Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7317/15.8T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
ILÍCITO CRIMINAL
PRESUNÇÃO JUDICIAL
REGRAS ESTRADAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O direito à indemnização em geral prescreve no prazo de três anos, mas se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

II- Querendo o lesado aproveitar-se do prazo alongado do nº 3 do artº 498º do CC, tem de provar que o facto ilícito praticado constitui um crime, ou seja, tem de provar que se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência, incluindo a culpa efectiva do autor da lesão.

III- A prova da inobservância de leis ou regulamentos de natureza rodoviária faz presumir a culpa do agente na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação dessa falta de diligência.

IV- Bastará, em princípio, ao lesado alegar factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem a culpa do autor da lesão muito verosímil, nomeadamente a violação de alguma norma legal, cabendo por sua vez ao lesante fazer a respectiva contraprova desses factos.
Decisão Texto Integral:
Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por A. S. contra X Portugal – Companhia de Seguros, SA, parcialmente procedente por provada, e, consequentemente, condeno a R. a pagar à A. o montante de € 6.180,00 (seis mil cento e oitenta euros), ao que acrescerão os juros moratórios, à taxa legal, devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo de A. e R. na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A…”
*
Não se conformando com a decisão proferida dela veio a ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objeto duas decisões tomadas pela douta sentença recorrida:

