Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
257/17.8IDBRG-B.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: DESPACHO ADMISSÃO RECURSO
FIXAÇÃO DETERMINADO EFEITO
INSUSCETIBILIDADE DE RECURSO
INQUÉRITO CRIME FISCAL
PENDÊNCIA PROCESSO TRIBUTÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: SINGULAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Não é suscetível de recurso, o despacho de admissão de outro, que fixa determinado efeito; uma vez que o Tribunal Superior não está vinculado ao efeito atribuído, o que faz sentido é fazer-se um requerimento ao Juiz relator, para alterar aquele efeito.
2 - Um recurso que sobe imediatamente tem sempre efeito suspensivo, do processo ou sobre a decisão recorrida.
3 - Durante o Inquérito por crime fiscal, a pendência de qualquer processo tributário quanto aos factos que lhe deram origem, gracioso ou contencioso, determina a suspensão do Inquérito.
4 - Já durante as demais fases processuais, só a impugnação contenciosa dos ditos factos fiscais pode suspender o Processo Penal - impugnação ou oposição à Execução.
5 - Se porém ao tempo do Inquérito se desconhecia em absoluto qualquer impugnação graciosa, do que a arguida só deu conhecimento no requerimento para abertura da Instrução e tendo tentado ouvir-se o seu representante em Inquérito, que porém não quis prestar declarações, não revelando pois a pendência do dito processo gracioso, esse conhecimento posterior não pode ter quaisquer consequências.
6 - No Inquérito, porque essa fase processual está ultrapassada; na Instrução, porque não está em causa impugnação contenciosa.
7 - De qualquer modo, a inobservância da dita declaração de suspensão do processo em Inquérito não constituiria nulidade, mas mera irregularidade.
Decisão Texto Integral:
Decisão Sumária

- Recorrente – “X-Accounting, Lda.” (Arguido)
- Recorrido – Ministério Público
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Por despacho proferido nos autos principais em 10 de Maio de 2 019, decidiu-se pela não suspensão do processo principal, por se entender não estarem verificados os pressupostos previstos no art.º 47º/1 R.G.I.T., designando-se data para o debate instrutório.
Este despacho foi proferido em sede de reparação de um anterior despacho em sentido contrário, que suspendia por 60 (sessenta) dias o processo e após recurso interposto pelo M.P.
Por discordar do despacho de 10 de Maio, dele recorre agora a arguida “X Accounting, Lda.ª”.
O recurso foi admitido por despacho de 26 de Junho de 2 019, tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo (fls. 280), alterado oficiosamente em 23 de Setembro de 2 019 em ata (fls. 303/304) com atribuição de efeito meramente devolutivo, ao mesmo recurso.
Deste despacho veio de novo a recorrer a arguida recorrente, pugnando pela manutenção do efeito suspensivo e invocando o caso julgado anterior, bem como a extinção do poder jurisdicional do Tribunal, quanto a esta matéria.
Este recurso veio também a ser admitido, com efeito meramente devolutivo (fls. 324).
Ambos foram incorporados neste Apenso de Recurso em Separado, pelo que são dois os recursos a apreciar.
Considera-se que o primeiro deve ser rejeitado por decisão sumária do relator, por “manifestamente improcedente”, o que se fará nos termos do disposto nos arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P. e que o segundo não deve ser admitido, por a decisão não ser recorrível.
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Da Recorribilidade do Despacho que Fixa Determinado Efeito ao Recurso

