença ou acórdão – forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável ou imutável por força do seu trânsito em julgado. A imodificabilidade da sentença é, assim, o núcleo essencial do caso julgado.
Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa[1] que «o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão».
E a decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art. 628º do CPC, «logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». 
A decisão transitada tem força de caso julgado, ou seja, tem força obrigatória, não podendo a questão decidida vir a ser decidida em termos diferentes.
Tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente ao mérito da causa, isto é, respeitante à concreta relação material controvertida[2].
Interessa-nos essencialmente esta segunda modalidade, em relação à qual se forma o caso julgado material ou substancial (isto é, o efeito imperativo atribuído à decisão que recaiu sobre a relação jurídica substancial).
O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites subjetivos e objetivos fixados nos arts. 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada[3]. - cfr. arts. 619º, n.º 1 e 621.º, ambos do CPC.
Segundo Manuel de Andrade[4], o caso julgado material:
«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
Enquanto o caso julgado formal tem uma eficácia estritamente intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida, o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (eficácia extraprocessual). A eficácia do caso julgado material é, portanto, mais ampla, dado que, além de vincular no processo em que foi proferida a decisão transitada, pode também ser vinculativo num processo distinto[5] (arts. 619º, n.º 1 e 620º do CPC). O mesmo é dizer que as decisões de mérito adquirem em simultâneo a força de caso julgado material e formal, pressupondo o caso julgado material o caso julgado formal (art. 619º, n.º 1 do CPC)[6].
O fundamento do caso julgado material fundamenta-se em razões de prestígio dos tribunais, que «seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse ser validamente definida em sentido diferente»[7], mas sobretudo em razões de certeza, estabilidade ou segurança jurídicas, pois que, «desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não possam ser tirados por uma sentença posterior»[8]. A significar que o “caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, a expressão dos valores da certeza e da segurança que são imanentes a qualquer ordem jurídica[9].
O caso julgado tem uma função negativa e uma função positiva.
A função negativa encontra-se na finalidade de impedir que a questão que foi objeto da decisão proferida e inimpugnável possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação de qualquer tribunal (mesmo aquele que proferiu a decisão); se tal ocorrer, por força da figura da exceção dilatória de caso julgado (art. 577º, al. i), 2ª parte, 580º e 581º do CPC), que visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior correspondendo à proibição de repetição de ações aludida no art. 580º, n.º 2, do CPC , deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objeto de uma anterior ação (art. 576º, n.º 2 do CPC). Classicamente, corresponde-lhe o brocardo “non bis in idem”.
A função positiva, traduzindo essencialmente a autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais, corresponde à proibição de contradição mencionada no art. 580º, n.º 2 do CPC e na imposição da decisão tomada. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo “judicata pro veritate habetur[10].
Tem esta «a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, (…) a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objeto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal»[11].
Nas palavras de Rui Pinto[12], «o efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos».
Como condição objetiva negativa, a autoridade de caso julgado supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado.
Noutra perspetiva, a condição objetiva positiva da autoridade de caso julgado consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor[13] [14].
«Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (exceção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão»[15].
A delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma[16]:
- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;
- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objecto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda acção, pressuposto necessário da decisão de mérito[17].
Ou seja, para existir excepção de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser idêntico; para existir autoridade de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser diverso, embora o objecto de uma delas deva ser prejudicial do objecto da outra[18].
Considerando a função negativa do caso julgado, o legislador configura-a como exceção dilatória nominada, constante da al. i) do art. 577º do CPC, que pode ser suscitada pelo demandado e conhecida oficiosamente (art. 578º do CPC); já quanto à função positiva do caso julgado (autoridade de caso julgado), a mesma pode ser invocada pelo demandante (enquanto facto constitutivo da sua pretensão), como pelo demandado (a título de exceção perentória). Esta opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da acção e contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido.
Atenta a exceção (do caso julgado), o juiz fica impedido de apreciar o mérito da causa, pelo que absolverá o réu da instância (arts. 576º, n.º 2 e 577º, al. i), do CPC). Mercê dessa exceção, o tribunal fica sujeito tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão[19]; considerando, por outro lado, a autoridade (do caso julgado), o juiz deve julgar o mérito da causa impondo às partes a declaração jurisdicional anterior, sendo que, em qualquer caso, ocorre a proibição de nova apreciação das mesmas questões.
A não observância de qualquer um desses dois efeitos processuais característicos do caso julgado dá origem à existência de casos julgados contraditórios (quer no mesmo processo, quer em processos distintos). Nessa hipótese, o art. 625º, n.º 1, do CPC, estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
Concede-se, assim, prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, sendo que a segunda decisão será ineficaz.
Prosseguindo, dir-se-á que a exceção do caso julgado (tal como a litispendência), segundo o conceito consagrado no n.º 1 do art. 580º do CPC, pressupõe a repetição de uma causa em dois processos diferentes.
Verifica-se a exceção do caso julgado se a repetição da causa se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida, com trânsito em julgado (sem susceptibilidade de recurso ordinário ou de reclamação - art. 628º do CPC) e operando-se a exceção de litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso (pendente). Portanto, o que as distingue é o momento em que se dá a repetição da causa.
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da acção: as partes, o pedido e a causa de pedir (art. 581º, n.º 1 do CPC).
Com efeito, a causa repete-se, nos termos do n.º 1 do art. 581º do CPC, “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – n.º 2 do mesmo preceito normativo , ocorrendo “identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico - n.º 3 do citado preceito legal , sendo que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” - n.º 4.
A identidade dos sujeitos processuais supõe que as partes sejam as mesmas no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte atuou no processo. Ou seja, as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que adoptem em ambos os processos [20] . Donde tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, ainda aí poderemos ter caso julgado [21]. E a consideração da qualidade de jurídica do sujeito determina a irrelevância da concreta posição processual ocupada: se antes o sujeito foi autor e, numa segunda causa, é réu, tal não obsta à exceção de caso julgado; e inversamente[22] .
Por sua vez, ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor/reconvinte em ambas as ações/reconvenções é substancialmente o mesmo[23].
Por fim, a identidade de causas de pedir é feita em função da concreta factualidade alegada à luz do quadro normativo aplicável, ou seja, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art. 5.º, n.º 3, e nos limites do art. 609.º, n.º 1, ambos do CPC, não bastando, pois, a mera identidade naturalística dessa factualidade, havendo sempre que considerar a sua relevância jurídica com a referida latitude[24] [25].
Para efeitos da exceção de caso julgado (e de litispendência) a lei usa no n.º 4 do art. 581.º do CPC um conceito restrito de causa de pedir que apenas compara os factos principais de duas causas[26].
Questão que tem sido debatida na doutrina e jurisprudência – e sem soluções unívocas – é a de saber se o caso julgado respeita apenas à parte decisória ou se também abrange os seus fundamentos.
A esse respeito do alcance do caso julgado o art. 621º do CPC clarifica que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, ou seja, em princípio, o caso julgado só se forma sobre a decisão contida na sentença.
E quanto a esse concreto ponto é doutrina dominante que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim da estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva e eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado[27]. Ou seja, quando a decisão da questão preliminar for tal que seja também de considerar como solicitada pela parte, a autoridade do caso julgado tem de abranger essa decisão.
Nas palavras de Manuel de Andrade[28], o “que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais)”. Asserção que não exclui o recurso à parte motivatória da sentença para interpretar, reconstruir, o verdadeiro conteúdo da decisão, embora a essência do caso julgado se contenha, não na definição de uma questão, mas no reconhecimento ou negação de um bem[29]
Feitos estes considerandos jurídicos importa agora retomar o caso concreto.
Na aludida acção n.º 13/16.0T8PRG:
A ora co-Ré CC (e o falecido BB) instauraram contra a ora autora ação declarativa, com processo comum, pedindo que:
a- se declare ineficaz a justificação proferida por decisão final de 17 de dezembro de 2012, no âmbito do processo de justificação n.º 16/2012, na sequência Ap. ...43 de 27 de novembro de 2012, arquivada na CRP..., no que ao prédio identificado na petição inicial diz respeito, e inexistente o direito de propriedade que a Ré se arroga sobre o mesmo, por não ser dona, nem legítima possuidora e nem haver adquirido por usucapião, por não corresponderem à verdade dos factos justificados e, em conformidade, declarar-se que não produz quaisquer efeitos;
b- ordene o cancelamento de todos os registos operados com base na justificação aqui impugnada, incluindo o registo de aquisição inscrito pela Ap. ...43 de 27 de novembro de 2012, na ficha da CRP número 1981/...27 da freguesia ..., Concelho ...,  ordenando, de igual modo, a extinção dessa ficha e, ainda, a extinção da inscrição matricial do art. ...00, urbano, da freguesia ..., por ter sido requerido por quem não era nem proprietário, nem legítimo possuidor.
Alegaram, no essencial, serem falsas as declarações prestadas pela Ré no processo de justificação que correu termos na Conservatória do Registo Predial, assim como falsas são as declarações prestadas pelas respetivas testemunhas, respeitantes à constituição do direito de propriedade por usucapião a favor daquela.
A ré (ora autora) contestou (por exceção e por impugnação) e deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos Autores-reconvindos a desocupar e restituir à Ré o imóvel em causa, bem como a pagar-lhe, a título de indemnização pela privação da sua posse, a quantia de 1.500,00 euros por mês, desde janeiro de 2014, inclusive, até efetiva desocupação e restituição do imóvel.
Alegou, para tanto e em síntese, ser a única e exclusiva dona daquele prédio, por o ter adquirido por usucapião, até este lhe ter sido usurpado pelos Autores e que em consequência direta e necessária dessa usurpação lhe causaram prejuízos não inferiores a 1.500,00 euros mensais.
Na sentença proferida no referido processo decidiu-se julgar procedente a ação e improcedente a reconvenção, dela constando a seguinte parte dispositiva:
“a) Julgo procedentes os pedidos formulados pelos autores e, em consequência:
- Declaro não ter a ré adquirido o direito de propriedade sobre o prédio identificado no processo de justificação n.º 16/2012, na sequência Ap. ...43 de 27 do Novembro de 2012, arquivada na Conservatória do Registo Predial ..., cuja decisão de justificação, proferida em 17 de Dezembro de 2012, por conseguinte, não produz qualquer efeito;
- Determino o cancelamento de todo os registos efetuados com base no referido processo de justificação.
b) Julgo improcedentes os pedidos formulados pela ré, deles absolvendo os autores”.
Tal sentença da primeira instância foi confirmada, quanto ao direito, por acórdão deste Tribunal da Relação de 18.10.2018[30].