a) O julgamento da matéria de facto constante do ponto 9. dos Factos Provados.
b) O julgamento da exceção perentória da prescrição invocada pela ré, concretamente, que tenha sido provado que a ação do condutor do veículo FZ preenche todos os elementos do tipo legal do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º do Código Penal, justificativo da aplicação do prazo previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil.
2. No que concerne ao julgamento da matéria de facto, a recorrente discorda da decisão proferida no ponto 9. dos Factos Provados de que "o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina". Com efeito,
3. A única prova produzida sobre essa matéria foi o depoimento da testemunha A. C., motorista do veículo FZ.
4. Essa testemunha nunca declarou nem confirmou que tenha travado de forma brusca e repentina e que realizou essa travagem por forma a imobilizar o veículo na paragem, tal como resulta do seu depoimento (…).
5. Como decorre desse testemunho, o que o motorista referiu, foi apenas que se viu obrigado a efetuar uma travagem um pouco mais forçada, mas que não se recordava da razão ou motivo porque teve de o fazer.
6. Aliás, a dificuldade de sustentar o julgamento do ponto 9. dos Factos Provados em qualquer meio de prova, resulta evidente da Motivação da douta sentença onde, quanto àqueles factos (ponto 9.) não vem invocado sequer qualquer meio probatório em que o Senhor Juiz tenha fundado a sua convicção sobre aqueles factos.
7. E não o fez porque, na verdade, não o podia fazer, já que não foi produzida qualquer prova sobre o mesmo.
8. Por ausência de prova, que incumbia à autora, deve ser revogada a decisão proferida pela 1ª instância no ponto 9. dos Factos Provados, na parte em que julgou provado que "o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina", dando-se esses factos como não provados, e, em sua substituição, julgar-se como provado que "o condutor do veículo FZ teve de fazer uma travagem mais forçada".
9. Quanto ao julgamento da exceção perentória da prescrição, estamos em presença de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, em que a autora reclama da ré seguradora o pagamento de uma indemnização por danos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 07/02/2011, tendo em 08/02/2011 a ré/recorrente assumido perante a autora a responsabilidade pelo pagamento da respetiva indemnização.
10. Porque foi citada para a ação apenas em 16/11/2015, a ré invocou a prescrição prevista no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, pois tendo sido citada depois de decorridos três anos após 08/02/2011, data da interrupção do prazo prescricional, o direito da autora encontrava-se prescrito já na data em que instaurou a ação.
11. A douta sentença decidiu apreciar se no caso concreto deveria ser aplicado o previsto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil, ou seja, se o facto ilícito praticado pelo condutor do FZ constituía um crime e se a lei penal estabelecia para a prescrição desse eventual crime um prazo mais longo que os três anos, de forma a que esse prazo pudesse ser aplicado no julgamento da prescrição do direito de indemnização.
12. Considerando, e bem, que competia à autora o ónus da prova de que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal fixa um prazo de prescrição mais alargado que o previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, a sentença considerou que a autora logrou provar que o condutor do FZ, com a sua conduta, ofendeu, de forma negligente, o corpo da autora, praticando, por isso, o crime previsto no referido artigo 148º, nº 1 do Código Penal.
13. Em consequência, julgou improcedente a exceção de prescrição, por entender que ao caso se aplica o prazo prescricional de cinco anos, de acordo com o previsto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil, em conjugação com o disposto nos artigos 118º, nº 1 e 148º, nº 1 do Código Penal.
14. A recorrente discorda com esta decisão, pelas razões seguintes:
15. A regra geral de prescrição do direito de indemnização está prevista no nº 1, do artigo 498º, do Código Civil. Nos termos desta norma, o direito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.
16. No caso em apreço, é inquestionável que a autora teve conhecimento do seu direito à indemnização no dia do acidente, ou seja, em 07/01/2011, e que em 08/02/2011 o prazo prescricional foi interrompido por a ré ter expressamente reconhecido perante a lesada o seu direito à indemnização, reiniciando-se novo prazo prescricional a partir de 09/02/2011. A ação foi proposta para além do prazo de 3 anos contados desde 09/02/2011.
17. No entanto, o artigo 498º, nº 3, do Código Civil prevê um desvio àquela norma geral, consagrando que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo do que aquele, é a este o prazo a que se deve atender para efeitos de prescrição.
18. É entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que no caso de o lesado querer aproveitar esse prazo alongado, tem não só de alegar, mas também de provar, que o facto ilícito constitui um crime (nesse sentido, Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3º Edição, pág. 477), sendo que "tal alegação e prova é pressuposto essencial e necessário da improcedência da exceção de prescrição que o R. tenha suscitado" (Ac. do STJ de 23/10/2012, Proc. 198/06.4TFFAL.El.51, in www.dgsi.pt).
19. Nesse mesmo sentido se pronunciou o STJ, no acórdão de 23/10/2013, onde esclareceu que o lesado apenas pode socorrer-se do disposto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil e intentar a ação para exercício do direito de indemnização resultante de responsabilidade extracontratual para além do prazo de três anos, "desde que alegue e prove, na acção civil, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior aos 3 anos consignados no nº 1 do preceito".
20. De realçar ainda que, para efeitos de aproveitamento daquele prazo prescricional criminal, não basta que o facto ilícito seja suscetível de constituir um determinado crime, antes se exige que "concretamente concorram no caso todos os elementos essenciais dum tipo legal de crime" (Ac. do STJ de 02/12/2004, Proc. 04B3724, in www.dgsi.pt), pelo que o lesado tem de provar "que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência" (idem).
21. O artigo 13º do Código Penal prescreve que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência", estabelecendo o seu artigo 15º que "age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto."
22. Para haver crime, é necessário, pois, que o facto seja subjetivamente imputado ao agente a título de dolo ou de negligência, pelo que a culpa, entendida pela lei como censura ético-jurídica dirigida a determinada pessoa por não ter atuado de outro modo a que estava obrigado em face das circunstâncias, faz parte dos elementos de qualquer tipo de crime.
23. Por sua vez, a imputação do facto a título de negligência é feita sempre que o agente omita um dever objetivo de cuidado ou diligência que lhe era exigido segundo as circunstâncias concretas e atendendo aos seus conhecimentos e capacidades pessoais, para evitar o evento.
24. No âmbito do direito criminal, não há lugar à presunção do dolo ou da negligência, e muito menos de responsabilização criminal objetiva ou pelo risco, antes vigorando ali, como princípio fundamental, a regra in dubio pro reo.
25. Em face destas disposições e princípios penais, justifica-se o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência de que para aplicação daquele artigo 498º, nº 3, não se mostre suficiente nem relevante que a responsabilidade civil extracontratual do lesante assente ou provenha apenas de uma qualquer presunção de culpa, da responsabilidade objetiva ou pelo risco, pois que "para se poder considerar que determinado evento constitui um crime, é sempre, conforme o art. 13º do Cód. Penal, indispensável que seja imputável ao agente a título de culpa efetiva" (Ac. do STJ de 02/12/2004…).
26. A douta sentença recorrida entendeu que a autora logrou provar que o comportamento do condutor do veículo FZ preenche todos os elementos do tipo de crime de ofensas corporais por negligência, p. e p. pelo artigo 148º do Código Penal, e justificou-o da forma seguinte: "tendo resultado assente que tal ofensa (corporal) ocorreu porque o dito motorista efectuou uma travagem brusca e repentina, igualmente se pode concluir no sentido de que este agiu de forma negligente, pois que não procedeu ao cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz".
27. De acordo com o previsto no artigo 15º do Código Penal, só existe um comportamento negligente quando a pessoa age sem proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, pelo que na determinação dessa modalidade da culpa do condutor, será necessário atender, em concreto, quais as circunstâncias que obrigavam o condutor a adotar outro comportamento e sobre as quais a sentença diz ter alicerçado o seu julgamento de conduta negligente.
28. O que vem provado sobre esta matéria (sem prejuízo da impugnação do julgamento de facto acima deduzida quanto ao ponto 9. dos Factos Provados) é apenas que "o condutor do veículo FZ teve de fazer uma travagem mais forçada" (nos termos do recurso da matéria de facto), ou que "o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina" (de acordo com a sentença).
29. Perante estes factos, mesmo tomando a versão do ponto 9. dos Factos Provados formulada pela sentença, não se vislumbram que circunstâncias é que impunham que o motorista agisse de outra forma, desde logo porque se desconhece a razão pela qual teve necessidade de travar de forma repentina (na versão da sentença) ou de forma mais forçada (na versão do motorista).
30. O que decorre da prova produzida é o que foi relatado pelo motorista, que apenas referiu: "fiz uma travagem um pouquinho mais forçada que teve que ser, quando tem que ser tem que ser"; "não me lembro mas o que posso entender disso é a senhora ter tocado mais tarde um bocadinho e provavelmente, mas isto é provavelmente, que eu não me recordo de mais nada, eu tive que parar mais forçado um bocadinho"
31. A causa da travagem, e a forma como foi realizada, são desconhecidas, podendo resultar do tráfego automóvel, do comportamento de algum peão ou até ser imputável à própria autora caso tenha sinalizado tardiamente a sua vontade de abandonar o autocarro naquela paragem.
32. O que resulta da decisão emanada da 1ª instância é que, pelo simples facto de ter travado de forma mais intensa, se concluiu que o condutor do autocarro agiu de forma negligente, sem que se atendesse aos circunstancialismos que rodearam essa ação, nomeadamente, às razões porque o fez, se teve de o fazer e se podia ter agido de outra forma.
33. Concluir-se, como o fez a douta sentença, que apenas porque o motorista fez uma travagem, sem determinar as razões ou causas porque o fez, agiu de forma negligente, é presumir a culpa desse agente, o que se mostra inadmissível do ponto de vista jurídico-penal, por clara violação do princípio in dubio pro reo.
34. Atento e exposto, dúvidas não restam que não existem quaisquer factos provados donde resulte o incumprimento, por parte do condutor do FZ, da diligência ou cuidados exigidos, ou donde se lhe possa imputar qualquer censura ético-jurídica por ter agido de forma leviana ou negligente.
35. Não tendo a autora provado, como lhe competia, que o condutor do FZ tenha agido de forma negligente, não está provada a verificação de um dos elementos do tipo legal do crime de ofensas corporais por negligência.
36. Não estando provado o elemento subjetivo que compõe esse tipo de ilícito criminal, não é legítimo concluir que o facto constitui crime e, por consequência, não é lícito aplicar à prescrição do direito de indemnização o prazo prescricional previsto para a prescrição de um virtual crime por aplicação do nº 3, do artigo 498º, do Código Civil.
37. Não estão, pois, preenchidos os requisitos ou pressupostos que possam fundamentar a improcedência da exceção da prescrição invocada pela ré, pelo que deve ser aplicada a regra geral prevista no artigo 498º, nº 1 do Código Civil.
38. Tendo o prazo de prescrição do direito à indemnização reiniciado em 09/02/2011, e a ré citada para ação em 16/11/2015, estava a esta data já prescrito aquele direito, pelo que deve a exceção da prescrição ser julgada procedente.
39. Assim sendo, deve a decisão que julgou improcedente a exceção da prescrição ser revogada e substituída por outra que a julgue procedente e absolva a ré dos pedidos.
40. A douta sentença recorrida violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas nos artigos 607, nº 4 e 5 do Código de Processo Civil, artigos 13º, 15º e 148º, nº 1 do Código Penal e artigo 498º, nº 1 e 3 do Código Civil.

Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, devendo revogar-se as decisões de facto e de direito proferidas na sentença recorrida e ora impugnadas e substituí-las por novas decisões de facto e de direito nos precisos termos acima alegados e concluídos e, em consequência, absolver-se a ré da instância, tudo com custas pela recorrida…”
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Pela A foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 9º;
- Se foram alegados e provados pela A. todos os elementos de facto atinentes à culpa do segurado da ré para que a sua conduta possa integrar o tipo legal de crime de ofensas corporais na pessoa da A.
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Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos:

1. Cerca das 11:15 horas do dia 07/01/2011, o veículo pesado de passageiros de transportes colectivos de matrícula FZ, propriedade de X – Transportes, Lda., seguia pela Rua ..., ..., na cidade de Guimarães.
2. O dito veículo, à data aludida em 1., circulava sob a direcção efectiva e no interesse da sua proprietária, conduzido pelo seu funcionário A. C., no exercício de funções laborais de motorista de que tinha sido incumbido por aquela.
3. À data aludida em 1., a A. seguia como passageira do veículo FZ, transportada a título oneroso,
4. sendo que a proprietária do referido veículo se dedica ao transporte colectivo de passageiros.
5. O referido veículo circulava pela mencionada rua, no sentido Centro da Cidade – S. Torcato,
6. pretendendo a A. sair na paragem ali existente.
7. Para esse efeito, depois de ter dado o sinal ao motorista do veículo FZ através da campainha existente no interior daquele veículo,
8. quando se aproximava da paragem pretendida, a A. levantou-se do banco onde seguia transportada.
9. Todavia, o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina,
10. o que acabou por provocar a queda da A.
11. Por carta datada de 08 de Fevereiro de 2011, remetida pela R. à A., aquela declarou assumir “100 % de responsabilidade” quanto ao sinistro acima descrito.
12. Em consequência da dita queda, a A. sofreu contusão do joelho direito.
13. A A. foi seguida pelos serviços clínicos da R.
14. No dia 09/02/2011, a A. efectuou uma T.A.C. ao joelho direito, que revelou estreitamento da inter-linha do compartimento medial do joelho, ao que se associa heterogeneidade do corpo do menisco (por TAC não é possível a avaliação estrutural dos meniscos, bem como das cartilagens) e espessamento do ligamento colateral interno, sobretudo na sua vertente anterior e femoral, devendo considerar-se a hipótese de processo inflamatório e/ou rotura parcial desta estrutura (por TAC não é possível também a caracterização desta alteração).
15. A A. manteve acompanhamento na Consulta Externa de Ortopedia do Hospital Privado de Guimarães até ao dia 25/07/2011, altura em que teve alta definitiva,
16. tendo, nesse período, efectuado tratamento anti-inflamatório e analgésico.
17. Em 12/09/2013, a A. foi consultada por médico ortopedista (Sr. Dr. L. C.), no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Riba D’Ave. 18. Quanto ao défice funcional temporário parcial, a A., desde a data do sinistro, esteve, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, até ao dia 25/07/2011, num total de 200 dias, condicionada na sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social.
19. Quanto à repercussão temporária na actividade profissional total, a A., desde a data do sinistro, esteve, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, até ao dia 25/07/2011, num total de 200 dias, totalmente condicionada na sua autonomia para a realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual.
20. Por força das lesões advenientes da descrita queda, presentemente a A. apresenta: discreto espessamento do ligamento lateral interno, sugerindo vestígios de uma lesão de baixo grau; verificando-se igualmente alterações de sinal da inserção proximal do ligamento lateral externo, sugerindo edema por sequelas de uma rotura parcial intersticial não recente; irregularidades dos contornos com alterações sinal da inserção tibial do ligamento cruzado anterior, achados estes relacionados com sequelas de uma rotura parcial intersticial deste ligamento, não se evidenciando sinais de roturas meniscais; discreto adelgaçamento das cartilagens articulares da região de carga do côndilo femoral interno; discreta entesopatia crónica da inserção tibial do semimemranoso; tendinopatia crónica do tendão rotuliano ao nível da inserção no polo inferior da rótula, sem roturas tendíneas associadas.
21. A A., em virtude das lesões para si advenientes por força da dita queda, sofreu um quantum doloris de grau 2, numa escala de 1 a 7.
22. As sequelas sofridas pela A. em consequência da dita queda determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 1 ponto,
23. sendo que as sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicando, porém, esforços suplementares.
24. As lesões sofridas provocaram à A. dores físicas, tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento.
25. As sequelas de que a A. ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, 26. que a vão acompanhar durante toda a vida
27. e que se exacerbam com as mudanças do tempo.
28. Por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, a A. tem dificuldade na lida doméstica, designadamente com todas as tarefas que envolvam ajoelhar-se ou baixar-se,
29. bem como subir ou descer escadas ou escadotes,
30. o que, tudo, lhe causa desgosto e amargura.
31. Na altura do sinistro, a A. tinha 55 anos de idade.
32. À data aludida em 1., a A. exercia as funções de empregada de limpeza, nuns escritórios da Companhia de Seguros F. S.A.,
33. sendo certo que, durante o período de tempo em que esteve impossibilitada de trabalhar, recebeu sempre o seu vencimento da referida Companhia de Seguros F. S.A.
34. A A. encontra-se a receber pensão de velhice através do Centro Nacional de Pensões desde 31 de Outubro de 2011.
35. Para tratamento das lesões sofridas em consequência do dito sinistro, a A. gastou € 180,00 em honorários médicos,
36. e € 50,00 num episódio de consulta hospitalar externa.
37. A R., por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pesado de passageiros de matrícula FZ, propriedade de X – Transportes, Lda.
38. A A. intentou a presente acção em 12 de Novembro de 2015,
39. tendo a R. sido citada para a mesma em 16 de Novembro de 2015”.