Interposto um recurso e não se concordando com o despacho incidente sobre o mesmo, no que se refere à não admissão daquele ou sua retenção quanto ao momento da subida, pode o recorrente apresentar reclamação, a decidir pelo Presidente do Tribunal ao qual o recurso é dirigido – art.º 405º/1 C.P.P.
Ou seja, não está prevista na lei a possibilidade de reclamação para o Tribunal Superior, por se discordar do efeito atribuído ao recurso.
E isto, porque independentemente de qualquer requerimento nesse sentido, o Juiz relator do recurso deve apreciar sempre a questão do efeito a atribuir ao recurso, como dispõe o art.º 417º/7, a), C.P.P., mantendo ou alterando o efeito antes atribuído na instância que recebeu o recurso.
O que quer dizer que o despacho de admissão do recurso nos termos do disposto no art.º 414º/1 C.P.P. não faz caso julgado quanto ao efeito atribuído, uma vez que o efeito será sempre revisto no Tribunal de recurso e pelo relator.
Daí, que sobre a questão não possa haver reclamação, que é a forma processual normal de se reagir contra um despacho de admissão ou rejeição de um recurso.
Ora, da mesma forma que não faz sentido que haja reclamação, também não faz sentido que haja recurso.
Na verdade, qual é o interesse de reagir contra parte de um despacho que não transita e que vai ser sempre apreciado no Tribunal de Recurso, pelo Juiz relator?
Nenhum.
O que faria sentido era um requerimento dirigido ao referido Juiz, argumentando no sentido de o efeito do recurso ser alterado; mas não a impugnação de uma decisão, que afinal não é decisão.
Do que só pode retirar-se que o despacho de admissão do recurso elaborado nos termos do disposto no art.º 414º/1 C.P.P. é insuscetível de recurso ou reclamação, quanto ao efeito atribuído.
O despacho proferido em 26 de Junho de 2 019 é pois insuscetível de novo recurso, quanto ao efeito atribuído ao anterior recurso admitido.
A decisão de admissão do recurso não vincula o Tribunal Superior – art.º 414º/3 C.P.P.

Termos em que, se não admite o segundo recurso interposto.
Custas pela recorrente, com 1 (uma) U.C. de taxa de justiça – arts.º 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.

Do Efeito a Atribuir ao Primeiro Recurso Interposto

Quando se mandou inscrever o presente processo em tabela fez-se um juízo tabelar sobre o despacho de admissão do recurso.
Porém e agora, depois de uma leitura mais aprofundada destes Autos de Recurso em Separado verifica-se que não era apenas um o recurso interposto, mas dois, pelo que importa esclarecer o anterior despacho proferido.
Inicialmente admitido com o efeito suspensivo, o efeito foi depois oficiosamente alterado para meramente devolutivo, o que foi mantido no nosso anterior despacho que mandou inscrever o processo em tabela.
O despacho foi tabelar, não tendo pois a força de caso julgado, sendo que aliás só se fez referência a um recurso e não se esclareceu se a manutenção do efeito era para o primeiro ou para o segundo recurso interposto.
Ora, o art.º 408º C.P.P. prevê, através de duas tipicidades taxativas, quais os recursos que têm efeito suspensivo do processo (art.º 408º/1 C.P.P.) e quais os que suspendem os efeitos da decisão recorrida (art.º 408º/2 C.P.P.)., prevendo ainda que os recursos que sobem imediatamente por a retenção os tornar completamente inúteis – como é o caso, pois que a subida a final de um despacho que não declara a suspensão do processo, visando-a o recorrente, a final não teria qualquer efeito útil, uma vez que já extinto processo (o que aliás constitui o exemplo clássico deste tipo de recursos) – podem ter efeito suspensivo do processo ou da decisão recorrida (art.º 408º/3 C.P.P.).
Estando em discussão se deve ou não ser determinada uma suspensão do processo, bem pode dizer-se que desta decisão dependem a validade e eficácia dos atos processuais entretanto praticados.
Assim, esclarece-se o despacho anterior, atribuindo-se agora ao primeiro recurso admitido (o incidente sobre a decisão de 10 de maio de 2 019) efeito suspensivo do processo – do que deverá dar-se conhecimento à 1ª instância.

Da Nulidade da Acusação, por Não Ter Suspendido o Processo Penal, por Terem Sido Feitas Impugnações Graciosas do Ato Tributário

Nos autos principais foi imputada ao arguido recorrente a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts.º 103º/1, b), n.º 2) e 104º/2, a) e b), R.G.I.T. Estão em causa as liquidações trimestrais de I.V.A. nos anos de 2 013 e 2 014, datas em que os arguidos terão feito declarações para efeitos de I.V.A., com omissões e declarações inverdadeiras.
Está em causa despacho que, em reparação de despacho anterior de que o M.P. interpusera recurso, se determinou o prosseguimento dos autos, por não estarem reunidos os pressupostos previstos no art.º 47º/1 R.G.I.T.
O arguido recorrente pretende que seja declarada nula a acusação pública, por violação do disposto nos ns.º 2) e 4), do art.º 42º R.G.I.T.
No despacho recorrido, tal como no anteriormente reparado após recurso, apenas se decidiu da suspensão ou não do processo em fase de Instrução, não havendo em rigor qualquer decisão sobre eventual nulidade da acusação.
É apenas este porém o tema do recurso apresentado, como decorre das respetivas conclusões (cfr. fls. 660) que, como é sabido, delimitam o objeto do recurso.
Como porém o despacho recorrido debate também esta questão, aceita-se o recurso apresentado numa leitura em que se dá preferência ao conhecimento das questões de fundo, sobre as meras questões formais.
Ora, o que decorre efetivamente dos autos é que só com o requerimento para abertura da Instrução, o arguido dá conhecimento ao Proc.º de que, à data da conclusão do Inquérito tinha um recurso hierárquico sobre a questão em causa nos autos, tendo-lhe sido indeferida anterior reclamação graciosa.
Como se sabe, as decisões tributárias podem ser impugnadas graciosamente ou contenciosamente.
A primeira forma de impugnação pode ser feita através de reclamações graciosas ou de recursos hierárquicos.
As formas de impugnação contenciosa implicam já a intervenção do Tribunal Tributário e consubstanciam-se normalmente, em impugnações ou oposições à execução.
Só posteriormente pois ao despacho de encerramento do inquérito por dedução de acusação contra a arguida recorrente e seu gerente vêm pois os arguidos, no requerimento para abertura da Instrução a demonstrar a pendência de uma impugnação graciosa sobre os atos tributários que dão causa a este processo crime.
A regra em Processo Penal é a da suficiência do mesmo para julgamento das questões prejudiciais não penais, só devendo suspender-se o processo para conhecimento destas noutra sede, quando disso não se puder conhecer convenientemente no Processo Penal.
No Direito Penal Fiscal e quanto às questões prejudiciais de caráter apenas fiscal, o R.G.I.T traça porém normas diversas, no sentido de ampliar as necessidades de suspensão do processo, com suspensão também dos prazos máximos processuais e do próprio procedimento criminal. O que bem se compreende, tendo em conta a natureza muito específica das questões fiscais e assim, a necessidade de nelas não se dever imiscuir o Tribunal Penal, quer pela dificuldade que teria em resolver as questões fiscais, quer a bem da harmonia das decisões judiciais, no sentido de o Tribunal Penal vir a decidir uma coisa quanto à questão fiscal e o Tribunal Fiscal, outra.
Duas disposições preveem a suspensão do Processo Penal, por estarem pendentes procedimentos ou processos tributários.
Assim e nos termos do disposto no art.º 42º/2 R.G.I.T., que trata da duração do Inquérito e seu encerramento, a “pendência de procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos determina o não encerramento do Inquérito”.
Por outro lado e nos termos do disposto no art.º 47º/1 R.G.I.T. o “Processo Penal Tributário fica suspenso, quando estiver pendente impugnação judicial ou oposiçãp à execução”.
Em qualquer dos casos, essa suspensão implica a suspensão do decurso do prazo prescricional, do crime imputado – art.º 21º/4 R.G.I.T.
Decorre pois com meridiana clareza dos aludidos normativos, que na fase de Inquérito, a pendência de qualquer processo ou procedimento fiscal – gracioso ou contencioso - suspende os seus termos.
E que, nas fases processuais posteriores – instrução e julgamento – só os processos contenciosos isto é, judiciais, como o são a impugnação judicial e a oposição à execução têm essa virtualidade.
Ora, a verdade é que decorre dos autos que a impugnação que a arguida fizera sobre os montantes de I.V.A. relativos a 2 013 e 2 014 era de todo desconhecida do M.P.
Com efeito, o próprio arguido A. P., representante legal e de facto da ora recorrente foi convocado para declarações, mas decidiu nada dizer (fls. 197 dos autos principais). Nessa altura, poderia muito bem nada dizer mas informar o M.P. que, sobre a questão estava pendente impugnação graciosa. Ou até fazê-lo mais tarde, por meio de requerimento.
Ou seja: da pendência de este procedimento gracioso ou administrativo nenhum sinal havia nos autos, sendo que para isso poderia ter contribuído o arguido pessoa singular, chamado também aos autos para prestar declarações como representante da pessoa coletiva arguida.
Para isso serve também o contraditório.
Nada havendo nos autos que pudesse determinar a suspensão do processo, o M.P. proferiu despacho final e bem.
Aliás e mesmo que assim não fosse, não teria sido praticada qualquer nulidade. Com efeito, o nosso sistema Processual Penal traça um quadro taxativo de nulidades previsto nos arts.º 119º e 120º C.P.P. a que acrescem as previstas noutras normas dispersas – como é o caso da nulidade da acusação, prevista no art.º 283º/3 C.P.P.
Do mesmo modo, só existem nulidades nos casos expressamente previstos na lei – art.º 118º/1 C.P.P.
Por a questão suscitada não vir tipificada na lei como nulidade, nunca poderia ser este o eventual vício de despacho que não atentasse na referida necessidade de suspensão dos termos dos autos com base no disposto no art.º 42º/2 R.G.I.T., já que se estaria perante mera irregularidade (art.º 123º C.P.P.).
A questão suscitada é pois improcedente, quer em termos formais, quer substanciais.
Do mesmo modo se deve dizer, que não havendo à data de 10 de Maio de 2 019 – aquela em que foi proferido o despacho recorrido – também pendente qualquer impugnação contenciosa do ato tributário que deu causa aos autos, impugnação judicial ou oposição à execução, também a Instrução não podia ser suspensa, nos termos do disposto no art.º 47º/1 R.G.I.T.
Não pode é a recorrente trazer aos autos em Instrução, dados que anteriormente não dera em Inquérito para atacar o despacho de acusação, por factos que então eram cabalmente desconhecidos, repercutindo aqueles dados novos no referido despacho, em que os mesmos não eram conhecidos.
O recurso que se mantém é pois “manifestamente improcedente”, o que determinará a respetiva rejeição, por decisão sumária proferida pelo relator do processo – arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P.

Das Custas

Como ressalta do que já se disse, o recurso vai ser rejeitado por “manifestamente improcedente” (arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P.).
Para estes casos, prevê a lei uma tributação em custas, entre 3 (três) e 10 (dez) U.C.`s – art.º 420º/3 C.P.P.
Os arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P. regulam a condenação em custas, pelo decaimento.
Daí, que haja quem entenda que, no primeiro caso se tributa a lide temerária e no segundo a sucumbência, pelo que a condenação em custas deve ser feita nos termos de cada um daqueles normativos – sendo assim imputadas duas taxas de justiça, uma nos termos do disposto no art.º 420º/3 C.P.P. e outra, nos termos do disposto nos arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
Não se escondendo que a questão é duvidosa, parece-nos porém que o estatuído no art.º 420º/3 C.P.P. é antes, uma regra especial em face do art.º 513º C.P.P. e com uma punição em abstrato, muito mais pesada. Considera-se assim, que visa tributar a lide temerária e também, necessariamente, a sucumbência, que é uma sua consequência lógica.
Como se trata de lei especial, afasta a aplicação da lei geral.
Assim, a arguida recorrente será condenado numa única taxa de justiça – a prevista no art.º 420º/3 C.P.P., a que não acrescerá a prevista no citado art.º 513º C.P.P.
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Termos em que,

3 – Decisão

a) se não admite o segundo recurso interposto (sobre a decisão de 26 de Junho), por a decisão ser irrecorrível.
b) Custas pelo recorrente, com 1 (uma) U.C. de taxa de justiça.
c) Se atribui efeito suspensivo ao 1º recurso interposto (sobre a decisão de 10 de Maio), o que deve ser comunicado à 1ª instância.
d) se rejeita, por manifestamente improcedente, o recurso apresentado pela arguida “X Accounting, Lda”..
e) Custas pela mesma, com 4 (quatro) U.C.`s de taxa de justiça – art.º 420º/3 C.P.P.
f) Notifique.
Guimarães, 13 de Julho de 2 020

(Pedro Miguel da Cunha Lopes)