Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1040/16.3T8VRL.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
RETRIBUIÇÃO ANUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- No caso do trabalhador eventual/ocasional não se podendo concluir pelo valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho deve-se ter em conta o disposto no artº 71º, nº 5 da Lei 98/2009.

2- E se a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral, bem como se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar 60,00 por dia, é de fixar a retribuição anual tendo em conta esse valor diário multiplicado por 30 dias e por 14 meses.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Este processo especial emergente de acidente de trabalho foi proposto por José contra Companhia de Seguros X, SA.

Tinha sido realizado exame pericial singular e tentativa de conciliação na qual não se consideraram as partes conciliadas. No respectivo auto consta:

“Sinistrado:

Que foi vítima de um acidente no local e tempo de trabalho ocorrido no dia 02 de Abril de 2016, pelas 08:05 horas, em …, Valpaços, quando prestava o seu serviço de trabalhador agrícola, sob as ordens, direcção e fiscalização da seu empregador “H. S.”, com residência em Rua … Valpaços – e que se traduziu no seguinte: "quando estava a engatar o reboque num tractor, entalou o dedo médio da mão direita, sofrendo lesões”.

Ao tempo do acidente era trabalhador eventual do empregador, auferindo 60,00 € por cada dia efectivo de trabalho (8 horas), sendo para o efeito chamado em função das tarefas agrícolas a executar.
Só prestava - e presta - trabalho para este empregador e por ocasião do acidente tencionava prestar-lhe actividade por mais 3 dias.
Em consequência do acidente, sofreu as lesões discriminadas no relatório do G.M.L. (fls 17/19), ficando ainda afectado de IT's nele também indicadas, tendo o respectivo perito médico lhe atribuído uma I.P.P. de 9,00%, a partir de 19-06-2016, data da alta – conclusões que neste ato declarou ACEITAR.
A título de indemnizações por IT´s recebeu da entidade seguradora as importâncias indicadas a fls 6 – no valor total de 2.622,58 €.
Despendeu a quantia de 60 € em transportes e alimentação, referentes a diligências obrigatórias ao GML e a esta Procuradoria, cujo pagamento reclama.
Não vem recebendo qualquer quantia a título de pensão provisória, com base no art.º 52º, da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04/09).

A representante legal da entidade Seguradora:

Que o empregador tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a “Companhia de Seguros X, S.A.”, pela retribuição de 1.320,00 € x 14 meses, perfazendo a remuneração anual de 18.480,00 €, pela apólice nº. 0003114757, sendo apenas esse o valor que aceita.

Com base nas declarações prestadas pelo sinistrado (que se têm por boas, designadamente quanto às circunstâncias do participado acidente), nos elementos documentais constantes dos autos e nos pertinentes dispositivos legais aqui aplicáveis, o Digno Magistrado do Ministério Público - relevando para o efeito a retribuição anual de 21.900,00 € / 60 € x 365 dias (cfr. art.º 71º, n.º 9 da LAT) - propôs aos interessados o seguinte:

ACORDO

A entidade seguradora “Companhia de Seguros X, S.A.”, pagará ao sinistrado:

a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 1.379,70 € (mil trezentos e sessenta e nove euros e setenta cêntimos), a partir de 20-06-2016, inclusive, calculados nos termos dos art.ºs 48º, n.º 3, al. c), 50º, n.º 2 e 75º, n.º 1, da LAT.


b) A importância de 485,42 €, correspondente à diferença entre o valor da indemnização paga a título de IT´s (2.622,58 €) e a devida (3.108,00 €).




c) A quantia de 60 € a título de despesas reclamadas no que respeita a alimentação e deslocações obrigatórias ao GML e a esta Procuradoria (art.º 39º, n.ºs 1 e 2, da LAT).

d) Os pertinentes juros de mora, à taxa legal (art.º 135º, do CPT).

Dada a palavra ao sinistrado, por ele foi dito que:

- ACEITA a proposta de acordo do Ministério Público, por concordar com a I.P.P. atribuída pelo perito médico do G.M.L., pelo que se CONCILIA.

Dada a palavra à legal representante da entidade Seguradora “Companhia de Seguros X, S.A.”, por ela foi dito que ACEITA:

i) A existência e caracterização do acidente como de trabalho (tal como descrito pelo sinistrado);
ii) O nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas;
iii) A reclamada quantia de 60 € a título de despesas com alimentação e deslocações;
iv) Apenas a retribuição assumida como transferida de 1.320,00 € x 14 meses, no total anual de 18.480,00 €;
v) A I.P.P. de 9,00 %, atribuída pelo perito médico do GML.

NÃO ACEITA, porém:

i) A retribuição anual de 21.900,00 € (60 € x 365 dias);
ii) A importância de 485,42 €, correspondente à diferença entre o valor da indemnização paga a título de IT´s (2.622,58 €) e a devida (3.108,00 €);
- pelo que NÃO SE CONCILIA.
Seguidamente, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Em face da discordância, por parte da entidade seguradora, quanto ao valor da retribuição anual considerada transferida, não é viável obter o acordo entre as partes neste acto.
A divergência neste caso só pode resolver-se através de propositura de acção a intentar pelo sinistrado.
(…)”.