E foram dados como não provados os seguintes:

a. O condutor do veículo acima aludido seguia distraído, isto é, sem atenção à sua condução, ao que se passava no interior do veículo que conduzia e à manobra de paragem que tinha de realizar.
b. O dito condutor só quase em cima da paragem acima mencionada se apercebeu que iria ter de largar ali a A.
c. Do local do sinistro, a A. foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães,
d. onde foi observada e tratada conservadoramente,
e. após o que teve alta hospitalar, medicada.
f. Durante o período de tempo aludido em 15., a A. fez tratamento fisiátrico.
g. Não obstante os tratamentos a que se tem submetido, a A. ficou a padecer definitivamente: de rigidez do joelho direito, com flexão limitada a 90º; de dores recorrentes no cóccix; e de labilidade emocional.
h. A A., em virtude das lesões para si advenientes por força da dita queda, sofreu um quantum doloris de grau 3, numa escala de 1 a 7.
i. A A., em virtude da queda acima referida, sofreu uma repercussão e sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 8 pontos,
j. e uma repercussão nas actividades de lazer e de desporto de grau 2, numa escala de 1 a 5.
k. Antes do dito sinistro, a A. era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre e jovial.
l. Deixou, com o dito sinistro, a A. de ser a mulher dinâmica, alegre e trabalhadora que sempre foi,
m. bem como deixou de contactar com o seu grupo de amigas com quem dava umas caminhadas e fazia uns convívios,
n. o que, igualmente, lhe causa profunda tristeza e amargura.
o. Por força do circunstancialismo aludido em 28. e 29., a A. sente receio.
p. E tudo aquilo por que passou e passa fez com que a A. começasse a ter problemas de ordem psiquiátrica,
q. que acabou por culminar no seu divórcio.
r. À data do sinistro, a A. auferia um salário mensal de € 395,00, 14 vezes por ano.
s. Por causa do sinistro (das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de submeter), a A. esteve sem poder trabalhar durante 8 meses.
t. Passados os aludidos 8 meses, a A. não retomou o seu posto de trabalho nos ditos escritórios, por terem entretanto encerrado.
u. Por isso, a A. passou a fazer serviços de limpeza em casas de particulares,
v. no que ganhava, por mês, a quantia de € 400,00, 12 vezes por ano.
w. Todavia, atentas as suas limitações, sobretudo ao nível do joelho direito, apenas trabalhou durante um mês.
x. A pensão de velhice auferida pela A. ascende à quantia mensal de € 196,87,
y. que é a única quantia de que dispõe para sobreviver.
z. Caso não sofresse o dito sinistro, a A. teria hoje um rendimento mensal nunca inferior a € 510,00, 14 vezes por ano.
aa. Por força da patologia do menisco interno do joelho direito, a A. irá necessitar de realização de cirurgia e subsequente recuperação funcional fisiátrica, para completo e adequado tratamento.
bb. O custo da intervenção cirúrgica ronda, actualmente, a quantia de € 1.800,00,
cc. sendo que, na recuperação funcional fisiátrica, a A. irá gastar quantia não inferior a € 2.000,00.
dd. Para tratamento das lesões sofridas em consequência do dito sinistro, a A. gastou € 775,00 em honorários médicos,
ee. € 190,00 em meios de diagnóstico,
ff. € 220,13 em medicamentos
gg. e € 17,95 em transportes”.
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Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se a recorrente contra o facto dado como provado em 9) do qual consta que “…o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina”, considerando que essa factualidade não ficou demonstrada, tendo ficado demonstrado apenas que "o condutor do veículo FZ teve de fazer uma travagem mais forçada", devendo, por isso dar-se como não provada a matéria constante do ponto 9 e provada a ora sugerida pela apelante.
Diz que a única prova produzida sobre essa matéria consistiu no depoimento da testemunha A. C., motorista do veículo FZ, o qual referiu apenas que se viu obrigado a efetuar uma travagem um pouco mais forçada, mas que não se recordava da razão ou motivo porque teve de o fazer.