Na presente ação (n.º 68/20....):
A autora pediu:
a) A condenação dos Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado em 1 da petição inicial;
b) A condenação dos 1ºs Réus a restituir à Autora esse prédio, completamente livre e desimpedido e;
c) A condenação solidária de todos os Réus a indemnizar a Autora dos prejuízos resultantes da privação do uso do mesmo prédio, desde novembro de 2013, à razão de 1.500€ por mês, até efetiva restituição, indemnização essa que ascende já à quantia de 111.000€ (cento e onze mil euros), à data da instauração da ação.
Na sentença recorrida, depois de se dar conta de «os aqui primeiros réus terem já instaurado, entre outras, uma ação de impugnação de justificação notarial, contra a autora, considerando que esta, com vista a obter o registo do prédio em causa a seu favor, com a configuração que alega, procedeu à respetiva justificação notarial, a qual, contudo, acabou por ser considerada sem efeito, por via da dita ação de impugnação que foi julgada procedente», dado que a «a aí ré, aqui autora, não logrou fazer a prova dos factos justificados e que consubstanciavam a aquisição originária do prédio em causa, por via da usucapião», à questão de saber se a autora podia, «agora, vir invocar novamente a aquisição originária do imóvel por essa via», a Mmª Juíza “a quo”, estribando-se no Acórdão desta Relação de 28-01-2016, Processo n.º 208/15.4T8VPA.G1, disponível em www.dgsi.pt., respondeu afirmativamente, dizendo que a autora podia «vir reivindicar a propriedade de tal prédio, alegando, como fez, a aquisição derivada e os atos de posse que praticou sobre o imóvel desde a data da aquisição, enquanto proprietária que se considera».
Afora a indevida menção à invocação da “aquisição originária” do imóvel constante da premissa enunciada, concorda-se com a solução que foi dada à questão colocada.
Com efeito, a acção n.º 13/16.0T8PRG foi gizada como impugnação judicial de escritura de justificação notarial, uma vez que se pretendia que tal escritura, celebrada em 27/11/2020, fosse declarada sem efeito, por serem falsas as declarações dela constantes, bem como determinado o cancelamento de todos os registos operados com base nessa justificação; por sua vez, a reconvenção nela deduzida (pela ora autora) – como foi expressamente reconhecido no Acórdão desta Relação de 18.10.2018, que apreciou o recurso de apelação aí interposto e com o qual se concorda – configurou «uma verdadeira ação de reivindicação, pelo que nela, atento o princípio da substanciação que anima o direito civil nacional, com vista a obter a procedência da reconvenção, na ausência de título que lhe confira a presunção de propriedade à apelante/reconvinte emergente do registo (art. 7º, do Cód. Reg. Predial), sobre o prédio reivindicado - ausência de título essa que explica, aliás, o recurso pela apelante à justificação impugnada -, outra solução não lhe restaria que não fosse fazer prova dos fundamentos que aduziu com vista à demonstração da aquisição desse direito de propriedade sobre o prédio reivindicado, por via originária, isto é, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, bem como fazer prova que esse prédio estava a ser detido pelos apelados».
Ora, as ações em que se impugna o facto justificado notarialmente constituem ações de simples apreciação negativa, nas quais se pretende tão-só que se declare a inexistência de uma relação ou de um facto juridicamente relevante. Limita-se, pois, a atividade judicial a retirar de um estado de incerteza grave e objetiva o direito ou facto jurídico, verificando, em juízo, a sua inexistência[31].
A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo e, em regra, a respectiva inscrição só pode operar com base em documento que legalmente a comprove (arts. 2º, n.º 1, alínea a), 43º, n.º 1 e 116º, n.º 1, do Código do Registo Predial).
A lei admite, porém, que a falta do referido documento seja suprida por via de escritura de justificação notarial, a que se reporta, além do mais, o art. 89º do Código do Notariado.
Expressa o referido artigo, por um lado, que a justificação para estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, para efeitos do n.º 1 do art. 116º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, por via da qual afirme, com exclusão de outrem, ser titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais (n.º 1).
E por outro que, alegada a usucapião baseada em posse não titulada, deve o interessado mencionar expressamente as circunstâncias de facto determinantes do início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião (n.º 2).
Nesse quadro, no caso de se tratar de direito de propriedade, pode o justificante invocar algum dos seus modos de aquisição, designadamente o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a ocupação e a acessão (art. 1316º do Código Civil).
Assim, visa a referida justificação, em relação a direitos sobre imóveis ou equiparados, conformar a situação jurídica respectiva com a sua situação registal, como é o caso da celebração de negócios jurídicos sem a forma documental legalmente exigida[32].
A justificação notarial consiste, pois, num instrumento jurídico simplificado para estabelecimento de trato sucessivo no registo predial (art. 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial). Trata-se, por isso, de uma forma especial de titulação de direitos sobre imóveis para efeito de descrição na conservatória do registo predial que assenta em declarações dos próprios interessados, ainda que confirmadas por três declarantes (art. 96º, n.º 1, do Código do Notariado), e visa suprir a falta de documento que comprove o direito de propriedade sobre imóvel.
A justificação destina-se a obter um título – um documento – para que, no registo predial, possa ser dado cumprimento do princípio do trato sucessivo e, consequentemente, o registo seja feito com base nesse título[33].
A justificação notarial associa-se, pois, à dinâmica do registo predial – art. 116.º, n.º 1, do CRP –, mormente à prova documental do facto jurídico a registar, imprescindível para o registo – cf. art. 43.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Em rigor, a justificação é uma solução pensada para resolver problemas de falta de título, por extravio ou destruição do mesmo ou para permitir a inscrição com base numa aquisição originária da propriedade, por usucapião ou acessão. Reduzida a escritura pública, constitui, por conseguinte, um documento autêntico que faz prova plena do facto jurídico que titula (arts. 363.º, n.º 2, e 371.º, n.º 1, ambos do CC)[34].
A escritura de justificação notarial constitui, portanto, um mecanismo capaz de regularizar a situação registral de prédios em situações em que não exista plena conformidade entre o que formalmente se encontra declarado no registo e a titularidade dos direitos adquirida por via da usucapião decorrente da posse durante o período necessário em função das características da posse ou da natureza do bem em causa.
Evidentemente, como qualquer outro acto jurídico, também a escritura de justificação notarial é passível de ser impugnada judicialmente, a todo o tempo, por parte de quem tenha legitimidade (art. 101.º, n.º 1, do Cód. do Notariado e 8º, n.º 1, do Cód. de Registo Predial), interpondo acção com a finalidade de proceder à eliminação dos efeitos dos factos aquisitivos declarados.
Discutindo-se, nessa eventualidade, se os justificantes, cuja aquisição é contestada, beneficiariam da presunção de titularidade do direito de propriedade prevista no art. 7.º do CRP, o STJ uniformizou jurisprudência, no AUJ n.º 1/2008 , de 04-12-2007, no sentido de que: “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts 116º, nº1, do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.
Ou seja, em face da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, o titular inscrito com base em facto aquisitivo – v.g., situação de usucapião – titulado por escritura de justificação notarial tem o encargo probatório de demonstrar a aquisição e validade do seu direito, não beneficiando da presunção de titularidade registal emergente do art. 7.º do CRP.
Ora, na acção n.º 13/16.0T8PRG, a Ré alicerçou a impugnação e a reconvenção na aquisição do prédio urbano mediante aquisição originária, mais concretamente com fundamento em usucapião, competindo-lhe provar as características da posse imprescindíveis à verificação da usucapião, demonstração esta que não foi feita, o que determinou a procedência da ação e a improcedência da reconvenção.
O que significa que a ali Ré, ora autora, como decorrência do efeito obstativo decorrente da excepção de caso julgado, estava impedida na presente ação de invocar que adquiriu o prédio urbano em causa mediante aquisição originária, por usucapião, visto que esta questão foi já objeto de apreciação definitiva naquela antecedente ação, tendo sido julgada definitivamente improcedente.
Contudo, não estava – nem está – a ora autora impedida de deduzir o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição do prédio urbano alicerçada num outro fundamento jurídico, qual seja a aquisição derivada, complementada com a presunção registal (art. 7º do CRP) ou a presunção possessória prevista no art. 1268º do CC.
Na verdade, ao nível da acção n.º 13/16.0T8PRG a manutenção da eficácia da escritura impugnada pressuporia que a ré tivesse logrado demonstrador factos conducentes à aquisição originária, por usucapião. E, nessa vertente, a decisão proferida na referida lide apenas teve em vista a impugnação daquele facto justificado - a posse da declarante sobre o aludido imóvel por período superior a 20 anos, com as caraterísticas conducentes à sua aquisição, como proprietária.
Ou seja, daquela acção apenas poderia resultar a anulação ou confirmação do facto objeto da escritura de justificação notarial e, consequentemente, dos direitos daí advenientes, cujo registo predial a outorgante pretendia efectuar.
O facto da mencionada acção ter sido julgada procedente nos termos supra referidos apenas teve como consequência que a ali R. (aqui autora) não logrou obter a confirmação da escritura de justificação notarial.
Por sua vez, ao nível da reconvenção apresentada nessa acção – que pode ter  reflexos ao nível do caso julgado negativo, enquanto improcedência do pedido reconvencional – não se evidencia que a ali ré se tenha pretendido valer da presunção da titularidade do direito prescrita no art. 1268º do CC, pelo que o tribunal, em função dos factos concretamente alegados e da conformação do objeto do processo, restringiu a sua apreciação àquele concreto fundamento (aquisição do direito de propriedade por usucapião), sem ter cuidado de analisar qualquer outro fundamento do reconhecimento do direito de propriedade.
Assim sendo, e embora não deixe de se registar a similitude ou a aparência  (formal) entre o pedido reconvencional formulado na ação n.º 13/16.0T8PRG[35] [36] e o pedido de restituição do imóvel urbano deduzido na presente ação, a verdade é que assentam em diferente causa de pedir, inexistindo, por isso, identidade objetiva entre as duas ações.
Com efeito, naquele primeiro caso, a reconvenção consubstanciou uma verdadeira ação de reivindicação visando o reconhecimento de um direito de propriedade, pertença exclusiva da autora, com fundamento em aquisição por usucapião.
Ao invés, nos presentes autos, a autora, invocando a aquisição derivada decorrente da aquisição do prédio urbano por arrematação pública, invoca a presunção possessória sobre o prédio, o que tem relevância para efeitos do disposto no art. 1268º do CC.
Ou seja, diferentemente do que aconteceu na ação n.º 13/16.0T8PRG, em que a impugnação deduzida e a causa de pedir da reconvenção assentou na aquisição do direito de propriedade sobre o mencionado prédio urbano por usucapião (aquisição originária), a causa de pedir invocada na presente ação – e que foi atendida/valorada na sentença recorrida – radica numa aquisição derivada, complementada com a invocação duma propriedade presumida assente na presunção possessória prescrita no art. 1268º, n.º 1, do CC.
Acresce que o direito exercitado pela autora através da presente ação, com base na aquisição derivada e a presunção possessória, não se encontra precludido pelo facto de, no processo n.º 13/16.0T8PRG, não ter sido deduzido pedido reconvencional subsidiário nesse sentido.
Na verdade, se é certo estar o princípio da preclusão ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida num  processo anterior, no sentido de que o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível, certo é também, como vem sendo entendimento unânime na doutrina e  na jurisprudência[37], que o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor (leia-se reconvinte) e para o réu.
Com efeito, enquanto relativamente ao réu o art. 573º do CPC impõe, no seu n.º 1,  que o mesmo deve concentrar toda a defesa na contestação, só podendo fazê-lo em momento posterior nos casos de defesa superveniente, nos termos do seu n.º 2, sobre o autor (e reconvinte) não recai um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido, evitando-se a multiplicação de ações por outros tantos fundamentos, pois não só o direito vigente não prevê, quanto a ele, esse ónus, como essa falta de concentração, no dizer de Rui Pinto[38], não é suscetível de se traduzir em má fé, a não ser nos casos em que se reconduza a alguma das hipóteses previstas no art. 542.º do CPC.
Daí que, ante a inexistência de identidade entre a  causa de pedir  invocada pela Ré/reconvinte na ação n.º 13/16.0T8PRG, estruturada a partir  da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado com base na usucapião (originária fundada), e a presente ação baseada numa aquisição derivada e na presunção da titularidade do direito, seja de concluir que nada obrigava a Ré/reconvinte a peticionar, a título subsidiário, na reconvenção formulada naquela ação, os pedidos ora formulados nas alíneas a) e b) da petição inicial, não se verificando qualquer efeito preclusivo decorrente do caso julgado anterior relativamente a estes mesmos pedidos.
Vale tudo isto por dizer que, inexistindo identidade objetiva entre estas as duas ações, pois encontram-se invocados na presente ação factos constitutivos de um título jurídico diverso do invocado (e discutido) na dita ação n.º 13/16.0T8PRG, impõe-se concluir no sentido de não se verificar a excepção de caso julgado, nem qualquer autoridade de caso julgado decorrente da decisão final proferida naquela acção,  que seja preclusiva do conhecimento do objeto da presente ação, pelo que não estava o tribunal impedido de apreciar e julgar tais pedidos.
Vale tudo isto por dizer que, inexistindo identidade objetiva entre estas as duas ações, pois encontram-se invocados na presente ação factos constitutivos de um título jurídico diverso do invocado (e discutido) na dita ação n.º 13/16.0T8PRG, impõe-se concluir no sentido de não se verificar a excepção de caso julgado, pelo que não estava o tribunal impedido de apreciar e julgar tais pedidos.
Donde seja de improceder, neste segmento, o recurso interposto pelos réus.
*
2. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, os apelantes/RR. impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, no qual se dispõe:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais e dos depoimentos/declarações de parte que consideram relevantes para o efeito, pelo que – contrariamente ao pugnado pela autora/recorrida –, podemos concluir que cumpriram suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º. 
*
2.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros[39]:

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
2.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os RR./recorrentes pretendem:

i) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 1., 2., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 29., 39., 40., 41., 53. e 72. da matéria de facto provada da decisão recorrida;
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva das alíneas b, c, d, e, f, g, h, i, e j da matéria de facto não provada da decisão recorrida.

Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pelos apelantes e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos a nossa análise sobre se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, ou não, à prova realmente obtida, importa deixar consignado que, com vista a ficarmos devidamente habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos (testemunhais e declarações/depoimentos de parte) prestados na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pelos RR/apelantes nas respetivas alegações de recurso.
Para além disso, foram analisados todos os documentos carreados aos autos.
Vejamos, circunstanciadamente, os meios de prova produzidos[40].
(…)
*
3. - Da violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto nos arts. 1251º, 1287º e 1316º, todos do Código Civil.
Defendem os recorrentes/RR. que a A. não logrou provar factos que consubstanciem uma aquisição derivada ou atos de posse praticados sobre o imóvel em questão.
Desde já se dirá que a viabilidade da pretensão recursória em apreço estava intrinsecamente dependente do sucesso da impugnação da matéria de facto (provada e não provada), condição esta que, como vimos, se tem por não verificada.
Não oferece controvérsia que a presente ação consubstancia uma típica ação de reivindicação, na qual a alegação do direito de propriedade da autora constitui um pressuposto do seu direito à restituição do prédio reivindicado [estando em discussão o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no art. 1º da p.i.].
O Código Civil (abreviadamente CC) não define o direito de propriedade, mas o art. 1305º concretiza-o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Os modos de aquisição do direito de propriedade estão enunciados no art. 1316º do CC, e nele se prevê a aquisição “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”.

A ação de reivindicação constitui um meio de defesa do domínio e encontra-se regulada no art. 1311º, do CC, onde se estatui:

«1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
Conforme resulta do n.º 1 do citado normativo, a ação de reivindicação é uma ação petitória[41], na qual se identificam dois elementos/pedidos: o pedido de reconhecimento do direito real e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito[42].
Tem sido, porém, entendido que o verdadeiro e específico pedido, na ação de reivindicação, é o de condenação a restituir a coisa; o primeiro pedido funciona como preparatório ou premissa do segundo, tanto assim que se tem considerado o mesmo como implícito, quando não expressamente formulado[43].
Na verdade, neste tipo de ação, o tribunal não pode condenar o demandado no pedido de restituição da coisa sem antes se certificar da existência e violação do direito de propriedade do demandante e, por isso, há que considerar o pedido de reconhecimento do domínio implicitamente abrangido no pedido de restituição da coisa.
Significa isto que, na ação real de reivindicação, as duas operações, apreciação e condenação, não gozam de independência, sendo o reconhecimento da existência do direito um pressuposto e não um pedido a acrescer ao pedido da entrega da coisa, pelo que tal não configura uma cumulação real de pedidos[44].
Na ação de reivindicação, como ação real que é, a causa de pedir é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico concreto de que deriva o direito real cujo reconhecimento se peticiona, nos parâmetros traçados pela teoria da substanciação consagrada no art. 581º, n.º 4, do CPC, como a alegação e prova da ocupação abusiva ou esbulho por parte do demandado[45], este último como pressuposto que é do efeito restituitório[46].
Nesta ação, a autora/reivindicante alega a titularidade de um direito real de gozo, indica o facto aquisitivo do seu direito e pede ao tribunal que condene os réus a entregar-lhe a coisa. Para que a ação seja procedente, contudo, a reivindicante deve provar o facto aquisitivo do direito e que os réus têm a coisa em seu poder[47]
Caso os réus detenham a coisa por título legítimo (por ex. como locatário, como comodatário, como credor pignoratício), recai sobre eles o ónus de alegar e provar o facto jurídico em que assenta a sua detenção, pois só assim evitarão a procedência do pedido de entrega ou restituição formulado pela autora.
A solução não podia ser outra, pois, nos termos do art. 342º do CC, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado (n.º 1), incumbindo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2)[48].
A procedência da ação de reivindicação encontra-se, assim, sujeita à demonstração cumulativa de três condições de procedência e que são as seguintes[49]:
- O autor seja titular do direito real de gozo invocado;
- O réu tenha a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor;
- O réu não prove ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo. 
No âmbito das ações de reivindicação tem-se entendido, de forma quase pacífica, que não basta ao autor invocar ser proprietário da coisa reivindicada, uma vez que também é indispensável que o autor alegue e prove uma das formas de aquisição originária; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária (até onde for necessário para completar o prazo de usucapião)[50].
Esta tese apoia-se, fundamentalmente, no disposto no art. 581.º, n.º 4, do CPC, segundo o qual, à luz do princípio da substanciação, a causa de pedir, no domínio das ações reais, se corporiza no facto jurídico de que procede o direito real.
Ora, como é sabido, os negócios jurídicos, como a compra e venda, a doação, o testamento, etc., não criam o domínio, apenas o transmitem.
Com efeito, as formas de aquisição derivada não geram, por si próprias, esse direito, sendo apenas translativas dele, operando simplesmente a sua modificação subjetiva. O que constitui o direito e determina de certo modo o seu conteúdo é a causa originária de que ele provém.
Assim, como ninguém pode transferir para outrem mais do que o próprio possui – “nemo plus alio transferre potest quam ipse habet” -, a invocação, apenas, de um negócio translativo da propriedade, não basta para caracterizar a causa de pedir nas ações de reivindicação.
O reivindicante, pelo menos quando não beneficia de qualquer presunção legal de propriedade, terá de invocar factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte dele ou de um transmitente anterior. Esta atividade probatória tem como limite a aquisição originária do direito. Provando-se um facto aquisitivo originário do direito real (a usucapião, a acessão, a ocupação, etc.), não há que recuar mais atrás, pois esse é o momento da constituição do direito adquirido pelo autor[51].
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[52],se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.   
Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (...). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (...), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir”.
Considerando, contudo, que tal prova da aquisição originária, mormente a da usucapião, será por vezes de difícil consecução – pois o autor está obrigado a uma “probatio diabolica” –, o nosso ordenamento jurídico consente o recurso a determinadas presunções legais da existência e titularidade do direito real, designadamente a presunção da titularidade desse direito no possuidor, seja qual for a duração da respetiva posse, ao abrigo do art. 1268º, n.º 1, do CC, bem como a presunção da sua existência a favor do titular inscrito no registo predial, nos termos do disposto no art. 7º do Código Registo Predial.
Tais presunções legais dispensam o beneficiário delas de provar o facto presumido, como decorre do art. 350.º, n.º 1, do CC.
Deste modo, socorrendo-se o pretenso proprietário de qualquer daquelas presunções legais, caberá ao(s) demandado(s) ilidi-la mediante prova em contrário, como preceitua o n.º 2 do art. 350º do CC. Isto porque, verificada a presunção legal, o ónus da prova inverte-se, cabendo ao réu demonstrar que o autor não é titular do direito invocado. Naquelas hipóteses, não obstante o disposto no art. 581.º, n.º 4, do CPC, a causa de pedir satisfaz-se com a invocação de factos que servem de base à presunção legal – o registo do facto aquisitivo ou a posse, conforme o caso –, sendo dispensável a alegação da aquisição originária[53], se bem que uma ação real estruturada apenas na base dessas presunções legais corre maior risco de insucesso mediante a sua ilisão por banda do réu[54].
Como decorre do n.º 2 do art. 1311º do CC, a última condição de procedência da ação de reivindicação liga-se à existência, ou não, de um direito do demandado a ter a coisa em seu poder.
Se o autor da reivindicação faz a prova de que é titular do direito real de gozo invocado na ação e de que o réu tem a coisa em seu poder – seja possuidor seja detentor, o que para o efeito é irrelevante –, o réu apenas pode evitar a procedência da ação se invocar na contestação (em defesa por exceção ou mediante reconvenção) e provar ser titular de um direito que legitime a posse ou detenção da coisa [por ex., direito real, de gozo ou de garantia (penhor, direito de retenção), ou um direito de outra natureza, como um direito pessoal de gozo (por ex., arrendamento, comodato)], e obste, assim, à entrega da coisa ao reivindicante[55]. Nesse caso, o tribunal reconhece o direito de propriedade do autor, mas não pode ordenar a restituição da coisa, pelo que a ação de reivindicação deverá improceder. Na hipótese inversa, a coisa deve ser restituída ao seu legítimo proprietário, a expensas do esbulhador (art. 1312º do CC).
Ora, estando excluída a hipótese de apreciação da verificação da aquisição originária através da usucapião (mercê da exceção de caso julgado verificada com o processo n.º 13/16.0T8PRG), importa, sim, indagar da verificação de uma aquisição derivada.
No caso concreto, a autora/recorrida arroga-se proprietária do prédio urbano identificado no art. 1º da p.i. por o ter adquirido, em 23 de junho de 1992, por arrematação em hasta pública.
A arrematação em hasta pública é um modo legítimo de adquirir o direito de propriedade e tem, em consequência, em abstracto, eficácia real para transmitir, a favor do possuidor, o direito ao qual se refere a posse[56].
Contudo, tendo os RR./recorrentes contestado a titularidade daquela quanto ao direito real invocado, a autora/recorrida para fazer valer o(s) seu(s) direito(s) sobre o prédio reivindicado não lhe basta a demonstração da aquisição derivada, tendo ainda de provar as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária (sendo que, na aquisição derivada, o adquirente, apenas e tão somente, adquire o direito de que o transmitente seja titular) ou alguma das enunciadas presunções legais [a fundada na posse prevista no art. 1268º, n.º 1, do CC ou a derivada do registo prevista no art. 7º do Código de Registo Predial (CRP)].
No caso sub júdice, a sentença recorrida tomou em consideração a presunção legal da titularidade do direito de propriedade, isto é, a derivada da situação possessória, estabelecida no n.º 1 do art. 1268º do CC.
Como é sabido, a  posse, nos termos do art. 1251º do CC, manifesta-se quando alguém actua (corpus) por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (animus)[57].
Em caso de dúvida presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 1257.º do CC – arts. 1251.º e 1252.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
A posse pode ser titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta – art. 1258.º do CC. Diz-se titulada, a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico; o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca – art. 1259.º do CC.
Adquire-se a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório, por inversão do título de posse (art. 1263.º do CC). Mantida a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, por certo lapso de tempo, é facultada ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Trata-se da usucapião – art. 1287.º do C.C.

Sob a epígrafe “Presunção da titularidade do direito”, prescreve o citado art. 1268º do CC:

«1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva».

A presunção da titularidade do direito constitui, porventura, um dos efeitos mais importantes da posse. Na medida em que aquele que exerce o domínio de facto é, normalmente e na realidade, titular do direito correspondente (posse causal), será admissível partir deste pressuposto sempre que alguém é possuidor.
Como se dá nota no Ac. do STJ de 21/06/2016 (relator José Rainho), in www.dgsi.pt., «[n]uma visão restritiva do alcance desta norma, a presunção da titularidade do direito esgotar-se-ia no campo da posse (tutela da posse) em benefício daquele contra quem viesse exigido o reconhecimento do direito de propriedade (ou da posse) e a restituição da coisa, e não dispusesse de meios de fazer a prova direta da aquisição do direito. A ideia subjacente é a de que a simples posse não é, salvo verificando-se a usucapião, constitutiva do direito de propriedade, pelo que não poderia fundamentar uma ação de reivindicação alicerçada no art. 1311º do CCivil ou uma ação tendente simplesmente ao reconhecimento do direito de propriedade (defesa da propriedade)»[58].
Todavia, como se defende no citado Ac. do STJ de 21/06/2016 (relator José Rainho), in www.dgsi.pt.[59], é de rejeitar essa visão restritiva.
Diversamente do que sucede com a usucapião, em que feita a respetiva prova da posse boa para a usucapião e da correspondente aquisição fica provada a titularidade do direito, verificando-se um fenómeno constitutivo do direito, que leva então à demonstração efetiva do direito de propriedade, «a presunção possessória (e a registral) atua por via diversa, fazendo-o mediante a inversão do ónus da prova. Se o reivindicante beneficiar da presunção, cabe a quem se arrogue dono da coisa fazer a prova que a ilida. Neste caso não pode falar-se, obviamente, num fenómeno constitutivo do direito que leva à demonstração efetiva do direito de propriedade, mas sim num fenómeno presuntivo. Ora, tal situação presuntiva, não sendo ilidida a presunção, não tem por que não poder vale[r] para todos os efeitos como se o direito de propriedade tivesse sido provado constitutivamente. Na realidade, a função de qualquer presunção legal é precisamente a de conferir o direito (até demonstração do contrário) sem que o beneficiário o tenha de provar (tem que provar é a base da presunção, o que é uma coisa muito diferente)».

