Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2212/19.4T8VCT.G1
Relator: ELISABETE ALVES
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DIREITO DO SÓCIO À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) A deliberação em assembleia geral não precedida dos elementos mínimos de informação, consubstancia um vício de procedimento decorrente da violação da lei, previsto na alínea c) do n.1 do artigo 58º do C.S.C.
2) Os critérios para definir os elementos mínimos de informação mostram-se elencados no n.º 4 do referido normativo.
3) O direito à informação do sócio tem a natureza de direito subjectivo, o qual lhe é conferido, no seu exclusivo interesse, e que este poderá exercer ou não exercer, consoante entenda necessário ou conveniente.
4) A sua regulamentação e concreto exercício fundamental varia, em função do tipo legal de sociedade em presença, embora em todos eles ocorra em três níveis distintos: a informação permanente (que é prestada, em cada momento, a pedido do sócio interessado), a informação intercalar (que deve ser prestada como preparatória de cada reunião de assembleia) e a informação em assembleia (que deve ser prestada na própria reunião de assembleia como elemento instrutório do debate). No que se refere às sociedades por quotas, o direito dos sócios à informação está regulamentado no art. 214º do CSC.
5) O relatório de gestão, as contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas, depois de aprovados, estão sujeitos a registo comercial, dando publicidade à situação jurídica da entidade, tendo em vista a segurança do comércio jurídico, conforme art. 1º e 3º al.n) do Código de Registo Comercial. As sociedades que disponham de sítio na Internet devem disponibilizar aos interessados, de forma gratuita, os documentos previstos no art. 70º/2 do C.S.C.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

P. C. instaurou a presente acção de impugnação de deliberações sociais contra «X – Autocarros e Viagens Irmãos C., Ld.ª», mais concretamente as deliberações referentes aos pontos 1, 2 e 4, tomadas em Assembleia Geral de 24 de Maio de 2019.
Alegou para tanto, e em síntese, que a Ré é uma sociedade por quotas que tem por escopo estatutário a “indústria de transportes automóveis de carga e passageiros, circuitos turísticos, agências de viagens e turismo, aluguer de automóveis e camionetas sem condutor”, com o capital social de quatrocentos e noventa e oito mil oitocentos e quinze euros; o Autor é sócio da Ré, sendo titular na mesma de uma quota do valor nominal de dez euros; a Ré convocou uma Assembleia Geral para o dia 24 de Maio de 2019; na referida assembleia esteve presente o Autor, na qual foi admitido a estar presente e a intervir na sua qualidade de sócio; sucede que todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC) e, nos casos dos pontos 1 e 2 também pela violação dos preceitos legais relativos à irregular aprovação do relatório e contas (artigos 69º, nº e 2 e 70º nºs 1 e 2 do CSC).
Com base nas referidas alegações, peticionou o Autor que sejam anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 24 de Maio de 2019, que aprovaram os pontos 1, 2 e 4.
*
A Ré, X – Autocarros e Viagens Irmãos C., Ld.ª, contestou, arguindo para o efeito, e em síntese, que o Autor não foi pessoalmente consultar os documentos à sede da Ré porque não quis, nem aí solicitou quaisquer cópias de documento; ao Autor não foi negada a consulta dos documentos para a Assembleia Geral, os quais estiveram previamente e sempre disponíveis para consulta na sede da Ré (como o próprio Autor confirma); logo, no caso, não se verifica a anulabilidade suscitada pelo Autor porquanto as deliberações foram precedidas do fornecimento dos elementos mínimos de informação; aliás, foi fornecida a informação prévia à AG e durante a mesma foi respondido ao Autor às questões/esclarecimentos que aí suscitou e que se possam enquadrar como sendo direito à informação; de resto, o Autor votou contra todas as deliberações, logo, a informação que necessitava a título instrumental para exercer o direito de voto foi-lhe dada; relativamente à aprovação de contas e destino dos resultados, não foram violadas quaisquer normas relativas à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas, ou preceitos, cuja finalidade exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público; nem as contas são irregulares, nem assentam em quaisquer documentos falseadores dos resultados.
Mais veio a Ré pugnar pela condenação do Autor nos termos e para os efeitos da previsão dos art.ºs 542.º e segs. do Cód. Proc. Civil.

Em sede de saneamento dos autos, foi realizada audiência prévia, tendo sido fixado:

i) Como objecto do litígio: (1) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à aprovação do relatório de gestão e contas do exercício, certificação legal de contas, balanço e demais documentos de prestação de contas, tudo relativo ao exercício de 2018; (2) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à aplicação de resultados; (3) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à autorização para venda do prédio rústico sito no lugar …, na União de Freguesias de ... e ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ….