Mas não podemos concordar, totalmente, com a recorrente.

É verdade que do depoimento da testemunha A. C. – única que depôs sobre essa matéria – resulta que aquele disse que no exercício da sua condução de motorista, teve de efectuar uma travagem que foi um pouquinho mais forçada, dizendo, num primeiro momento, que não se recordava do motivo porque teve de o fazer. Mas admitiu logo a testemunha que com essa travagem “uma senhora que vinha lá atrás de mim (…), ter caído e queixar-se; caiu dentro do autocarro”, admitindo depois, quando instado sobre a razão de ter efectuado a travagem, que ela se destinou a imobilizar a viatura na dita paragem, ao afirmar “…não me lembro, mas o que posso entender disso é a senhora ter tocado mais tarde um bocadinho e provavelmente, mas isto é provavelmente, que eu não me recordo de mais nada, eu tive que parar mais forçado um bocadinho…”.

Essa afirmação da testemunha – de que travou para imobilizar a viatura na paragem do autocarro -, ainda que pouco segura, está em consonância, de resto, com a matéria de facto descrita em 6, 7, 8 e 10, que a recorrente não põe em causa.

Ou seja, consta daquela matéria de facto que a A. pretendia sair na paragem ali existente, e que depois de ter dado sinal ao motorista do veículo da sua intenção, através da campainha existente no interior do mesmo, quando se aproximava da paragem pretendida, a A. levantou-se do banco onde seguia transportada. Todavia, o condutor do veículo FZ (…), efectuou uma travagem, o que acabou por provocar a queda da A, a qual, em consequência da dita queda sofreu contusão do joelho direito.

Aliás, como resulta do ponto 11), “Por carta datada de 08 de Fevereiro de 2011 (um mês após a ocorrência do sinistro), remetida pela R. à A., aquela declarou assumir “100 % de responsabilidade” quanto ao sinistro acima descrito”, tendo prestado assistência à A. nos seus serviços clínicos (ponto 12).

E em momento algum após o acidente a recorrente pôs em causa a culpa do seu segurado na ocorrência do mesmo. Basta atentar no que vem descrito na participação de sinistro de fls. 24 e 25 dos autos, no local destinado à descrição pormenorizada do acidente, onde consta que “A D. A. S. viajava no nossa viatura e ao preparar-se para sair na paragem da ... e com a travagem efectuada pelo nosso motorista escorregou e ficou estatelada entre os dois bancos”. E no que consta no documento de fls. 26 dos autos, intitulado “comunicação de responsabilidade”, do qual consta que “…no seguimento do acidente ocorrido, informamos que assumimos 100% de responsabilidade”.

Ou seja, perante a prova documental existente nos autos, conjugada com o depoimento da testemunha A. C., cotejada essa prova com as regras da experiência - do que é normal e natural acontecer nestes casos -, temos como seguro que o motorista do FZ efectuou uma travagem, por forma a imobilizar a viatura que conduzia na paragem da ..., a fim de deixar sair do autocarro a A.

Aliás, é de notar que perante a postura da ré logo a seguir ao acidente, ao ter assumido sempre a sua responsabilidade a 100%, não faz qualquer sentido vir agora discutir na acção a responsabilidade do motorista da viatura segurada pela ocorrência do mesmo, pretendendo escusar-se dela.

Concluímos de tudo quanto se expôs, que o ponto 9) da matéria de facto deverá ser alterado quanto à sua redacção no sentido de do mesmo ficar a constar apenas que “…o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar esse veículo na dita paragem, teve necessidade de efectuar um travagem”.
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Da prescrição do direito da A:.

Citada para contestar, a ré invocou a excepção peremptória da prescrição do direito da A., dizendo que o acidente de viação ocorreu em 07/01/2011, tendo a ré assumido a sua responsabilidade perante aquela em 08/02/2011, pelo que, tendo a presente acção dado entrada em tribunal em 12/11/2015 e a ré sido citada para contestar em 16/11/2015, decorrerem mais de 3 anos sobre a data em que se considerou interrompida a prescrição (com a assunção da responsabilidade pela ré e, posteriormente com a sua citação).
Em sede de resposta, veio a A. pugnar pela improcedência da excepção invocada.