Diz José Alberto Gonzalez a este propósito[60]:
 “(…) não se vê razão para impedir que tal demonstração [do direito de propriedade em ação de reivindicação] se faça através da presunção derivada do registo (artigo 7º, Cód. Reg. Predial) ou através da presunção assente na posse (artigo 1268º/ nº 1/1ª parte). A presunção é um meio de prova como outro qualquer (artigos 341º e segs.). Por isso somente quando ele se não admita ou quando a presunção seja ilidida, deverá o autor proceder à demonstração positiva da sua titularidade. O que supõe o estabelecimento do chamado trato sucessivo material - ou seja, supõe a prova da existência, da validade e da eficácia dos sucessivos factos aquisitivos dos quais dependa a prova da existência da titularidade atual na pessoa do demandante”.

E diz Machado Oliveira[61], reportando-se à presunção da titularidade do direito fixada no citado art. 1268º, n.º 1, do CC:
“Com base na regra «nemo plus in alio transfere potest quam ipse habet», o reivindicante, no título translativo, apenas pode provar que adquiriu o mesmo direito do «dante causa»; se este nenhum direito tinha, nenhum podia transmitir.
Daí que para provar o seu direito, o titular tenha de invocar a aquisição originária -designadamente através da usucapião - ou a presunção de que estamos a tratar, fazendo recair sobre o réu da acção o ónus de impugnar a presunção em causa.
Creio ser de estabelecer aqui uma distinção entre a invocação do direito de propriedade presumido para efeitos da acção de reivindicação, e aquilo a que Cunha Gonçalves chama «a prova de melhor posse», denegando-lhe eficácia como fundamento daquela acção com o argumento de que tal hipótese «importa a conversão da acção reivindicatória em acção possessória».
Trata-se de circunstâncias completamente diversas.
Se a posse em si não pode efetivamente constituir fundamento das acções de reivindicação (…), a propriedade presumida já o pode ser.
E por força do art. 1268º a posse cria essa presunção.
Em síntese: nas acções possessórias, a posse é um fundamento imediato da acção; nas acções de reivindicação, a posse pode constituir um fundamento mediato[62].
Em suma: nada parece obviar a que (tal como sucede no caso da presunção fundada no registo[63]) uma ação tendente ao reconhecimento do direito de propriedade, como é a ação ora em causa proposta pela Autora, seja fundamentada na presunção estabelecida no n.º 1 do art. 1268º do CC e que, consequentemente, seja nela (ação) reconhecido o correspondente direito de propriedade (e feita restituir a coisa, se disso se tratar).
Tendo presente tais premissas, é altura de regressar ao caso dos autos.

Está provado que:
- Existe um prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27.
- Esse prédio veio à posse da Autora em 23 de junho de 1992, por arrematação em hasta pública, que teve lugar na Comarca ..., em cumprimento da carta precatória nº 47/92 - 1ª Secção vinda do Tribunal do Trabalho ... e extraída de um processo de execução desse Tribunal deprecante com o nº 172/90 e em que era executada a sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, O..., Lda.
- Tendo como finalidade social a fabricação e comercialização de artefactos de cimento, a mencionada sociedade deliberou levar a cabo essa sua atividade no referido Lugar ..., em terreno que para o efeito adquiriu por compra, terreno esse com a área de 18.718 m2, inscrito na matriz cadastral da dita freguesia ..., sob o artigo ...55... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...14.
- Após a compra desse terreno, a referida sociedade logo tratou de nele construir as instalações urbanas adequadas e necessárias para a indicada atividade industrial e comercial que se propunha desenvolver.
- Numa parte do terreno construiu as instalações fabris e noutras partes construiu outras instalações de apoio à comercialização dos produtos fabricados e serviço de escritório.
- Bem como à laboração de um gabinete técnico de engenharia, atividade que o principal sócio e gerente da dita sociedade, RR, também se propunha desenvolver, como efetivamente desenvolveu, dado estar para tal devidamente habilitado.
- As instalações fabris foram implantadas num local do terreno mais afastado da estrada.
- Enquanto que as outras, porque afetas a serviço de escritório, gabinete de engenharia e atendimento ao público, foram implantadas no limite do terreno ao longo da estrada nacional (que liga ... e ...) com a qual confronta e com acesso direto a partir dessa mesma, para a qual o edifício em referência tinha voltadas as respetivas entradas.
- Foi delimitada uma porção de terreno que ficou afeta ao edifício em questão, como seu logradouro, com a conservação e aproveitamento das árvores de fruto já existentes nessa área, plantação de outras e promoção de culturas hortícolas, tendo assim resultado totalmente vedado e delimitado um logradouro com uma área de 1.446,10 m2.
- Quando foi penhorado (no referenciado processo do foro laboral) e vendido por arrematação em hasta pública em que a Autora o adquiriu, o prédio já tinha essa composição.
- Ao apresentar a sua proposta na respetiva arrematação, a Autora conhecia a realidade física do prédio em questão, bem sabendo que estava a arrematar o prédio com uma área coberta muito maior e com o respetivo logradouro.
- Na sequência da referida arrematação, através da competente declaração modelo 129, a Autora promoveu nova inscrição do prédio na matriz com a descrição correspondente à sua indicada realidade física, tendo-lhe sido atribuído o artigo ...00 da freguesia ....
- Devido à relação pessoal que a Autora tinha com o mencionado principal sócio e gerente da executada, com quem vivia em união de facto, o prédio continuou a ser utilizado e fruído exatamente da mesma forma por que vinha sendo até então, para arrumações e garagem na cave e para escritórios e gabinete de engenharia e atendimento ao público, no ... piso/....
- No logradouro, para além de se tratar o respetivo terreno, nele se promoviam culturas hortícolas e se tratavam árvores de frutos nele existentes, colhendo e aproveitando toda a respetiva frutificação.
- No mesmo prédio, a Autora foi praticando todos os atos adequados à sua conservação, nele introduzindo todas as transformações e melhoramentos que a cada momento se entendiam convenientes ou necessários, nomeadamente pinturas, reparações e todos os demais atos de fruição e disposição plenas, próprios de sua dona, como tal se afirmando e sendo reputada por toda a gente, igualmente pagando as respetivas contribuições e impostos.
- Verificando-se toda essa situação até à compra da Autora (em 1992) protagonizada pela sociedade executada, já há mais de 14 anos, assim se manteve até finais de 2013, ou seja, durante mais de 30 anos, continuada e ininterruptamente.
- Entretanto, a mencionada sociedade comercial também foi alvo de uma execução fiscal em cujo processo foi penhorado o prédio rústico em que foram construídas e implantadas as referidas instalações urbanas destinadas ao exercício da sua atividade, o qual acabou por ser vendido pela Fazenda Nacional aos ora primeiros Réus, no ano de 1994.
- Apesar de nele já estarem implantadas as referidas construções executadas pela dita sociedade comercial, a referida compra e venda celebrada entre a Fazenda Nacional e os primeiros Réus teve como objeto apenas o terreno não ocupado pelas construções, não abrangendo o terreno em que essas construções tinham sido implantadas, nem o logradouro do imóvel arrematado pela Autora.
- Nessa data, o imóvel arrematado pela autora, já se encontrava devidamente vedado e demarcado da parte restante do prédio rústico original e disso mesmo foram os interessados nessa compra e venda, incluindo os primeiros Réus, devidamente informados, tanto pelos funcionários da entidade exequente, como pelo teor dos editais da respetiva venda.
- Mesmo assim, os Réus sempre teimaram em pretender que também tinham comprado as referidas construções que existiam no terreno.
- Para tanto instauraram vários processos judiciais, mas sempre, foi declarado precisamente o contrário.
- Após a respetiva arrematação e aquisição pela Autora, desde junho de 1992, o identificado prédio sempre continuou em poder desta e a ser utilizado nas condições e para os fins expostos, dando continuidade à situação que já se verificava com a dita sociedade, anterior proprietária., situação que se manteve inalterada e pacífica, sem a mínima oposição de quem quer que fosse, incluindo os próprios Réus, que, apesar de terem instaurado vários processos judiciais com vista a obterem a declaração que a sua compra (dos 1ºs RR.) também tinha incluído as construções já existentes no terreno e até já terem destruído as instalações fabris, quanto ao identificado prédio e a uma outra edificação situada mesmo ao lado desse, destinada a lavandaria, nunca impediram ou sequer perturbaram a sua utilização e fruição normais, tanto pela citada sociedade comercial como, depois, pela Autora, até ao ano de 2013.
- Os Réus acabaram por se apoderar do identificado imóvel urbano, sendo que no âmbito de mais uma (porque já várias outras tinham efetuado) movimentação de terras que então levaram a efeito, entre os meses de outubro e dezembro de 2013, os primeiros Réus acabaram de soterrar a totalidade das instalações fabris e destruíram a outra referida edificação (destinada a lavandaria) existente ao lado do prédio com o artigo matricial ...00.
- Durante a madrugada de um dia do referido mês de outubro de 2013, aproveitando-se da circunstância de não se encontrar lá ninguém, os Réus entraram no prédio urbano mediante o arrancamento das duas portas, não sem antes terem destruído os muros que vedavam todo o espaço do respetivo logradouro, à exceção do existente ao longo da estrada nacional e à frente das respetivas entradas.
- No interior, retiraram, destruíram e/ou dissiparam todos os móveis e utensílios que lá se encontravam e que eram utilizados na atividade de gabinete de engenharia aí instalado, nomeadamente, estiradores, pastas de arquivo e processos diversos, computadores com programas de engenharia e arquitetura instalados, impressoras, fotocopiadores, réguas de cálculo, réguas de escala, réguas T, livros técnicos.
- Depois, os Réus vedaram o imóvel para ficar apenas em seu poder e ninguém, da parte da Autora, nele poder entrar, tendo, inclusivamente, colocado no exterior da edificação e nos lugares mais visíveis, placas a anunciar a sua venda, com a inscrição "Vende-se" e, imediatamente por baixo o nº de telemóvel ...48.
- Toda a descrita atuação dos Réus foi objeto do processo-crime que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... sob o nº 429/13...., no qual apenas foi condenado o primeiro Réu marido BB.
 Ora, estes factos ou comportamentos da Autora traduzem manifestações claramente inseríveis no conceito de posse, neste caso posse à imagem do direito de propriedade. Pois que, como resulta do art. 1251º do CCivil, posse “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (…)”.
No caso concreto – acompanhando de perto a argumentação explicitada na sentença recorrida, sem embargo da introdução de ligeiras alterações –, pode concluir-se que a autora tem a posse do prédio em causa – corpus (o exercício material do direito) e o animus (o sentimento psicológico ou intenção de exercer o direito como sendo o seu titular), em termos de propriedade –, com a configuração ou realidade física que descreve, e que essa posse se verifica, com as características referidas (pública, pacífica, titulada, de boa-fé, ininterrupta e exercida em nome próprio), há tempo suficiente e de forma contínua, por forma a poder concluir-se que a autora tem a seu favor a presunção da titularidade do direito de propriedade sobre esse prédio.
Efetivamente, a autora adquiriu de forma derivada, por arrematação em hasta pública, em 23/06/1992, no âmbito de um processo de execução, o imóvel em questão e, apesar da descrição que consta da documentação que anunciou a venda e mesmo do auto de arrematação, certo é que não existem dúvidas sobre qual o prédio físico que foi vendido, uma vez ser o prédio que a autora reivindica o único que em termos de realidade física corresponde ao que foi anunciado para venda, com excepção da respetiva área.
Ademais, o prédio em causa, como se provou, encontrava-se vedado por um muro, não havendo dúvidas quanto à sua constituição, uma vez que a descrição feita no auto de arrematação, e antes disso, no anúncio para venda, refere expressamente que se trata do prédio onde “a executada tem instalados os seus gabinetes técnicos e desenvolve os seus serviços de escritório e de atendimento ao público”, descrição à qual apenas o prédio reivindicado pela autora corresponde.
A autora fez, assim, prova da factualidade constitutiva do direito que invoca, já que não restaram dúvidas de que, desde a aquisição em 1992, tem vindo a praticar atos de posse sobre o prédio em causa, com a configuração que alega e que consta da descrição matricial, configurando um prédio todo ele vedado, pelo menos, até os réus terem destruído o muro.
A posse da autora é, por outro lado, pública, já que os actos sobre tal prédio foram praticados à vista de toda a gente; pacífica, porque nunca houve oposição de ninguém, a não ser agora dos réus; titulada, porque resultou de uma aquisição feita em processo judicial e, por isso, legal e formalmente válida; e de boa-fé, porque baseada numa forma legal de adquirir.
A posse da autora foi contínua e ininterrupta, desde a dita aquisição em 23/06/1992, até ter sido esbulhada pelos réus, no ano de 2013.
Por fim, à posse da autora que ocorre desde 1992, data da dita aquisição derivada, pode acrescer a posse dos antepossuidores, ou seja, a posse da sociedade executada que era a anterior proprietária, exercida desde a construção do imóvel, uma vez que a autora pode, nos termos do disposto no art. 1256º, nº 1, do CC, aceder na posse dos antecessores, já que sucedeu na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte (no caso, através de venda judicial).
Ora, resulta do citado n.º 1 do art. 1268º do CC que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse. Deste preceito legal resulta que, para que não funcione a presunção derivada da posse, será necessário que exista a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse, isto é, havendo conflito de presunções, uma derivada do registo, isto é, do art. 7.º do Cód. do Registo Predial e a outra emergente da posse, ou seja, do art. 1268.º, n.º 1, do CC, prevalece esta última, designada por presunção da propriedade, que só cede em confronto com a presunção derivada do registo anterior ao do início da posse.
E assim, no caso dos autos, conforme resulta da factualidade supra descrita, sendo a Autora possuidora do prédio urbano (inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o art. ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27) à imagem do direito de propriedade, goza da presunção de que dele é dona. Presunção esta que não se mostra ilidida pelos Réus mediante a prova do contrário. Por outro lado, mostra-se provado que o registo que os Réus invocam a seu favor não é anterior ao início da posse da Autora, pelo que não gozam aqueles da presunção de propriedade[64].
Nestas condições, deve entender-se que a recorrida goza da presunção de que é titular do direito real alegado do reivindicado prédio urbano. Como tal presunção não foi objecto de ilisão, há que concluir que a apelada é titular do direito real de propriedade sobre o identificado prédio urbano.
Termos em que, uma vez que a autora se deve considerar, presuntivamente, titular do direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 1º da p.i. improcede este fundamento da apelação dos RR..
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4. Da revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a reconvenção deduzida pelos RR./Recorrentes.
Relembrando os pedidos reconvencionais, os Réus/reconvintes pediram que:

a) Seja declarado que os primeiros réus são os donos e legítimos possuidores do prédio urbano identificado em 87º e 88º da contestação/reconvenção;
b) Seja a autora condenada a reconhecer o pedido formulado;
c) Seja a autora condenada a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, ocupar, perturbar, impedir, prejudicar ou turbar, o uso, gozo e fruição, de modo pleno e exclusivo, do direito de propriedade dos primeiros réus sobre o prédio urbano descrito e identificado em 87º e 88º da contestação/reconvenção.
O prédio reivindicado pelos RR./Recorrentes corresponde a um prédio urbano composto de uma construção de dois pisos e logradouro, com a área coberta de 432,40 m2 e descoberta (logradouro) de 1.446,10 m2, inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, em cuja descrição predial e inscrição matricial aparece identificado com a área total de 1878,5 m2, sendo composto por casa com garagem, ..., ... andar e logradouro, a confrontar do Norte com estrada nacional ...08, do Nascente e Sul com caminho e Poente com O..., Lda.
Este prédio urbano, como bem se refere na sentença recorrida, corresponde ao que é (também) reivindicado pela autora.
Acontece que o referido prédio havia já sido objeto de reivindicação pelos ora primitivos réus na ação ordinária n.º 219/1999, que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ..., instaurada por BB e mulher CC contra 1º) O..., Lda., 2º) TT, 3º) AA e 4º) ... - Electricidade ..., SA, no qual peticionaram 1) se declare que os AA. são donos e legítimos donos do prédio descrito no art. 1º da petição inicial (prédio rústico, sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com área de 18.718 m2, a confrontar do norte com a estrada, do sul com o Rio ..., no nascente com caminho e do poente com QQ, inscrito na matriz predial sob o artigo ...55..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...87), com as pertenças e partes integrantes referidas nos arts. 3 (edifício de dois pisos, com pistas de fabricação e secagem de blocos de cimento e oficina, tendo no ... piso uma divisão, uma casa de banho, uma oficina e pistas e no ... piso uma cozinha e um refeitório), 4º (edifício de dois pisos, destinado a habitação e escritórios, tendo no ... piso quatro divisões, casa de banho, garagem e armazém e no ... piso, seis divisões, casa de banho e arrumos) e 5ª (armazém com dois pisos, destinados a arrumos, com uma divisão em cada piso) da p.i., - sendo a área total destas três construções 865m2 -, com exclusão das benfeitoras assentes em 100 m2 da área referida no art. 67º (prédio urbano com a área coberta de 100 m2, sito em ..., descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º ...87) da p.i. declarando-se, ainda a posse, dos 1ºs, 2º e 3º RR. insubsistente, ilegal e de má fé, no que toca aos terreno dos autores; 2) Se ordene o cancelamento de qualquer registo que, porventura, dos mesmo prédio, ou de qualquer sua parte ou quota, pertença ou parte integrante, se tenha feito a favor dos 1ºs, 2º e 3º RR., ou de quem quer que seja; 3) Sejam os 1ºs, 2º e 3º RR. condenados a reconhecerem aquele direito de propriedade e a restituírem-lhe o aludido prédio com todas as pertenças e partes integrantes, com todos os frutos que produziu ou podia produzir.
Nessa ação, os aí demandantes para tanto alegaram que, no âmbito de execuções fiscais, a Fazenda Nacional promoveu a venda do prédio rústico, o qual foi adjudicado ao BB, tendo a respetiva escritura pública de compra e venda sido outorgada em 7/09/1994, sendo que nada do que se continha no aludido prédio foi excluído da compra e venda, designadamente as três edificações erigidas no mesmo prédio.
A referida acção foi julgada improcedente, por sentença de 17-07-2009, transitada em julgado.
E na respetiva fundamentação foi considerado que as três edificações supra referidas [das quais faz parte o prédio urbano ora reivindicado pela autora], «estando implantadas no prédio rústico que o A. marido [o entretanto falecido réu BB] comprou, no âmbito da execução fiscal movida contra a ora 1ª R, O..., Lda., pese embora não se encontrassem, à  data em que foi efectuada a penhora daquele prédio rústico e à data em que foi realizada a subsequente venda, inscritas na matriz, nem descritas na Conservatória do Registo Predial, foram excluídas da venda determinada no âmbito daquela execução e o ora A. foi informado dessa exclusão».
Quanto a esse concreto fundamento, por força da autoridade do caso julgado, a atendibilidade dessa decisão anterior impõe-se na presente ação, pelo que, ocorrendo a proibição de nova apreciação da mesma questão, jamais poderá concluir-se que as edificações construídas sobre o prédio rústico e que adquiriram na escritura de compra e venda faziam parte do referido prédio.
Sempre se dirá – secundando o decidido na sentença impugnada – que os réus não lograram demonstrar a posse sobre o prédio urbano reivindicado, atenta a facticidade objeto das alíneas e) a i) dos factos não provados. E, a existir posse, a mesma, para além de ser não titulada, já que a aquisição do prédio rústico pelos réus, não incluiu as construções, é uma posse de má fé, até porque assim se presume por não ser titulada, violenta, por ter sido tomada contra a vontade da autora e destruindo os bens em questão, como reconhecido pelos próprios réus.
Tão pouco colhe a alegação de que ocorreu a inversão do título de posse, em 7 de setembro de 1994, nos termos do art. 1265º do CC.
Prevê este normativo que “a inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse”.
Na primeira hipótese “torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía” e na segunda “a inversão por facto de terceiro há-de resultar de um acto capaz de transferir a posse[65].
Ora, da facticidade apurada não resulta a demonstração do invocado fenómeno jurídico, porquanto não só não se provou que os réus alguma vez detiveram (ou possuíram em nome alheio) o referido prédio urbano em nome da autora, antes de 2013, como também não se mostra provado que os RR., sendo já detentores com o poder de facto sobre o referido prédio urbano, adquiriram a posse (animus possidendi ou a intenção de agir como titulares do direito real) por efeito de negócio jurídico entretanto celebrado com terceiro.
Por fim, os RR. não provaram a presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel descrito no art. 1º da p.i. (art. 1268º do CC).
Nesta conformidade, é de confirmar a sentença impugnada na parte em que julgou improcedente a reconvenção, inexistindo violação do disposto nos arts. 1251º, 1253º, 1265º, 1268º, 1305º e 1344º, todos do CC.
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5. - Da (in)verificação dos pressupostos da condenação dos recorrentes como litigantes de má fé.
Diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto pelo art. 542º, n.º 2, do CPC, «quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização, a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto no art. 542º, n.º 1, do CPC.
Para não caírem no âmbito de aplicação dos normativos ora acabados de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual expressamente previstos nos arts. 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio.
A má-fé representa uma modalidade de dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo. É o dolo processual unilateral (sem conluio entre as partes), distinguindo-se do dolo processual bilateral, que corresponde à figura do processo simulado (art. 612º do CPC)[66].
A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação e de boa-fé que os arts. 7º, 8º e 542º, n.º 2, al. c) do CPC impõem às partes.
Aliás, no intuito de moralizar a atividade judiciária, o art. 542º, n.º 2, do citado diploma legal, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má-fé pressupunha uma atuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).
Explica António Abrantes Geraldes[67] que “é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres da boa fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé”.
O elemento subjetivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.
Portanto, passou a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa-fé, não apenas que declarem aquilo que subjetivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares deveres de prudência e cuidado, impostos pelo princípio da boa-fé processual.
Sobre as partes passa a recair um dever de pré-indagação da realidade em que fundam a sua pretensão ou defesa. Tal dever não se apresenta, porém, como um dever de indagação total, um dever de escrutínio absoluto, mas sim como uma indagação que tome em conta os mais elementares deveres de cuidado, isto é, aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que atue de modo gravemente negligente, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo.
Desta feita, poderá – e deverá - ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo. Com efeito, se uma certa incerteza é característica do próprio processo, essa incerteza não poderá ser tal que resulte apenas de uma atuação gravemente negligente na recolha do material fáctico da causa[68].
A má-fé, de que trata o n.º 2 do art. 542º do CPC, pode ser substancial (ou material) ou instrumental (ou processual). A má-fé substancial diz respeito ao fundo da causa e abrange os casos de dedução do pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece [al. a)] e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais [al. b)]; será má-fé instrumental se a sua atuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação [al. c)] ou se disser respeito ao uso reprovável do processo, ou de meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, impedir a descoberta da verdade ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)] e, ainda, nos termos do n.º 1 do art. 670º, se a parte «com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente».
Importa, no entanto, ter presente que com a enunciação legal dos comportamentos de má-fé o legislador procurou, quanto aos elementos objetivos, ser o mais exaustivo possível, dando origem a que qualquer violação do dever de boa-fé se possa subsumir, sem margem para dúvidas, a pelo menos mais do que uma das categorias elencadas[69].
Para efeitos da escolha da forma de ressarcimento mais ajustada ao caso concreto a lei limita o juiz a ponderar a gravidade da conduta do litigante, sendo indiferente, para o caso, a condição económica das partes (nomeadamente se litigam ou não com apoio judiciário), os efeitos da litigância de má-fé, a natureza ou o valor da ação[70].      
A conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, variando consoante o meio e objecto processuais e a conduta concreta das partes no desenrolar do processo[71], não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.º 2 do art. 542º[72].
De acordo com a interpretação que se vem fazendo do citado preceito, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo, a lograr convencer[73].
Para a condenação como litigante de má-fé exige-se, por conseguinte, que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.
Na questão submetida à nossa apreciação defendem os recorrentes que a sua condenação como litigantes de má fé é indevida, porquanto não resulta dos autos que tenham atuado com dolo ou negligência grave e, como tal, de má-fé, pois os mesmos não ultrapassaram os limites daquilo a que Luso Soares chamou de "litigiosidade séria".
No caso em apreço importará sobrelevar as várias ações judiciais que correram termos entre os litigantes, as quais, na sua essencialidade, têm por objeto a titularidade ou a dominialidade do prédio urbano em discussão nos autos.
No processo n.º ...99, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., na qual eram autores BB e esposa UU, réus na presente ação, sendo demandada, entre o mais, a ora ré, na qual aqueles pediram que se declarasse que eram donos legítimos do prédio rústico que aí identificavam e que desse prédio faziam parte integrante, entre outros, as construções que constituem o prédio reivindicado pela autora, por sentença de 17-07-2009, transitada em julgado, foi a ação julgada improcedente.
Nessa ação, foi dado como provado que o BB adquiriu à Fazenda Nacional, em 1994, o prédio rústico com a área de 18.718 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...55..., no qual existiam várias construções e que aquando da venda do referido prédio rústico os interessados nessa aquisição foram informados (quer pela entidade exequente, quer pelo teor dos editais) que a venda em causa não incluía as instalações /construções, sendo que o Autor (o entretanto falecido réu BB), foi também informado nesses termos.
Assim, os réus têm perfeito conhecimento de que o prédio urbano em causa nos autos não faz parte integrante do prédio rústico que seu marido e pai adquiriu em 1994, ao contrário do que voltam a alegar.
Também no processo-crime n.º 429/13...., onde eram arguidos os primitivos réus desta ação, com exceção da ré mulher, e no qual apenas BB foi condenado, foi dado como provado que o mesmo nunca aceitou não ser proprietário das construções que danificou, apesar de os tribunais assim terem decidido.
Por fim, no processo com o n.º 259/13...., tendo também como autores BB e esposa, e réus a ora autora AA e outro, em que foi peticionada a demolição das construções em causa, foi a ação julgada totalmente improcedente, tendo-se aí considerado que o tribunal não podia novamente decidir sobre questão jurídica já apreciada no referido processo n.º ...99, em concreto a declaração de propriedade sobre o terreno onde se encontram implantadas as edificações, já que no dito processo havia já sido decidido que os autores não têm quaisquer direitos sobre tais prédios urbanos, os quais já existiam na data em que os autores adquiriram o prédio rústico (artigo 155-C).
Não obstante as referidas acções judiciais denegatórias da sua pretensão de verem as edificações incluídas no prédio rústico que adquiriram por compra e venda na execução fiscal, constata-se que os RR. continuam a teimar numa tese que já foi definitivamente dirimida em seu desfavor, sendo de realçar que a facticidade apurada nesta ação, na sua essencialidade, mostra-se em total consonância com a que foi apurada naqueloutras ações judiciais.
É, por isso, de sufragar o entendimento perfilhado pela sentença recorrida no sentido de que os RR./reconvintes não só deduziram pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, como inclusivamente insistem na alteração (ou deturpação) conscientemente da verdade dos factos e omitiram factos relevantes para a decisão da causa, bem como fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
Por isso se conclui que a conduta dos RR/recorrentes deve ser considerada dolosa, posto que com consciência e vontade dessa actuação, tendo preenchido as condutas previstos nas alíneas a), b) e d), do n.º 2, do art. 542º do CPC.
Nesta conformidade, consideramos que bem ajuizou e decidiu a Mm.ª Julgadora da 1ª instância quando concluiu pela existência de elementos factuais comprovativos da litigância de má-fé dos RR. e os condenou em multa.
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6. - Da adequação do montante da multa aplicada (5 UC`s).
Aduzem os RR/recorrentes para o efeito que, a manter-se a condenação, a multa deverá ser reduzida ao mínimo legal, atendendo a que o tribunal desconhece a situação patrimonial dos RR., podendo, com tal condenação, onerar os mesmos em pagamento desproporcional com a sua situação económica.
Por força da conduta adotada, os recorrentes incorre em multa de duas unidades de conta a cem unidades de conta (art. 27º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais)[74].
O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.” – n.º 4 do art. 27º do RCP.
Este normativo mostra-se em consonância com aquilo que era já afirmado pelo Prof. Alberto dos Reis quando, ainda na vigência do CPC/39, aludia à necessidade de atender ao grau de má-fé e à situação económica do litigante[75]. Com efeito, a multa por litigância de má-fé, como qualquer outra pena, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo.
A este propósito, salienta ainda o Ac. da RP de 26/02/2008 (relator Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt, que a «multa devida por litigância de má fé deve ser fixada com base no “prudente arbítrio” do juiz, que deve sopesar a gravidade da infracção e a situação económica do infractor, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção»
E, segundo o Ac. desta Relação de 30/01/2020 (relator Paulo Reis, aqui 2ª adjunto), disponível in www.dgsi.pt., “na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira dos autores/litigantes de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da ação”.
Em suma, na definição da sanção pecuniária, no quadro da respetiva moldura, o juiz deve usar de um juízo de proporcionalidade nas suas vertentes de adequação, necessidade e justa medida[76].
No caso sub júdice, tendo em conta, por um lado, a gravidade da actuação, a forma de culpa dos recorrentes (dolo), a intensidade da mesma (que é elevada, pois que, consciente e voluntariamente, procuraram novamente convencer o tribunal de uma realidade falsa, pretendendo desse modo obter uma vantagem relevante ilícita), as consequências da sua conduta, o valor da ação que obriga a constituição obrigatória de advogado (art. 40º, n.º 1, al. a) do CPC), a função pedagógica da condenação[77], mas não tendo o tribunal apurado nenhum elemento atinente à sua situação patrimonial, afigura-se-nos adequada, proporcional e equilibrada a multa fixada no montante equivalente a 5 UC`s[78] (art. 542º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e d) do Cód. Processo Civil e art. 27º, n.º 3 do Cód. Regulamento das Custas Processuais). 
Termos em que, confirmando a decisão recorrida, improcedem as conclusões dos RR./recorrentes.
*
II) Da apelação da Autora:

7. - Da revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização formulado na al. c) da parte final da p.i.
O pedido em causa tem por objeto a condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da privação do uso do prédio pertença da autora, desde novembro de 2013 (ou seja, após o esbulho), até à efetiva restituição, no valor de € 1.500,00 por mês, correspondente ao seu valor locativo.
Essa pretensão foi julgada improcedente na sentença recorrida, na medida em que – considerou a Ex.ma Juíza “a quo” –, embora provando que ficou impedida de usar e fruir o prédio em causa, devido à atuação ilícita dos réus, não fez a autora prova de ter sofrido prejuízo concreto, nomeadamente correspondente ao valor locativo do imóvel, o qual não resultou, nem sequer foi alegado, que alguma vez tivesse estado arrendado, ou que o pretendesse arrendar, sendo certo que a autora também não alegou outros prejuízos concretos, nomeadamente os que deixou de obter por via das culturas que praticava no logradouro.
Desse segmento da decisão discorda a autora/recorrente, aduzindo para o efeito que tendo ficado provado que, em consequência de atuação dos RR., pelo menos desde novembro de 2013, a A. ficou privada da utilização e fruição do seu imóvel, tanto bastava para aqueles deverem ser condenados na indemnização devida por essa privação, não sendo necessária nem exigível a demonstração de "concretos danos", como se entendeu e decidiu na sentença recorrida, uma vez que a utilização que a A. fazia do imóvel não é mensurável em termos monetários, devendo admitir-se a equivalência da utilidade económica do mesmo imóvel ao valor da renda que poderia proporcionar no mercado de arrendamento e, por esse mesmo valor, ser calculada a indemnização a pagar pelos RR..
Assim, tendo sido provado que o valor dessa renda seria de 1.350,00€ por mês, pugna a A./recorrente pela condenação dos RR. a indemnizá-la pela privação do uso do imóvel no montante correspondente a esse valor, desde novembro de 2013, até desocupação e entrega efectiva.
Vejamos da sua bondade.
Estamos perante o dano da privação do uso, decorrente da impossibilidade temporária, por acto de outrem, de alguém dispor e fruir de um bem que lhe pertence.
Como se explicitou no Ac. do STJ de 17/11/2021 (relator António Barateiro Martins), in www.dgsi.pt., quando falamos da “privação do uso” – e do “dano da privação do uso” – estamos a falar do prejuízo resultante da falta de utilização de um bem (da impossibilidade temporária de usar um bem) que integra o património do lesado; estamos a falar da privação do uso, só por si, como um dano autónomo e patrimonial suscetível de avaliação; estamos a falar daquelas situações em que a privação do uso não origina uma verdadeira diferença patrimonial.
Nada impede que, nos termos do disposto no art. 555º, n.º 1, do CPC, a autora formule os pedidos característicos da ação de reivindicação e com eles cumule pedido de indemnização a que haja lugar pelo rendimento que o proprietário podia retirar do imóvel, se não fosse a indevida ocupação e mesmo que o proprietário não haja sofrido prejuízo com a indevida ocupação[79].
Dúvidas não haverá, aliás, de que a privação injustificada do uso de uma coisa pelo respetivo titular constitui um ilícito suscetível de gerar a obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor como melhor lhe aprouver (art. 1305º do C.C.)[80].
Como refere Abrantes Geraldes[81], desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, a par do pedido de reivindicação, nos termos do art. 1311º do CC, pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis. Outrossim, quando a privação configure uma situação de esbulho da posse, caso em que o direito ao ressarcimento dos danos ocasionados na esfera jurídica do possuidor encontra eco no art. 1284º, n.º 1, do CC.
Nestes casos, se se provar que a indisponibilidade foi causa direta de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes.
Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição.
Não é imprescindível que o lesado invariavelmente alegue e prove a existência de danos efetivos, por exemplo, os derivados da perda de rendas ou do aumento das despesas.
Decerto tais danos podem ser invocados. E, uma vez provados, podem servir para, com mais rigor, quantificar a indemnização ou permitir a atribuição de um quantitativo superior.
Porém, a simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória. Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo.
Continuando a socorrer-nos do citado estudo de Abrantes Geraldes[82], afirma este autor que: "Exigem frequentemente os tribunais aquilo que, em termos de razoabilidade, não é exigível ou não ê materialmente comprovável. Ou elevam a tal nível a fasquia em matéria de formação da convicção que o ónus da prova se transfigura em prova diabólica, deixando por reconhecer situações que o senso comum francamente admite.
Em suma, parte-se da excepção para afirmar a regra. Pretende-se que determinadas actuações ou intenções que a experiência revela serem excepcionais sirvam para integrar os comportamentos regra. Olvida-se, além do mais, que, recaindo sobre o credor o ónus da prova da ocorrência dos danos, a lei não trata com total indiferença o devedor, onerando-o com a prova dos factos impeditivos ou com a contraprova de factos susceptíveis de gerar uma situação de dúvida (art°s 342°, n° 2, e 346° CC).
Por detrás deste "manto diáfano da fantasia", a verdade que se evidencia quando os tribunais, como a sociedade o exige, se pautam por critérios de normalidade, revela-nos que, por regra, não é indiferente que um bem entre na posse efectiva do adquirente na data acertada ou apenas 2 ou 5 anos depois, tal como não é inócuo que a aquisição do direito de propriedade, acompanhado da fruição, se concretize na data ajustada ou muito mais tarde (...).
É a esta normalidade da vida que deve atender-se quando se trata de apreciar as situações, em vez de aferir o critério valorativo a partir de situações excepcionais, supondo, por exemplo, sem a necessária confirmação, que o proprietário, ao assumir a vontade de adquirir, pretendeu tão só aumentar o seu património imobilizado ou alcançar mais valias unicamente derivadas da valorização do imóvel.
Pode dizer-se, pois, que nas situações assinaladas, uma dilação excessiva na aquisição da propriedade e na consequente disponibilidade material e jurídica do bem não deixará de constituir uma perturbação da relação entre o credor e o seu património, privando-o do seu uso normal e das correspondentes utilidades que poderiam ser proporcionadas, que, em regra, não pode deixar de ser monetariamente compensado”.