Foi designada data para a realização da audiência final, a qual se realizou.
*
Por sentença proferida nos autos, foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, e absolver a ré do pedido formulado.
*
Inconformado com a decisão, dela recorreu o autor, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. O presente recurso, de apelação, vem interposto da douta sentença, a fls…, que julgou a ação de anulação de deliberações sociais improcedente, por entender que não ficou demonstrado que tenham sido contrariadas as disposições legais citadas ou o direito à informação do Autor, enquanto sócio da Ré.
II. Não pode a Autora concordar com a decisão proferida, resultando esta de errada valoração da prova produzida em audiência de julgamento, e documentos juntos aos autos, a qual se encontra em concordância com os articulados, enfermando ainda de erro de julgamento, pelos motivos que infra exporemos que representa, salvo o devido respeito, um revés no caminho que a jurisprudência e a doutrina vêm percorrendo nas últimas décadas no sentido de assegurar em plenitude aos sócios o direito à informação e na proteção dos interesses dos sócios minoritários.
III. Com efeito, a Ré X convocou uma Assembleia Geral para o dia 24 de maio de 2019, sendo que, nos termos dessa convocatória a Ordem de Trabalhos dessa Assembleia era a seguinte:
IV. O Autor votou contra a proposta de aprovação dos pontos 1, 2 e 4, acompanhado pelos sócios R. C. e N. C..
V. Sucede que, Todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. Votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC).
VI. O Ré recusou-se a fornecer ao A. aos sócios R. C. e N. C., por si e em representação do sócio aqui A., cópia do qualquer dos documentos preparatórias da AG da Ré de 24 de maio de 2019, incluindo o relatório de gestão, o relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do documento referido na alínea anterior, a certificação legal das contas, nem o parecer do órgão de fiscalização.
VII. Documentos esses que também não foram disponibilizados no sítio da internet da Ré.
VIII. Foram incorretamente julgados os Factos Não Provados a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor e b) A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019, que deveriam ter sido dados como provados.
IX. Pois existem concretos meios probatórios, constantes da gravação áudio em audiências de julgamento, que impunham que tais factos fossem dados como provados, pois as referidas testemunhas N. C., nas suas declarações gravadas com início às 11.17.27 horas e términus pelas 11.25.17 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 23 de janeiro de 2020 e R. C., nas declarações gravadas com início às 11.26.10 horas e términus pelas 11.36.07 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 23 de janeiro de 2020, declararam que agiram também em representação do Autor, que lhe pediu isso verbalmente, por se encontra ausente a trabalhar no sul de Portugal.
X. Não colhe o argumento da douta sentença recorrida que considerou a sua falta de poderes por ausência de procuração escrita, pois in casu é bastante uma procuração verbal – cfr. artigo 262º, nº 2 do código civil.
XI. E que tais factos deviam ter sido dados como provados resulta ainda do que declarou o Dr. J. A., então TOC da Ré, a quem foi incumbido por esta o modo de consulta e procedimentos de (não) obtenção de cópias dos documentos preparatórios da Assembleia Geral, encontrando-se as suas declarações gravadas áudio digitalmente na aplicação informática do Tribunal com início pelas 10.58 horas e términus pelas 11.08 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 04 de fevereiro de 2020, onde testemunhou que por orientações da gerência negou facultar aos sócios cópias dos documentos preparatório da Assembleia Geral de 24 de maio de 2019..
XII. Pelo que se impunha dar como provado que Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor.
XIII. Saliente-se que a sentença recorrida deu como provado que: 3.5 No dia 21 de maio de 2019, os sócios R. C. e N. C. dirigiram-se à sede da Ré, aí tendo-lhes sido facultada a consulta dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2018 (designadamente o relatório de gestão, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização), tendo-lhe sido comunicado que não lhes seria facultada cópia dos documentos.
XIV. Ou seja, dando-se como provado que nesse dia também agiram em representação do A., forçoso é concluir, mutatis mutandis, coerentemente, que: A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019, pelo que tal facto também devia ser dado como provado.
XV. Para a mera hipótese de não se entender supra, nem assim se encontram cumpridos os deveres de informação a que a Ré estava vinculada perante o A., que tornam anuláveis as deliberações conforme peticionado.
XVI. Com efeito, vem dado como provado na sentença recorrida que: 3.6. Os referidos documentos (nota:- documentos referidos no ponto 3.5 dos factos provados - documentos preparatórios da AG de 24/05/2018, designadamente o relatório de gestão, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização), não se encontravam disponibilizados na página de internet da Ré.
XVII. O artigo 70º, nº 2 do CSC cumula a obrigação da sociedade na disponibilização de tais documentos quer no seu site da internet, quer por entrega de cópia integral na sua sede.
XVIII. O incumprimento de um ou outro desse deveres, faz com que todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC).
XIX. A exigência publicação no site da internet bem se compreende, pois são muitos os casos em que o sócio não tem possibilidade ou interesse em deslocar-se à sede para obtenção de cópias e pela mera consulta do site toma conhecimento dos documentos.
XX. Ora, pelo menos e sempre, o Autor teria o direito de consultar os documentos no site da Ré.
XXI. Estando longe e entendendo-se que os irmãos não o representaram no ato de consulta e negação de cópias, outro meio não teria senão ter conhecimento do mesmo no site da internet da Ré.
XXII. Não podendo ter acesso a essa informação por esse meio, não foram prestadas as informações suficientes e necessárias para que pudesse votar em consciência e esclarecido.
XXIII. A mera consulta na sede dos documentos preparatórios na sede da empresa, pela sua extensão e complexidade técnica, não permite ao sócios apreender a informação de forma completa e para que se sintam esclarecidos e a hipótese de serem acompanhados por um contabilista depende da disponibilidade deste, do custo elevado que é proceder a essa consulta fora do seu escritório e sendo a capacidade para a sua apreensão limitada pelo tempo disponível para consulta.
XXIV. Revertendo ao caso concreto, como ao A. e aos seus irmãos só foi disponibilizada cópia dos documentos no início da Assembleia Geral, é evidente que não estava habilitado a fazer perguntas e pedir esclarecimentos aos gerentes sobre o relatório.
XXV. O provado incumprimento da Ré em disponibilizar os documentos preparatórios da AG mencionados no artigo 70º, nº 2 do CSC, no seu site da internet, faz com que todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC).
XXVI. Sem prescindir, entre o ponto 4 da ordem de trabalho e a deliberação tomada sobre este ponto, existe uma discrepância insanável, na ordem do dia convocou-se para vender um prédio sito numa freguesia, o deliberado foi vender um prédio sito numa freguesia completamente diferente, ou seja, com objetos perfeitamente distintos entre si.
XXVII. Mostrando-se manifestamente violado o dever de informação – informado que a venda é dum prédio e deliberado vender outro prédio - e por aí anulável a deliberação quanto a esse ponto.
XXVIII. A douta sentença recorrida violou ou interpretou erradamente o preceituado nos artigos 21º, nº 1, al. c), 58º, nº 1, al. c), 70, nº 2, da CSC e 262º, nº 2 do CC.

TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrido e julgando-se o pedido de anulação de deliberações sociais procedente, COMO É DE JUSTIÇA.»
*
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais em súmula a apelada pugna pela inexistência de fundamento para a alteração da matéria de facto dada como não provada, considerando que o juiz a quo procedeu a uma correcta valoração da prova produzida, concluindo pela manutenção do decidido.
Conclui ademais que perante a prova produzida inexiste fundamento para a anulabilidade das deliberações porquanto cumprido o fornecimento mínimo dos elementos de informação legalmente exigíveis ao apelante, quer prévia, quer durante a assembleia.
Mais sustenta que o erro no nome da freguesia do imóvel a vender indicada na convocatória se tratou de um lapso imediatamente corrigido na assembleia sem qualquer oposição, tendo sido entregue cópia da caderneta predial e aprovada a proposta com 89,78% de votos favoráveis.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
*
Face às conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1ª - Determinar se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença, relativamente aos pontos cuja impugnação é efectuada no recurso;
2º- Aferir se deve ser decretada a anulabilidade das deliberações 1., 2. e 4., pela violação do dever de informação ao sócio.
*
III – Fundamentação fáctica.

a) A factualidade consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte:

Factos provados:

1. A Ré é uma sociedade por quotas que tem por escopo estatutário a “indústria de transportes automóveis de carga e passageiros, circuitos turísticos, agências de viagens e turismo, aluguer de automóveis e camionetas sem condutor”, com o capital social de € 498.815,00.
2. O Autor é sócio da Ré, sendo titular na mesma de uma quota do valor nominal de € 10,00.
3. A Ré vincula-se apenas com a assinatura de V. C., detentor de uma quota do valor de € 257.260,00, ou seja, de 51,57% do capital social.
4. A Ré convocou uma Assembleia Geral para o dia 24 de maio de 2019 com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto 1 – Deliberar sobre o Relatório de Gestão e contas de exercício, Certificação Legal de Contas, o Balanço e restantes documentos de prestação de contas relativas ao exercício de 2018;
Ponto 2 – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados;
Ponto 3 – Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;
Ponto 4 – Autorizar a venda de um prédio rústico, situado na freguesia de ..., desde concelho.
5. No dia 21 de maio de 2019, os sócios R. C. e N. C. dirigiram-se à sede da Ré, aí tendo-lhes sido facultada a consulta dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2018 (designadamente o relatório de gestão, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização), tendo-lhe sido comunicado que não lhes seria facultada cópia dos documentos.
6. Os referidos documentos não se encontravam disponibilizados na página de internet da Ré.
7. No dia 22 de maio de 2019, o sócio R. C. enviou um e-mail dirigido à Ré, reclamando pelo facto de não lhe terem sido facultadas cópia dos documentos preparatórios da AG em sujeito, solicitando tal envio por correio electrónico.-
8. No dia 24 de maio de 2019 realizou-se a assembleia geral (AG) da X para os fins convocados, presidida pelo sócio e gerente V. C., que foi encerrada nessa mesma data.
9. Na referida assembleia esteve presente o Autor, na qual foi admitido a estar presente e a intervir na sua qualidade de sócio.
10. No âmbito da assembleia-geral em sujeito, relativamente aos pontos um, dois e quatro da ordem de trabalhos, foram os mesmos levados a votação, tendo o Autor os sócios R. C. e N. C. votado contra, e sendo aprovado com os votos a favor dos restantes sócios, representando 89,78% do capital social.
11. No âmbito do ponto quatro da ordem de trabalhos, foi fornecida ao Autor cópia da certidão matricial do prédio cuja venda seria deliberada e informado que o mesmo tinha natureza rústica, e que afinal se situava não na freguesia de ..., tal como constava da Convocatória e da informação prestada pela Ré em 18 de maio de 2019, mas sim na freguesia de ... e ....
12. Ainda no âmbito do mesmo último ponto da ordem de trabalhos, o Presidente da AG informou que, com a aprovação pela assembleia, a venda seria um acto da gerência.

Foram dados como não provados os seguintes factos:

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor.
b) A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019.
c) Não foram satisfeitos pelos gerentes os esclarecimentos solicitados pelo Autor relativamente às contas apresentadas, quer relativamente à Ré quer relativamente às participadas/associadas M. P. & C.ª e Transc....
d) A Ré recusou-se a permitir a consulta ao Autor de quaisquer documentos ou informações respeitante ao prédio objecto do ponto 4 da convocatória.
e) O e-mail descrito em 3.7. dos factos provados foi remetido também em nome/representação do Autor.
f) O gerente da Ré recusou-se a pôr à votação do preço mínimo e condições de venda referentes ao prédio objecto do ponto quatro da ordem de trabalhos.

IV. Fundamentação:

a) Da alteração da matéria de facto:

Versando o recurso a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, fixam-se no artigo 640º do Código de Processo Civil (doravante designado CPC), as especificações obrigatórias que deve conter, sob pena de rejeição.