Analisando a invocada excepção peremptória da prescrição do direito da A., decidiu-se na sentença recorrida o seguinte:

“…No caso sub judice, a A. funda os pedidos por si formulados na responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação.
Como é sabido, em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco, o direito à indemnização, em geral, prescreve no prazo de três anos, o qual começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, conforme o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
Dispõe ainda o n.º 3 do citado preceito que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável” (…)

Como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, VI, 8.ª Ed., página 640) “(…) desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil.”.

Ensina ainda Antunes Varela (ob. cit., pág. 651) que “A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil não está subordinada à condição de simultaneamente ocorrer procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos. Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível” (…).

Recaía, pois, sobre a A. o ónus de alegar e provar que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal fixa um prazo de prescrição mais alargado que o previsto no art.º 498º, n.º 1, do CC.

Revertendo ao caso sub judice, temos que os factos alegados na petição inicial integram efectivamente a prática do crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo artigo 148º do C.P., a que corresponde pena de prisão de 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Ora, nos termos do disposto no artigo 118º, n.º 1, alínea c), do citado diploma legal, o prazo de prescrição é, nestes crimes, de 5 anos após a data da prática do evento criminoso.

Dúvidas não restam, pois, de que a A. cumpriu com aquele seu ónus de alegação. Mas será que a A. logrou provar factualidade de onde se possa concluir no sentido do preenchimento dos elementos do aludido tipo legal de crime? Entendo que sim.

Na verdade, resultou provado que, cerca das 11:15 horas do dia 07/01/2011, o veículo pesado de passageiros de transportes colectivos de matrícula FZ, propriedade de X – Transportes, Lda., seguia pela Rua ..., ..., na cidade de Guimarães.
O dito veículo, à data aludida em 1., circulava sob a direcção efectiva e no interesse da sua proprietária, conduzido pelo seu funcionário A. C., no exercício de funções laborais de motorista de que tinha sido incumbido por aquela.
À data acima aludida, a A. seguia como passageira do veículo FZ, transportada a título oneroso, sendo que a proprietária do referido veículo se dedica ao transporte colectivo de passageiros.
O referido veículo circulava pela mencionada rua, no sentido Centro da Cidade – S. Torcato, pretendendo a A. sair na paragem ali existente.
Para esse efeito, depois de ter dado o sinal ao motorista do veículo FZ através da campainha existente no interior daquele veículo, quando se aproximava da paragem pretendida, a A. levantou-se do banco onde seguia transportada.

Todavia, o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina, o que acabou por provocar a queda da A.
Em consequência da dita queda, a A. sofreu contusão do joelho direito.

Dispõe o artigo 148º, n.º 1 do Código Penal que “quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa”.

Conforme dispõe o artigo 15º do Código Penal, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do acto. Ora, perante a dita factualidade, dúvidas não restam de que o corpo e a saúde da A. foram, em consequência da dita conduta do motorista do aludido veículo, ofendidos.

Para além disso, tendo resultado assente que tal ofensa ocorreu porque o dito motorista efectuou uma travagem brusca e repentina, igualmente se pode concluir no sentido de que este agiu de forma negligente, pois não procedeu ao cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.

Assim, nos termos do nº 3 do artigo 498º do Código Civil, tendo em conta que o facto ilícito constitui crime para o qual a lei penal (cfr. artigo 118º, nº 1, alínea c), em conjugação com o artigo 148º, ambos do Código Penal) estabelece um prazo de prescrição de 5 anos, ou seja, mais longo do que o previsto na lei civil, deve considerar-se que o direito de indemnização da A. apenas prescreveria em 08/02/2016…”.
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Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, nomeadamente contra o segmento daquela decisão no qual se considerou que foi cumprido pela autora o ónus de alegação que lhe competia – de todos os pressupostos da prática de um crime de ofensas à integridade física da A –, ao nela se afirmar que "os factos alegados na petição inicial integram efectivamente a prática do crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal".

Ou seja, diz a recorrente que a sentença recorrida considerou que a autora logrou provar que o condutor do FZ, com a sua conduta, ofendeu, de forma negligente, o corpo da autora, praticando, por isso, o crime previsto no referido artigo 148º nº 1 do Código Penal, mas que tal não sucedeu, não tendo a A logrado provar – como lhe competia - a culpa efectiva do condutor da viatura, sendo certo que querendo o lesado aproveitar-se do prazo alongado do nº 3 do artº 498º do CC, tem de provar que o facto ilícito praticado constitui um crime, não sendo suficiente nem bastante que o facto ilícito seja suscetível de constituir, em abstracto, um determinado crime. Ou seja, tem o lesado de provar que se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência.

Mas não concordamos com a recorrente.

Estamos antes com a decisão recorrida, quando nela se afirma que a A. cumpriu com o seu ónus de alegação e prova de toda a factualidade susceptível de integral o tipo legal de crime imputável ao condutor da viatura – o crime de ofensa à integridade física da A.- , incluindo a culpa efectiva daquele condutor.
É certo que o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual estabelece como princípio que quem, dolosamente ou com mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa conduta - art. 483º, nº 1, do Código Civil.

De tal normativo extraem-se, assim, os elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante em termos de culpa, o dano, e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Nas palavras de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 2ª Edição, Vol. I, 1973, pág. 405), o elemento básico da responsabilidade civil extra-contratual é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana - pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia de ilicitude, o requisito de culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe.

Por outro lado, nos termos do artº 498º do CC, é ao lesado que compete provar a culpa do A. da lesão.

Outrossim, prescreve o artº 13º do Código penal que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência", determinando o artº 15º do mesmo diploma legal que age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente); ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente).