No citado Ac. do STJ de 17/11/2021 (relator Barateiro Martins), in www.dgsi.pt., entendeu-se que:
«A ilícita privação do uso de um prédio rústico (um campo de cultura arvense e de regadio) configura, só por si, enquanto prejuízo resultante da impossibilidade temporária de usar tal bem, um dano autónomo.
(…) Dano este que é indemnizável ainda que não se tenha provado que utilidade ou vantagem concreta o proprietário teria retirado do bem durante o período de privação.
(…) Indemnização que, em tal hipótese, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, deve ser fixada equitativamente (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC)».

Na fundamentação deste aresto explicitou-se que:
«(…) se é certo que o dano não se confunde com a ilicitude e que o que está em causa é impossibilidade de se satisfazer (pela utilização do bem de que se está privado) uma necessidade concreta, o certo é também que colocar exigências alegatórias/probatórias ao nível das utilidades concretas pretendidas por parte do lesado esvazia o funcionamento e préstimo da figura do “dano de privação do uso” […].
Ao direito subjetivo absoluto (como é o caso do direito de propriedade dos AA.) é intrínseco um dado conteúdo patrimonial, que se traduz numa nota de utilidade, pelo que sempre que tal utilidade não possa ser realizada, fruto da intervenção de um estranho à esfera de domínio traçado pelo direito (como é, no caso, a intervenção do R.), tem que se considerar que ocorre um dano, que corresponde à utilidade ordinária e normal do bem e que é a consequência (dano consequencial) que a lesão tem na esfera da pessoa lesada.
Só assim não sucederá se, em concreto, se demonstrar que a pessoa lesada não tem qualquer interesse nas faculdades/utilidades ordinárias e normais do bem ou se por circunstâncias estranhas ao âmbito do domínio o lesado não tiver qualquer possibilidade de utilização do bem, hipóteses em que será de concluir não ter existido tal dano consequencial e em que, se fosse outro o entendimento, se poderia falar dum enriquecimento injustificado do lesado (ao conceder-se-lhe uma indemnização em dinheiro por uma vantagem que não iria utilizar).
Mas, em todas as demais hipóteses – ou seja, nada disto se demonstrando – estaremos, com todo o respeito por opinião diversa, perante uma privação do uso que configura um dano indemnizável».

No Ac. do STJ de 29/10/2020 (relator Tomé Gomes), publicado em www.dgsi.pt., sobre a problemática da privação do uso, expendeu-se o seguinte:
A privação do uso e fruição de um bem sofrida pelo seu titular ou detentor em consequência de um facto ilícito de outrem exprime o próprio evento danoso concretizável na sua projeção consequencial sobre o património do lesado.
Esta privação consistirá, desde logo, na supressão da disponibilidade material do bem e, consequentemente, na frustração do aproveitamento das utilidades económicas do mesmo, por parte do lesado, durante o tempo em que perdurar a privação, o que se traduz numa diminuição temporária do desfrute de um elemento patrimonial.
Tal privação assumirá assim, objetivamente, os contornos de um dano primário – dano-evento -, independentemente dos múltiplos danos secundários consequenciais que daquele derivem.
O valor económico dessa diminuição corresponderá ao valor dos aproveitamentos que o lesado deixou de ter e que eram suscetíveis de ser obtidos através de uma aplicação do bem segundo a sua função económica normal aferida pelo contexto de vida ou atividade do lesado. É certo que o lesado poderá, na maioria das situações, suprir a falta desses aproveitamentos, recorrendo a bens substitutivos, casos em que o dano corresponderá, em princípio, ao valor das despesas de substituição.
Mas pode bem suceder que o não possa ou não queira fazer, seja porque não possui disponibilidades financeiras para o efeito, seja porque não encontra um bem que satisfaça as necessidades goradas, ou mesmo por qualquer outra razão objetiva ou meramente subjetiva. Em qualquer destes casos, o titular do bem não deixará, por isso, de sofrer a falta do aproveitamento económico na utilização do bem patrimonial objeto da violação durante o período da privação.
Esta falta de aproveitamento tanto pode consistir na mera frustração da aplicação direta do bem à satisfação imediata das necessidades goradas, como ainda alcançar os ganhos que poderia obter através da disponibilidade material do bem de que ficou privado, em particular, quando se trate de bens de investimento. Na primeira hipótese, estaremos perante um dano emergente; na segunda, perante a frustração de lucros cessantes.
Nesta perspetiva, o dano ocorrerá logo que à privação corresponda a falta de aproveitamento económico do bem, em qualquer das suas dimensões, por parte do seu titular ou detentor».
Por fim, no Ac. do STJ de 20/01/2022 (relator Tibério Nunes da Silva), in www.dgsi.pt., decidiu-se que a privação do uso de um prédio urbano, de ..., com um valor locativo de €460,00, decorrente de acto ilícito de quem, não tendo título legítimo para o ocupar, persiste nessa actuação, mesmo depois de interpelado para o entregar, representa para os proprietários um dano autónomo.
Pois bem, tal como exposto nos citados acórdãos, entende-se que a privação do uso e fruição de um bem sofrida pelo seu titular ou detentor, em consequência de um facto ilícito de outrem, exprime o próprio evento danoso que se projecta sobre o património do lesado – que se vê impossibilitado de retirar as utilidades económicas que entender de um bem que lhe pertence – e que é gerador da obrigação de indemnizar (arts. 483º, 562º, 566º e 1305º, do CC).
Saliente-se, contudo, que a regra geral do art. 566º, n.º 2, do CC – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que “a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo[83]. Deste modo, a indemnização pelo dano de privação de uso terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, n.º 3 do CC)[84].
No caso presente, provou-se que:
23- Devido, à relação pessoal que a Autora tinha com o mencionado principal sócio e gerente da executada, o prédio [depois de adquirido pela Autora em 23 de junho de 1992, por arrematação em hasta pública], continuou a ser utilizado e fruído exatamente da mesma forma por que vinha sendo até então;
24- Para arrumações e garagem na cave e para escritórios e gabinete de engenharia e atendimento ao público, no ... piso/...;
26- No logradouro, para além de se tratar o respetivo terreno, nele se promoviam culturas hortícolas e se tratavam árvores de frutos nele existentes, colhendo e aproveitando toda a respetiva frutificação;
42- Os Réus acabaram por se apoderar do identificado imóvel urbano;
47- (…) os Réus vedaram o imóvel para ficar apenas em seu poder e ninguém, da parte da Autora, nele poder entrar;
53- Em consequência da atuação dos Réus, pelo menos, desde novembro de 2013, a Autora está privada da utilização e fruição do identificado imóvel;
54- A utilidade económica proporcionável pelo dito prédio, atentas a sua localização (à entrada/saída de ..., à margem da estrada Nacional que liga esta localidade a ... e ao ...) e áreas (coberta de 432,40m2 e descoberta de 1.878,50m2) é de montante de cerca de  1.350,00 € por mês;
55- Corresponderia a essa importância a renda pela qual o mesmo imóvel poderia ser arrendado.
Temos, pois, que a autora, devido à atuação ilícita dos réus (esbulho), ficou impedida de usar e fruir o prédio urbano em causa.
Embora não resulte apurado dos autos que o imóvel estava arrendado ou que a autora o pretendesse dar de arrendamento, a verdade é que não será legítimo concluir que a autora não pretenda retirar do imóvel as utilidades que este seja susceptível de oferecer, gozando-o e fruindo-o, como proprietária que é, o que está impedida de realizar, por força de um acto ilícito dos RR., que não têm título para a ocupação que vêm fazendo. Além disso, não se provou a existência de circunstâncias que, não fora a ocupação que vem sendo levada a cabo, impossibilitem, de qualquer modo, a utilização do imóvel por parte da sua proprietária.
Conforme se entendeu no citado Ac. do STJ de 17/11/2021 (relator Barateiro Martins), in www.dgsi.pt., fora disto – das regras da boa fé – não existe suficiente justificação legal para exigir do lesado a comprovação do tipo de concreta utilização a que destinava o bem: «se, na ponderação final, não deve admitir-se para o lesado um benefício indevido, também é inadequado que seja o lesante a colher benefícios».
Não estando provado que existia o propósito de a Autora dar de arrendamento o prédio, não se apresenta como adequado estabelecer a indemnização num montante mensal igual ao do valor locatício.
Sendo assim, entende-se como justo e proporcional fixar a indemnização mensal devida pelos réus à autora, pela privação do uso do imóvel, em € 800,00, devida desde novembro de 2013, até os RR. cessarem a ocupação.
Assinale-se que, contrariamente ao propugnado na sentença recorrida, a procedência do pedido indemnizatório deduzido pela autora não dependia da prova de qualquer dano por ela sofrido, mas tão só da prova – que foi feita – de que os RR. ilicitamente privaram a autora do uso do prédio que a esta pertence e que tal uso era avaliável pecuniariamente. Feita essa prova impunha-se condenar os réus a pagar à autora o valor do uso que ilegitimamente impediram/frustraram – uso que a ordem jurídica reserva ou afeta de modo exclusivo ao proprietário da coisa, conferindo-lhe uma zona de domínio, de soberania ou de monopólio em que ninguém mais, sem o seu consentimento, pode interferir[85].
Procede, assim, parcialmente este fundamento da apelação.
*
8. - Da imposição ao Tribunal de notificação da A. para pedir indemnização pela litigância de má-fé em que os RR. foram condenados.
Propugna a autora/recorrente que, na sequência da condenação dos RR. por litigância de má-fé, devia ser ordenada a notificação da contraparte para peticionar indemnização por essa mesma litigância, a tal não obstando o facto de aquela ter pugnado por essa condenação sem, logo então, pedir indemnização.
Desde já se adianta carecer de total fundamento tal pretensão.
Vejamos.
De acordo com o disposto no n.º 1, do art. 542º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir (sublinhado nosso).
Deste preceito resulta que a litigância de má-fé é de conhecimento oficioso por parte do tribunal, podendo o julgador sancionar a conduta do litigante de má-fé com a aplicação de uma multa, estando a imposição de uma indemnização à parte contrária fundada nessa conduta dependente de pedido da parte prejudicada com tal comportamento[86].
De facto, a influência do princípio do dispositivo verifica-se precisamente nos casos em que se pretenda a atribuição de uma indemnização, a qual apenas pode ser arbitrada mediante solicitação da parte e respetiva fundamentação[87].
E esse pedido de indemnização por litigância de má-fé não carece de ser deduzido nos prazos em que é admissível a dedução dos pedidos que constituem o objeto da ação, nomeadamente até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 265º, n.º 2, do CPC) ou em reconvenção (art. 583º, n.º 1, do CPC). Basta ver que a atuação por má-fé pode ser posterior ao momento da apresentação dos articulados em que tais pedidos são admissíveis e mesmo posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 588º, n.º 1, do CPC). Ele há-de ser deduzido antes da decisão final, em 1ª instância ou em recurso[88].
No caso em apreço, inexiste qualquer disposição legal que imponha ao tribunal a notificação à parte para formular o pedido de indemnização por litigância de má-fé, sendo de rejeitar o entendimento propugnado pela autora /recorrente de que o pedido expresso no art. 542º, n.º 1, do CPC só será exigível se e quando para tal a parte for devidamente notificada.
Com o devido respeito, a recorrente confunde o princípio da oficiosidade, que vale só para o conhecimento da litigância de má-fé e aplicação da correspondente multa, posto que a atribuição de indemnização carece necessariamente de ser pedida pela parte – insere-se na esfera de disponibilidade das partes, encontrando-se na dependência da vontade das partes –, estando, pois, como se disse, sujeita ao princípio do dispositivo nos termos supra explicitados. Competindo, aliás, às partes a conformação da instância e limitando o poder de decisão do tribunal, o juiz, na sentença, não pode conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, nem pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pediu (art. 609º, n.º 1, do CPC), sob pena de nulidade da mesma (art 615º, n.º 1, als. d) e e) do CPC).
Termos em que, sem mais considerações por desnecessárias, improcede este fundamento da apelação.
*
9. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, as custas do recurso interposto pela autora, mercê da sua parcial procedência, são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (idêntico critério valerá para as custas da ação na 1ª instância); as custas do recurso interposto pelos RR., por ter sido totalmente improcedente, ficam a cargo dos RR..
*
Síntese conclusiva:

I – A procedência da ação de reivindicação encontra-se sujeita à demonstração cumulativa de três condições de procedência:
- O autor seja titular do direito real de gozo invocado;
- O réu tenha a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor;
- O réu não prove ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo.
II – No âmbito das ações de reivindicação tem-se entendido, de forma quase pacífica, que não basta ao autor invocar ser proprietário da coisa reivindicada, uma vez que também é indispensável que o autor alegue e prove uma das formas de aquisição originária; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária.
III – Considerando, contudo, que tal prova será por vezes de difícil consecução, o nosso ordenamento jurídico consente o recurso a determinadas presunções legais da existência e titularidade do direito real, designadamente a presunção da titularidade desse direito no possuidor, ao abrigo do art. 1268º, n.º 1, do Cód. Civil, bem como a presunção da sua existência a favor do titular inscrito no registo predial, nos termos do disposto no art. 7º do Código Registo Predial.
IV – Nada impede que o direito assim presumido fundamente uma ação destinada especificamente ao reconhecimento do direito de propriedade e à consequente condenação da outra parte a respeitá-lo.
V – A privação do uso e fruição de um bem sofrida pelo seu titular ou detentor, em consequência de um facto ilícito de outrem, exprime o próprio evento danoso que se projecta sobre o património do lesado – que se vê impossibilitado de retirar as utilidades económicas que entender de um bem que lhe pertence – e que é gerador da obrigação de indemnizar (arts. 483º, 562º, 566º e 1305º, do CC).
VI – O princípio da oficiosidade vale só para o conhecimento da litigância de má-fé e aplicação da correspondente multa, posto que a atribuição de indemnização carece necessariamente de ser pedida pela parte, estando sujeita ao princípio do dispositivo, inexistindo disposição legal que imponha ao tribunal a notificação à parte para formular o pedido de indemnização por litigância de má-fé.
*
VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização formulado, decidem condenar solidariamente os Réus a indemnizar a Autora dos prejuízos resultantes da privação do uso do prédio, desde novembro de 2013, à razão de 800,00€ (oitocentos euros) por mês, até efetiva restituição.
- Julgar improcedente o recurso interposto pelos RR.;
- No mais, mantém-se integralmente a sentença recorrida.
Custas do recurso interposto pela Autora a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento e as custas do recurso interposto pelos RR. são da sua responsabilidade.
Custas da ação na 1ª instância da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
*
Guimarães, 12 de janeiro de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


[1] Cfr. Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
[2] Para o efeito, como refere Alberto dos Reis, o que importa é o conteúdo da decisão e não o nome do ato (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 4ª ed., 1984, Coimbra Editora, p. 157).
[3] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, pp. 703-704.
[4] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 305.
[5] Cfr. Decisão sumária do TRC de 17-04-2012 (relator Henrique Antunes), disponível in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral – Princípios - Pressupostos, 2ª ed., 2018, UCEP, p. 237.
[7] Cfr. Manuel de Andrade, obra citada, pp. 304, 306.
[8] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., 1985, Coimbra Editora, p. 94.
[9] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 568.
[10] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, file:///C:/Users/MJ01572/Downloads/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto%20(1).pdf., p. 6.
[11] Cfr. Acs. do STJ de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego) e de 29/05/2014 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), p. 25.
[13] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), pp. 26/27.
[14] Assim, se foi declarada perante B a propriedade de A sobre o imóvel x, será improcedente uma segunda ação em que B pede a condenação de A na entrega do mesmo imóvel. O pedido é outro, mas percebe-se a incompatibilidade de efeitos materiais e a oposição de julgados.
[15] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), p. 28.
[16] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, pp. 159 a 179.
[17] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pp. 599/600.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 14/10/2021 (relator Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt.
[19] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 574.
[20] Cfr. Acs. do STJ de 24/02/2015 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 14/01/2021 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt.
[21] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 126.
[22] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), p. 12.
[23] Cfr. Acs. do STJ de 06/06/2000 (relator Garcia Marques), de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego) e de 2/11/2006 (relator Pereira da Silva), disponíveis in www.dgsi.pt., destacando-se neste último que, para haver identidade de pedido entre duas acções, tem de estar em causa o mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo necessária uma rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objetivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das ações; na doutrina, João Calvão da Silva, Caso julgado material e resolução do contrato-promessa, in Estudos de Direito Civil e Processual Civil (Pareceres), 1996, Almedina, p. 234.
[24] Cfr. Ac. do STJ de 27/09/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[25] Como se decidiu no Ac. do STJ de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., existe identidade de causa de pedir quando o substrato factual de ambas as acções é precisamente idêntico, não relevando nem a alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções.
[26] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), p. 8 e Autoridade de Caso Julgado. Breves notas sobre a sua distinção em razão do sentido decisório, Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p.  125.
[27] Cfr. J. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3ª ed. p. 201.
[28] Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p. 318.
[29] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 715.
[30] Cuja cópia consta de fls. 82 v.º a 129 v.º.
[31] Cfr. Ac. da RC de 8/11/2011 (relator Henrique Antunes) e Ac. da RP de 11/07/2018 (relator Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt.
[32] Na exposição em apreço seguimos de perto a fundamentação do Ac. do STJ de 29/06/2005 (relator Salvador da Costa), proc. 05B2072, in www.dgsi.pt.
[33] Cfr. Mouteira Guerreiro, Ensaio sobre a Problemática da Titulação e do Registo à Luz do Direito Português, Coimbra Editora, 2014, p. 134.
[34] Cfr. Ac. do STJ de 9/07/2015 (relator Martins de Sousa), in www.dgsi.pt.
[35] Na parte em que pede a condenação dos Autores-reconvindos a desocupar e restituir à Ré o imóvel em causa.
[36] Como adiante melhor explicitaremos, na ação de reivindicação identificam-se dois elementos/pedidos: o pedido de reconhecimento do direito real e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito.
Tem-se entendido, porém, que o verdadeiro e específico pedido, na acção de reivindicação é o de condenação a restituir a coisa; o primeiro pedido funciona como preparatório ou premissa do segundo, tanto assim que se tem considerado o mesmo como implícito, quando não expressamente formulado.
[37] Cfr., a título exemplificativo, Ac. do STJ de 16/12/2021 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt., que contém a enunciação de abundante doutrina e jurisprudência que sufraga o mesmo entendimento.
[38] Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado (…), p. 43.
[39] Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[40] Desde já se assinala que a descrição explicitada pela Exma Juíza “a quo” na motivação da sentença recorrida corresponde, com rigor e fidelidade, ao teor dos depoimentos/declarações prestados, pelo que a enunciação que nos propomos fazer seguirá de perto, na sua essencialidade, tais considerações/apreciações.
[41] Cfr. No sentido de que a ação de reivindicação consubstancia uma ação declarativa de condenação, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 112/114, José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2017, Almedina, p. 426, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1996, Quid Iuris, p. 227, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 177/180, A. Santos Justo, Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra Editora, 2017, p. 296; Ac. da RL de 31/03/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
[42] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 112 e Elsa Sequeira Santos, in Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 108.
[43] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 113.
[44] Cfr. Ac. da RG de 20-10-2009 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt.
[45] Cfr. Acs. do STJ de 24/10/2006 (relator Sebastião Póvoas) e de 5/05/2008 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. V, 1997, Editora Rei dos Livros, p. 65.
[46] Cfr. Ac. da RL de 22/06/2010 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[47] Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 432.
[48] Cfr. Henrique Mesquita, Anotação ao Ac. do S.T.J. de 29-4-1992, in R.L.J., Ano 125º, p. 95, nota 1.
[49] Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 429.
[50] Cfr. Acs. do STJ de 10.03.98 (relator Lemos Triunfante), de 5/05/2016 (relator Paulo de Sá) e de 9/11/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), disponíveis in www.dgsi.pt..
[51] Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 430 e Henrique Mesquita, Anotação ao Ac. do S.T.J. de 29-4-1992, in R.L.J., Ano 125º, p. 95, nota 1.
[52] Cfr. obra citada, p. 115.
[53] Cfr. Acs. do STJ de 10/03/98 (relator Lemos Triunfante) e de 24/10/2006 (relator Sebastião Póvoas), disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. da RC de 24/2/82, CJ, Ano VII, T. I, p. 104.
[54] Cfr. Ac. do STJ de 9/11/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), disponível in www.dgsi.pt.
[55] Cfr. José Alberto Vieira, obra citada, p. 432.
[56] Cfr. Ac. do STJ de 20/03/2014 (relator Fernando Bento), in www.dgsi.pt.
[57] O “corpus”, enquanto elemento material ou empírico, identifica-se com os actos materiais praticados ou com o exercício de certos poderes de facto sobre a coisa.
O “animus”, como elemento psicológico-jurídico, traduz-se na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados. – cfr. Mota Pinto, Direitos Reais, lições coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, 1971, p. 181.
[58] Alguns autores parecem orientar-se implicitamente para uma tal visão restritiva, como seja o caso de A. Santos Justo, Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra Editora pp. 190, 297, Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2ª ed., pp. 289, 357 e 358 e Mota Pinto, Direitos Reais, 1978, pp. 204 e 205.
[59] Cuja fundamentação seguiremos de perto.
[60] Apud Ac. do STJ de 21/06/2016 (relator José Rainho), in www.dgsi.pt.
[61] Cfr. A Posse, 1981, p. 81.
[62] Cfr. no mesmo sentido, Armando Triunfante, Lições de Direitos Reais, Almedina, 2019, pp. 145/146 e anotação ao art. 1268º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, p. 61; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, 1996, p. 228.
[63] Que no caso não se mostra verificada.
Isto porque o registo da aquisição, por usucapião, a favor da autora foi objeto de cancelamento determinado na ação de impugnação judicial de escritura de justificação notarial n.º 13/16.0T8PRG.
[64] O registo a favor dos RR. é de 15/09/1994, ao passo que o início da posse da autora é de 23/06/1992.
[65] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, Coimbra Editora, 1987, pp. 30/31.
[66] Cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado. 4ª ed. revista e ampliada, Março/2017, Ediforum, p. 701
[67] Cfr. Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, p. 313.
[68] Cfr. Marta Alexandra Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra - 2014, disponível in  https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf.
[69] Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 74.
[70] Cfr. nesse sentido, António Abrantes Geraldes, Temas judiciários, I Vol., (…), p. 313.
[71] Cfr. Francisco Manuel Luas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p.131.
[72] A título exemplificativo, integrarão, normalmente, a figura da litigância de má fé situações como as que seguem: - a da negação intencional de factos pessoais que vieram a ser dados como provados; - a do autor de acção de reivindicação que alegou ocuparem os réus o seu prédio por mero favor quando sabia que o ocupavam ao abrigo de um contrato de arrendamento; - a do demandado em ação de indemnização que fornece do acidente uma versão que, como bem sabia e se provou, era inteiramente falsa; - a do autor que conscientemente vem pedir a condenação do réu a pagar-lhe uma quantia superior à que lhe é devida; - a do embargante que falsamente afirma não ser sua a assinatura aposta na livrança dada à execução. - cfr. J. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 3ª ed. pp. 222 e 223.
[73] Cfr. Ac. da RP de 2/03/2010, Maria José Simões, 6145/09 apud Ac. da RL de 20/12/2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt. e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 593.
[74] Segundo o art. 9.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro, que aprovou "Contribuições especiais e valor das custas processuais para 2022":
Mantém-se em 2022 a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2021".
Assim, a Unidade de Conta (UC), para vigorar no ano de 2022, mostra-se fixada em € 102,00.
[75] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, (…), p. 269.
[76] Cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, 2017, 6ª ed., pp. 226 e 227.
[77] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, (…), p. 278 e António Abrantes Geraldes, Temas judiciários, I Vol., (…), p. 335.
[78] Correspondente a 510,00€ (= 102,00€ x 5).
[79] Cfr. Ac. do STJ de 28/05/2009 (relator Oliveira Rocha), in www.dgsi.pt.
[80] Cfr. Ac. do STJ de 26/05/2009 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt.
[81] Cfr. Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, pp. 55, 61 e 62.
[82] Cfr. obra citada, pp. 63/64.
[83] Cfr. Maria da Graça Trigo, Dano de privação de uso de veículo automóvel, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 58.
[84] Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
[85] Cfr. Henrique Mesquita, anotação ao Ac. do STJ de 29/04/21992, in RLJ, ano 125º, p. 158.
[86] Cfr. Ac. da RP de 23/05/2022 (relator Carlos Gil), in www.dgsi.pt.
[87] Cfr. nesse sentido, António Abrantes Geraldes, Temas judiciários, I Vol., (…), p. 331.
[88] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, (…), p. 458.