De acordo com tal normativo, o recorrente que impugne a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um triplo ónus, consistindo no dever de, obrigatoriamente:

1. Circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
2. Fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa,
3. Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

Por outro lado, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados acresce mais um ónus, nos termos do artigo 640º, n.º 2, alínea a) do CPC, designadamente e, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Antes de avançarmos, importa referir que os fundamentos de prova invocados para alteração da decisão de facto remetem para os critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida.
Neste conspecto há que ter em consideração, que o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância - pressuposto que no livre exercício da sua convicção o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão - embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve restringir-se aos casos em que se mostre seguro, perante os elementos de prova disponíveis, o erro de apreciação entre os elementos de prova e a decisão, sempre ponderando que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é notoriamente mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, o tribunal a quo se encontra, para tal, em melhor posição.
Assim, o tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto fixada, dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel da Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, nos casos em que, no seu juízo autónomo da prova, se evidencie claro erro na apreciação efectuada, face à injustificada desconformidade entre o que resulta dos elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto.
Como elucidativamente se refere no Ac. desta Relação de 11-07-2017 da relatora Maria João Matos in www.dgsi.pt «o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).»

Vejamos então, reportando à situação dos autos:
Analisado o recurso interposto quanto à impugnação da matéria de facto, resulta ter sido cumprido pelo apelante o ónus especificado no citado artigo 640º do CPC, pelo que passaremos à apreciação da conformidade da mesma.
Os concretos pontos da matéria de facto que o apelante considera incorrectamente julgados correspondem às alíneas a) e b) da matéria de facto dada como não provada, cuja factualidade entende que deveria ter sido dada como provada face à prova produzida em julgamento.

Concretizemos:
Pretende o apelante que os seguintes factos sejam dados como provados:
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor.
b) A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019.
Para tal o apelante convoca os depoimentos prestados em audiência pelos seus irmãos N. C. (declarações gravadas com início às 11.17.27 horas e términus pelas 11.25.17 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 23 de janeiro de 2020) e R. C. (nas declarações gravadas com início às 11.26.10 horas e términus pelas 11.36.07 horas, da mesma acta), bem como da testemunha J. A., então TOC da Ré (início pelas 10.58 horas e términus pelas 11.08 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 04 de fevereiro de 2020).

Vejamos, então, qual a motivação consignada na sentença quanto à factualidade dada como provada e não provada, assinalando-se a negrito a parte respeitante à matéria alvo de impugnação:
« O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, nos seguintes termos:---
Relativamente aos pontos 3.1., 3.2. e 3.3. dos factos provados, resultam os mesmos do teor da certidão permanente junta aos autos em anexo à petição inicial.---
No que toca ao ponto 3.4. factos provados, o mesmo encontra suporte no teor da convocatória apresentada pela Autora em anexo ao respetivo articulado inicial.---
A respeito dos pontos 3.5. e 3.6. dos factos provados, bem como no que se refere às alíneas a), b) e d) dos factos não provados, resulta como tal (desde logo) do teor do alegado pelo Autor, na parte em que não resulta aliás impugnado pela Ré, bem como pelo teor das declarações das testemunhas N. C. e R. C. (irmãos do Autor, também eles sócios da Ré), bem como J. A. (TOC da Ré até Outubro de 2019). Em suma, dir-se-á que, aceite o teor da convocatória, resulta claro que o Autor jamais procurou consultar ou solicitar quaisquer elementos à Ré com vista a documentar-se para participar na AG em sujeito, sendo que, com relação à alegada representação do mesmo pelos irmãos, não resulta devidamente comprovada, designadamente por procuração para o efeito outorgada, senão pelas declarações daqueles próprios, as quais aliás resultaram claramente parciais e pouco objectivas (!).---
Com relação ao ponto 3.7. dos factos provados, a par do que resulta da alínea e) dos factos não provados, a respectiva factualidade advém do teor do referido e-mail, anexo á petição inicial, de acordo com o qual se mostra evidente que o seu subscritor o enviou tão-só em nome próprio, o qual aliás reforça a falta prova quanto à actuação em representação do Autor.---
Por fim, e no que respeita aos factos plasmados nos pontos 3.8. a 3.12. dos factos provados e alíneas c) e f) dos factos não provados, os mesmos resultam do teor da acta da assembleia-geral anual da Ré realizada no dia 24/05/2019 junta em anexo à petição inicial, a qual não foi efectivamente impugnada, factos estes confirmados e explicados por força do depoimento de parte do legal representante da Ré, V. C., bem como ainda do depoimento da testemunha A. C. (ROC da Ré).---
Atendendo, em particular, à prova por declarações e testemunhal produzida em sede de audiência final, temos sumariamente:---
Na verdade, desde logo, nem o Autor foi consultar os documentos à sede da Ré, nem ali se mandou representar devidamente para o efeito, nem foi impedido de o fazer, nem, ainda, solicitou quaisquer cópias da documentação preparatória da AG.---
Aliás, o próprio Autor admite na sua alegação inicial que os documentos se encontravam disponíveis para consulta na sede da Ré, tendo inclusivamente sido consultados pelos seus irmãos que ali se dirigiram. Irrelevante será que aqueles não tenham obtido cópias dos mesmos, na medida em que os mesmos não são parte nos autos, nem se aceita (por falta de prova) como tendo actuado em sua representação.---
Por sua vez e em sede de AG, de acordo com o teor (não impugnado) da própria acta, não resulta que tenha sido negada qualquer informação ou esclarecimento ao Autor imprescindível à formação da sua vontade quanto ao pontos objecto de deliberação – os quais foram efectivamente por si votados –, neste ponto sendo importante frisar que as questões entretanto levantadas quanto às participadas/associadas da Ré não foram sequer suscitadas naquela sede (!).---
No que toca à denunciada irregularidade quanto à aprovação de contas, para além de o Autor não concretizar devidamente as respectivas alegações, para tal concretização não bastou – como parece ter sido sua intenção – as declarações da testemunha, por si arrolada, R. V., que se apresentou como TOC e que referiu ter analisado o relatório de contas da Ré, tendo acabado por admitir que necessitaria de uma análise mais profunda aa poder retirar conclusões mais claras (!).---
*
Os restantes factos alegados que não constam da factualidade provada e não provada entendem-se por irrelevantes para a decisão da causa – designadamente atento o pedido formulado pelo Autor, bem como o objeto do litígio e temas de prova definidos nos autos – mostrando-se conclusivos ou por versarem sobre matéria de direito.---»