Concordamos também com a recorrente quando afirma que para haver crime é necessário que o facto seja subjetivamente imputado ao agente a título de dolo ou de negligência, pelo que dos elementos de um crime faz parte a culpa, entendida pela lei como a censura ético-jurídica dirigida a determinada pessoa, por não ter atuado do modo a que estava obrigada em face das circunstâncias.

Acresce que, como também refere aquela, a imputação do facto ao agente a título de negligência é feita sempre que ele omita um dever objetivo de cuidado ou diligência, o qual lhe era exigido segundo as circunstâncias concretas e atendendo aos seus conhecimentos e capacidades pessoais para evitar o evento. Na expressão de Figueiredo Dias (“Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa”, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, pág. 57), a negligência, "enquanto violação de um dever de cuidado", é a "expressão de uma atitude pessoal leviana".

Em face destas disposições legais, concordamos uma vez mais com a apelante de que o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência é o de que, para aplicação daquele artigo 498º, nº 3, não se mostre suficiente nem relevante que a responsabilidade civil extracontratual do lesante assente ou provenha apenas de uma presunção de culpa, da responsabilidade objetiva ou pelo risco, pois que "para se poder considerar que determinado evento constitui um crime, é sempre, conforme o art. 13º do Cód. Penal, indispensável que seja imputável ao agente a título de culpa efetiva (Acs. do STJ de 02/12/2004 e de 23.10.2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Acontece que, contrariamente ao defendido pela recorrente, a A. logrou provar nos autos a culpa efectiva do condutor do FZ, assim como os demais pressupostos do crime de ofensas corporais por negligência imputável àquele condutor, previsto e punido pelo artigo 148º do Código Penal.

Assim, e como se concluiu na sentença recorrida, tendo resultado assente que a queda da A., que lhe causou as lesões corporais descritas nos autos (ofensa ao seu corpo e à sua saúde) ocorreu por atuação do dito motorista, que efectuou uma travagem com a viatura que conduzia, por forma a imobilizar o veículo na paragem de autocarros que se avizinhava, tal é suficiente para se pode concluir no sentido de que aquele agiu de forma negligente, pois não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz – imobilizando a viatura sem a dita travagem, de modo a que a A. não caísse.

Ao travar a viatura e ao levar, com essa travagem, à queda da A., o condutor da viatura praticou um facto ilícito, o qual faz presumir, em termos de normalidade, a culpa do autor do mesmo.
Efetivamente, violou o condutor do FZ, desde logo, o artº 11º nº 2 do Código da Estrada (na redacção da Lei n.º 78/2009, de 13 de Agosto, aplicável à data do acidente), no qual se prevê que “os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”.

E foi com recurso a essa presunção judicial que o tribunal recorrido concluiu que “…tendo resultado assente que tal ofensa ocorreu porque o dito motorista efectuou uma travagem (…), igualmente se pode concluir no sentido de que este agiu de forma negligente, pois não procedeu ao cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz…”.
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Segundo a lei (artº 349º do CC) “As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, estando as primeiras expressamente consagradas na lei, referindo o artº 350º nº1 daquele diploma legal que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, ou seja, é a própria lei que consagra determinadas situações como presumidas a partir de outras que, a verificarem-se, levam à ocorrência das primeiras. Ou seja, neste caso é a própria lei que retira de determinado facto (conhecido) a prova de outro (desconhecido).

Situação bem diferente é a das presunções judiciais, que não dispensam a parte de alegar e provar determinado facto, ficando o tribunal com a faculdade, em homenagem ao princípio da verdade material, de “auxiliar” a prova da parte, dando como provado determinado facto, por presunção, a partir de outro.

Como se refere no artº 351º do CC, as presunções judiciais são ilações (ou conclusões) que o juiz extrai de factualidade alegada e provada, para dar como provado outro facto, dele dependente.

Enquanto que as presunções legais estão subtraídas, à partida, à livre apreciação da prova pelo julgador, impondo-se-lhe, as presunções judicias convocam ativamente essa liberdade de apreciação e decisão, fazendo apelo ás regras da experiência, do conhecimento das realidades da vida e ao bom senso do julgador, segundo o padrão do "homem médio", para decidir determinado facto.

Em suma, a presunção judicial constitui uma das formas lícitas do julgador extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto e, à semelhança da prova testemunhal (art.º 351.º do CC), depende apenas da convicção do julgador, porque extraída dos demais factos provados, notórios ou de conhecimento oficioso.

Ou seja, as presunções judiciais representam processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e "são afinal o produto das regras da experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto.
Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro" (A. Lopes Cardoso, in Revista dos Tribunais, 86.º-112).

Acredita-se que sem a utilização dessas presunções seria impossível, em muitos casos concretos, fazer justiça, na sua asserção de efectivação da verdade material.
Trata-se de situações em que, num quadro de conexão entre factos, uns provados e outros não provados, a existência dos primeiros, com considerável grau de probabilidade, segundo a experiência comum, juízos correntes de probabilidade, princípios de lógica corrente e os dados da intuição humana, fazem admitir a existência dos últimos (Ac do STJ, 7.12.2005, disponível em www.dgsi.pt).

Isto tudo para dizer que um facto submetido a julgamento – como é o caso da necessidade da verificação da culpa do agente na produção do dano –, que não goze de presunção legal da sua ocorrência, não está, à partida, isento da necessidade da sua prova, funcionando quanto ao mesmo, as regras do ónus da prova previstas nos artºs 342º e ss. do CC. A sua prova pode, no entanto ser feita, por presunção judicial, como um dos meios de prova de que o tribunal se pode servir no apuramento da matéria de facto a provar.