Nesta sequência

O A pede a condenação da R a pagar:

a) o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de 1.587,60€;
b) a quantia de 953,75€ a título de indemnização (em falta) por ITA;
c) a importância de 60,00€ a título de indemnização por despesas com deslocação directamente ocasionadas por este processo; e
d) os correspectivos juros de moratórios, incidente sobre todas e cada uma das reclamadas prestações.

Alegou, em síntese: exerce a actividade de trabalhador rural/agrícola por conta de outrem e, no âmbito dessa sua actividade, como trabalhador ocasional/eventual e ao serviço e sob a direcção, fiscalização e orientação do seu empregador H. S., no dia 02.04.2016 sofreu lesão com períodos de incapacidade temporária e desvalorização descritas e indicadas no relatório pericial do GML e uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 9%, a partir de 19.06.2016; auferia uma retribuição diária de 60,00€; o empregador do sinistrado havia transferido para a R a sua responsabilidade infortunística de natureza laboral, através de um contrato de seguro com base numa retribuição diária máxima para trabalhadores de sexo masculino de 60,00€; e, as prestações devidas devem corresponder, caso trabalhasse a tempo inteiro, a uma retribuição anual de 25.200,00€ [60,00€ x 30 dias x 14 meses].

Na contestação a R alegou, em súmula e no que interessa: no âmbito do contrato de seguro encontravam-se garantidas retribuições diárias dos trabalhadores do segurado até ao salário diário de 55,00€ para trabalho de homens não mecanizado e de 60,00€ para trabalho de homens mecanizado; a retribuição máxima coberta pela apólice relativamente aos trabalhadores eventuais, ficou estabelecido nas condições particulares era de 1.500,00€ por ano; a retribuição máxima garantida, no que toca a trabalhadores permanentes era de 1.320,00€ por mês [60,00€ x 22 dias); e auferindo o A uma retribuição diária, a retribuição a atender para efeitos de cálculo das indemnizações devidas não pode ser superior à retribuição anual de 18.480,00€ [60,00€ x 22 dias x 14 meses], sendo tal valor resultante do cálculo da retribuição que o A auferia se trabalhasse a tempo inteiro tendo por base o número de semanas de cada ano [(5 dias x 60,00€) x 52 semanas + (1.320,00€ x 2)].

O A aceitou matéria alegada na contestação.

Proferiu-se de imediato sentença, decidindo-se:

1.- Declarar que o sinistrado JOSÉ sofreu um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 9%.
2. - Em consequência, condena-se a ré seguradora, “ COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A.”, a pagar ao referido sinistrado, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia calculado com base numa pensão anual de €1.164,24 (mil cento e sessenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a partir de 20/06/2016, inclusive - cfr. art. 48º, nº.3, alínea c) e art. 75º, nº.1, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09 -, acrescido de juros, à taxa legal, desde essa data e até integral pagamento, deduzida a quantia já paga a esse título.

(…)
Oportunamente, proceda ao cálculo e entrega do Capital de Remição e demais prestações eventualmente ainda por liquidar, devendo na entrega das prestações devidas ao autor/sinistrado, serem consideradas as quantias já pagas pela ré/seguradora e supra referidas.”

O A recorreu.

Conclusões:

1ª) Constitui factualidade assente na douta sentença e não controvertida nestes autos a de que, à data do neles participado acidente, o sinistrado era trabalhador agrícola ocasional/eventual do empregador e que pela correspondente actividade auferia uma retribuição diária no valor de € 60 (que não integrava o respeitante aos subsídios de férias e de Natal);
2ª) Que o empregador havia transferido, no âmbito do pertinente seguro de acidentes de trabalho, a sua responsabilidade infortunística com base na referida retribuição diária;
3ª) E que o mesmo acidente determinou ao sinistrado 74 dias de ITA e uma IPP de 9%;
4ª) Para efeitos da legislação infortunístico-laboral e à luz das finalidades por ela visadas, o desenvolvimento de actividade nos acima indicados termos reconduz-se ou equivale à prestação de trabalho a tempo parcial;
5ª) Donde que, não tendo sido alegada, nem provada a vinculação do sinistrado a mais do que um empregador, o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão por IPP que lhe são devidas deve ter como base a retribuição que auferiria se trabalhasse a tempo inteiro (cfr. artº 71º, nº 9 da LAT);
6ª) Devendo o apuramento (i) da retribuição mensal que então lhe corresponderia fazer-se multiplicando por 30 dias o valor da respectiva retribuição diária e o (ii) da retribuição anual através da multiplicação por 14 meses da determinada retribuição mensal – de que resulta, “in casu”, uma retribuição mensal de €.1800 (€.60 x 30) e anual de €.25200 (€.1800 x 14) (cfr. artº 71º, nºs 1, 2 e 3 da LAT);
7ª) Sucede que o Sr. Juiz recorrido veio a achar a ficcionada retribuição mensal do sinistrado com base na multiplicação do valor da sua retribuição diária não pelos 30 dias de calendário, mas apenas por 22 dias, assim chegando a valores de retribuição mensal e anual inferiores aos aqui atendíveis, com a consequente repercussão/diminuição das prestações infortunisticas calculadas com base na última;
8ª) Ponderação que, sob o prisma interpretativo da, atrás (corpo alegatório) sinalizada, orientação jurisprudencial seguida a esse respeito (defendendo a determinação da ficcionada retribuição mensal de sinistrado prestador de trabalho eventual e a tempo parcial remunerado ao dia com base na multiplicação por 30 dias do valor da respectiva retribuição diária), traduz desaplicação dos comandos insertos no artº 71º, nºs 2 e 9 da LAT;
9ª) Neste entendimento, deverá, na procedência do presente recurso, revogar-se a douta sentença recorrida na parte em causa e substituir-se a mesma por outra que (i) proceda ao cálculo da retribuição anual do sinistrado com base numa retribuição mensal resultante da multiplicação por 30 dias da sua apurada retribuição diária (€60 x 30 x 14) e (ii) determine, subsequentemente, a indemnização por ITA e a pensão anual e vitalícia devida àquele.

A R contra-alegou.

Conclusões:

I- O A era um trabalhador ocasional, que auferia uma retribuição de 60€ por cada dia de trabalho prestado.
II- Um trabalhador ocasional, ou que trabalhe a tempo parcial, que sofra um acidente de trabalho deve ser indemnizado com base na retribuição que auferiria que desempenhasse a sua actividade a tempo inteiro (cfr artigo 71.º n.º 9 da LAT);
III- O A propõe que se entenda por tempo inteiro o trabalho prestado ao longo de 30 dias por cada mês, o que, pressupondo que respeita nos seus cálculos a duração máxima diária da jornada laboral, corresponderia, no essencial, a 240 horas mensais de trabalho ou 55,38 horas semanais de trabalho (30 dias x 8 horas = 240 horas x 12 meses = 2.880 horas / 52 semanas = 55,38 horas);
IV- A Lei ordinária (artigos 203º n.º1, 232º, 234º e 237º do Código do Trabalho), em consonância com a Lei constitucional (cfr artigo 59º nº 1, alíneas c) e d) da CRP), estabelece a duração máxima do período normal de trabalho diário e semanal, impõe à entidade patronal que conceda ao trabalhador um dia de descanso semanal, com a possibilidade de ser reconhecido um dia de descanso complementar, e confere ao trabalhador o direito a gozar os feriados nacionais e um período anual de férias de 22 dias úteis
V- A seguir-se o entendimento do A, o legislador teria considerado ser “tempo inteiro” o trabalho prestado em clamorosa violação de direitos constitucionais consagrados, como seria a sua prestação 360 dias em cada ano e 240 horas por mês!
VI- É, salvo o muito e devido respeito, irreal admitir que o legislador quis, num caso como o dos autos, que se ficcionasse, para obter a retribuição que seria auferia a “tempo inteiro”, que o trabalhador exerceria a sua profissão quase todos os dias de cada ano, praticamente sem descansos semanais, férias ou feriados, ou qualquer pausa!!
VII- Essa interpretação não seria compatível com a necessidade de conservação da “unidade do sistema jurídico” a que a lei manda atender na interpretação das normas e não seria consentânea com a presunção de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
VIII- Devendo antes entender-se que tempo de trabalho a “tempo inteiro” é o que é prestado com observância dos limites máximos de duração do trabalho admitidos, isto é, com respeito pelo descanso semanal obrigatório e complementar e correspondente a 8 horas de trabalho por cada dia e 40 horas por semana.
IX- Ora, como é de todos sabido, um mês normal tem, em média, 22 dias úteis.
X- Logo, o trabalho a tempo inteiro a que alude a Lei será o que se contém dentro dos referidos limites, isto é, no decurso dos 22 dias úteis de cada mês e, em cada um deles, 8 horas por dia.
XI- De resto, à mesma solução chegaríamos por aplicação da regra do nº 5 do artigo 71º da LAT;
XII- Estando em causa um trabalhador que exerce a actividade agrícola de forma ocasional, a sua retribuição é sempre fixada com referência cada dia de trabalho efectivo, excluindo-se a retribuição os dias em que o mesmo não foi prestado, como os de descanso semanal (sábados e domingos) e os dias de feriados que nele ocorram, ou seja, em média, durante 22 dias por semana e não 30.
XIII- Note-se que a retribuição a considerar para efeitos de cálculo da indemnização do A será sempre uma ficção, já que, na realidade, este não auferia de facto este montante (ou o que sugere), mas sim quantia muito inferior.
XIV- O que importa salientar é que nessa “ficção” o julgador não pode supor - tal como o legislador não fez - que só pelo facto de se tratar de um trabalhador ser ocasional o seu trabalho a tempo inteiro seria, afinal, prestado em moldes que a lei nem consentiria no que toca à sua duração.
XV- Ademais, como bem se assinala na douta sentença, o cálculo da retribuição que é sugerido pelo A acarretaria para si um tratamento desigual e muito mais vantajoso em relação àqueles trabalhadores que auferem a sua retribuição com referência à mensalidade e conflituaria também com o princípio geral da obrigação de indemnizar, que restringe a obrigação de reparação do dano à reconstituição da situação que se verificaria, se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (art. 562º do Código Civil).
XVI- Na verdade, atendendo à concreta função exercida pelo A - a de agricultor - não é de supor que um qualquer empregador se prontificasse a pagar-lhe uma retribuição mensal correspondente à multiplicação por 30 dias da retribuição que estaria disposto a pagar-lhe por qualquer dia de trabalho efectivo, por não ser economicamente racional ou viável.
XVII- Diz-nos o senso comum que, se o A trabalhasse a “tempo inteiro”, a sua entidade patronal, estaria na disposição de lhe pagar mensalmente o equivalente ao produto da multiplicação do valor diário do seu trabalho pelo número de dias em que o prestasse, ou seja, por 22 dias úteis em cada mês (60€ x 22 dias = 1.320,00€).
XVIII- A interpretação que o A agora sugere para a norma do artigo 71º n.º 9 da LAT surge, pois, em contraponto à que o próprio bom-senso dita e acaba por gerar um tratamento mais favorável para o A em relação ao trabalhador que efectivamente prestasse o seu tralho a tempo inteiro, já que acaba por redundar na consideração de uma retribuição mensal de 1.800,00 € (60€ x 30 dias) por trabalho igual.
XIX- Daí que sempre se impusesse a consideração de que a remuneração mensal auferida pelo sinistrado atingisse o equivalente ao trabalho prestado nos 22 dias úteis que, em média, existem em cada mês (60€x22dias=1320,00€), o que multiplicado por 12 meses e acrescido de subsídio de férias e de Natal, atingiria os indicados 18.480,00€ (1320€x14=18.480,00€).
XX- Nesse sentido se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2014, relatado pelo Sr Juiz Desembargador João Diogo Rodrigues e proferido no processo 174/09.5T/BRG.P2 e no douto Acórdão da Relação de Évora de 02/10/2012, no Proc 349/10.4T2SNS.E1,
XXI- Perante o exposto, a retribuição a atender no cálculo das indemnizações é a de 18.480,00€ anuais pelo que foram correctamente fixadas as prestações devidas ao A, devendo o recurso improceder.
XXII- A douta sentença sob censura não violou qualquer norma legal.

Termina pretendendo que o recurso seja julgado improcedente.

Efectuado o exame preliminar, cumpre decidir.

Indagar-se-á do valor da retribuição anual para o apuramento das prestações devidas.

Os factos considerados apurados na sentença:

1. O autor/sinistrado exerce a actividade de trabalhador rural/agrícola por conta de outrem.
2. No dia 02 de Abril de 2016, em …, Valpaços, autor/sinistrado, no âmbito dessa sua actividade e ao serviço e sob a direcção, fiscalização e orientação do seu empregador H. S., quando procedia ao engate do reboque num tractor, entalou o dedo médio da mão direita, sofrendo as lesões examinadas e descritas constantes do relatório médico-legal elaborado pelo GML de fls. 17 a 19 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
3. Como consequência directa e necessária daquele evento, o autor/sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) no período compreendido entre os dias 3/04/2016 a 15/06/2016, num total de 74 dias.
4. As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 19/06/2016, determinaram-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 9,00%.
5. À data do acidente, o sinistrado era trabalhador ocasional/eventual daquele empregador, actividade essa que, às suas ordens e em seu benefício, prestava sempre que aquele (empregador), em função das tarefas agrícolas que importava realizar, o chamava para esse efeito.
6. O sinistrado, á data do acidente auferia uma retribuição diária de €60,00.
7. O empregador do sinistrado, H. S., havia transferido para a aqui ré, Companhia de Seguros X, S.A., a sua responsabilidade infortunística de natureza laboral, através de um contrato de seguro titulado pela apólice nº. 3114757, encontravam-se garantidas retribuições diárias dos trabalhadores do segurado até ao salário diário de €55,00 para trabalho de homens não mecanizado e de €60,00 para trabalho de homens mecanizado.
8. O autor/sinistrado recebeu da ré/seguradora a quantia de € 2.622,58 a título de indemnização por IT,s.
9. O autor sinistrado despendeu, com transportes e alimentação ocasionadas/determinadas pelo presente processo, a quantia de €60,00.
10. Na tentativa de conciliação, realizada na fase não contenciosa deste processo, o autor/sinistrado e a ré/seguradora aceitaram [a] a existência e circunstâncias do participado e descrito sinistro e a sua caracterização como acidente de trabalho; [b]o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas; [c] as lesões/sequelas e períodos de incapacidade temporária (ITs) sofridas, em consequência do mesmo; [d] a atribuída desvalorização e respectivo grau de que (aquele) ficou afectado: IPP de 9%; [e] o valor das reclamadas despesas de transporte e alimentação no valor de €60,00.
11. A ré/seguradora aceitou como transferida, no âmbito daquele contrato de seguro, a remuneração anual de €18.480,00 [€1.320,00 x 14 meses], não aceitando a retribuição anual proposta de €21.900,00 [€60,00 x 365 dias], nem a importância de €485,42, correspondente à diferença entre o valor da indemnização paga a título de It,s (€2.622,58) e a proposta naquela conciliação [€3.108,00].
12. O autor/sinistrado não vem recebendo qualquer quantia a título de pensões provisórias.
13. A ré/seguradora pagou ao autor a quantia reclamada de €60,00, despendidas com despesas de transporte e alimentação.
14. A ré/seguradora procedeu ao pagamento da quantia de €12,88 a título de juros moratórios:
15. A ré/empregadora, para além da quantia referida no ponto 8º, pagou ainda ao autor/sinistrado a quantia de € 485,42 respeitante a perda de salário (ITA/ITP).
16. O autor/sinistrado nasceu a 14 de Abril de 1957.”.

Posto isto.

Não está em causa, a data do acidente e, nesta oportunidade, o estatuto do recorrente como trabalhador ocasional/eventual em tarefas agrícolas com salário de 60,00€/dia ao serviço do tomador do seguro contratado com a recorrida, a dimensão laboral do acidente e a cobertura do acidente pelas garantias da apólice desse seguro (modalidade de agrícola genérico, garantindo-se as retribuições diárias dos trabalhadores do segurado como o recorrente até ao salário diário de 60,00€, nomeadamente).

Desde o início as partes dissentem, portanto, sobre a forma como deve ser calculado o valor da retribuição anual a considerar no apuramento das prestações devidas a título de indemnização por ITA e de pensão anual e vitalícia.
Na sentença acolhe-se a posição da recorrida, calculando-as com base no número dias que comporta cada um dos meses do ano com exclusão dos de descanso previstos na lei.
Enquanto isso o recorrente entende que esse número de dias deve ser por inteiro.
Este tribunal já se pronunciou sobre esta temática.

Por todas as suas decisões a este respeito subscrevemos a jurisprudência do acórdão de 20.10.2016, proferido no processo 282/14.0TTVRL (www.dgsi.pt), no qual, tal como na sentença estes autos se lançou mão do disposto no artº 71º, nº 5 da Lei 98/2009, de 04.09, presidindo contudo à respectiva razão de decidir a ideia de que se visa com a reparação do acidente de trabalho a compensação do trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho:

Importa desde já deixar consignado que por o acidente a que os autos se reportam ter ocorrido no dia 21 de dezembro de 2013, a Lei aplicável, no que respeita ao regime dos acidentes de trabalho é a Lei n.º 98/2009 de 4/09 (NLAT) que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02.

Sendo incontroverso, porque aceite por todos os intervenientes, que o acidente sofrido pela Autora no dia 21/12/2013 é de trabalho, tal como resulta do disposto do artigo 8º n.º 1 da NLAT, coloca-se, à apreciação deste Tribunal da Relação, apenas a questão de saber qual a retribuição anual da Autora a atender para efeitos do cálculo da indemnização pela incapacidade temporária e para efeitos de cálculo de pensão por incapacidade permanente parcial de que ficou portadora e isto tendo em atenção a modificação introduzida na matéria de facto provada, havendo assim de adequar a decisão de direito em conformidade com os factos apurados.

No que respeita à retribuição auferida pela Autora no dia em que ocorreu o acidente, apurou-se que aquela auferia a retribuição diária de €25,00, no exercício das funções de trabalhadora rural, mais precisamente na apanha da azeitona, estando na ocasião do sinistro previsto que ia trabalhar na apanha da azeitona mais sete dias. A Autora apenas trabalhava ocasionalmente para a 2ªRé, quando esta a chamava.

Também resulta da matéria de facto provada que o contrato de seguro estabelecido entre a 2ª e a 1ª RR., constitui um contrato agrícola genérico, a prémio fixo, tendo sido transferida para as trabalhadoras mulheres a remuneração a remuneração de €37,50/dia. No entanto, também ficou provado que o contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 005297867, celebrado entre as Rés, assegurava a transferência da responsabilidade da 2ª Ré, entidade empregadora, com o limite máximo de retribuição diária de €37,50 e um limite anual estimado em €7.000,00.

Do confronto destes factos apurados conjugados com as regras da experiência, podemos inferir, sem margem para grandes dúvidas, que, sendo a apanha da azeitona, uma actividade sazonal, trabalhando a Autora por conta da 2ª Ré, só quando esta a chamava, estando na ocasião do acidente previsto que a Autora iria trabalhar nessa actividade da apanha da azeitona mais 7 dias, o trabalho prestado pela Autora por conta da Ré era sazonal, não regular, tendo como única referência a remuneração diária de €25,00.

Dispõe o artigo 71º da NLAT o seguinte:

«1 – A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 – Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5- Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6- (…).
7 – (…)
8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 artigo é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 – (…)
10 – (…)
11- Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».

Do citado n.º 1 do artigo 71º da NLAT resulta que quer a indemnização por incapacidade temporária, quer a pensão por acidente de trabalho devem ser calculadas tendo por base a retribuição anual ilíquida “normalmente” recebida pelo sinistrado, ou seja, a retribuição que por regra era recebida pelo sinistrado, tendo em conta os elementos constitutivos desta e a sua permanência, está em causa o carácter normal, e não excepcional ou esporádico da retribuição.

Tal como se fez consignar no Acórdão do Tribunal da Relação e Évora proferido no Proc. Nº 349/10.4T2SNS.E1, ainda que proferido ao abrigo da anterior Lei n.º 100/97, de 13/09, mas que mantêm aqui a sua actualidade “ao aludir a retribuição anual ilíquida, a lei não pretende significar que se deva atender à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado durante um ano: basta atentar que o trabalhador pode ser vítima de um acidente de trabalho logo num dos primeiros dias em que inicia a actividade para uma determinada entidade empregadora e nem por isso no cálculo da pensão a que o mesmo tenha direito deixará de se ter em conta a retribuição que normalmente ele auferiria nesse ano; o que a lei pretende ao estatuir que se atenda à retribuição anual ilíquida é, por um lado, determinar o cálculo da retribuição tendo por base um determinado período temporal e, por outro, precisar que essa retribuição a atender é ilíquida e não líquida. É nesta linha de entendimento que o número 4 do artigo 26.º manda atender, para efeitos de cálculo da retribuição anual não à retribuição concreta, mas ao “produto” (valor abstracto) que resulta da multiplicação por 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade.

Por sua vez, de acordo com o n.º 9 do artigo 26.º, estando em causa um trabalho não regular, aplica-se o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, que determina que se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente; e na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.”

A retribuição anual da Autora terá de ser encontrada nos termos acima mencionados.
No caso em apreciação está em causa um trabalho sazonal (apanha da azeitona), pelo que há-de considerar-se não regular.

Desconhecemos quantos dias a Autora trabalhava, sabemos apenas que quando a 2ª Ré a chamava, ia trabalhar e nesses dias auferia a retribuição de € 25,00, sendo por isso essa a retribuição do dia do acidente. Tal significa que a capacidade de ganho da Autora era de €25,00 por dia. Importa ter presente que a atribuição da pensão por acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela sua diminuição da capacidade laboral: assim, se essa limitação corresponde a um ganho de €25,00, devemos para efeito de reparação atender a tal montante.

Considerando que a pensão é fixada anualmente, tendo em conta a retribuição anual, será aquele valor diário que resulta da multiplicação por 30 dias, o valor da retribuição mensal e esta deverá ser multiplicada por 12 vezes, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade durante um ano, que terá de se atender para cálculo da pensão

Ora, atendendo à natureza do trabalho levado a cabo pela autora, trabalho este não regular, a natureza dos serviços prestados – apanha da azeitona -, a categoria profissional da Autora – trabalhadora rural -, o facto deste tipo de trabalho ter de ser feito em determinada época do ano, ter de ser efetuado com alguma celeridade, o que leva à contratação ocasional, normalmente mais bem paga do que o vulgar trabalho rural ou agrícola, consideramos que, para efeitos de cálculo da retribuição anual auferida pela Autora e tendo presente o disposto o mencionado n.º 5 e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 a 3, todos do referido art. 71º da NLAT, a retribuição diária auferida pela Autora deverá ser multiplicada por 30 dias e o seu produto multiplicado por 14 meses por ano. Ou seja, entende-se que a Autora auferia a retribuição mensal de €750,00, a que corresponde uma retribuição anual de €10.500,00 (€750,00 x 14 meses por ano), por considerarmos ser esta retribuição equilibrada em função da contratação efetuada e que servirá como base de cálculo para as indemnizações devidas à A. em consequência do acidente por ela sofrido.

(…)
Em suma, voltamos a afirmar que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar €25,00 por dia, ainda que seja no desempenho de uma actividade sazonal, não regular, sem que tenha sido possível apurar quantos dias a Autora trabalhou, é de fixar a retribuição anual tendo em conta aquele valor diário vezes 30 dias por mês, vezes, 14 meses por ano, improcedendo assim a pretendida fixação da retribuição tendo em conta o salario mínimo nacional.”.

Neste sentido já este tribunal se tinha pronunciado no acórdão de 02.06.2016 (procº 151/14.4TTVRL.G1; www.dgsi.pt), ou seja, como se disse, para que antes de tudo a reparação do acidente de trabalho vise compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho, ainda que equacionando-se a equiparação a trabalho a tempo parcial e consequente aplicação do disposto no citado nº 9 do artº 71º:

Deverá o cálculo das prestações devidas a titulo de indemnização das incapacidades temporárias e de pensão por IPP ter por base a retribuição anual determinada nos termos do n.º 4 do art.º 71 da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), não podendo ir a responsabilidade da seguradora além da retribuição para si transferida pelo R. empregador do sinistrado, no montante anual de € 2.042,12? Ou deverá antes ter-se em conta, como defende a decisão recorrida, a retribuição anual ficcionada aludida no n.º 9 do art.º 71.º da, no montante anual de € 16.800,00 (€ 40,00/d x 30 d x 14 m)?

Dispõe o art.º 71, sob a epigrafe "Cálculo e pagamento das prestações, da LAT, nos n.º 1 a 5 e 9, que:

“(…)
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
(…)”
São estas normas que cumpre apreciar em especial, mormente as regras dos n.º 4 e 9, cuja aplicabilidade ao caso se discute.

Há que notar que, como nota o DM do MºPº, no seu parecer, a R. Seguradora põe agora a questão em termos diversos do que pôs na tentativa de conciliação, onde declarou aceitar o salário transferido de € 485,00 x 14 meses, não aceitando apenas o salário de € 51,05 x 30 dias x 14 meses.
É apenas esta a questão que cabia apreciar e decidir nos autos (art.º 112 e 131/c, do CPT).
Ora, se o contrato por meio do qual o sinistrado presta a atividade pode suscitar dúvidas relativamente à característica de tempo parcial, na medida em que este corresponde "a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável" (art.º 150, CT), também a pretensão da R. não encontra arrimo seguro, já que a sazonalidade corresponde ao que é próprio de uma estação do ano, que ocorre sempre em determinada época (cfr. por todos http://www.priberam.pt/dlpo/sazonal), já que a lenha poderá ser cortada em diversas alturas, ainda que porventura seja mais avisado fazê-lo quando se acha seca. Ou seja, esta é uma atividade irregular (um caso de irregularidade e não de sazonalidade é a prevista no art.º 140/2/e, 2ª parte: "outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima").

Certo é que para haver trabalho a tempo parcial não se mostra necessário que o trabalhador tenha um horário parcial todas as semanas (exceto, evidentemente, períodos de férias): um empregada doméstica que desempenha atividade quinzenalmente (vg um dia por quinzena), não deixa de trabalhar desta forma. Acresce que a prestação da atividade numa determinada época do ano não acarreta que deixe de haver trabalho a tempo parcial (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2012, proc. 421/06.5TTFIG.C1.S1, no qual a sinistrada se dedicava à sulfatagem de vinhas, mais se provando que "a algumas semanas em que trabalhava todos os dias úteis, sucediam-se semanas em que só trabalhava alguns dias úteis, bem como semanas em que não trabalhava qualquer dia"). Ou seja, ainda é caraterizável a situação como de trabalho a tempo parcial, até porque o trabalhador não cessa, que se conheça, de laborar noutras ocasiões, e nem desenvolve apenas atividade sazonal, isto é, que só possa prestar em determinadas alturas do ano.

Prosseguindo. Como escreveu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2015, no proc. 187/11.7TUVCT.G1.S1, aliás em recurso de decisão desta Relação, in www.dgsi.pt,"se fosse considerada relevante para o cálculo das prestações devidas a trabalhadores a tempo parcial a retribuição efetivamente paga ao sinistrado, ficaria por ressarcir a perda da capacidade de trabalho e de ganho em consequência do acidente, na parte complementar do dia normal de trabalho não ocupado com a atividade prestada ao responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente. O que se compreende, uma vez que o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de desempenho da correspondente atividade profissional. Tal como é sublinhado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de junho de 2002, proferido no Processo n.º 2773/01, da 4.ª Secção (Social), «não existe uma relação direta de proporcionalidade entre a duração do horário de trabalho praticado no momento do acidente e a duração das incapacidades deste derivadas: a incapacidade permanente vai afetar o sinistrado para o resto da sua vida ativa, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de exercício de atividade, e não apenas no período de tempo equivalente ao horário parcial vigente aquando da ocorrência do acidente». Daí a razoabilidade da solução enunciada e que o acórdão referido considera válida para todas as situações de trabalho parcial, porque inteiramente alicerçada no «princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima» (cf. CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Anotado, 2.ª edição. Almedina, Coimbra, 2005, p. 226). Em suma: as prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro".

Ponderando os factos verificamos que o sinistrado em 21.08.2013 prestava a actividade de trabalhador rural ao empregador D., mediante a retribuição diária de € 40,00, quando sofreu um infortúnio que lhe causou incapacidades para o trabalho. O empregador tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a C. mediante um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta de outrem, trabalhadores agrícolas, na modalidade de seguro agrícola genérico, outorgado em 31.10.2008, formalmente titulado pela apólice n.º 4716869, abrangendo um quadro de pessoal de 2 homens, sem nome, e pela retribuição diária de € 51,05.

Dada a factualidade exposta a aplicabilidade do n.º 9 é fundada (e sempre se poderia aplicar regra semelhante, a não ser assim, por via do n.º 5, até porque, como escreveu o Supremo Tribunal de Justiça, no citado acórdão de 12-01-2012, "o que não seria justificável era que o empregador tivesse de suportar o pagamento de um prémio de seguro mais elevado ... e... se constituísse um benefício para a seguradora, sem qualquer contrapartida": é que a seguradora, no caso, recebeu pelo valor de diário de € 51,05), que veio a por em causa na tentativa de conciliação.
De onde cabe efetivamente à R. ressarcir o sinistrado nos termos determinados.

A solução preconizada nestes arestos é que melhor se coaduna com o citado “princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima”.
A expressão do valor de trabalho diário traduz por si essa capacidade de ganho.

Na ponderação dos usos laborais, cremos interpretar bem a realidade factualizada se referirmos que não se deve perder de vista que perante a génese da natureza do trabalho do recorrente em exploração de recursos agrícolas (poda, arroteamento, sementeiras, regas, colheitas, etc, em períodos anuais diferenciados para cada uma dessas actividades, com duração de vários dias face à normalidade do ciclo biológico ou produtivo) é relativizada a necessidade do gozo efectivo de dias de descanso, feriados e férias, quando não é mesmo afastada em absoluto.
O trabalho eventual/ocasional obviamente não exclui a sua reiteração para a mesma actividade e empregador ou ainda para terceiro.
Na situação aprecianda de extrema precariedade pode-se ainda inferir uma deficiente situação económica por parte do trabalhador.

Por tudo isto, sem estar em causa a unidade do sistema jurídico nos termos do artº 9º do CC e sem se alcançar qualquer imposição constitucional em contrário, não pode vir ao caso o disposto nos artºs 271º (cálculo do valor da retribuição horaria), 203º (limites do período normal de trabalho), 232º (descanso semanal), 234º (feriados obrigatórios) e 237º (direito a férias) do CT e, por maioria de razão, em matéria cuja demonstração essencialmente caberia à recorrida (artº 342º, nº 2 do CC), a necessidade de demonstração dos dias do mês e do ano nesta situação de trabalho eventual/ocasional, de forma também a que o conceito de “tempo inteiro” previsto no nº 9 do citado artº 71º se cinja aos parâmetros daqueles normativos.

E daí que, igualmente, sem qualquer outro pressuposto factual da relação de trabalho a apontar inequivocamente no sentido de um paralelismo com as circunstâncias previstas nessas normas, não se possa afirmar que “o cálculo da retribuição que é sugerido pelo A acarretaria para si um tratamento desigual e muito mais vantajoso em relação àqueles trabalhadores que auferem a sua retribuição com referência à mensalidade e conflituaria também com o princípio geral da obrigação de indemnizar, que restringe a obrigação de reparação do dano à reconstituição da situação que se verificaria, se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (art. 562º do Código Civil)” ou, como na sentença, que “consideramos não se justificar, nem ser de aceitar, que para cálculo da retribuição anual seja ficcionada a multiplicação da retribuição diária auferida nestas circunstâncias por 365 dias (todos os dias do ano) e/ou por 30 dias x 14 meses, como pretende o autor/sinistrado, porquanto esse entendimento configuraria um enriquecimento sem causa (art. 473º do Código Civil), por um lado, e, por outro, consistiria num tratamento desigual e muito mais vantajoso em relação àqueles trabalhadores que auferem a sua retribuição com referência à mensalidade e, por último, conflituaria também com o princípio geral da obrigação de indemnizar, que restringe a obrigação de reparação do dano à reconstituição da situação que se verificaria, se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (art. 562º do Código Civil)”. Em todo o caso, é inapropriado o argumento do instituto do enriquecimento sem causa na medida, além do mais, se está a reconhecer judicialmente os pressupostos do pedido do recorrente.

Nestes termos deve ser ficcionado que a retribuição anual do recorrente aquando o acidente era de 25.200,00€ [(60€x30)x14], pelo que será com base neste rendimento anual que as prestações devidas serão calculadas.

Ao abrigo dos artºs 48º, nº 3, alª c), e 50º da Lei 98/2009 pela definida desvalorização (IPP), a pensão anual e vitalícia é no valor de 1.587,60€ (25.200,00x70%x9%), obrigatoriamente remível (artº 75º, nº 1 da Lei 98/2009).

Relativamente à indemnização do período de ITA (74 dias), face ao disposto nos artºs 48º, nº 3, alª e) e 50º, nº 3 da Lei 98/2009, tem o recorrente direito a uma indemnização no montante de 3.576,33€ (25.200,00:365x70%x74 dias).

Como resulta provado que foram pagas ao recorrente a título de ITA a quantia de 3.107,94€, tem ainda direito a receber a título de diferença de indemnização por este período o montante de 468.39€.

Acrescem juros mora à taxa legal, calculados desde o dia seguinte à alta, deduzidos os já suportados pela recorrida.
Pelo que se deixa dito será julgado procedente o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- No caso do trabalhador eventual/ocasional não se podendo concluir pelo valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho deve-se ter em conta o disposto no artº 71º, nº 5 da Lei 98/2009.
2- E se a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral, bem como se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar 60,00 por dia, é de fixar a retribuição anual tendo em conta esse valor diário multiplicado por 30 dias e por 14 meses.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente o recurso, pelo que revogando-se parcialmente a sentença, mantendo-se esta no mais condena-se a recorrida a pagar ao recorrente o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 1.587,60€, a partir de 20.06.2016, 468.39€ a título de diferenças de indemnização por período de incapacidade temporária e juros de mora sobre essas quantias deduzidos dos já suportados vencidos e vincendos desde tal data até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo recorrida.
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O acórdão compõe-se de 20 folhas, com os versos não impressos.
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14.06.2018

Eduardo Azevedo
Vera Sottomayor
Antero Veiga