Como se evidencia da transcrição efectuada, a Sr.ª juiz do Tribunal a quo fez a sua valoração da prova produzida com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosa e exaustivamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.

Vejamos então:
Ouvidos não só os excertos da gravação relativos aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, mas os depoimentos na sua integralidade, bem como restante prova produzida nos autos, importa referir que não se surpreende na valoração dos pontos em análise pelo tribunal a quo, o erro de apreciação que é imputado à decisão recorrida.

Concretizemos:
A questão colocada pelo primeiro ponto de discordância do apelante, com repercussão ao segundo, cinge-se à representação do mesmo pelos irmãos na ida daqueles às instalações da ré para consulta da documentação preparatória da Assembleia Geral.
Ora, da prova produzida, o único facto que resulta indubitável é que os irmãos do autor, N. C. e R. C., sócios da ré, se deslocaram às instalações desta para consulta de tais documentos, dias antes da referida Assembleia (ponto 3.5 dos factos). Mais resulta que tais documentos lhes foram facultados para consulta, e que foi disponibilizada, pelo técnico de contas da ré, aí presente, a prestação de quaisquer esclarecimentos que necessitassem sobre a referida documentação (veja-se depoimento de N. C.). Ademais, resulta seguro, porque admitido pelo próprio autor, quer na petição, quer nas alegações, que este não se deslocou às instalações da ré para consulta da documentação preparatória da assembleia que ia ser realizada.
Relativamente à alegada “representação” do autor, concordamos na íntegra com a aferição feita pelo tribunal recorrido, porquanto, se por um lado os únicos depoimentos que fazem alusão, não a uma situação de “representação” propriamente dita, mas tão só, a que o seu irmão e ora apelante, sabendo que eles iriam à empresa, lhes teria solicitado que também pedissem cópias dos documentos para si, foram os depoimentos dos indicados N. C. e R. C., irmãos do apelante, inexistindo qualquer outra prova consistente e segura que confirmasse tal situação. Nem sequer tal facto foi referenciado no depoimento prestado pela testemunha presente aquando da consulta, como seja o referido J. A.. E, nem sequer tal facto foi antecipadamente comunicado à empresa pelo apelante, como seria natural, ou acompanhado de qualquer documento escrito que legitimasse tal pedido, tanto mais que, conforme se evidencia do disposto no artigo 214 n.4 ex vi 263º do Código das Sociedades Comerciais (doravante C.S.C.) e veremos melhor explicitado infra, o direito à informação prévio à assembleia, mediante consulta na sede da ré, deve ser feito pessoalmente pelo sócio.
Ora, o depoimento dos irmãos do autor, com natural interesse no desfecho da causa e inquestionável relação de proximidade com o apelante, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, mostrou-se pouco seguro e pouco consistente na afirmação, aliás contida, de que: «ele quando soube que eu ia disse, R. C., traz para mim», ou «foi o seu irmão que os encarregou, eu disse que ia lá e ele disse, se não te importas», não permitindo formular qualquer convicção segura, sequer, sobre a realidade de tais afirmações.
Do que vem de se expor e concluindo, não resulta provada na acção qualquer dita «representação» ou, sequer, pedido de documentos em nome do autor, mantendo-se assim, na íntegra, como não provada, a factualidade consignada na alínea a).
Em decorrência da não consignação como provada da factualidade reportada na alínea a), e da ausência de qualquer prova que sustente a afirmação contida na alínea b), a acrescer o facto de que resulta evidenciado da prova produzida, quer do depoimento da testemunha A. C., ROC da sociedade ré, há mais de 20 anos, quer da própria acta da Assembleia Geral (não impugnada), que foram fornecidas aos sócios em suporte papel, naquela assembleia, e antes da respectiva deliberação, cópias do relatório de gestão e contas referente ao exercício de 2018 e caderneta predial relativa ao imóvel e respondidas diversas questões que foram colocadas por estes, entre os quais pelo apelante e conforme referido na decisão recorrida «não resulta que tenha sido negada qualquer informação ou esclarecimento ao Autor imprescindível à formação da sua vontade quanto ao pontos objecto de deliberação – os quais foram efectivamente por si votados», teremos de concluir também, inexistir prova que sustente a matéria factual consignada na alínea b).
Aqui chegados e em sede conclusiva, improcede, in totum, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a matéria de facto provada e não provada constante da sentença.

b) Aplicação do Direito aos factos:

Mantendo-se inalterada a matéria de facto que subjaz à decisão da causa, e partindo desta, vejamos da conformidade do decidido, com reporte aos pontos assinalados no recurso.
Através da presente acção de anulação de deliberações sociais, o autor, P. C., pretende a anulação das deliberações sociais respeitantes aos pontos 1., 2. e 4 da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 24.05.2019.
Conforme se evidencia das alegações recursivas, o apelante sustenta a sua discordância relativamente à decisão recorrida na afirmação de que se mostra violado o direito à informação do sócio prévia à Assembleia Geral, elencando para tal o disposto nos artigos 21º n.1 al. c); 58º n.1 al. c), 70º n.2 do CSC.
Para ajuizar acerca da validade das deliberações em causa haverá que indagar se ocorrem os vícios apontados, susceptíveis de justificarem a sua anulabilidade.

Que dizer:
De acordo com os artigos 56.º e 58.º do CSC, as deliberações podem ser nulas ou anuláveis.
A al. c) do nº 1 do art. 58º do CSC comina com anulabilidade as deliberações tomadas em violação ao direito de informação do sócio.

Dispõe o artigo 58º do CSC que: «1 - São anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.»

No caso em apreciação está em causa a deliberação não precedida dos elementos mínimos de informação, que consubstancia um vício de procedimento decorrente da violação da lei, prevista na alínea c) do n.1 do citado artigo 58º.
Os critérios para definir os elementos mínimos de informação mostram-se elencados no n.º 4 do referido normativo, ao considerar que integram o conceito, os elementos que devem ser colocados ao dispor dos sócios, com uma determinada antecedência referentes aos assuntos que vão ser objecto da deliberação, desde as propostas de alteração contratual ou estatutária (cfr. al. a) até ao relatório de gestão e (demais) documentos de prestação de contas (cfr. al. b)(1).

Diz-nos assim o n. 4 do artigo 58º, que: «Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;
b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.»
O direito à informação do sócio tem a natureza de direito subjectivo, o qual lhe é conferido, no seu exclusivo interesse, e que este poderá exercer ou não exercer, consoante entenda necessário ou conveniente. (2) Consubstancia-se em “um direito instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais”, nomeadamente do “direito de voto” que deve ser exercido de forma consciente (3).
Este direito de informação está genericamente consagrado na al. c) do nº 1 do art. 21º : “Todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” .
A sua regulamentação e concreto exercício fundamental varia, naturalmente, em função do tipo legal de sociedade em presença, embora em todos eles ocorra em três níveis distintos: a informação permanente (que é prestada, em cada momento, a pedido do sócio interessado), a informação intercalar (que deve ser prestada como preparatória de cada reunião de assembleia) e a informação em assembleia (que deve ser prestada na própria reunião de assembleia como elemento instrutório do debate). (4)
No que se refere às sociedades por quotas, como a aqui em causa, o direito dos sócios à informação, está regulamentado no art. 214º do CSC.
Assim, com vista à apreciação anual da situação da sociedade, prescreve o nº 1 do art. 263º do CSC que: “o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, nas condições previstas no art. 214º, nº 4, na sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida convocatória para a assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocatória”.
Dizendo-nos a este propósito o n. 4 do artigo 214º que: «A consulta da escrituração, livros ou documentos deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil.»
Decorre dos normativos acabados de referenciar que a lei exige, para a validade das deliberações respectivas, que previamente se coloquem em determinado local, mais concretamente na sede da sociedade, certos documentos à disposição dos sócios- designadamente os documentos a que se reporta o artigo 263º n. 1 do CSC, para consulta pessoal pelo sócio, facultando a lei, para melhor esclarecimento deste, que se possa fazer assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil, mormente tirar cópias, fotografias ou ainda usar de outros meios destinados a obter a reprodução da coisa ou documento, desde que a reprodução se mostre necessária e o gerente não alegar motivo grave para se lhe opor.
Como salienta Raul Ventura in Sociedades por Quotas, Vol. I, págs. 295, por força do n.4 do artigo 214º «a consulta de livros ou documentos deve ser feita pessoalmente pelo sócio. Não é, pois, admitida representação ou delegação deste direito noutra pessoa, mesmo que se trate de outro sócio da sociedade. Alguns autores apontam, com razão, que o exercício do direito por meio de outro sócio não traria para a sociedade os perigos receados, mas também é verdade que, por um lado, não ficariam resolvidos todos os problemas práticos, atentos os casos em que não fosse possível encontrar outro sócio idóneo para tal tarefa, e, por outro lado, se o outro sócio estaria disposto a efectuar a consulta em nome doutrem, também poderá fazê-lo em nome próprio e transmitir a informação ao directamente interessado. Esta virá a ser a única solução, embora talvez precária, em casos de impossibilidade física de comparência pessoal do sócio.
A norma pode contudo ser derrogada no contrato, em sentido favorável ao sócio, isto é, no sentido da delegação ou representação.» (5)
Feitas estas considerações e reportando-as à situação dos autos, resulta evidenciado perante a matéria de facto dada como provada e não provada, não ter o ora apelante logrado provar a alegada violação do direito à informação prévia à assembleia, nos termos por este pugnados.
Concretizemos.
Desde logo, ressalta claro que os documentos exigidos por força do disposto no artigo 263º n.1 do CSC, foram disponibilizados para consulta pessoal aos sócios, nos dias anteriores à assembleia, nas instalações da sociedade ré, tanto mais que alguns dos sócios aí se deslocaram para o efeito ( cfr. ponto 3.5 dos factos) e lhes foi facultada tal consulta, pelo que não tendo o autor/apelante feito prova de que aí se deslocou (pelo contrário o apelante assume que não se deslocou às instalações da ré) e de que essa informação /consulta lhe foi negada na sua qualidade de sócio da ré, ou sequer, prova de que se encontrava “representado” para efeitos dessa consulta por qualquer dos sócios que aí se deslocaram e que essa representação era admitida e regulada no contrato de sociedade, sendo-lhe a consulta negada; ou prova de que solicitou e lhe foi recusada cópia dos documentos preparatórios (no pressuposto da sua justificada necessidade)- como se evidencia das alíneas b) e d) dos factos não provados-, resta votado ao insucesso, com tal fundamento, o vício arguido.
Merece assim a nossa inteira concordância o explanado na sentença quanto a esta questão, ao referir: « Na verdade, não se provou, nem que a Ré se tenha recusado a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019 – designadamente por não se ter provado que este o tenha solicitado – nem que, em sede de AG, não foram satisfeitos os esclarecimentos solicitados pelo Autor relativamente às contas apresentadas, quer relativamente à Ré quer relativamente às participadas/associadas M. P. & C.ª e Transc..., nem ainda, que a Ré se tenha recusado a permitir a consulta ao Autor de quaisquer documentos ou informações respeitante ao prédio objecto do ponto 4 da convocatória
Sustenta ainda o apelante, que também a não disponibilização prévia dos documentos preparatórios da Assembleia Geral na página de internet da ré, conforme ponto 3.6. da factualidade provada, conduz à anulabilidade da deliberação com fundamento na violação do dever de informação previsto no artigo 58º n.1 al. c) do CSC, convocando para o efeito o disposto no artigo 70º n.2 do C.S.C.
Contudo, não lhe assiste razão.
Na verdade, diz-nos o artigo 70º do CSC, sob a epigrafe: «Prestação de contas», que: «1 - A informação respeitante às contas do exercício e aos demais documentos de prestação de contas, devidamente aprovados, está sujeita a registo comercial, nos termos da lei respectiva.
2 - A sociedade deve disponibilizar aos interessados, sem encargos, no respectivo sítio da Internet, quando exista, e na sua sede cópia integral dos seguintes documentos:
a) Relatório de gestão;
b) Relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do documento referido na alínea anterior;
c) Certificação legal das contas;
d) Parecer do órgão de fiscalização, quando exista

Decorre da norma atrás citada que o relatório de gestão, as contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas, depois de aprovados, estão sujeitos a registo comercial, dando publicidade à situação jurídica da entidade, tendo em vista a segurança do comércio jurídico, conforme dispõe o art. 1º e 3º al.n) do Código de Registo Comercial. As sociedades que disponham de sítio na Internet devem disponibilizar aos interessados, de forma gratuita, os documentos previstos no art. 70º/2.
Atentando na norma acabada de citar e considerando tudo o que atrás ficou exposto quanto à delimitação do direito dos sócios a informação prévia à assembleia geral, linearmente constatamos a ausência de fundamento do apelante ao invocar a publicitação dos documentos previstos no artigo 263º n.1 do CSC no site da internet da sociedade, como requisito cumulativo à verificação daquele direito.
Na verdade, e conforme oportunamente referimos, a lei estabelece de forma clara, no âmbito dos elementos mínimos de informação – n. 4 do artigo 58º- qual a conduta que faz incorrer a deliberação no vício da anulabilidade por falta de informação prévia à Assembleia, concretizando-a, no caso das sociedades por quotas, na falta de colocação e disponibilização aos sócios dos documentos para exame pessoal na sede da sociedade nos dias anteriores à Assembleia, no modo, tempo e forma aí previstos – artigos 214º n.4 ex vi 263º do C.S.C.
Em lado algum se prevê, como elemento constituinte dessa informação prévia, nas sociedades por quotas, a disponibilização obrigatória de tais documentos no site da sociedade, o que aliás, a verificar-se, faria até perder de sentido a regulamentação estabelecida nos normativos supra citados.
Ademais, como se evidencia da leitura do artigo 70º do CSC, a sua previsão incide sobre os actos a praticar para a publicitação e registo das contas após a sua aprovação.
Do que vem de se expor resulta que o facto relevante para a verificação do vício invocado seria, não a falta de publicitação dos documentos de contas na internet – vide ponto 3.6. dos factos provados-, mas a falta de disponibilização de tais documentos ao autor nos termos previstos nos artigos 214º n.4 ex vi 263º do C.S.C., o que, como vimos, o apelante não logrou provar.
Pelo que se o apelante optou por não consultar tais documentos pessoalmente nas instalações da ré, se necessário acompanhado de um técnico que o habilitasse a compreendê-las, e se no seu entender não se mostraram suficientes a entrega da documentação no início da Assembleia, nem os esclarecimentos aí prestados, como invoca, só a si pode imputar essa falta de esclarecimento.
Improcede, assim, por falta de fundamento, a arguição do apelante também quanto a esta questão.
Por último, invoca o apelante que relativamente ao ponto 4. da ordem de trabalhos a deliberação é anulável por violação do dever de informação já que existe uma discrepância insanável entre a indicação da ordem do dia quanto à identificação, designadamente freguesia, do prédio a vender e o deliberado em Assembleia, que foi a venda de um prédio sito numa freguesia diferente.
Na convocatória e no ponto 4. da ordem de trabalhos, consta: «Autorizar a venda de um prédio rústico, situado na freguesia de ..., deste Concelho» e na Assembleia, «No âmbito do ponto quatro da ordem de trabalhos, foi fornecida ao Autor cópia da certidão matricial do prédio cuja venda seria deliberada e informado que o mesmo tinha natureza rústica, e que afinal se situava não na freguesia de ..., tal como constava da Convocatória e da informação prestada pela Ré em 18 de maio de 2019, mas sim na freguesia de ... e ....» - ponto 3.11 dos factos provados.
Quanto a esta alegação, importa salientar que a questão em que funda a violação do direito à informação agora invocado, assenta numa vertente algo diferenciada daquela que foi colocada na acção e que mereceu decisão pelo tribunal a quo.
Concretizando, na petição inicial da acção o autor e ora apelante assenta o vício da falta de informação, na recusa da ré em permitir a consulta de quaisquer documentos ou informações respeitantes ao aludido prédio –vide artigo 34º da P.I.-; já em sede de recurso, vem assentar a referida violação na discrepância entre a ordem do dia da convocatória (quanto à freguesia do prédio cuja autorização de venda seria deliberada) - e aquilo que foi deliberado em Assembleia – aprovação da venda de um prédio noutra freguesia.
Como é sabido, os recursos destinam-se a permitir a reponderação de uma determinada decisão jurisdicional já tomada por um tribunal de hierarquia inferior e não a conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas perante esse tribunal, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. (6)
No caso, a sentença alvo de impugnação, circunscreveu a sua apreciação à questão do vício da anulabilidade da deliberação por falta de informação nos moldes que haviam sido arguidos em sede da acção, concluindo pela sua improcedência, não se pronunciando, porque não suscitada concretamente essa questão, pela situação de divergência da freguesia do prédio a vender, ou seja, pela anulabilidade da deliberação por correlação com a respetiva convocatória. Por conseguinte, não sendo esta de conhecimento oficioso, se exclui a sua apreciação nesta sede.
Não obstante, e ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que conforme se mostra provado na sentença (ponto 3.11) e resulta do teor da acta da Assembleia, não impugnada, foram fornecidos ao autor e demais sócios aí indicados, antes da deliberação, a caderneta predial do prédio objecto de deliberação e fornecidas informações quanto à localização do prédio, confrontações, bem como respondidas as demais questões suscitadas pelos sócios, esclarecendo-se a existência de um lapso na convocatória no que se refere à indicação da freguesia do prédio. Ademais, se verifica que o apelante não se opôs a que se deliberasse sobre esse ponto, com fundamento na referida discrepância, e votou a deliberação (contra).
Ora, no âmbito dos elementos mínimos de informação a que alude o artigo 58º do CSC, consigna-se na sua alínea a), as menções exigidas pelo artigo 377º n.8 do CSC, como seja, o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.
Ou seja, no normativo em apreço, o objectivo visado é que a identificação do thema deliberandum seja feita de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar. Só para as modificações do contratos se exigiu um grau maior de precisão, enumerando as concretas menções a incluir no aviso convocatório – o que não deve, pelo seu carácter excepcional, ser alargado a outras hipóteses. (7)
Como se salienta no Ac. R.E. de 11.07.2019, processo 2632/18.1T8STR.E1 in www.dgsi.pt «Habitualmente, na densificação do critério orientador, a doutrina e jurisprudência defendem que os elementos mínimos de informação atípicos não devem potenciar o sacrifício da segurança e da estabilidade das deliberações dos sócios em função de simples bagatelas.
E, nessa lógica jurídica, ainda que sucinta, a convocatória deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objecto decisório….
À luz do Anteprojecto da lei das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, não poderiam ser tomadas deliberações sobre assuntos que não fossem mencionados com clareza na ordem do dia, a não ser que todos os sócios ou seus representantes estejam presentes na reunião e nenhum deles se oponha a que sobre isso se delibere. E esta filosofia acabou por ser transporta para o actual Código das Sociedades Comerciais através das normas anteriormente convocadas.»

Postos, estes breves considerandos e perante o que acima ficou exposto, mormente face ao teor do ponto 4. da ordem de trabalhos indicada na convocatória, resulta a indicação do assunto que iria ser colocado à deliberação dos sócios quanto a esse ponto, qual seja, a venda de um prédio rústico, sendo que o lapso na indicação da freguesia do mesmo foi esclarecida em Assembleia e entregue o documento identificativo do mesmo- caderneta predial-, sendo tal ponto sujeito a votação pelos sócios.
Inexiste assim e também por esta via, o apontado vício relativo à falta da prestação dos elementos mínimos de informação.

Aqui chegados e em face de tudo o que vem de se expor, impõe-se a confirmação da decisão recorrida, por não merecer qualquer reparo.
A apelação será assim de improceder.
*
V. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas a suportar pelo apelante.
*
Guimarães, 17.12.2020

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)

Fernanda Proença Fernandes

Alexandra Viana Lopes

(assinado digitalmente)


1. Cf. Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, Paulo Olavo Cunha, págs. 240 e segs.
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.09.2006, proc. n.º 6067/2006-6. In www.dgsi.pt.
3. cfr. Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. I, pág. 279 e ss.
4. Curso de Direito das Sociedades, Jorge Henrique Pinto Furtado, págs. 230 e segs.
5. A este propósito vide também « Direito à Informação nas Sociedades Comerciais de Samora da Costa César Ferreira , Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das Empresas, págs.13 in https://repositorio.iscte-iul.pt/ .
6. Ac. desta Relação de Guimarães, proferido no processo 224/12.8TBBCL.G1, com data de 10.05.2018.
7. Curso de Direito das Sociedades, Jorge Henrique Pinto Furtado, 4ª ed., págs. 466.