Ora, uma das principais presunções judiciais que tem sido seguida na nossa jurisprudência consiste naquela que resulta de factos que enunciam violação de normas legais, designadamente, nas acções de indemnização por facto ilícito (v.g., por acidente de viação), nas quais embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente reduzida pela intervenção da chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se a prova prima facie ou por presunção judicial produzida pelo lesado, apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contraprova.

Ou seja, em princípio, procede com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais, causar danos ao lesado (Ac. STJ de 20-11-2003, também disponível em www.dgsi.pt.).
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Defende a recorrente, contrariamente, que a A. deveria ainda provar a razão pela qual o referido motorista efectuou a dita travagem, só assim se apurando a causa da mesma, e só assim ela lhe podendo ser imputável em termos de culpa.

Mas sem razão, como se disse, pois como tem sido entendido jurisprudencialmente, a prova da inobservância de leis ou regulamentos (no caso, estradais) faz presumir a culpa (efectiva) na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, estando nesses casos dispensada a concreta comprovação da falta de diligência do agente (Ac do STJ, de 05/07/2006, disponível em www.dgsi.pt).

Ou seja, tem a jurisprudência considerado que, na esfera dos acidentes de viação, a culpa emerge, normalmente, da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, sem prejuízo do infrator demonstrar a sua não concorrência para o acidente.

Como se decidiu no ac do STJ de 2 de Julho de 2008 (também disponível em www.dgsi.pt) “…as regras de precaução que estão subjacentes ao dever objectivo de cuidado cuja violação integra a prática do crime negligente podem ter uma fonte social ou uma fonte jurídica (…). Na verdade, o mundo moderno assiste a uma crescente positivização das regras de prudência de forma a disciplinar as situações de perigo mais típicas como é o caso da circulação estradal, com a consequente imposição de um catálogo de normas próprias para regular tal circulação.

Temos, assim, por assente que, em sede de acidentes rodoviários, a imputação de um tipo de crime negligente terá subjacente a violação de um dever objectivo de cuidado que emergirá ou daquela fonte das regras de experiência comum, ou da violação das normas do Código da Estrada, ou da violação de ambas. Igualmente é certo que (…) tendo existido uma violação das normas estradais, e se o evento produzido foi do tipo que a lei quis evitar quando impôs a disciplina violada, se deve presumir a negligência.

No domínio da circulação rodoviária existe todo um conjunto de disposições legais que têm por finalidade regulamentar esta circulação para que a mesma se faça com a máxima segurança, pois sendo a condução de veículos uma actividade perigosa, é razoável, senão mesmo imprescindível, fazer-se uma especial exigência de comportamentos para quem exerce essa actividade.

É pela apreciação dos deveres de diligência a que o agente está obrigado, nas circunstâncias concretas do caso, face àquelas normas, e a verificação da omissão desses deveres e comportamentos, ou a prática de outros, por desadequados, que tenham provocado o acidente, que se realiza o juízo de censura revelador da culpa do infractor.

Partindo de um conceito de culpa, que significa uma actuação em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, esta conduta será reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas do caso se conclua que ele podia e devia ter agido de outro modo (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1994, Vol. I, pág. 571).

Segundo orientação maioritária da jurisprudência, a prova da inobservância de leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se a prova em concreto da falta de diligência, desde que o acidente seja um daqueles que a lei pretendeu evitar quando impôs a disciplina traduzida na norma violada (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8/6/99 publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 488º, pág. 323 e seguintes e de 20/11/2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do STJ, Tomo II, pág. 149 e seguintes).

Como se pode ler no último dos arestos citados, a posição do lesado é, nestes casos, facilitada, pois que intervém aqui a «prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contra prova». Quer isto dizer que, se dos factos pudermos retirar, segundo juízos de normalidade, que a violação das normas estradais consubstancia a actuação culposa do agente, incumbe a este provar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi decisiva para a ocorrência do facto danoso”.

E temos acompanhado esta tese maioritária, pois embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão, em princípio, não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (artº. 487º, nº. 1, do Cód. Civil), bastará, em princípio, àquele alegar factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem aquela culpa muito verosímil, cabendo por sua vez ao lesante fazer a respectiva contraprova desses factos.

O que não está também em contradição com as regras do ónus da prova previstas no artº 342º do Cód. Civil, que consagram um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.

Ora, no caso em análise, o facto normal, segundo as regras da experiência, é a falta de cuidado do motorista na condução, ao travar a viatura antes de a imobilizar na paragem, de tal modo que levou à queda da A e a causar-lhe danos.

Anormais seriam os factos por ele a aduzir, justificativos desse seu procedimento e que foram estranhos à sua vontade, ou então alegando que a sua conduta não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso – no caso, para a queda da A -, ou que ela se deveu a qualquer outra circunstância que não à travagem efectuada.

Ora, nada disso foi alegado; pelo contrário, sempre foi assumido pela ré, desde o momento da ocorrência do sinistro, que foi a travagem efectuada pelo motorista do autocarro que provocou a queda da A, queda essa da qual lhe advieram os danos a ressarcir.
Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões de recurso da apelante, com a manutenção da decisão recorrida.
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Decisão:

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pela recorrente.
Notifique.
Guimarães, 22.11.2018

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas